O IMPACTO DE EVENTOS EL NIÑO SOBRE AS MONÇÕES DE VERÃO NO BRASIL

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Transcrição:

O IMPACTO DE EVENTOS EL NIÑO SOBRE AS MONÇÕES DE VERÃO NO BRASIL Alice M. Grimm Grupo de Meteorologia, Departamento de Física, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR. grimm@fisica.ufpr.br ABSTRACT The El Niño impact on Brazil summer rainfall has not been well defined through seasonal analysis because it shows significant subseasonal variations. Here, the El Niño influence on the summer monsoon circulation and rainfall is analyzed with monthly resolution. It shows that some circulation anomalies, which are consistent and important during part of the summer, are smoothed out in a seasonal analysis. During early summer of El Niño events, the continental thermal low extends eastward and in January the dominant anticyclonic low-level anomalous circulation, which carries moisture from the tropical Atlantic to northeastern Argentina, Paraguay and southern Brazil, reverses to a cyclonic one over southeastern Brazil, establishing an anoumalous moisture influx to Central-East Brazil. INTRODUÇÃO A América do Sul (AS) apresenta um regime de monções de verão, visível quando se subtrai dos ventos climatológicos de inverno e verão o valor médio anual. Com a remoção da média anual, a reversão sazonal dos ventos de superfície é óbvia, induzida pelo forte aquecimento diabático sobre a América do Sul subtropical. A mudança sazonal do padrão de aquecimento gera redistribuição de massa de ar: enquanto a pressão cresce sobre o noroeste do Saara, um sistema de baixa pressão desenvolve-se sobre o Chaco. O gradiente de pressão sudoestenordeste torna-se forte e os alíseos do Atlântico tropical norte são fortalecidos por fluxo anômalo em baixos níveis, originário da alta do Saara. Este fluxo cruza o equador, penetra no continente, torna-se de noroeste ao longo do flanco leste dos Andes, e gira ciclonicamente em torno da baixa térmica do Chaco. Da primavera para o verão, o forte aquecimento da superfície pela radiação solar aumenta a precipitação convectiva sobre a América Central e a Amazônia e um centro anticiclônico em altos níveis aparece sobre a Amazônia. Com o avanço do verão, a zona de maior aquecimento migra para os subtrópicos. Desenvolve-se a Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) e a precipitação aumenta nesta região, aumentando o aquecimento diabático da troposfera, com aumento de convergência em baixos níveis e divergência em altos níveis. Na alta troposfera o centro anticiclônico move-se para sul (alta da Bolívia). Estabelece-se um cizalhamento vertical do vento sobre a região de monções, governado pelo gradiente horizontal de temperatura, principalmente entre o continente e o oceano adjacente. A circulação de monções desenvolve-se transformando energia da circulação divergente para a circulação rotacional. Há controvérsia a respeito do impacto de El Niño (EN) e La Niña (LN) sobre as chuvas de verão no Brasil. Grimm et al. (1998, 2000) mostram que o impacto sobre o total sazonal de precipitação na Região Sul é bem mais fraco que para a primavera, havendo mesmo uma reversão das anomalias em janeiro. Lau e Zhou (2000), usando médias para o período dezembro-janeiro-fevereiro (DJF), concluíram que durante El Niño a circulação de monções na América do Sul se fortalece, a chuva se intensifica e se desloca para o sul. Já Robertson e Mechoso (2000), usando médias para o período janeiro-fevereiro-março (JFM) mostraram que não há pico espectral correspondente a ENOS na circulação associada com a variabilidade da ZCAS, que é importante padrão de precipitação no verão. Aceitando-se a hipótese de que a circulação de monção na AS é fortemente influenciada pela liberação de calor latente na convecção sobre a Amazônia, poder-se-ia concluir que esta circulação fica alterada pela diminuição (aumento) desta convecção durante eventos ENOS. Na realidade, para entender a resposta das chuvas de verão a eventos ENOS, é necessária mais resolução temporal que as clássicas médias sazonais permitem, porque o impacto desses eventos sofre significativa alteração durante o mês de janeiro, no auge do verão. Médias sazonais diluem esta variação subsazonal e diminuem a magnitude e índice de consistência de anomalias que perduram por menos tempo. Além disso, maior resolução espacial também é desejável. O conhecimento das variações subsazonais da variabilidade interanual associada com eventos ENOS é de extrema importância para a previsão climática, pois usuários reclamam maior resolução temporal das previsões sazonais, tendo em vista que a situação média sazonal pode representar o que ocorre em apenas curto período dentro da estação. 1095

Este trabalho analisa a variação do impacto de eventos EN no decorrer do verão e mostra como impactos consistentes durante períodos menores desaparecem numa análise sazonal. MATERIAL E MÉTODOS Dados de mais de 1000 estações pluviométricas no Brasil foram selecionados para descrever o impacto de eventos ENOS sobre a precipitação de verão, usando-se o período 1956-1992. Foram selecionadas estações que contivessem ao menos cinco eventos EN. Para descrever a circulação, foram usados os dados da reanálise do NCEP/NCAR, de 1963 a 1992, porque parte das estações de radiossondagens no Brasil começaram a operar após 1963 e portanto a reanálise em ar superior é mais confiável neste período. Precipitações mensais e o total sazonal de verão (DJF) de cada localidade foram transformados em percentis da distribuição gama ajustada aos dados de cada mês ou da estação. A precipitação mediana em eventos El Niño e La Niña é calculada para cada localidade e cada mês (e para todo o verão) e expressa como um percentil da distribuição do período inteiro. Este percentil pode ser interpretado como o percentil esperado em eventos EN e LN. Este valor dá uma idéia mais imparcial do impacto desses eventos, pois valores de anomalias carregam consigam a influência da variância. A consistência da relação entre EN e anomalias de chuva é testada calculandose a probabilidade de obter s episódios secos (ou u úmidos) em t tentativas numa população de n1 amostras secas e n2 amostras úmidas, usando-se a distribuição hipergeométrica. Para testar a consistência da relação EN- condições úmidas (secas) de uma população que contém t episódios EN e s (u) deles são secos (úmidos), a probabilidade de obter mais que s (u) casos secos (úmidos) numa amostra de t episódios tomados ao acaso dessa população é calculada. Este é o nível de significância dessa relação. Este teste é robusto em relação à assimetria da distribuição e calcula a significância não das diferenças entre EN e LN, mas a significância das anomalias associadas a cada tipo de evento em relação às condições normais. Para caracterizar os mecanismos responsáveis pelas anomalias de chuva, analisamos mudanças na circulação que alteram os ingredientes essenciais da chuva: convergência de umidade e levantamento do ar úmido ao nível de condensação. Anomalias de convergência de umidade estão relacionadas principalmente ao fluxo em baixos níveis. O levantamento pode ser causado por vários tipos de mecanismos, como variações nos ventos em altos níveis (nas correntes de jato e na advecção de vorticidade), que podem aumentar ou suprimir convecção, divergência de grande escala, forçante térmica ou topográfica. Para estudar estes aspectos numa perspectiva mais ampla, foram analisados o fluxo e divergência de umidade (integrados verticalmente) e os componentes rotacional e divergente do vento em baixos e altos níveis. Foram feitas composições destes parâmetros para eventos EN e a consistência das anomalias durante estes eventos foi avaliada em cada ponto de grade com procedimento similar ao descrito acima. Os eventos El Niño usados neste estudo são dados na Tabela abaixo: El Niño 1957, 1963, 1965, 1969, 1972, 1976, 1979, 1982, 1986, 1991. RESULTADOS E DISCUSSÃO a) Análise sazonal A análise sazonal da precipitação mostra, para DJF de eventos EN, fortes e consistentes anomalias negativas (percentis abaixo de 50) no Norte do Brasil e anomalias positivas (percentis acima de 50) no sul do Nordeste/norte do Sudeste e parte do Centro-Oeste, região que será denominada Centro-Leste (Fig. 1). Não há anomalias consistentes no Nordeste ou no Sul, a não ser em pequenas áreas, embora durante esta época haja anomalias consistentes no norte e centro da Argentina e parte do Uruguai (Grimm et al., 2000). Portanto, durante eventos EN as chuvas de verão não se deslocam simplesmente para o sul, mas aparecem também anomalias positivas consistentes no centro do Brasil e ao norte da ZCAS, que são regiões fortemente dependentes das chuvas de verão. Nessas regiões, as anomalias consistentes durante LN são reversas e se deslocam para o sul em relação às anomalias durante EN, aproximando-se mais da localização da ZCAS. Portanto, pode-se esperar que as chuvas de verão na ZCAS sofram mais influência durante eventos LN que EN. As anomalias sazonais do fluxo médio de umidade na coluna atmosférica e sua divergência (Figuras 2 e 3) não mostram grande coerência com as anomalias sazonais de precipitação da Fig. 1, pois praticamente não há convergência ou divergência de umidade sobre o Brasil, apesar das fortes e consistentes anomalias de chuva. A circulação rotacional em altos níveis (Fig. 4) mostra anomalias ciclônicas ladeando o equador, no oeste da AS e sobre o Atlântico, o que é dinamicamente consistente com a circulação divergente (Fig. 5), que indica convergência anômala sobre a Amazônia e ITCZ, associada com as anomalias negativas de precipitação nessas 1096

regiões. Sobre o leste da América do Sul predominam anomalias anticiclônicas. A circulação divergente associada à situação de EN (Figuras 5 e 7) mostra uma forte alteração da circulação de Walker sobre o Pacífico Leste e a AS, com convergência anômala em altos níveis sobre a Amazônia, estendendo-se sobre a Zona de Convergência Intertropical no Atlântico, que está pouco mais ao norte, produzindo subsidência. Em baixos níveis, há divergência anômala sobre a Amazônia, o que leva à circulação anômala anticiclônica em ambos os lados do equador (Fig. 6). a) Análise mensal Os aspectos de circulação e transporte de umidade descritos acima são consistentes com as anomalias negativas de precipitação na Amazônia, mas não explicam as anomalias positivas no centro/leste do Brasil e ao norte da ZCAS. Para entendê-las, é necessário uma análise mensal das anomalias de precipitação e circulação. Esquemas do fluxo de umidade e da circulação em altos níveis, baseados nas composições destes parâmetros, explicam a evolução das anomalias das chuvas de verão durante eventos EN (Fig. 8). Em novembro, ainda na primavera, um trem de ondas emanado de fonte anômala de calor no Pacífico Leste produz um centro anômalo ciclônico no sudoeste da América do Sul e um anticiclônico no sudeste. Isto produz intensificação do jato subtropical e advecção de vorticidade ciclônica sobre o sudeste da AS, intensificando movimento ascendente nessa região (Grimm, 2000). Em baixos níveis, a subsidência sobre a Amazônia produz anomalias anticiclônicas no Brasil Central. O componente barotrópico do trem de ondas proveniente do Pacífico reforça estas anomalias. Assim, o fluxo de umidade do Atlântico que penetra pela Amazônia é dirigido basicamente para a Região Sul, onde há convergência anômala de umidade, enquanto no Centro-Leste e Norte do Brasil predomina a divergência. Há, portanto, fortes anomalias positivas de chuva no Sul e negativas no Norte e Centro- Leste do Brasil. As anomalias de circulação nos subtrópicos são predominantemente barotrópicas. Em dezembro, as anomalias negativas de precipitação na Amazônia se fortalecem e se estendem para leste, unindo-se com as anomalias negativas na ITCZ sobre o Atlântico. A circulação ciclônica em altos níveis no oeste da AS avança para nordeste, até a Amazônia, e a circulação anticiclônica na superfície se desloca para leste, de modo que o suprimento de umidade no leste e ZCAS tendem a normalizar-se. Nesta época, as anomalias de temperatura na superfície atingem o máximo no leste, provavelmente devido à diminuição da precipitação na primavera e início de verão. Em janeiro, uma anomalia de baixa pressão na superfície, com circulação ciclônica, se estabelece sobre o sudeste do Brasil, enquanto em altos níveis se intensifica uma anomalia anticiclônica. A anomalia ciclônica em superfície facilita a convergência de umidade sobre o centro-leste do Brasil, desviando para lá o fluxo para ia para o Sul. Então há fortes e consistentes anomalias positivas de precipitação na região Centro-Leste, enquanto na Região Sul há até anomalias negativas. Em fevereiro, as anomalias de temperatura são nulas na região e anomalia anticiclônica predominantemente barotrópica domina novamente a região a leste do Brasil. As anomalias de precipitação se enfraquecem e até se tornam negativas na ZCAS. Aumentam as chuvas no Sul. CONCLUSÕES A análise de vários campos meteorológicos indica que a circulação de monções no verão é alterada tanto pelas perturbações de grande escala associadas a eventos El Niño como pelo aquecimento anômalo da superfície no centro-leste do Brasil. No início e final da estação predomina a circulação anticiclônica de superfície sobre a parte leste do Brasil, desde o Norte até os Subtrópicos, devido principalmente à subsidência sobre a Amazônia. Esta circulação de superfície favorece a entrada de umidade vinda do Atlântico tropical, mas a desvia para o sul do Brasil e da AS. Chove menos que o normal no centro-leste do Brasil. Contudo, em janeiro, com o deslocamento para leste da subsidência anômala sobre a Amazônia, e portanto da circulação anticiclônica em superfície, e com o grande aquecimento da superfície devido à diminuição das chuvas, a baixa continental térmica, normalmente centrada no Chaco, estende-se para leste, e no Sudeste do Brasil aparece convergência em baixos níveis e uma circulação ciclônica anômala, que conduz umidade para o Centro-Leste. Além disso, há condições propícias para ascendência na região, devido à circulação em altos níveis. Em resumo, a subsidência na Amazônia produz anomalia anticiclônica em baixos níveis sobre o Brasil Central-Leste e ao norte do equador, o que facilita a entrada de umidade do Atlântico para o Continente, mas a umidade vai para o Sul, devido à circulação em baixos níveis. Há déficit de chuva no Centro-Leste e aquecimento anômalo da superfície. No Sul, há chuvas acima do normal. A baixa térmica do Chaco é estendida para leste, produzindo circulação ciclônica deslocada para leste e, portanto, advecção de umidade para o Brasil Central e Leste, desviando para lá parte da umidade que ia para o Sul. Após as chuvas mais intensas de janeiro na região Centro-Leste, a situação volta a ser controlada pelas perturbações de maior escala. 1097

AGRADECIMENTOS Esta pesquisa tem suporte do CNPq e do IAI. Agradecimentos a Raphael Balbinotti e Josef Magalhães pela ajuda na montagem das figuras. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GRIMM, A.M., FERRAZ, S.E.T., GOMES, J. Precipitation anomalies in Southern Brazil associated with El Niño and La Niña events. Journal of Climate, v.11, p.2863-2880, 1998. GRIMM, A.M., BARROS, V.R., DOYLE, M.E. Climate variability in Southern South America associated with El Niño and La Niña events. Journal of Climate, v.13, p.35-58, 2000. GRIMM, A.M. Teleconexões e o papel das circulações em vários níveis no impacto de El Niño sobre o Brasil na primavera. In: ANAIS DO XI CONGRESSO BRASILEIRO DE METEOROLOGIA, Rio de Janeiro, 2000 (CD-ROM). ROBERTSON, A.W., MECHOSO, C.R. Interannual-to-interdecadal variability of the South Atlantic Convergence Zone and riverflow predictability. In: PREPRINTS OF THE SIXTH INTERNATIONAL CONFERENCE ON SOUTHERN HEMISPHERE METEOROLOGY AND OCEANOGRAPHY, Santiago, Chile, American Meteorological Society, 2000, p.168-169. LAU, K.M., ZHOU, J. Rainfall regimes and interannual variability of South American summer monsoon. In: PREPRINTS OF THE SIXTH INTERNATIONAL CONFERENCE ON SOUTHERN HEMISPHERE METEOROLOGY AND OCEANOGRAPHY, Santiago, Chile, American Meteorological Society, 2000, p.153-154. 1098

Fig. 2 - Composição de anomalias de fluxo de umidade médio na coluna atmosférica para Dezembro (0) - Fevereiro (+) de eventos de El Niño. Unidades estão em 10-2 mgs -1 Kg -1. As áreas sombreadas indicam anomalias consistentes com nível de significância melhor que 90%. Fig. 1 - Percentis esperados de precipitação para Dezembro (0) - Fevereiro (+) de eventos El Niño. Áreas sombreadas indicam consistência ao nível de 90%. Fig. 3 - Composição de anomalias de divergência de umidade para Dezembro (0) - Fevereiro (+) de eventos El Niño. Unidades estão em 10-9 gs -1 Kg -1. As áreas sombreadas indicam anomalias consistentes com um nível de significância melhor que 90%. Fig. 4 - Composição de anomalias de função corrente em 200 hpa para Dezembro (0) - Fevereiro (+) de eventos de El Nino. Unidades estão em 10 6 m 2 s -1. As áreas sombreadas indicam anomalias consistentes com nível de significância melhor que 90%. Fig. 5 - Composição de anomalias de vento divergente em 200 hpa para Dezembro (0) - Fevereiro (+) de eventos de El Nino. Unidades estão em ms -1. As áreas sombreadas indicam anomalias consistentes com nível de significância melhor que 90%. Fig. 6 - Composição de anomalias de função corrente em 850 hpa para Dezembro (0) - Fevereiro (+) de eventos de El Nino. Unidades estão em 10 6 m 2 s -1. As áreas sombreadas indicam anomalias consistentes com nível de significância melhor que 90%. ia com significância melhor que 90%. Fig. 7 - Composição de anomalias de vento divergente em 850 hpa para Dezembro (0) - Fevereiro (+) de eventos de El Nino. Unidades estão em ms -1.As áreas sombreadas indicam anomalias consistentes com nível de significância melhor que 90%. 1099

a) Novembro (0) b) Dezembro (0) c) Janeiro (+) d) Fevereiro (+) Fig. 8 - Esquema das anomalias de fluxo de umidade (em azul) e da função corrente em 200 hpa (em marrom) para eventos El Niño. As áreas sombreadas em cinza (laranja) indicam esquematicamente as regiões com convergência (divergência) de umidade. 1100