ANÁLISE PALEOCLIMÁTICA DA FORMAÇÃO DE DEPÓSITOS TURFOSOS NA PLANÍCIE DO ALTO TIBAGI, CAMPOS GERAIS, PARANÁ



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Transcrição:

ANÁLISE PALEOCLIMÁTICA DA FORMAÇÃO DE DEPÓSITOS TURFOSOS NA PLANÍCIE DO ALTO TIBAGI, CAMPOS GERAIS, PARANÁ Renato Lada Guerreiro Universidade Estadual de Maringá Laboratório de Estudos Paleoambientais da Fecilcam renatolguerreiro@hotmail.com Mauro Parolin Laboratório de Estudos Paleoambientais da Fecilcam mauroparolin@hotmail.com Nelson Vicente Lovatto Gasparetto Universidade Estadual de Maringá nvlgasparetto@uem.br José Cândido Stevaux Universidade Estadual de Maringá jcstevaux@uem.br RESUMO As variações ou mudanças climáticas e ambientais, no passado próximo, são essenciais para se determinar com maior segurança as condições futuras do clima. Esse conhecimento é indispensável para orientar a exploração racional do meio ambiente; gerenciar o uso dos recursos naturais; orientar a expansão urbana; conter a ocupação desordenada; reavaliar práticas agrícolas; uso e manejo dos solos e determinar áreas potenciais para fins agropecuários. Para um Estado na qual a agricultura é a base da economia, esses parâmetros se fazem essenciais para o planejamento futuro e aproveitamento dos recursos naturais do Paraná. O presente trabalho tem seu caráter estratégico na reconstituição paleoambiental paranaense pelo seu posicionamento geográfico aproximadamente 25º00 de latitude Sul, próximo ao Trópico de Capricórnio e por constituir um dos mosaicos paisagísticas mais fascinantes e intrigantes do Paraná. Vale ressaltar que existem poucos trabalhos sobre o Quaternário continental paranaense. Ao longo de 48km o rio Tibagi desenvolve uma ampla planície meandrante onde foram descobertos extensos depósitos turfosos em pelos 12km desse total. Esses depósitos são interpretados como paleoturfeiras desenvolvidas sob um nível de base do rio Tibagi a 780m.s.n.m. Foram estudados os registros palinológicos no afloramento no rio Das Mortes e os resultados apontaram condições climáticas com tendências mais secas em 3.220-2.960. Neste período a cobertura vegetal aberta já era predominante na região dos Campos Gerais e mesmo com a melhora climática ocorrida a partir do Holoceno os campos se fazem presentes, sendo considerados por muitos pesquisadores como vegetação relicta dos climas pretéritos outrora vigentes no Paraná. Palavras-chave: δ13c, Holoceno, palinologia.

ABSTRACT Variations or climatic and environmental changes in the near past, are essential to determine with greater certainty of future climate conditions. This knowledge is essential for guiding the rational exploitation of the environment and manage the use of natural resources, guide the urban expansion; contain the disorderly occupation; reevaluate agricultural practices, land use and management of soils and determine potential areas for agricultural purposes. For a state in which agriculture is the foundation of the economy, these parameters are essential for future planning and exploitation of natural resources of the Parana. This work has its strategic role in paleoenvironmental reconstruction Paraná by its geographical position approximately 25 00 'latitude south, near the Tropic of Capricorn and is one of the most fascinating landscape mosaics and intriguing of Parana. It is noteworthy that there are few studies on the Quaternary continental Paraná. Along the 48km Tibagi develops a wide meandering plain where extensive deposits were discovered in peat by 12km of the total. These deposits are interpreted as paleoturfeiras developed under a basic level of the river Tibagi 780m.snm The studied palynological records in outcrop in the Rio das Mortes and the results indicate weather trends with more droughts in 3220-2960. During this period the canopy open was already prevalent in the region of Campos Gerais and even with the improved climate of the Holocene occurred from the fields are present and are considered by many researchers as relict vegetation of past climates formerly existing in Parana. Keywords: δ13c, Holocene, palinology. 1. Introdução Na região dos Campos Gerais o primeiro estudo com vistas à interpretação paleoclimática foram operados por Lorscheitter e Takeda (1995), em sedimentos retirados da Lagoa Dourada (Parque Estadual de Vila-Velha, PR). Tal estudo apontou uma melhoria climática, com aumento de temperatura e umidade no Holoceno. Nove anos depois Moro et al. (2004) encontraram 119 táxons de diatomáceas, e, com base nesse dado sugeriram que a região passou por estágios áridos e semiáridos (8.750 anos AP.), altenados com períodos de maior pluviosidade. Moro, Parolin e Menezes (2009), avaliaram a ocorrência de espículas de esponjas neste mesmo sedimento, chegando às mesmas interpretações. Melo et al. (2003) apontaram duas fases principais de sedimentação quaternária ocorridas na região de Ponta Grossa (perímetro urbano). Neste estudo são apontadas duas fases principais de sedimentação ocorridas na região: a) fase pleistocênica: ~16.000 anos AP. com acentuada denudação das encostas, indicando condições mais severas de desequilíbrio ambiental; b) fase holocênica: do Holoceno Médio datações entre 2.940 e 4.750 anos AP.), com sedimentos que aparecem comumente, com características semelhantes as das planícies aluviais atuais, possivelmente indicando episódios de oscilações climáticas curtas e pouco pronunciadas, em que prevaleceram condições mais próximas das atuais, mas suficientes para determinar o incremento da sedimentação.

Diante da escassez de trabalhos paleoclimáticos na região e tendo em vista a ocorrência de sedimentos turfosos na planície do alto rio Tibagi, o trabalho teve como objetivo datar e mapear tais sedimentos, com vistas à futuras investigações paleoclimáticas. 2. Descrição da Área A bacia hidrográfica do rio Tibagi tem sua área nos três planaltos paranaenses, nesse sentido assume várias características que vão de rios encaixados, meandrantes a encachoeirados. Segundo Maack (1968), por um trecho de aproximadamente 42 km após suas nascentes, o rio Tibagi acompanha uma fenda estrutural vertical do arenito Furnas, correndo em cânions estreitos e apresenta neste trecho grande perda de altitude. Na seqüência, o rio assume um padrão de leito meandrante, foco deste trabalho, com pequena queda e formação de amplas planícies. Esse padrão meandrante vigora por mais de 44 km até as proximidades do distrito de Uvaia. A pesquisa objetivou mapear a ocorrência de sedimentos turfosos em 12 km dessa porção. Sendo desde a foz do rio Guabiroba até a foz dos rios Cara-Cara e Arroio do Rocha (Figura 1) Para datação foi escolhido o depósito situado às margens do rio Das Mortes, nas proximidades do Parque Estadual de Vila Velha e distante em cerca de 4,5km da Lagoa Dourada, junto ao ramal da Estrada de Ferro e da BR-367. O afloramento trata-se de um depósito quaternário disposto discordantemente sobre arenitos da Formação Furnas (Figura 2).

Figura 1: Mapa de localização da área estudada. O quadro aponta o local onde o perfil longitudinal foi levantado. Figura 2: Afloramento dos depósitos turfosos na margem esquerda do rio das Mortes.

A área esta inserida na zona subtropical sul, com tipologia climática Cfb, isto é, clima temperado e sempre úmido, com temperatura média anual de 18 C e mês mais quente com média inferior a 22 C. Cerca de onze meses do ano a média ultrapassa os 10 C. Geadas são freqüentes no inverno com pelos menos ocorrência de cinco ao ano (MAACK 1981). A precipitação média é de 1.550mm anuais, com chuvas bem distribuídas ao longo do ano, com leve declínio nos meses de abril a agosto. A região outrora composta pela região natural conhecida como Campos Gerais, segundo Maack (1948), caracteriza-se pela ocorrência de campos limpos entremeadas com capões de Floresta Ombrófila Mista e matas de galerias, cuja espécie dominante era a Araucária. Segundo IBGE (1992), a vegetação é classificada como Estepe Gramíneo-Lenhosa, termo referente à presença de ervas graminóides e arbustos esparsos. Maack (1948) ressalta o caráter paleoclimático dessa vegetação identificando como o grupo vegetacional mais antigo do Estado do Paraná, relicto de condições pretéritas bem distintas comparadas às atuais. Maack (1981) enfatiza que os campos são formas de relictuais de um antigo clima semi-árido vigente no Pleistoceno. De acordo com Ab Saber (2003), a composição da paisagem dos planaltos subtropicais, dominados por Araucárias e campos de altitude apontam para um quadro anterior, onde predominavam estepes geradas em condições muitos secas e bem mais frias. De acordo com Moro (1998) predominam nos Campos Gerais os campos limpos do tipo savana gramíneo-lenhosa que ocupam a maioria dos topos das elevações encostas. Sua uniformidade só é interrompida pela ocorrência de Araucária nos fundos de vales ou capões isolados. A autora coloca que a vegetação nos campos é formada principalmente por gramíneas, ciperáceas, compostas, verbenáceas e leguminosas, que formam cobertura herbácea densa. E nos capões distinguem-se diversos estágios de sucessão: i) núcleos pioneiros predominam espécies heliófilas das famílias Myrtaceae, Anacardiaceae e Euphorbiaceae, com ausência da Araucária; ii) núcleos mais evoluídos: ocorrência de Araucária circundada por uma submata de Myrtaceae e Lauraceae, em cuja orla ocorrem abundantemente Melastomataceae e Compositae. Na área de estudo ocorrem rochas da Seqüência Siluro-Devoniana da Bacia Sedimentar do Paraná, representadas pelas formações Furnas e Ponta Grossa, do Grupo Paraná. As principais feições geomorfológicas da área de estudo são relevos suave ondulados com caimento para a calha do rio Tibagi. A planície desenvolve um vasto cinturão meandrante, com

meandros ativos e abandonados, sobretudo na margem esquerda. O rio Tibagi e seus afluentes nessa porção segue orientação por falhas e fraturas que condicionam seus canais. 3. Material e métodos Os trabalhos de campo para reconhecimento e coleta de material foram realizados no primeiro e segundo semestre de 2009 e primeiro semestre de 2010. Os sedimentos foram coletados em áreas de afloramento e armazenados em recipientes para análise. Em campo foram realizadas descrições da fisiografia regional, exame detalhado das condições do afloramento e coleta de material para datação, matéria orgânica e palinologia (ainda em andamento). As amostras foram identificadas quanto a sua profundidade e pré-analisadas quanto a granulometria. Para o mapeamento da ocorrência dos sedimentos turfosos foram realizadas campanhas para marcação do posicionamento geográfico das áreas de ocorrência de modo a estabelecer a distribuição espacial dos depósitos aludidos. Em áreas não aflorantes foi utilizado trado mecânico para constatação em subsuperfície (Figura 3). Para determinação do teor de matéria orgânica foram amostradas 5 g de amostras de 3 em 3 cm e queimadas em mufla a 480 por 4 horas. Foram coletadas duas seções para datação por 14C, uma na base (115 cm) e outra no meio do afloramento (52 cm). As amostram foram enviadas para o Laboratório Beta Analytic, em Miami-EUA. Foram realizadas análises de isótopos estáveis de carbono (12C e 13C). Esse tipo de análise permite inferir sobre a vegetação, pois examina os valores componentes de carbono a partir dos sistemas fotossintéticos de cada grupo vegetal. Para investigação polínica aplicaram-se algumas gotas de ácido fluorídrico (HF) para verificação elementos carbonáticos e posteriormente tratados com hidróxido de potássio a 10%. Para separação das substâncias orgânicas das inorgânicas foi aplicado o método de separação através de líquido denso (solução aquosa de cloreto de zinco de densidade 2,2 g/cm3) conforme técnica descrita por Faegri e Iversen (1975). Após o tratamento químico, as amostras foram montadas em lâminas e recobertas por lamínula com gelatina-glicerinada. As amostras sedimentares foram centrifugadas entre todas as etapas do processo químico dos sedimentos, para garantir a retenção de grãos no resíduo final. As identificações dos palinomorfos presentes no sedimento estão sendo executadas a partir das seguintes disponíveis.

Figura 3: Cenas do trabalho de campo. Auxílio de trado mecânico para constatação dos sedimentos turfosos em subsuperfície. Da direita para esquerda os sedimentos gradativamente desaparece. Em conjunto com o georreferenciamento, foi produzido um perfil longitudinal do rio das Mortes, por meio de clinômetro manual. O perfil foi confeccionado com base na ocorrência de afloramentos os depósitos turfosos a partir da foz dos rios das Mortes no rio Tibagi até à montante dessa drenagem, medindo a altura do barranco acima e abaixo da material turfoso. O procedimento consistiu em traçar um dada metragem e avaliar o grau de inclinação acrescido a medida que se seguiu da jusante a montante do rio mediante a um ponto fixo. 4. Resultados e Discussão O afloramento consiste de um espesso pacote turfoso atingindo 115 cm com discreta variação granulométrica. A seção basal apresenta contato erosivo com arenitos paleozóicos da Formação Furnas e o topo com material coluvionar da Formação Ponta Grossa (Figura 4). As maiores taxas de matéria orgânica estão na acima de 42% (27-30; 42-39; 57-60; 102-105 cm), há sequências superiores média superior a 30% (105-87 e 72-27 cm) (Figura 5). Análises palinológicas

(em andamento) apontaram para uma maior concentração de grãos de polen nas seqüências com maior porcentagem de matéria orgânica. Os resultados dos teores de matéria orgânica (Figura 5) mostraram grandes variações quanto aos percentuais, sobretudo na base e topo. As análises palinológicas (em andamento) apontaram para uma maior concentração de grãos de pólen nos intervalos em que foi registrado maior porcentagem de matéria orgânica. A maior taxa de matéria orgânica encontrada foi de 44%, no entanto, há intervalos (72-30 cm) com teores superiores a 30%. Os resultados da espacialização do depósito turfoso (Figura 2) mostram que esse pacote tem em média 1,5m de espessura e ocorre entre as cotas 775 e 780m. A medida em que a porcentagem da fração arenosa no perfil aumenta e a tonalidade torna-se mais clara em direção a jusante indica que há maior interferência do rio Tibagi na formação do depósito turfoso. Com base em dados coletados em trabalhos de campo e do perfil longitudinal no rio Das Mortes (Figura 6), foi possível constatar a cota máxima de ocorrência da paleoturfeira, fixada em 780m.s.n.n. Acima dessa cota os depósitos turfosos não foram encontrados. A amostragem por tradagem permitiu reconhecer a extensão da paleoturfeira na área estudada. É importante ressaltar que essa cota altimétrica limite para a paleoturfeira foi observada em ambas as margens, comprovando a regionalidade da paleoturfeira, a qual possui uma área de 9,18km², com uma massa estimada em 13.781.250m³ de sedimentos turfosos dispostos ao longo de 12km, desde a foz do rio Gabiroba até a ponte da rodovia PR-151 que liga Ponta Grossa ao município de Palmeira.

Espessura do depósito Figura 4: Descrição do perfil geológico do afloramento estudado.

Figura 5: Percentual de matéria orgânica do afloramento no rio Das Mortes. Figura 6: Perfil longitudinal do rio Das Mortes.

As campanhas permitiram a observação de alguns afloramentos junto a calha dos tributários do rio Tibagi. Com exceção às áreas da planície meandrante atual e meandros abandonados, os depósitos turfosos são claramente observados, sobretudo na margem esquerda onde esses afloram em terraços. Junto a calha dos rios, foram observados afloramentos no rio Terra Vermelha, arroio Monjolo e ribeirão sem nome 1. Cabe destacar que além dos afloramentos junto a calha dos tributários que afloram em subsuperfície, existem áreas onde a paleoturfeira jaz em superfície. Apesar de fortemente alterados pela ação das lavras de areia os depósitos ainda podem ser observados no limite dos terraços e amontoados em meio às lavras já desativadas. Ademais, jazem em conjunto à foz dos ribeirões sem nome 2 e 3 em superfície. Esses depósitos se encontram na nova frente de lavra das companhias responsáveis pela explotação de areia na região. É provável que essa empreitada seja frustrada em virtude do espesso pacote de sedimentos turfosos e ausência de areia em volume comercial dessa área. As diferentes taxas no percentual de matéria orgânica são interpretadas levando em consideração o atual padrão de transporte sedimentar do rio Tibagi. As maiores taxas de areia e menores taxas de matéria orgânica presente no perfil sedimentológico permitem indicar correlação à pulsos de inundação mais expressivos, indicadores de períodos com maior umidade. Já os maiores percentuais de matéria orgânica indicam tempo de residência de água, porém sem perturbação por pulsos de inundações. A datação obtida do sedimento situado a 52cm, revelou idade correspondente ao Holoceno Médio 3.220-2.960 anos AP. (Tabela 2). De acordo com Pessenda (2010), valores de δ 13C entre -22 e -32 são típicos de plantas C 4 (florestas) e entre -17 e -9 à plantas C 3 (campos). Os resultados obtidos pela análise δ13c (Tabela 1) assinalam predominância de plantas C4, característica de gramíneas tropicais e subtropicais. Tabela 1: Resultados das análises de fracionamento isotópico de Carbono (δ13c) e datação por 14C. Profundidade (cm) δ13c Datação 14C (anos AP) 52-18,7 3.220-2.960 115-16,8 -

De acordo com os dados de δ13c e palinologia é possível afirmar que a vegetação de campos é predominante na região há pelos menos 3.220 anos AP. Tal constatação corrobora com a interpretação de Maack (1968) e Ab Sáber (2003) sobre o caráter de paleopaisagem das estepes paranaenses. Os Campos Gerais do Paraná constituem um relicto de climas outrora mais severos, com condições climáticas mais frias e secas, comparadas às atuais. Dadas essas condições, pode-se dizer que a vegetação arbórea era nula ou inexistente, pelo menos na área estudada. Tais condições ainda podem ser observadas atualmente. Entretanto, é notável a presença de Floresta Ombrófila Mista nas planícies aluviais, vales dos rios e aleatoriamente em outras áreas, onde condições especiais dão suporte a esse tipo de cobertura. 5. Conclusão A presença dos sedimentos turfosos nessa porção do rio Tibagi são registro de importantes mudanças no ciclo hidrológico do rio devido a mudanças paleoclimáticas. Tais depósitos advêm de mudanças no nível de base local, em razão da agradação do canal do rio Tibagi e em conseqüência seus tributários e planície de inundação. O estabelecimento da cota máxima de ocorrência dos sedimentos turfosos em 780 m.s.n.m. indica a posição do paleonível de base de deposição do rio Tibagi e sua paleoplanície nos primeiros estágios de formação desses depósitos. As análises polínicas apontam para um ambiente encharcado do tipo pantanoso com presença de pteridófitas e algas aquáticas. Dados acerca dos resultados parciais de palinologia apontam para um paleoambiente composto predominantemente por gramíneas. Tais implicações corroboram com resultados de δ13c. Visto isso, é possível afirmar que revestimento florístico das estepes paranaenses são tipicamente de campos há pelo menos 3.220 anos AP. A área de ocorrência dos sedimentos turfosos abrange pelo menos de 12km paralelos ao rio Tibagi, desde a foz do rio Guabiroba até as áreas de lavra próximo a ponte da rodovia Ponta GrossaPalmeira somando uma área de 9,18 km². Com base nos registros no limite da cota 780m.s.n.m. e sua distribuição aflorante ou em subsuperfície, calcula-se que a quantidade de sedimentos turfosos depositados atinja ~14 milhões de metros cúbicos.

6. Agradecimentos Os autores agradecem: a) ao CNPq pelo apoio financeiro processo 400442/2010-8, bolsa de mestrado autor sênior e bolsa de produtividade de J.C. Stevaux; b) às mineradoras Minas Brancas e GR Extração de Areia pelas facilidades oferecidas quando das atividades de campo. 5. Referências bibliográficas AB SÁBER, A.N. Os Domínios de Natureza no Brasil: Potencialidades Paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial. 2003. FAEGRI, K. e IVERSEN, J. A textbook of pollen analysis. New York, John Wiley e Sons, 4th ed. 1989. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Manual técnico da vegetação brasileira. Rio de Janeiro, 1992, 92p. (Manuais Técnicos em Geociências, 1). LORSCHEITTER, M.L. & TAKEDA, I.J.M. Reconstituição paleoambiental da região dos Campos Gerais, Paraná, através da palinologia de sedimentos da Lagoa Dourada. In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS DO QUATERNÁRIO, 5, Niterói, Anais... Niterói, ABEQUA, 1995, p.18-21. MAACK, R. 1948. Notas preliminares sobre clima, solos e vegetação do Estado do Paraná. Curitiba, Arquivos IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Manual técnico da vegetação brasileira. Rio de Janeiro: IBGE. 1992. MAACK, R. Geografia Física do Estado do Paraná. M. Roesner, Curitiba, 1968, 350 p. MAACK, R. Geografia física do Estado do Paraná. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Ed., 1981, 442p. MELO, M. S.; MEDEIROS, C.V.; GIANNINI, P.C.F.; GARCIA, M. J.; PESSENDA, L. C. R. Sedimentação quaternária no espaço urbano de Ponta Grossa, PR. Revista de Geociências (UNESP), São Paulo, v. 22, n. 1, p. 33-42, 2003. MORO, R. S. Interpretação paleoecológica do Quaternário através da análise da comunidade de diatomáceas (Bacillariophyta) nos sedimentos da Lagoa Dourada, Ponta Grossa, PR. Tese (Doutorado em Biologia Vegetal). Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, Brasil, 1998.

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