Comunicado78 Técnico ISSN 1414-9850 Novembro, 2010 Brasília, DF Foto: Carlos A. Lopes Requeima: doença destrutiva e comum ao tomateiro e à batateira Ailton Reis 1 Importância A requeima é a doença mais destrutiva do tomateiro e da batata nas principais regiões produtoras do Brasil e do mundo. A doença é causada pelo oomiceto Phytophthora infestans, que também ataca outras plantas da família Solanaceae. O patógeno ataca a parte aérea do tomateiro e da batatateira, destruindo principalmente as folhas, podendo dizimar uma lavoura em poucos dias, se as condições ambientais forem favoráveis e se medidas adequadas de controle não forem utilizadas. Os prejuízos causados à lavoura de tomate ou batata vão depender do grau de suscetibilidade da cultivar, da agressividade do patógeno, das condições climáticas e das medidas de manejo empregadas pelos produtores. Estes podem variar de 10 a 100%, sendo que a destruição completa de uma lavoura não é muito rara e pode ocorrer quando os produtores não se atentam para o manejo adequado da doença. Os prejuízos podem ser diretos, quando o patógeno ataca e destrói a cultura ou através da redução na produtividade. Outro tipo de prejuízo associado são as pulverizações frequentes com fungicidas, resultando em aumento do custo de produção e exposição de aplicadores, consumidores e ambiente a produtos químicos de diferentes classes toxicológicas. Em relação aos prejuízos indiretos, destaca-se a diminuição da produção do tomate e da batata em regiões muito favoráveis à doença, devido ao aumento dos custos de produção, com implicações econômicas e sociais. Outro prejuízo indireto é a restrição ao uso de determinados fungicidas devido ao desenvolvimento de populações do patógeno resistentes aos mesmos, que afeta principalmente a indústria química. 1 Eng. Agr. DSc., Embrapa Hortaliças, CP 218, 70.359-970, Brasília-DF; ailton@cnph.embrapa.br
2 Requeima: doença destrutiva e comum ao tomateiro e à batateira Sintomas da doença A requeima afeta todos os órgãos aéreos de suas plantas hospedeiras e os tubérculos da batata. Os sintomas mais típicos da doença são observados nas folhas e iniciam-se com uma lesão aquosa que cresce rapidamente, tornando-se necrótica, com as bordas de cor verde mais claro, quando comparada a tecidos sadios (Figura 1). Sob condições de alta umidade, na face inferior das lesões, surge um mofo esbranquiçado, formado por esporangióforos e esporângios do patógeno (Figura 2). A esporulação do fungo é mais freqüente nas bordas das lesões, onde se encontra o tecido afetado, porém ainda não morto. Quando o ataque é severo, pode haver coalescência das lesões, com a destruição rápida da Foto: Carlos A. Lopes Figura 1. Lesões típicas da requeima, causada por Phytophthora infestans, em folhas de tomate (A) e batata (B). Foto: Carlos A. Lopes Figura 2. Sinais do patógeno, esporangióforos e esporângios de Phytophthora infestans, na face inferior de lesão de requeima em folhas de tomate (A) e batata (B).
Requeima: doença destrutiva e comum ao tomateiro e à batateira 3 folhagem, dando a ela aspecto de que foi queimada por geada, daí o nome de requeima (Figura 3). Os sintomas aparecem também no caule e no pecíolo, principalmente em tecidos jovens, caracterizando-se por manchas escuras, geralmente superficiais, que podem resultar em quebra e/ou morte da porção acima das lesões (Figura 4). Nos frutos do tomateiro, o sintoma típico é o desenvolvimento de uma podridão dura, de cor marrom a pardo-escura, que pode cobrir parte ou toda a sua superfície sem, entretanto, causar sua queda (Figura 5). Este sintoma é mais evidente quando o fruto é atacado ainda verde. Com o tempo, os frutos infectados podem se tornar amolecidos devido à contaminação com microrganismos oportunistas. No tubérculo de batata ocorre uma podridão seca inicialmente marrom, que escurece com o tempo, causando a chamada podridão chocolate (Figura 6). A extensão e a profundidade da podridão do tubérculo dependem da condição ambiental e da suscetibilidade da cultivar e pode alcançar mais de 1,5 cm de profundidade. Outros organismos, principalmente bactérias, podem invadir as lesões de P. infestans e causar a deterioração parcial ou completa do tubérculo. Agente causal A requeima do tomateiro e da batateira, é causada por Phytophthora infestans, oomiceto que produz hifas hialinas e não septadas e esporângios hialinos, papilados em forma de limão (Figura 7). Os esporângios são produzidos em períodos de alta umidade relativa (acima de 90%) e temperaturas entre 18 a 22 o C. Estes podem germinar diretamente em temperaturas acima de 18 o C (temperatura ótima de 22 o C) ou produzir zoósporos biflagelados, geralmente oito por esporângio, sob temperaturas mais baixas (temperatura ótima de 12 o C). Portanto, em localidades e épocas de cultivo com clima mais ameno, a quantidade de inóculo é muito maior e, por isso, as epidemias normalmente são mais severas. A germinação direta dos esporângios em temperaturas relativamente altas, desde que haja temperaturas noturnas em torno de 22 C, explica a ocorrência de surtos de requeima mesmo em regiões quentes, consideradas de baixo risco de requeima, como em alguns locais das Regiões Centro Oeste e Nordeste do Brasil. A disseminação do patógeno é feita principalmente por meio do vento, mas pode ser ocasionada também por insetos, chuvas de vento e mudas contaminadas. Phytophthora infestans é um organismo heterotálico, ou seja, possui dois grupos de compatibilidade (A1 e A2). Para ocorrer a reprodução sexuada, é preciso haver o cruzamento de isolados A1 e A2. A ocorrência de isolados dos dois grupos em uma mesma região e na mesma cultura possibilita o surgimento de recombinantes, que podem apresentar características diferentes de adaptabilidade, tais como maior agressividade ou resistência a fungicidas, principalmente os sistêmicos, dificultando o controle da doença. Além disso, os oósporos, que são produzidos a partir de reprodução sexuada, são capazes de sobreviver no solo na ausência de uma planta hospedeira viva, constituindo-se em outro tipo de inóculo inicial, com papel importante na epidemiologia da doença por contribuir para o início antecipado da epidemia no campo. Figura 3. Sintoma de queima de folha (requeima), causada por Phytophthora infestans, em tomateiro rasteiro. Em estudos realizados há aproximadamente 15 anos, foi constatada a presença de isolados de ambos os grupos de compatibilidade de P. infestans no Brasil. Associados a cultura do tomate, só foram encontrados isolados do grupo A1, enquanto que os isolados de batata pertenciam ao grupo A2. Estudos mais recentes revelaram a presença dos isolados
4 Requeima: doença destrutiva e comum ao tomateiro e à batateira Fotos: Ailton Reis Figura 4. Sintomas da requeima, causada por Phytophthora infestans, em caule de tomate (A) e batata (B). Figura 5. Podridão de frutos de tomate, causada por Phytophthora infestans.
Requeima: doença destrutiva e comum ao tomateiro e à batateira 5 Foto: César Boaur Gomes Figura 6. Podridão em tubérculo de batata, causada por Phytophthora infestans. Figura 7. Hifas cenocíticas (sem septos) e esporângios de Phytophthora infestans, vistas ao microscópio ótico sob aumento de 400 X.
6 Requeima: doença destrutiva e comum ao tomateiro e à batateira A1 e A2 em batata nas Regiões Sul e Sudeste e evidências de reprodução sexuada na Região Sul do Brasil. Phytophthora infestans ainda apresenta grande número de raças fisiológicas, tanto dentro do grupo A1 quanto no grupo A2, e estas raças são, geralmente, muito complexas. Isto significa que o uso de cultivares com alta resistência a doença, do tipo resistência vertical, é muito difícil, tanto para o tomate como para a batata, pois o aparecimento de novas raças do patógeno resulta na quebra da resistência da planta. Condições favoráveis à doença Noites com temperaturas amenas, 16 a 20 o C, e dias não muito quentes, 20 a 27 o C, são ideais para o desenvolvimento da requeima. Além da temperatura, a umidade é fator condicionante para a infeção e esporulação do patógeno. Os esporângios são produzidos sob condições de umidade relativa de 91 a 100%. O vento é a principal via de disseminação de inóculo, esporângios do patógeno, podendo levá-los para locais próximos, distantes ou muito distantes do foco inicial, dependendo de sua intensidade e duração. Estes podem germinar diretamente e iniciar a infeção ou, sob condições de temperaturas abaixo de 16 o C, podem germinar de maneira indireta, dando origem aos zoósporos (seis a oito esporos com flagelos). Os zoósporos, na presença de água livre sobre o órgão afetado, podem se deslocar a curtas distâncias com ajuda dos flagelos, e iniciar vários pontos de infeção, multiplicando o número de lesões em uma folha ou em um outro órgão. Quando as condições ambientais são favoráveis, o patógeno pode completar um ciclo de infeção em 4 a 5 dias. As temperaturas acima de 30 o C são desfavoráveis para a requeima; entretanto, o patógeno pode continuar vivo nas lesões e, quando as condições voltarem a ser favoráveis, este poderá reiniciar seus ciclos de infeção. Controle da doença Como as epidemias de requeima são muito destrutivas e não existem cultivares comerciais de tomate e batata resistentes, o controle da doença é altamente dependente do uso de fungicidas, que podem ser protetores ou sistêmicos. Deve se ressaltar que, quando produtos químicos são usados, as dosagens, períodos de carência e outras informações do fabricante, constantes na bula do produto, devem ser seguidas à risca. É importante que o produto certo seja aplicado na hora correta para evitar desperdícios, que resultam em alto custo de produção, e contaminação ambiental. Para isso, um especialista deve ser consultado para que medidas preventivas sejam tomadas. Após o aparecimento dos sintomas, o controle pode não ser eficiente ou se tornar antieconômico, mesmo com a aplicação de pesadas dosagens de fungicidas. É comum encontrar produtores de tomate que realizam até 30 pulverizações para o controle da requeima. Para um ciclo de 100 dias do tomateiro, seriam realizadas 15 pulverizações semanais, o que pode ser considerado um número elevado de aplicações. Uma forma de racionalizar estas pulverizações seria a utilização de medidas preventivas como a escolha da área e de sistemas de previsão da doença. Através desses sistemas seria possível identificar os períodos em que as condições são mais favoráveis à ocorrência da doença, auxiliando na tomada de decisão de quando se deve pulverizar. Algumas medidas preventivas devem ser levadas em consideração visando a redução da necessidade do uso intensivo de fungicidas, tais como: Não plantar em regiões sujeitas a ocorrência e permanência de neblina por longos períodos; Não plantar em terrenos baixos, sombreados ou próximos a reservatórios de água; Utilizar batata-semente e mudas de tomate produzidas por firmas idôneas;
Requeima: doença destrutiva e comum ao tomateiro e à batateira 7 Quando produzir a própria semente de tomate, nunca usar sementes de frutos infectados e tratá-las com fungicidas sistêmicos; As batatas-sementes devem ser vistoriadas e os tubérculos com sintomas eliminados; Não plantar nas proximidades de culturas velhas de tomate ou batata; Usar espaçamentos e conduções de plantas que possibilitem maior ventilação da folhagem; Eliminar plantas voluntárias (tigueras) de tomate e batata, próximas das lavouras; Destruir os restos de cultura logo após a última colheita. Referências HOOKER, W.J. Compendium of Potato Diseases. St. Paul: APS Press, 1981. 125pp. JONES, J.B.; JONES, J.P.; STALL, R.E.; ZITTER, T.A. Compendium of Tomato Diseases. St. Paul: APS Press, 1991. 73p. KUROZAWA, C. & PAVAN, M. Doenças do tomateiro (Lycopersicon esculentum Mill.). In: KIMATI, H.; AMORIM, L.; BERGAMIN FILHO, A.; CAMARGO, L.E.A. & REZENDE, J.A.M. Manual de Fitopatologia. Vol. 2: Doenças das Plantas Cultivadas. São Paulo, 3 ª Ed. CERES, 1997. p. 690-719. LOPES, C.A. & BUSO, J.A. Cultivo da batata (Solanum tuberosum L.). Brasília. Embrapa Hortaliças. Instruções Técnicas 8. 1997. 35pp. LOPES, C.A., REIS, A. & BOITEUX, L.S. Doenças fúngicas. In: LOPES, C.A. & ÁVILA, A.C. Doenças do tomateiro. 1 a. Ed. Brasília: Embrapa Hortaliças, 2005. p.17-52. MIZUBUTI, E. S. G. Requeima ou mela da batata e do tomate. In:. LUZ, E.D.N.; SANTOS, A.F.; MATSUOKA, K.; BEZERRA, J.L. Eds. Doenças causadas por Phytophthora no Brasil. Livraria Editora Rural, Campinas, pp.100-174, 2001. SOUZA DIAS, J.A.C. & IAMAUTI, M.T. Doenças da batateira (Solanum tuberosum L.). In: Kimati, H., Amorim, L., Bergamin Filho, A., Camargo, L.E.A. & Rezende, J.A.M. (eds.). Manual de Fitopatologia. Vol.2. Doenças das plantas cultivadas. São Paulo. 3 ª Ed. CERES. 1997. p.137-164. Comunicado Técnico, 78 Exemplares desta edição podem ser adquiridos na: Embrapa Hortaliças Endereço: BR 060 km 9 Rod. Brasília-Anápolis C. Postal 218, 70.539-970 Brasília-DF Fone: (61) 3385-9115 Fax: (61) 3385-9042 E-mail: sac@cnph.embrapa.br 1ª edição 1ª impressão (2011): 500 exemplares Comitê de Publicações Expediente Presidente: Warley M. Nascimento Editor Técnico: Mirtes F. Lima Membros: Jadir B. Pinheiro Miguel Michereff Filho Milza M. Lana Ronessa B. de Souza Normalização Bibliográfica: Antonia Veras de Souza Editoração Eletrônica: André L. Garcia