III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 345 Registros de Malformação de Membros em Rhinella Crucifer (Anura: Bufonidae) F. C. F. Lírio 1*, C. Z. Zocca 1, M. M. Mageski 2 & R. B. Ferreira 1,3 1 Associação dos Amigos do Museu de Biologia Mello Leitão. 2 Universidade Vila Velha, Laboratório de Ecologia Terrestre e Aquática. 3 Department of Wildland Resources and Ecology Center, Utah State University. Email para correspondência: *nanda_clf@hotmail.com Introdução Relatos sobre malformação esquelética em anfíbios tem aumentado exponencialmente em escala global (Ouellet, 2000; Lannoo, 2008; Johnson et al., 2010). Relatos sobre essas anormalidades datam há mais de 200 anos atrás (Ouellet, 2000). Diante dos fatos, a ciência busca esclarecer os efeitos causadores dessas malformações, muitas vezes ocasionadas por impactos antropogênicos. No entanto, este processo demanda conhecimento sobre os efeitos indiretos, as interações sinérgicas e noção sobre as condições ecológicas históricas (Jonsohn, 2003). Sabemos que estas malformações podem afetar um grande percentual de anfíbios anuros emergentes em uma população e são suspeitas de prejudicar suas chances de sobrevivência (e.g. Sessions & Ruth, 1990; Johnson et al., 2001b). Um obstáculo importante para avaliar esta questão tem sido a falta de dados históricos sobre a freqüência e a gravidade das malformações (Jonsohn, 2003). A fim de contribuir com dados sobre malformações em anfíbios, avaliamos exemplares de Rhinella crucifer (Wied-Neuwied, 1821) depositados na Coleção de Zoologia do Museu de Biologia Professor Mello Leitão, Santa Teresa - ES. Material e Métodos Avaliamos por meio visual todos os indivíduos de Rhinella crucifer depositados na Coleção de Zoologia do Museu de Biologia Professor Mello Leitão (MBML), Santa Teresa, Espírito Santo. Esses indivíduos foram depositados entre 1989 e 2008. Fotografamos todos indivíduos com deformidade morfológica. Para determinação do tipo de anomalia nos membros locomotores, utilizamos a classificação proposta por Meteyer (2000). Resultados e Discussão Foram analisados 198 indivíduos de Rhinella crucifer, 14 (N%= 7) dos quais, apresentam anormalidades em membros locomotores (Tabela 1). 345
346 LÍRIO ET AL.:REGISTROS DE MALFORMAÇÃO DE MEMBROS EM RHINELLA CRUCIFER. Tabela 1. Relação dos números de tombo, procedência e data de depósito da espécie Rhinella crucifer da Coleção Herpetológica do Museu de Biologia Mello Leitão. Nº Tombo Procedência Data de depósito MBML 3099 Santa Teresa-ES 2004 MBML 255 Santa Teresa-ES 1990 MBML 2574 Santa Teresa-ES 2003 MBML 6350 Cariacica-ES 2001 MBML 6363 Cariacica-ES 2001 MBML 1112 Santa Teresa-ES 1998 MBML 1123 Santa Teresa-ES 1998 MBML 7236 Cariacica-ES 2008 MBML 7054 Domingos Martins-ES * MBML 6591 Aracruz-ES * MBML 4650 Santa Teresa-ES 2006 MBML 1179 Santa Teresa-ES 1998 MBML 5029 Fundão-ES 1989 MBML 7640 Marechal Floriano-ES 2004 * data de depósito não encontrada no livro de tombo. Destes, 10 (N%= 71) apresentam diferentes anormalidades nos membros posteriores, e quatro (N%= 29) em membros anteriores. O indivíduo mais antigo que apresentou malformação foi depositado em 1989. Henle (1981) relata altas taxas de malformação (~50%) em Bufotes viridis (Laurenti, 1768), incluindo membros extras, malformações das mandíbulas, edemas, e hipoplasia de membros. Segundo Jonsohn (2003), polimelia (membros extras) e polidactilia (dígitos extras) foram os mais comuns tipos de anomalias encontradas, predominantemente em membros posteriores e malformações em anfíbios. Apenas 35% (N=5) das anormalidades registradas ocorreram nos membros posteriores (Figura 1). Este número é relativamente pequeno se comparado a outras deformidades físicas (65%). Bacon et al. (2013) afirma que, se os predadores estão presentes no ambiente, isso também pode causar um aumento na incidência de anormalidades. Em experimentos realizados com exposição de metais pesados e produtos químicos agrícolas, contatou-se que os mesmos são capazes de induzir alterações no esqueleto de anfíbios (Forte et al., 1999a; Forte et al., 2001; Lannoo, 2008; Johnson et al., 2010). Neste contexto, se enquadra o município de Santa Teresa que apresentou 50% dos registros de anfíbios malformados, provavelmente, o número de registros se deva ao maior esforço de coleta no local. Outro fator se deva pela utilização de substâncias agroquímicas comuns em plantações na região. Endogamia também já foi registrada como causa de tais deformidades (Reeves et al., 2008). As modificações corporais ocorridas na anurofauna
III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 347 podem estar associadas a exposição a contaminantes ambientais, direta ou indiretamente tanto por meio de transferência materna, quanto a exposição a luz UV, são responsáveis pela maior parte das anomalias observadas em sapos-cururus. Figura 1. Anomalias encontradas nos indivíduos analisados. A) Calcificado, B) Micromelia, C) e D) Braquidactilia. Conclusão Inúmeros relatos sobre malformações de membros em anfíbios vem sendo registrados no mundo, porém muitos registros não possuem comprovação científica exata. As modificações corporais ocorridas na anurofauna podem estar associadas a exposição a contaminantes ambientais, direta ou indiretamente tanto por meio de transferência materna, quanto a exposição a luz UV, são responsáveis pela maior parte das anomalias observadas em sapos-cururus. Outras anomalias quando comprovadas, podem ser controladas se houver um intenso trabalho de preservação da natureza, além do controle dos parasitas, que 347
348 LÍRIO ET AL.:REGISTROS DE MALFORMAÇÃO DE MEMBROS EM RHINELLA CRUCIFER. podem ser também, responsáveis por estas malformações, além do uso indevido ou exacerbado de produtos químicos próximas as taxocenoses de anfíbios. Agradecimentos Somos gratos ao Museu de Biologia Mello Leitão por nos conceder acesso à Coleção Zoológica. Literatura Citada Bacon, J. P.; Fort, C. E.; Todhunter, B.; Mathis, M. & Fort, D. J. 2013. Effects of multiple chemical, physical, and biological stressors on the incidence and types of abnormalities observed in Bermuda's cane toads (Rhinella marina). Journal of Experimental Zoology Part B: Molecular and Developmental Evolution, 320(4): 218-237. Bonin, J.; Ouellet, M.; Rodrigue, J.; DesGranges, J. L.; Gagne, F.; Sharbel, T. F. & Lowcock, L. A. 1997. Measuring the health of frogs in agricultural habitats subjected to pesticides. Amphibians in decline: Canadian studies of a global problem. Herpetological Conservation, 1: 246-257. Fort, D. J.; Propst, T. L.; Stover, E. L.; Helgen, J. C.; Levey, R. B.; Gallagher, K. & Burkhart, J. G. 1999. Effects of pond water, sediment, and sediment extracts from Minnesota and Vermont, USA, on early development and metamorphosis of Xenopus. Environmental Toxicology and Chemistry, 18(10): 2305-2315. Fort, D. J.; Rogers, R. L.; Paul, R. R.; Miller, M. F.; Clark, P.; Stover, E. L. & Rolland, R. 2001. Effects of pond water, sediment and sediment extract samples from New Hampshire, USA on early Xenopus development and metamorphosis: comparison to native species. Journal of Applied Toxicology, 21(3): 199-209. Gurushankara, H. P.; Krishnamurthy, S. V.; Vasudev, V. 2007. Morphological abnormalities in natural populations of common frogs inhabiting agroecosystems of the central Western Ghats. Applied Herpetology, 4: 39-45. Johnson, P. T. J.; Reeves, M. K.; Krest, S. & Pinkney, A. E. 2010. A decade of deformities: advances in our understanding of amphibian malformations and their implications. In: Sparling, D. W.; Linder, G.; Bishop, C. A. & Krest, S. (ed.). Ecotoxicology of amphibians and reptiles. 2nd edition. Pensacola, FL: SETAC Press. P 511-536.
III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 349 Johnson, P. T. J.; Lunde, K. B.; Zelmer, D. A. & Werner, J. K. 2003. Limb deformities as an emerging parasitic disease in amphibians: evidence from museum specimens and resurvey data. Conservation Biology, 17(6): 1724-1737. Johnson, P. T. J.; Lunde, K. B.; Ritchie, E. G.; Reaser, J. K. & Launer, A. E. 2001b. Morphological abnormality patterns in a California amphibian community. Herpetologica, 57: 336-352. Lannoo M. 2008. Malformed frogs: the collapse of aquatic ecosystems. Berkeley, CA: University of California Press. Meteyer, C.U. 2000. Field guide to malformations of frogs and toads with radiographic interpretations. Biological Science Report USGS/BRD/BSR 2000-0005. Ouellet, M. 2000. Amphibian deformities: current state of knowledge, p. 617-661. In: Sparling, D.W.; Bishop, C. A. & Linder, G. ed. Ecotoxicology of amphibians and reptiles. Society for Environmental Toxicology and Chemistry, Pensacola, Florida. Reeves, M. K.; Dolph, C. L.; Zimmer, H; Tjeerdema, R. S. & Trust, K. A. 2008. Road proximity increases risk of skeletal abnormalities in wood frogs from national wildlife refuges in Alaska. Environ Health Perspect, 116: 1009-1014. Sessions, S. K., & Ruth, S. B. 1990. Explanation for naturally occurring supernumerary limbs in amphibians. Journal of Experimental Zoology, 254: 38-47. Taylor, B.; Skelly, D.; Demarchis, L. K.; Slade, M. D.; Galusha, D. & Rabinowitz, P. M. (2005). Proximity to pollution sources and risk of amphibian limb malformation. Environmental Health Perspectives, 113(11): 1497-1501. 349