PESQUISA SELECIONA INDICADORES BIOLÓGICOS PARA MONITORAMENTO DA COMPACTAÇÃO DO SOLO Brenda Cristye Tonon-Debiasi, Henrique Debiasi, Julio Cezar Franchini, Alvadi Antonio Balbinot Jr., Mariangela Hungria e Marco Antonio Nogueira O sistema plantio direto (SPD) é reconhecido como uma das ferramentas mais importantes para a sustentabilidade dos agroecossistemas brasileiros, sobretudo no contexto da produção de grãos. Entretanto, o manejo inadequado deste sistema, principalmente no que se refere ao tráfego intenso de máquinas agrícolas sob condições de elevada umidade do solo, associado à adoção de sistemas de produção pouco diversificados, com baixa produção de palhada e raízes, pode resultar na compactação excessiva do solo, o que reduz a produtividade das culturas, aumenta os custos de produção e impacta negativamente na qualidade do ar e da água. A carência de indicadores para o diagnóstico e o monitoramento da qualidade estrutural do solo, de baixo custo e fácil aplicação em escala de campo, constitui-se no principal gargalo para o manejo adequado da compactação do solo em SPD. A resistência mecânica do solo à penetração (RP), determinada com o auxílio de penetrômetros, têm sido o principal indicador para diagnóstico da compactação do solo no campo, justamente pela facilidade e rapidez na obtenção das medidas. Contudo, a RP não é um indicador confiável de compactação do solo quando utilizada de forma isolada, tendo em vista sua dependência de outros fatores além da estrutura, como a umidade do solo, textura, agregação e quantidade de raízes presentes no momento da avaliação. Neste contexto, a falta de informações confiáveis para a tomada de decisão para o manejo físico do solo tem levado a erros de recomendação e, em consequência, a perdas consideráveis na produtividade das culturas de grãos, bem como a aumentos dos custos de produção. Além de aumentar a RP, o que limita a profundidade e o volume de solo explorado pelas raízes, a compactação reduz a porosidade total, macroporosidade, capacidade de infiltração de água, aeração e condutividade hidráulica. Essas modificações alteram o armazenamento e os fluxos de água e ar no solo, bem como a adição de palhada, raízes e exsudatos radiculares pelas culturas e, consequentemente, podem influenciar na distribuição, atividade e na diversidade da microbiota do solo.
Diante do exposto, variações no estado de compactação podem influenciar os valores de atributos microbiológicos e bioquímicos do solo. Adicionalmente, alguns desses atributos podem ser quantificados em laboratório a partir de amostras deformadas, coletadas modo similar às utilizadas para análises químicas (que devem, evidentemente, ser armazenadas e transportadas sob controle de temperatura e outros cuidados), e a um custo relativamente baixo. Assim, indicadores microbiológicos e bioquímicos apresentam potencial para, em um futuro próximo, constituirem ferramentas para o monitoramento e diagnóstico da qualidade estrutural do solo em escala de campo. Neste contexto, a Embrapa Soja e o Programa de Pós-Graduação em Agronomia da Universidade Estadual de Londrina, com apoio financeiro da Fundação Agrisus (projeto 2050/17), conduziram experimento com o objetivo de selecionar indicadores microbiológicos e bioquímicos sensíveis a variações estado de compactação do solo, promovidas pela escarificação, tráfego de máquinas e/ou cultivo de diferentes espécies vegetais no outono-inverno. O experimento foi instalado em fevereiro/2013, na Embrapa Soja, em Londrina-PR, seguindo o delineamento de blocos ao acaso com três repetições. Os tratamentos compreenderam a combinação entre quatro espécies vegetais cultivadas no outono-inverno (braquiária ruziziensis, aveia preta, milho 2 safra, e trigo), e três estados de compactação (EC): EC1 - SPD escarificado em fevereiro/2013; EC2- SPD sem escarificação e sem compactação adicional por tráfego; e EC3- SPD compactado com oito passadas de colhedora com massa de 9,6 Mg, também em fevereiro/2013. No outono-inverno de 2013, todas as parcelas foram cultivadas com trigo, sendo as espécies vegetais avaliadas (braquiária ruziziensis, aveia preta, milho 2 safra, e trigo) cultivadas a partir de 2014. No verão, em todos os tratamentos e safras, foi implantada a cultura da soja. Foram determinados os seguintes atributos microbiológicos e bioquímicos do solo: respiração basal (RB); carbono da biomassa microbiana (CBM); quociente metabólico (qco 2 ); e a atividade das enzimas celulase, glutaminase, fosfatase ácida e arilsulfatase. Para isso, foram coletadas amostras de solo na camada de 0 a 10 cm, em quatro épocas: outubro/2014, após a colheita ou dessecação das culturas de outonoinverno; e em fevereiro/2015, janeiro/2016 e fevereiro/2017, durante a fase reprodutiva da soja. O estado de compactação foi caracterizado por meio das variáveis densidade do solo (DS), macroporosidade, microporosidade e porosidade total, em amostras com estrutura preservada obtidas em outubro/2014 e fevereiro/2017.
Não houve efeito significativo das culturas de outono-inverno nos atributos físicos avaliados, em ambas avaliações (Tabela 1). Por outro lado, os ECs influenciaram todos os atributos físicos avaliados, independentemente da época de amostragem. Os maiores efeitos ocorreram na 1ª amostragem, quando a compactação adicional pelo tráfego da colhedora (EC3) aumentou os valores de DS e microporosidade e, consequentemente, reduziu a porosidade total e macroporosidade (Tabela 1), em relação aos demais tratamentos (EC1 e EC2). Por outro lado, a escarificação do solo no EC1 resultou em menor DS e microporosidade, e maior porosidade total e macroporosidade, em relação aos demais ECs. Os resultados da 2ª amostragem foram similares aos obtidos na 1ª, porém com diferenças menores entre os ECs. Tabela 1. Atributos físicos do solo na camada de 0-10 cm, influenciados pelo estado de compactação e por culturas de outono-inverno, em duas épocas de avaliação. Atributos (1) Culturas de cobertura Estados de compactação (2) Braquiária Aveia Milho Trigo EC1 EC2 EC3 --------------------------------------Outubro/2014------------------------------------- DS, Mg m -3 1,21 ns 1,17 1,18 1,17 1,07 c 1,17 b 1,30 a Macro, m 3 m -3 0,10 ns 0,14 0,13 0,14 0,18 a 0,13 b 0,07 c Micro, m 3 m -3 0,44 ns 0,41 0,42 0,42 0,39 c 0,42 b 0,44 a PT, m 3 m -3 0,54 ns 0,55 0,54 0,56 0,58 a 0,55 b 0,52 c -------------------------------------Fevereiro/2017------------------------------------ DS, Mg m -3 1,27 ns 1,23 1,26 1,25 1,19 c 1,24 b 1,32 a Macro, m 3 m -3 0,08 ns 0,10 0,08 0,08 0,11 a 0,08 b 0,05 c Micro, m 3 m -3 0,45 ns 0,44 0,45 0,45 0,43 b 0,45 a 0,46 a PT, m 3 m -3 0,53 ns 0,54 0,53 0,53 0,54 a 0,53 a 0,51 b (1) DS= densidade do solo; Macro= macroporosidade; Micro= microporosidade; PT= porosidade total. (2) EC1 = SPD escarificado; EC2 = SPD sem compactação adicional e sem escarificação; EC3 = SPD com compactação adicional por oito passadas de uma colhedora com massa de 9,6 Mg). As alterações proporcionadas pelos ECs nos atributos físicos do solo (Tabela 1) influenciaram a comunidade microbiana, principalmente nas duas primeiras amostragens e, em particular, na 1ª (Figuras 1, 2 e 4). Em linhas gerais, o aumento do EC proporcionou redução na RB, na atividade das enzimas glutaminase e celulase e, em menor magnitude, no CBM e atividade das enzimas celulase e arilsulfatase, o que
variou conforme a época de amostragem. Os efeitos adversos da compactação sobre a microbiota do solo foram confirmados pela análise conjunta dos atributos microbiológicos e bioquímicos usando ferramentas de estatística multivariada (dados não apresentados). O aumento da DS e a redução do volume de macroporos nos maiores ECs (Tabela 1) provavelmente impactou negativamente os fluxos de água e de gases no sistema soloplanta- atmosfera, com o consequente decréscimo da disponibilidade de O 2 e água, prejudicando assim a atividade e o metabolismo dos microrganismos. Além disso, a formação de torrões grandes, coesos e pouco poros, em decorrência da compactação pelo tráfego da colhedora no EC3, pode ter dificultado o acesso dos microrganismos aos compostos orgânicos no interior dos agregados, afetando de forma negativa a microbiota do solo. A menor atividade microbiana com o aumento do EC pode ser associada também à redução da produção de palhada e raízes pelas espécies vegetais cultivadas no experimento em função da degradação da qualidade estrutural do solo, resultando em menor disponibilidade de fontes de C e energia, fatores fundamentais para o crescimento microbiano. Houve clara redução dos efeitos dos ECs sobre os atributos microbiológicos e bioquímicos do solo ao longo das avaliações (Figuras 1, 2 e 4). As diferenças entre os ECs no que se refere aos atributos físicos do solo também diminuíram ao longo do tempo, porém se mantiveram estatisticamente significativas (Tabela 1); portanto, esse fato, de forma isolada, não é suficiente para justificar a diminuição dos impactos da compactação sobre a comunidade microbiana do solo. Uma possível explicação pode estar relacionada à baixa sensibilidade de atributos físicos baseados em relações massa/volume (DS, porosidade total, macroporosidade e microporosidade) para detectar alterações na qualidade estrutural do solo, especialmente relacionadas ao volume, geometria e continuidade dos bioporos. Embora pequenas, essas alterações podem melhorar significativamente o ambiente para os microrganismos em solos compactados, pois os bioporos têm alta eficiência no transporte de água e gases, favorecendo a aeração. A época de amostragem em relação ao ciclo das culturas componentes dos diferentes tratamentos também pode ter contribuindo para modificar a resposta dos indicadores biológicos à compactação. A 1ª amostragem, na qual foram observados os efeitos mais consistentes da compactação do solo sobre os atributos microbiológicos e bioquímicos (Figuras 1, 2 e 4), foi realizada logo após o aporte de palhada e raízes via
colheita (milho e trigo) ou dessecação (aveia e braquiária). Nestas condições, é provável que disponibilidade de fontes de energia e C para microbiota do solo não tenha sido limitante, de modo que a atividade dos microrganismos foi determinada por fatores associados à qualidade estrutural do solo, como a disponibilidade de água e oxigênio. Por outro lado, nas avaliações realizadas durante o ciclo da soja, cerca de seis meses após a colheita ou manejo das espécies vegetais de outono-inverno, a disponibilidade de fontes de C e energia, determinada pela quantidade e qualidade da fitomassa, bem como pelas condições climáticas (chuva e temperatura), provavelmente tenha exercido maior efeito sobre a comunidade microbiana do que o ambiente físico do solo, diminuindo assim o impacto da estrutura do solo sobre os indicadores microbiológicos/bioquímicos do solo.
Figura 1. Respiração basal (a,b), carbono da biomassa microbiana (c,d) e quociente metabólico (e,f) de amostras de solo obtidas da camada de 0-10 cm em quatro épocas, influenciados pelo estado de compactação (EC1 = SPD escarificado; EC2 = SPD sem compactação adicional e sem escarificação; EC3 = SPD com compactação adicional por oito passadas de uma colhedora com massa de 9,6 Mg) e pelas espécies vegetais cultivadas no outono-inverno.
Figura 2. Atividade das enzimas fosfatase ácida (a), celulase (b), arilsulfatase (c) e glutaminase (d) em amostras de solo coletadas na camada de 0-10 cm em quatro épocas, influenciada pelo estado de compactação (EC1 = SPD escarificado; EC2 = SPD sem compactação adicional e sem escarificação; EC3 = SPD com compactação adicional por oito passadas de uma colhedora com massa de 9,6 Mg). Os efeitos das culturas de outono-inverno sobre os indicadores microbiológicos (Figura 1) e bioquímicos (Figura 3) foram pequenos e pontuais, quando os mesmos foram analisados separadamente. Resultados mais consistentes foram obtidos por meio da análise conjunta destes atributos via ferramentas de estatística multivariada (dados não apresentados). De modo geral, os impactos das espécies vegetais sobre os atributos microbiológicos e bioquímicos do solo dependeram: a) da quantidade da fitomassa adicionada; b) da qualidade dos resíduos vegetais produzidos, principalmente no que se à relação C/N; e c) do intervalo decorrido entre a colheita ou manejo da cultura e a amostragem. De acordo com a análise multivariada, a aveia preta favoreceu a comunidade microbiana do solo em relação às demais culturas nas três primeiras amostragens, principalmente no que se refere ao aumento da atividade da glutaminase. Neste contexto, o cultivo de aveia pode ter proporcionado um ambiente mais favorável para o
crescimento microbiano, em termos de biodisponibilidade de fontes de C e energia e melhoria dos fluxos de gases e água, mesmo sem alterar significativamente atributos físicos do solo baseados em relação massa/volume (Tabela 1). Por outro lado, na 3ª amostragem, os resultados indicaram menor atividade microbiana nas parcelas cultivadas com milho na 2ª safra. Figura 3. Atividade das enzimas fosfatase ácida (a), celulase (b), arilsulfatase (c) e glutaminase (d) em amostras de solo coletadas na camada de 0-10 cm em quatro épocas, influenciadas pelas espécies vegetais cultivadas no outono-inverno. Na 4ª amostragem, a estatística multivariada revelou que a atividade microbiana variou entre as espécies vegetais cultivadas no outono-inverno da seguinte forma: braquiária=trigo>aveia>milho. É importante lembrar que esta amostragem foi realizada no final de fevereiro/2017, ou seja, com um intervalo maior após o manejo/colheita das culturas de outono-inverno em relação às demais coletas. Em comparação à aveia e ao milho, a braquiária e o trigo se caracterizam por uma fitomassa com maior relação C/N e maior concentração de substâncias orgânicas resistentes à decomposição, o que aumenta a durabilidade da palhada e raízes no solo. Da mesma forma, a braquiária
produziu maior quantidade de fitomassa da parte aérea e raízes em relação ao milho (dados não apresentados), enquanto que o trigo permaneceu vegetando por mais tempo, sendo colhido apenas no final de setembro, enquanto o milho foi colhido em final de julho. Estes fatores permitem inferir que, no momento da coleta em fevereiro/2017, havia maior presença de material vegetal nas parcelas sob cultivo de trigo e braquiária, o que se traduziu em maior disponibilidade de fontes de carbono e, consequentemente, melhores condições para o crescimento microbiano. Figura 4. Relação entre a densidade do solo (DS) e as variáveis respiração basal (a, b, c, d), carbono da biomassa microbiana (e, f, g, h), atividade da celulase (i, j, k, l) e atividade da glutaminase (m, n, o, p), para amostras coletadas na camada de 0-10 cm em outubro/2014 (a, e, i, m), fevereiro/2015 (b, f, j, n), janeiro/2016 (c, g, k, o) e fevereiro/2017 (d, h, l, p).
De acordo com a análise conjunta dos atributos microbiológicos e bioquímicos do solo, o milho 2ª safra foi a cultura que resultou na menor qualidade microbiológica e bioquímica do solo nas duas últimas amostragens. Este fato pode ser associado à menor produção de fitomassa da parte aérea e raízes em relação às demais culturas avaliadas e, principalmente, ao maior intervalo decorrido entre a colheita do milho e a amostragem do solo. As relações apresentadas na Figura 4 indicam que os atributos microbiológicos e bioquímicos com maior sensibilidade à DS e, portanto, com maior potencial para uso no monitoramento e diagnóstico da compactação do solo, foram a RB e a atividade das enzimas celulase e glutaminase. Os resultados revelam ainda que esses indicadores apresentam maior sensibilidade e melhor associação com a DS quando determinados após a colheita ou manejo das espécies vegetais cultivadas no outono-inverno e antes da semeadura da soja, quando há maior disponibilidade de compostos orgânicos. Neste sentido, os valores de RB, celulase e glutaminase na 1ª amostragem foram, respectivamente, 68, 82 e 52% maiores no EC1 em relação ao EC3 (Figuras 1 e 3). Essas diferenças caíram para, respectivamente, 30, 25 e 16% na 3ª amostragem. É importante ressaltar também que a atividade da enzima glutaminase respondeu de forma quadrática ao aumento da DS, o que significa que este indicador obteve maiores valores em ECs intermediários, equivalentes ao SPD sem escarificação ou compactação adicional por tráfego. Portanto, a atividade da glutaminase pode se constituir em um indicador de degradação da qualidade estrutural do solo tanto por compactação excessiva, também, quanto por desagregação ocasionada por operações de preparo de solo. Os atributos microbiológicos/ bioquímicos de solo, especialmente a RB e a atividade das enzimas celulase e glutaminase, são indicadores que aprentam grande relação com qualidade estrutural do solo, o que os habilita como ferramentas promissoras para o monitoramento e diagnóstico do estado de compactação. Entretanto, enfatiza-se que o uso em larga escala dos indicadores microbiológicos e bioquímicos para esse fim requer um intenso programa de pesquisa e desenvolvimento, visando refinar a estratégia de amostragem e determinar níveis críticos para diferentes condições de clima e solo e sistemas de produção.