A INSERÇÃO DA HISTÓRIA CULTURAL NO CAMPO DA HISTÓRIA



Documentos relacionados
Estado da Arte: Diálogos entre a Educação Física e a Psicologia

TUTORIA DE ESTÁGIO: CONTRIBUIÇÕES À FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES/AS

WALDILÉIA DO SOCORRO CARDOSO PEREIRA

ESTUDAR E BRINCAR OU BRINCAR E ESTUDAR? ESTUDAR E BRINCAR OU BRINCAR E ESTUDAR?

ITINERÁRIOS DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA AD NOS PROGRAMAS DE PÓS- GRADUAÇÃO DA PUC/RS E DA UFRGS

tido, articula a Cartografia, entendida como linguagem, com outra linguagem, a literatura infantil, que, sem dúvida, auxiliará as crianças a lerem e

RESENHA. Magali Aparecida Silvestre. Universidade Federal de São Paulo Campus Guarulhos

Gestão da Informação e do Conhecimento

A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

PUBLICAÇÃO CIENTÍFICA RESULTANTE DAS DISSERTAÇÕES E TESES EM EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL

Palavras-chave: Historiografia; Paraná; Regime de Historicidade; História Regional

DEMOCRÁTICA NO ENSINO PÚBLICO

Ateneo de investigadores (Espaço de intercâmbio entre pesquisadores)

SOCIEDADE E TEORIA DA AÇÃO SOCIAL

Ajuda ao SciEn-Produção O Artigo Científico da Pesquisa Experimental

A constituição do sujeito em Michel Foucault: práticas de sujeição e práticas de subjetivação

ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO LÍDER NO SETOR DE SERVIÇO SOCIAL DA UNIDADE DE PRONTO ATENDIMENTO CONCHECITA CIARLINI MOSSORÓ/RN

PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO: ELABORAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE PROJETOS PEDAGÓGICOS NO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM

FORMAÇÃO DOCENTE: ASPECTOS PESSOAIS, PROFISSIONAIS E INSTITUCIONAIS

UM ESTUDO SOBRE A CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE DO PROFESSOR DE INGLÊS DA CIDADE DE FAGUNDES - PB

VII Congresso Latino-Americano de Estudos do Trabalho. O Trabalho no Século XXI. Mudanças, Impactos e Perspectivas.

DIFICULDADES DE LEITURA E ESCRITA: REFLEXÕES A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DO PIBID

RELATO DE EXPERIÊNCIA: A PERCEPÇÃO DE LUZ E SOMBRA NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Palavras-chave: Conhecimentos físicos. Luz e sombra. Educação Infantil.

Pesquisa com Professores de Escolas e com Alunos da Graduação em Matemática

PROJETO DE INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA NA ESCOLA

PRÓ-MATATEMÁTICA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

OS CONHECIMENTOS DE ACADÊMICOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA E SUA IMPLICAÇÃO PARA A PRÁTICA DOCENTE

11 de maio de Análise do uso dos Resultados _ Proposta Técnica

EDUCAÇÃO E PROGRESSO: A EVOLUÇÃO DO ESPAÇO FÍSICO DA ESCOLA ESTADUAL ELOY PEREIRA NAS COMEMORAÇÕES DO SEU JUBILEU

CURSO: LICENCIATURA DA MATEMÁTICA DISCIPLINA: PRÁTICA DE ENSINO 4

A Arquivologia como campo de pesquisa: desafios e perspectivas. José Maria Jardim Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO

Currículo e tecnologias digitais da informação e comunicação: um diálogo necessário para a escola atual

A MODELAGEM MATEMÁTICA E A INTERNET MÓVEL. Palavras Chave: Modelagem Matemática; Educação de Jovens e Adultos (EJA); Internet Móvel.

APRENDER A LER PROBLEMAS EM MATEMÁTICA

CONSELHO DE CLASSE DICIONÁRIO

Oficina Cebes POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL

CONTRIBUIÇÕES PARA UMA ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA: ANALISANDO ABORDAGENS DA PRIMEIRA LEI DE NEWTON EM LIVROS DIDÁTICOS DE FÍSICA

O professor faz diferença?

DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA: e os museus com isso? Museu Antropológico da Universidade Federal de Goiás (MA/UFG)

SAÚDE E EDUCAÇÃO INFANTIL Uma análise sobre as práticas pedagógicas nas escolas.

Prioridades para o PA 2014 Comunidade Externa. Câmpus Restinga Junho, Desenvolvimento Institucional

2.5 AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

ADMINISTRAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR: PERIÓDICOS NACIONAIS

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO Faculdade de Educação PROJETO DE PESQUISA

ELABORAÇÃO DE PROJETOS

SUGESTÕES PARA ARTICULAÇÃO ENTRE O MESTRADO EM DIREITO E A GRADUAÇÃO

DIREITOS HUMANOS, JUVENTUDE E SEGURANÇA HUMANA

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS:

NA POSTURA DO PROFESSOR, O SUCESSO DA APRENDIZAGEM

OLIVEIRA, Luciano Amaral. Coisas que todo professor de português precisa saber: a teoria na prática. São Paulo: 184 Parábola Editorial, 2010.

TRABALHANDO A CULTURA ALAGOANA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA EXPERIÊNCIA DO PIBID DE PEDAGOGIA

Aline de Souza Santiago (Bolsista PIBIC-UFPI), Denis Barros de Carvalho (Orientador, Departamento de Fundamentos da Educação/UFPI).

CULTURA ESCOLAR DICIONÁRIO

Dra. Margareth Diniz Coordenadora PPGE/UFOP

O DESAFIO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM PATOS, PARAÍBA: A PROFICIÊNCIA DOS ALUNOS DE ESCOLAS PÚBLICAS DE PATOS

Fragmentos do Texto Indicadores para o Desenvolvimento da Qualidade da Docência na Educação Superior.

Pedagogia Estácio FAMAP

O olhar do professor das séries iniciais sobre o trabalho com situações problemas em sala de aula

CURSOS PRECISAM PREPARAR PARA A DOCÊNCIA

EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS

LURDINALVA PEDROSA MONTEIRO E DRª. KÁTIA APARECIDA DA SILVA AQUINO. Propor uma abordagem transversal para o ensino de Ciências requer um

Revista Perspectiva. 2 Como o artigo que aqui se apresente é decorrente de uma pesquisa em andamento, foi possível trazer os

A MODELAGEM MATEMÁTICA E A INTERNET MÓVEL. Palavras-chave: Modelagem Matemática; Educação de Jovens e Adultos (EJA); Internet móvel.

SOBRE UM PROJETO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA COM MODELAGEM MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

Rede Jovem de Cidadania, programa de TV de Acesso público. Alexia Melo. Clebin Quirino. Michel Brasil. Gracielle Fonseca. Rafaela Lima.

VII E P A E M Encontro Paraense de Educação Matemática Cultura e Educação Matemática na Amazônia

Violência contra crianças e adolescentes: uma análise descritiva do fenômeno

PROJETO DE LEITURA E ESCRITA LEITURA NA PONTA DA LÍNGUA E ESCRITA NA PONTA DO LÁPIS

A MEMÓRIA DISCURSIVA DE IMIGRANTE NO ESPAÇO ESCOLAR DE FRONTEIRA

DISCURSOS SOBRE ALFABETIZAÇÃO DENTRO DO CONTEXTO DO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA PORTUGUESA

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES 1

O COORDENADOR PEDAGÓGICO COMO FORMADOR: TRÊS ASPECTOS PARA CONSIDERAR

OS DIREITOS HUMANOS NA FORMAÇÃO DOS PROFESSORES

FORMAÇÃO MATEMÁTICA EM CURSOS DE PEDAGOGIA EM DOIS TEMPOS: UM ESTUDO

OS PROJETOS DE TRABALHO E SUA PRODUÇÃO ACADÊMICA NOS GT07 E GT12 DA ANPED ENTRE OS ANOS 2000/2013

A TEORIA DO PODER SIMBÓLICO NA COMPREENSÃO DAS RELAÇÕES SOCIAIS CONTEMPORÂNEA

José Fernandes de Lima Membro da Câmara de Educação Básica do CNE

Orientações para a elaboração dos projetos de pesquisa (Iniciação científica)

Instituto de Educação

ESTRATÉGIAS DE ENSINO NA EDUCAÇÃO INFANTIL E FORMAÇÃO DE PROFESSORES. Profa. Me. Michele Costa

PERFIL DOS DOCENTES DE PÓS-GRADUAÇÕES COM ENFOQUES EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA

Proposta de curso de especialização em Educação Física com ênfase em Esporte Educacional e projetos sociais em rede nacional.

DA UNIVERSIDADE AO TRABALHO DOCENTE OU DO MUNDO FICCIONAL AO REAL: EXPECTATIVAS DE FUTUROS PROFISSIONAIS DOCENTES

UM PRODUTO EDUCATIVO PARA FAZER EDUCAÇÃO AMBIENTAL

SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS ÀS AÇÕES DE FORMAÇÃO CONTINUADA DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DO RECIFE/PE

REVEL NA ESCOLA: LINGUÍSTICA APLICADA A CONTEXTOS EMPRESARIAIS

Resumo Aula-tema 01: A literatura infantil: abertura para a formação de uma nova mentalidade

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Orientações para a elaboração do projeto escolar

Curso: Diagnóstico Comunitário Participativo.

II Congresso Internacional de Educação Cientifica e Tecnológica Santo Ângelo 2012

AS REPRESENTAÇÕES DE PROFESSORES SOBRE A DOCENCIA COMO PROFISSÃO: UMA QUESTÃO A SE PENSAR NOS PROJETOS FORMATIVOS.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE CIÊNCIAS SÓCIO-ECONÔMICAS E HUMANAS DE ANÁPOLIS

UNIVERSIDADE DO PLANALTO CATARINENSE UNIPLAC PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, EXTENSÃO E PÓS-GRADUAÇÃO COORDENAÇÃO DE EXTENSÃO E APOIO COMUNITÁRIO

Mapeamento da atuação de psicólogos do esporte no Estado de São Paulo, desafios e perspectivas de futuro profissional.

Caminhos para Análises de Políticas de Saúde

MAPAS CONCEITUAIS NAS PESQUISAS DO NÚCLEO DE ETNOGRAFIA EM EDUCAÇÃO

NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO EM PERNAMBUCO: 13 ANOS DE HISTÓRIA

OS CANAIS DE PARTICIPAÇÃO NA GESTÃO DEMOCRÁTICA DO ENSINO PÚBLICO PÓS LDB 9394/96: COLEGIADO ESCOLAR E PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO

Sua Escola, Nossa Escola

Transcrição:

HISTÓRIA CULTURAL: ESCRITAS, CIRCULAÇÃO, LEITURAS E RECEPÇÕES Universidade de São Paulo USP São Paulo SP 10 e 14 de Novembro de 2014 A INSERÇÃO DA HISTÓRIA CULTURAL NO CAMPO DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: UMA ANÁLISE DOS ANAIS DA SBHE (2000-2011) Ana Raquel Costa Dias * Essa pesquisa refere-se a um estudo feito durante o curso de especialização em História Cultural: identidades, imaginário e narrativas, oferecido pela Universidade Federal de Goiás no ano de 2012. Neste estudo, procurei realizar uma discussão acerca da inserção da História Cultural nos estudos de História da Educação, partindo de uma análise dos Anais do I CBHE e do VI CBHE da SBHE (Sociedade Brasileira de História da Educação) nos anos 2000 e 2011. Os anais dos encontros da SBHE e outras pesquisas realizadas revelam uma História da Educação que dialoga com a História Cultural. Foram trabalhados os princípios fundamentais da História Cultural: Cultura, Representação e Imaginário, além da ideia fulcral de Representação, de Roger Chartier, como eixo de análise. Foi discutido a respeito da trajetória da historiografia brasileira e da origem e consolidação da SBHE. Esta pesquisa objetivou analisar essa inserção e o crescimento desse tipo de discussão, diante das fontes analisadas e das questões surgidas no balanço crítico, da historiografia, além do que, em consonância, observar nessas fontes, a questão da busca Página1 * Ana Raquel Costa Dias é graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Goiás e especialista em Neuropedagogia e Psicanálise e em História Cultural: Imaginários, Identidades e Narrativas (UFG). Atua na Rede Pública Municipal de Ensino como Pedagoga.

na história cultural, como uma maneira de contribuir positivamente para os estudos da história educacional brasileira. Partindo da hipótese de que há uma significativa inserção dos estudos da cultura, no campo da história da educação. Produção acadêmica essa, que pode contribuir para o avanço do conhecimento científico, além do reconhecimento no tocante às produções que possuem a História Cultural como princípio epistemológico. Esse estudo buscou metodologicamente analisar um aporte bibliográfico sobre a história cultural, a história da educação e suas relações, configurando-se em torno de leituras, análises, estudos e interpretações. As leituras realizadas para o estudo das temáticas em questão, constituíram-se a partir de vários autores, entre eles: Chartier (1991), Pesavento (1995; 2003), Falcon (2006), Fonseca (2003), Castanho (2010), Warde (1990), Cardoso (2011). No recorte temporal, optou-se por analisar os anos de 2000 e 2011, ou seja, 10 anos de diferença, podendo assim refletir melhor, acerca do desenvolvimento da temática da história cultural nas pesquisas educacionais. Na organização dos dados, foram utilizados recursos computacionais para dar suporte à elaboração dos gráficos e tabelas. A SBHE (Sociedade Brasileira de História da Educação) expõe uma representatividade sólida, como a principal entidade que congrega pesquisadores na área da história da educação e suas vinculações com a historiografia e investigação dos estudos culturais. A SBHE foi criada no ano de 1999, e tem como principal objetivo promover a aproximação de historiadores da educação. Ela se afirma como uma entidade inevitável e necessária, para a exposição e discussão de trabalhos. A construção dessa fundação veio para responder aos anseios dos mais variados pesquisadores, abrindo um novo espaço de interlocução e de consolidação da área da História da Educação. Portanto, a SBHE promove congressos nacionais, cumprindo o importante papel de congregar professores/as e pesquisadores/as que desenvolvem atividades de ensino e pesquisa na área, de forma a estimular a realização de estudos pautados pela crítica e pela pluralidade teórica, bem como promover o intercâmbio com outras entidades de representação nacional e internacional no campo da história da educação e áreas afins. Com base nos anais do I e VI CBHE da SBHE (Sociedade Brasileira de História da Educação) dos anos 2000 e 2011, a presente pesquisa buscou elucidar a respeito da inserção dos estudos de História Cultural, nos trabalhos de História da Educação, como Página2

uma maneira de esclarecer e explorar visões diferenciadas sobre diversos temas integrados à educação. Em ambos os anos, foram analisados os anais integralmente. Investiguei o uso de conceitos fundamentais da História Cultural, presentes nos anais, como Cultura, Imaginário e Representação. Conceitos e princípios anteriormente definidos por Pesavento (2003) como essenciais a uma análise historiográfica que trate das questões relacionadas à cultura. Assim, coube no presente trabalho, realizar, um levantamento de dados referente ao número de trabalhos voltados a esses conceitos fundamentais. A História Cultural abarca variadas fontes de estudo, apresentando um aporte teórico-metodológico que possibilita a construção de olhares múltiplos. Os anais dos encontros da SBHE revelaram uma História da Educação que dialoga com a História Cultural. Tal recorrência promove uma notável inovação historiográfica. Os discursos acadêmicos e os mais diversos trabalhos referentes à História da Educação procuram reverberar a educação sob o prisma da cultura, partindo de uma dimensão histórica, com o objetivo de vislumbrar um novo horizonte e explorar além das abordagens puramente pedagógicas. Questionar os processos, práticas educacionais, a história das disciplinas escolares, a história como disciplina escolar, a história do ensino da história, a história da profissão docente, história das instituições escolares, a história da leitura e dos impressos escolares, a história dos processos de escolarização, processos de alfabetização, ou seja, os mais diversos temas e abordagens inclusos na História da Educação, por meio da apropriação da História Cultural se tornou uma renovação na busca de novas dimensões e interpretações. Mas qual seria o interesse, em buscar a História Cultural para refletir sobre a Educação e sua História? A chamada Nova História Cultural está sendo selecionada como uma nova forma de se abordar eventos históricos, em um mar de possibilidades. A história cultural não nega uma aproximação com outras ciências humanas, muito pelo contrário, admitindo abordagens diferenciadas, caminhos alternativos, aceitando temas do cotidiano. Conforme assegura Vainfas (2002, p. 56): Os historiadores da cultura (...), não chegam propriamente a negar a relevância dos estudos sobre o mental. Não recusam, pelo contrário, a aproximação com a antropologia e demais ciências humanas, admitem Página3

a longa duração e não rejeitam os temas das mentalidades e do cotidiano. E é partir dessa justificativa que vários autores da educação buscaram e continuam buscando na história cultural o seu resguardo. Conforme afirma Fonseca (2003), a história cultural têm se mostrado bastante diversa teórica e metodologicamente, em alguns casos, atraindo sob sua sombra diferentes posicionamentos sobre história e sobre cultura. Como atesta Chartier (2002) a História Cultural busca identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma realidade social é construída, pensada, dada a ler. Com esse intuito, vários trabalhos procuraram exemplificar os mais diversos temas relacionados à Educação e suas particularidades. Como explica a autora: Pode-se dizer que a proposta da História Cultural seria, pois, decifrar a realidade do passado por meio das suas representações, tentando chegar àquelas formas, discursivas e imagéticas, pelas quais os homens expressam a si próprios e o mundo (PESAVENTO, 2005, p. 42). O fato é que toda manifestação cultural tem seus mais inúmeros significados e se relaciona diretamente com a sociedade, economia, política e essencialmente com a educação. Partindo disso, a centralidade do conceito de cultura em um trabalho como este é inevitável, por isso destaco a concepção de Sandra Jatahy Pesavento. Historiadora, e grande estudiosa, Pesavento se destaca como importante pesquisadora no âmbito da História Cultural. Em sua acepção, cultura é ainda a forma de expressão e tradução da realidade, de forma simbólica. Em sua compreensão essa História Cultural envolve historiadores um tanto quanto diferenciados. Roger Chartier, Robert Darnton e Carlo Ginzburg, discutem a instância cultural e, portanto acabam edificando diferenças entre si. Um exemplo, dado por ela é o próprio conceito de representação. Contudo, todos trabalham com a mesma ideia do resgate de sentidos conferidos ao mundo, e que se manifestam em palavras, discursos, imagens, coisas, práticas. (2003, p.17) É nessa perspectiva, que destaquei o conceito de representação desenvolvido por Roger Chartier (1991). Sua noção permite enxergar as práticas culturais e educativas, incluindo suas particularidades. Ele propõe um conceito de cultura como prática, e sugere para seu estudo as categorias de representação e apropriação. A noção de representação, tal como formulada por Chartier, vem contribuindo sobremaneira para os estudos das práticas escolares, por tomar os conteúdos mesmo das representações como objetos de Página4

estudo. Este autor tem sido largamente utilizado nos estudos de história da educação e esses trabalhos tratam, essencialmente sobre as práticas, apropriações e representações em diversos contextos histórico-culturais. Como é de interesse desse trabalho e por ser um conceito fulcral da história cultural, a ideia de representação foi trabalhada como o eixo de análise. Para Roger Chartier, o conceito não é uma abstração, mas está fundado na historicidade e na razão: Em sua concepção falar de representação é o mesmo que permitir enxergar uma coisa ausente, trazendo para o presente esse ausente vivido e dessa forma, poder interpretá-lo. Cabe aqui, por outro lado, trabalhar o conceito de imaginário por estar diretamente relacionado ao conceito de representação. O imaginário nos permite compreender melhor a questão das influências de forças sociais, econômicas e históricas no contexto educacional. O Imaginário comporta crenças, mitos, ideologias, conceitos, valores e é construtor da identidade e exclusões, hierarquias, aponta semelhanças e diferenças no social (PESAVENTO 2003, p.43). No tocante ao conceito de Imaginário, destaco as concepções de Bronislaw Baczko (1985) e de Jacques Le Goff (1994) O primeiro destaca o Imaginário como algo datado e histórico que comporta crenças, mitos e ideologias, sendo construtor de identidades e exclusões, enquanto o outro, por sua vez, o define como um regime de representações, como uma forma da realidade, que sendo uma tradução mental, pauta ações. Ainda de acordo com Pesavento (2003) o Imaginário se constitui como um sistema de ideias e imagens de representação coletiva que os homens, em todas as épocas, construíram para si, dando sentido ao mundo. (p. 43). Enquanto, a representação é uma relação que se estabelece entre ausência e presença, não é uma cópia do real ou seu reflexo, mas uma construção feita a partir dele (cf. Ibid., p. 39-40). Em sua concepção, ela envolve processos de percepção, identificação, reconhecimento, classificação, legitimação e exclusão. Na acepção de Pesavento (2003), essas representações anteriormente ditas na citação, não só se colocam no lugar do mundo, mas fazem com que os homens pautem a Página5

sua existência e realidade, se inserindo em regimes de verossimilhança e de credibilidade e não de veracidade. Sendo assim, fazem a presentificação do ausente : Essa influência da História Cultural permitiu e permite novas articulações entre as formas de pensar as práticas e o mundo social, tornando a História da Educação mais sensível à pluralidade de ideias e imaginários presentes na sociedade e em suas práticas sociais (discursos, visões de mundo, condutas, ações, etc.). Portanto, ao utilizar as categorias de representação, Chartier abriu a possibilidade de pensar a cultura histórica para além dos quadros da historiografia, incorporando as práticas educativas (cultura escolar). A referência ao conceito de Representação se deve à permissão de visualizar as práticas culturais, com inserção das práticas educativas, presentes na sociedade em suas diferentes formas de manifestação. Esse tipo de prática do estudo histórico permite observar as relações entre os diferentes grupos sociais, assim como, no interior de cada grupo, analisar sua concepção de mundo, seus valores, seu domínio. Conforme Falcon (2006), várias são as indicações temáticas na história cultural. Entre elas, as visões de mundo, sistemas de valores, as concepções das diferentes classes sociais, ideologia, consciência cotidiana, normas ligadas às necessidades econômicas, sociais e políticas da sociedade, cultura material e intelectual, entre outras. O reconhecimento da importância da História Cultural para a história da educação está atrelado à necessidade de dar visibilidade aos diversos sujeitos que participam da cultura escolar, notadamente aos professores e aos alunos. Cabe, portanto a essencialidade de se abarcar o suporte teórico metodológico proposto pela História Cultural, como maneira inigualável de se estudar a educação. No que se refere à História da Educação, muito recentemente é que o debate sobre o tema vem alcançando um avanço e uma inovação. Ocorre que historiadores e estudiosos da área deparam-se constantemente com a ausência de trabalhos a respeito da História da Educação, principalmente como disciplina no curso de História mais especificamente. Portando, nada melhor do que buscar na própria cultura e sua História, as devidas explicações para essa ausência, e sua relação. E é isso que vários trabalhos recentes vêm tentando expor. Apesar da constatação de Warde (1990) em dizer que a nossa Historiografia da Educação é, ainda hoje, precária. A referida discussão possibilitaria estudar a educação, a cultura e a pesquisa histórica ao mesmo tempo, o que seria consideravelmente de grande valia. Página6

No que compete à relação entre a história da educação e a história cultural, destacam-se os trabalhos de Fonseca (2003), Falcon (2006), Castanho (2006), Cardoso (2011). Na coletânea História e historiografia da educação no Brasil, organizada por Cynthia Veiga Greive, a historiadora Thais Nivia de Lima Fonseca (2003) escreveu um interessante artigo História da educação e História cultural. Nele ela define a História Cultural como um campo historiográfico e inserido nele a História da educação, como campo de investigação. Aqui, ela aproveita e realiza uma crítica às propostas de alguns historiadores e estudiosos da área, ao afirmarem e demarcarem fronteiras entre a História Cultural e a História da Educação. Segundo Fonseca (2003) A contribuição que a história cultural, como campo dotado de aportes teórico-metodológicos, pode dar ao avanço da história da educação está no descortinamento de dimensões ainda pouco exploradas, fora da escola e da escoralização, bem como a imposição corajosa de novos olhares sobre essa que é uma dimensão já tradicional (p. 72) Trata-se na concepção de alguns, de um presentismo pragmatista. Expressão de Mirian Jorge Warde (1990), ao determinar a História da Educação como uma Ciência da Educação ou mesmo uma Ciência auxiliar da educação e não como uma especialização temática da História em si. Acontece que existem intermináveis discussões a respeito das experiências e reais dificuldades do historiador para lidar com algumas disciplinas. Consideradas por muitos como secundárias, ou seja, disciplinas que mesmo sendo de história não fazem parte dos departamentos acadêmicos de história. E é nesse contexto, que só mais recentemente o mapeamento e a crítica da historiografia educacional brasileira: (...) tem posto em evidência os constrangimentos teóricos e institucionais que marcaram o processo de constituição da história da educação como disciplina escolar e campo de pesquisas (CARVALHO, 1998, p. 239) Warde (1990) manifesta a ideia de que a nossa história da educação encontra-se desenhada em três traçados, desiguais e justapostas, em que um a situa entre as muitas fragmentações internas do campo da História; outro que a coloca no âmbito da história e em contraposição às demais ciências sociais, e por fim insere-a entre a chamada Ciências Página7 da Educação.

Acerca da consonância anteriormente introduzida sobre a História Cultural e a da Educação, Sérgio Castanho (2010) identifica ambas, como disciplinas de âmbito próprio, sem deixar de ser história. A História da Educação se ocupa do fenômeno educativo na medida em que este se transforma (p.90). De forma que ele reafirma que o campo da História Cultural e o da História da Educação apresentam uma intersecção possível, não pela absorção de uma pela outra, mas por uma mútua fecundação. Salienta ainda, que essa duas histórias ganham legitimidade justamente na medida em que se articula com a totalidade histórica (p.96). Trabalhar a história da educação de uma determinada sociedade nos remete a importância e necessidade de se compreender a própria formação e identidade cultural, como a percepção do modo de ser, agir, pensar, falar, ou seja, as características próprias da mesma. Tornou-se, oportuno um levantamento, que comprova a inserção anteriormente citada. A História Cultural permite novas articulações entre as formas de pensar as práticas e o mundo social, tornando a História da Educação mais sensível à pluralidade de ideias e imaginários presentes na sociedade e em suas práticas sociais (discursos, visões de mundo, condutas, ações, etc.). É interessante compreender que enquadrar na História Cultural estudos variados e principalmente educacionais se dá pela ideia, de que ela procura decifrar a realidade, as manifestações humanas, e toda manifestação humana é representação, é cultura, é imaginário, é particularidade. E nesse contexto é necessário atribuir significado e importância ao conceito de cultura como maneira de compreensão aos estudos das civilizações e portanto ao estudo da história da educação brasileira. Ideal seria uma análise minuciosa e mais abrangente a respeito dessa inserção tão significativa, mas para essa pesquisa foi verificado essa relação a partir da diversidade de fontes trabalhadas, já especificadas neste. Foi considerado os trabalhos que apresentavam abordagens referentes à cultura, imaginário e representação, alguns sem a declaração explícita, considerando assim, a expressiva bibliografia destes campos. Analisei os anais do I CBHE e do VI CBHE realizados respectivamente nos anos 2000/2011. Com base nos gráficos e nas análises realizadas, a pesquisa, levantou um crescimento considerável de trabalhos voltados para a Cultura e de trabalhos que se auto reconhecem como trabalhos de História Cultural. Página8

Dentro dos trabalhos que tiveram como eixo a cultura, quais os referenciais teórico-metodológicos adotados? Para responder a essa pergunta observamos a frequência do conceito de Representação nesses trabalhos, eixo pelo qual se define o olhar epistemológico da História Cultural, tendo como referência os estudos de Roger Chartier. Portanto, os conceitos de representação e apropriação apresentados por Chartier permitem que os pesquisadores da história da educação avancem no tratamento de novos temas ligados ao cotidiano das práticas escolares, ao ensino de história, às práticas de leitura no interior das escolas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Foi constatada, por meio dos gráficos apresentados, uma expressiva quantidade de anais (2000 e 2011), dos congressos da SBHE, encontram na cultura, uma forma de estudar as práticas e representações dos atores, instituições e sistemas educativos, discursos e linguagens, enfim as práticas educativas. De forma que, a contribuição se edificaria na capacidade de refletir as diferentes faces da sociedade atual diante da Educação e sua realidade. O imaginário, e em especial o referencial de cultura e a representação, surgiu nos trabalhos da SBHE, significamente. Na busca incansável de explanar de alguma forma algum tipo de singularidade da educação a cultura é procurada e vista como uma produção da história, ela se expressa ao longo do tempo, explicando os valores, os modos de ser e de agir dos indivíduos. Tais dados demonstram e refletem a concepção de Castanho (2006) ao dizer é possível dizer que a história cultural, seja sob a denominação de história das ideias, seja sob a história intelectual, conquistou sua legitimidade acadêmica. A necessidade e a importância que temos de enxergar o passado com olhos do presente faz com que constantemente escrevamos a história não apenas para buscar o desconhecido, e sim para construir um novo olhar sobre o passado. A História da Educação tem como função provocar uma reflexão, sobre a educação, sua origem, os caminhos que percorreu sua finalidade, seus conteúdos e sua organização, auxiliando assim na compreensão do sistema educacional atual. Se tratando de um sistema ainda tão tradicional, em termos de estudo e pesquisa, nada melhor do que o aporte da História Cultural, no ato de renovar e de construir novas interpretações e novos olhares, além da possibilidade de uso de novas fontes e de novas abordagens. Ela propõe uma edificação Página9

nova e total da realidade social, o que é imprescindível para os estudos educacionais, proporcionando assim uma maior abertura nas investigações. É necessário compreender que falar de prática educativa é acima de tudo, falar de prática cultural. Questionar, estudar e interpretar a história da educação através da dimensão cultural é a melhor forma de compreender caminhos pouco explorados, complexidades, rupturas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BACZKO, Bronislaw. A imaginação social. In: LEACH, E. Et al. Anthropos-Homem. Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985. CARDOSO, Maurício. Estevam. Por uma história cultural da educação: possibilidades de abordagens. Cadernos de História da Educação. Uberlândia, MG: v. 10, n. 2. jul/dez.2011. CARVALHO, Maria. Marta. Chagas. de. A configuração da historiografia educacional brasileira. In: FREITAS, M. C. de. (Org.). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998. CASTANHO, Sergio. Questões teórico-metodológicas de História Cultural e Educação. In: LOMBARDI, J. C; CASIMIRO, A. P. B. S; MAGALHÃES, L. D. R. (orgs.). História, cultura e educação. São Paulo: Autores associados, 2006.. Teoria da história e história da educação: por uma história cultural não culturalista. Campinas, SP: Autores Associados, 2010. CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estudos avançados, São Paulo, 11, 5, pp. 173/191, 1991.. História Cultural: entre práticas e representações. 2ª Ed. Lisboa: Difel, 2002. FALCON, Francisco. José. Calazans. História cultural e história da educação. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro: v. 11. n. 32. mai/ago. 2006. FONSECA, Thaís. Nivia. de. Lima. e. História da Educação e história cultural. In: GREIVE, C. V; LIMA & FONSECA, T. N. de (Orgs.). História e historiografia da educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.. Historiografia da educação na América portuguesa: balanço e perspectivas. In: CONGRESSO DE PESQUISA E ENSINO EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO EM MINAS GERAIS, 2., 2003, Uberlândia. Anais... Uberlândia: UFU, 2003. Página10. História e Ensino de História. 2ª Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

LE GOFF, Jacques. O imaginário medieval. São Paulo: Editorial Estampa, 1994. NUNES, Clarice; CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Historiografia da educação e fontes. In: 15ª Reunião Anual da ANPED, Caxambu. Anais... Caxambu, 1992. PESAVENTO, Sandra. Jatahy. Em busca de uma outra História: Imaginando o Imaginário. Revista Brasileira de História. Contexto/ ANPUH. São Paulo: v. 15. n. 29. 1995.. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.. Cultura e representações: uma trajetória. Revista do programa de pós-graduação em História. Porto Alegre: UFRGS, Porto Alegre, v. 13, n. 23/24, p.45-58, jan./dez. 2006. SAVIANI, Dermeval; CARVALHO, Marta Maria Chagas de; VIDAL, Diana. Sociedade Brasileira de História da Educação: Constituição, Organização e Realizações. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas: v. 11, n. 3 (27), p. 13-45, set./dez. 2011. SOCIEDADE BRASILEIRA DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO (SBHE)/ I CBHE, 2000, Rio de Janeiro. Anais... Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2000. Disponível em: <http://sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe1/apresentacao.htm> SOCIEDADE BRASILEIRA DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO (SBHE)/ VI CBHE, 2011, Vitória. Anais... Universidade Federal do Espírito Santo, 2011. Disponível em: < http://cbhe6.com.br/site/> VAINFAS, Ronaldo. Os protagonistas anônimos da história. São Paulo, SP: Campus, 2002. VIDAL, Diana Gonçalves; FARIA FILHO, Luciano. Mendes. de. História da Educação no Brasil: a constituição histórica do campo (1880/1970). Revista Brasileira de História, São Paulo: ANPUH, v. 23, n. 45, p. 37-70, 2003. WARDE, Miriam Jorge. Contribuições da História para a Educação. Em aberto, Brasília: INEP/MEC, ano 9, n. 47, jul/set.1990. Página11