ADOLESCÊNCIA E MAL-ESTAR NA CULTURA CONTEMPORÂNEA. equivaler o brincar infantil aos devaneios e fantasias dos adultos.



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Transcrição:

ADOLESCÊNCIA E MAL-ESTAR NA CULTURA CONTEMPORÂNEA Carolina Foglietti Em seu belíssimo texto Escritores criativos e devaneio, Freud (1908/1996) faz equivaler o brincar infantil aos devaneios e fantasias dos adultos. Em seus jogos, a criança realiza o desejo que determina seu brincar: o desejo de ser grande. Assim, a criança está sempre brincando de adulto, imitando em seus jogos aquilo que conhece da vida dos mais velhos (1908/1996, p. 137). O brincar das crianças, bem como os rituais dos jovens, revela, portanto, importantes traços e características que atravessam tanto a família quanto o contexto cultural e social de uma determinada época. No ano de 2008, o site britânico Miss Bimbo roubou a cena das bonecas tradicionais. Milhares de crianças e jovens, entre sete e 17 anos, se lançaram num concorrido desafio de beleza virtual. As instruções do jogo são claras: criar sua própria boneca virtual, recorrendo a rigorosas dietas e a cirurgias estéticas para transformá-la na boneca mais perfeita, rica e famosa de sempre como pode ser lido na página inicial do site. A principal tarefa é conseguir bimbo dólares para dar início às transformações das bonecas e ganhar status social. Entre as tarefas para alcançar a perfeição física de suas bonecas, as jovens internautas são incitadas a realizar cirurgias para aumentar os seios e os lábios, ingerir pílulas para emagrecer e entrar em rigorosos programas de dieta. A missão final consiste em conquistar o amor de um milionário em férias. Em agosto de 2010, a revista Época publicou um artigo sobre a crescente glorificação da aparência e do culto desmesurado ao corpo perfeito, entre crianças e adolescentes contemporâneos. A obsessão pela beleza é tão forte que pequenos defeitos, ou mesmo particularidades de origem racial, são motivo de vergonha ou depressão. Acompanhados dos pais, de amigos ou mesmo sozinhos, jovens brasileiros estão

frequentando os consultórios de cirurgiões plásticos com fotografias de celebridades nas mãos, demandando a tão almejada perfeição (MENDONÇA, 2010). Na atual atmosfera de polícia estética, revela-se uma neurose competitiva que extravasa para o padrão de consumo. A obsessão pela beleza ganha força também no universo virtual. Como exemplo, vale citar o site de relacionamento Beautiful People uma versão do Orkut dos bonitos que já tem 600 mil usuários de 190 países. Os requisitos de aceitação são rígidos e muitos jovens são reprovados pelos demais usuários. No mundo virtual as pessoas acreditam se relacionar de forma íntima, mas elidem a dimensão do corpo. O contato, feito de imagens e mensagens quase sempre transformadas, traduz relações imaginárias, livres das incomodas imperfeições e desencontros inerentes ao encontro com o outro. A futilidade, o empuxo à perfeição e o anonimato da virtualidade são alarmantes; os depoimentos de alguns jovens também. Cito o impactante comentário de uma jovem adepta do site Miss Bimbo : Tenho 12 anos. Sei que não sou propriamente aquela mulher, mas já sei o que digo. O sonho de qualquer menina é gastar e gastar os bimbo dólares em roupa super fashion, ganhar inteligência e novos namorados. Para mim, e para pessoas civilizadas como eu, a Miss Bimbo é o melhor site de bonecas de todo o sempre (A., 12 anos). O que traduz uma civilização, na qual os significantes ganhar e gastar imperam como garantes de perfeição e felicidade supremas, evitando a qualquer preço confrontar-se com outro e com a castração? Que efeitos podemos pensar para o adolescente imerso nessa cultura, em seus impasses para assumir-se como sujeito do desejo?

A violência sem limites, o culto desmesurado ao corpo e à imagem, o uso cada vez mais abusivo de drogas, os excessos da tecnologia e da ciência, bem como a progressiva evitação do encontro com a alteridade, figuram entre os principais sinais de alerta do nosso social. Em O mal-estar na cultura, Freud (1930/1996) indica que uma das fontes de contínuo sofrimento da humanidade reside no laço social que estabelecemos com nossos semelhantes, demonstrando que a vida em coletividade implica a renúncia de exigências pulsionais, em prol dos ideais culturais. A adolescência parece se aproximar muito desse mal-estar. Isto porque, em sua travessia, o jovem neurótico terá que renunciar à suas fantasias incestuosas e agressivas para poder reencontrar-se com um objeto que, doravante, estará redimensionado pelo ordenamento simbólico e, portanto, também pelo desejo. A ausência de complementariedade entre o universo das palavras e o mundo das coisas se ratifica, engendrando a incessante busca por uma satisfação que demonstrará ser sempre parcial. Ao escrever os Três ensaios sobre a sexualidade, Freud (1905/1996) metaforiza as transformações da puberdade como a travessia de um túnel perfurado, ao mesmo tempo, pelos dois lados. Podemos afirmar que o que está em jogo nessa travessia é a convergência das duas correntes pulsionais a terna e a sensual que culminará em um novo encontro com o real do sexo, ratificando ao sujeito a inexorabilidade da castração. O encontro com o real do sexo implica, em última instância, encontrar-se com a alteridade uma diferença radical, que confirma a entrada do sujeito nas leis da linguagem, remetendo-o à lógica da castração e fazendo vigorar a ética fundadora da psicanálise. Ética do desejo, não nos esqueçamos, que desvela a dimensão do não-todo e revela a categoria do impossível, ou seja, daquilo que não cessa de não se inscrever, indicando que há um resto impossível de ser simbolizado. Esse resto é o produto lógico

de uma operação que, por estrutura, não pode se dar por completo, sendo determinante da falha por onde o sujeito se constitui. Diante do real das mudanças corporais no encontro com o Outro sexo, o adolescente terá que se deparar com inúmeras perdas: dos pais imaginários da infância, do corpo infantil, da inexistência de um objeto que possa completá-lo, bem como das falhas do Outro que já não pode mais velar sua castração. Por outro lado, o reencontro do sujeito com esse ponto real da estrutura, convoca o adolescente a fazer um duplo trabalho em relação ao Pai, isto é: passar sem o pai, podendo, no entanto, servir-se dele. Em outras palavras, ao mesmo tempo que denuncia a impotência do Pai o sujeito lhe faz um apelo como função simbólica, cuja importância é fundamental na adolescência. Isto porque, é preciso que a palavra e sua Lei consistam, para que se possa dar conta desse buraco no real cavado pela sexualidade. Em função do abalo sofrido pela perda da imagem corporal infantil, o adolescente irá buscar uma nova identidade corporal nas insígnias do Outro, atualizando tanto o narcisismo quanto o estádio do espelho. Oscilando entre o estranho e o familiar, o adolescente busca referências para a estruturação de sua imagem corporal na figura ideal do Outro. A estruturação da imagem corporal é, então, posta à prova para além do olhar dos pais que até então a sustentaram (GARRITANO, 2009). Neste ponto faz-se imprescindível destacar a principal frase do ensaio freudiano sobre a puberdade, que indica um dos trabalhos psíquicos mais importantes sendo também o mais doloroso dessa passagem: o desligamento da autoridade dos pais, unicamente através do qual se cria a oposição tão importante para o progresso da cultura, entre a nova e a velha gerações (FREUD, 1905/1996, p. 214). É ao perceber as falhas dos pais que o jovem pode dar início ao processo de separação. Assim, os pais imaginarizados irão perder o lugar que ocupavam para o filho

até então. Esta perda, considerada por Freud como a mais dolorosa da adolescência, implica um trabalho de luto fundamental para a elaboração do desligamento da autoridade parental. No entanto, se por um lado há sofrimento pela perda dos pais da infância, a autonomia consequente ao trabalho de separação permite ao adolescente ser autor de um desejo que visa seu próprio destino e não mais à satisfação da demanda dos pais (SADALA, 2008, p. 126). Durante a adolescência o sujeito descobre o sentido ou o sem sentido da existência, defrontando-se com sua finitude e limitações, mas também com suas possibilidades, o que lhe permite iniciar uma busca em direção à autoria e ao lugar que ocupa ou almeja ocupar no mundo. Analisando o cenário atual de nossa cultura, cuja lógica promove o empuxo ao gozo imediato e sem consequências, questiono até que ponto o adolescente encontra espaço para relativizar o Outro, que assume cada vez mais um lugar totalizante, pleno e potente. Será que nosso social oferece as referências simbólicas para que essa passagem possa se dar de forma criativa, ou seja, para que essa travessia comporte espaço para a criação, a autoria e a responsabilidade? Vivemos um momento de grandes mudanças, numa sociedade cada vez mais desprendida da tradição e atravessada por um forte sentimento de urgência onde as exigências narcísicas de perfeição e de potência promovem um progressivo recuo do simbólico. O enfraquecimento das identificações operadas por instâncias simbólicas abre espaço para o fortalecimento das vias imaginárias de identificação, efetuando prejuízos importantes nos processos de subjetivação dos adolescentes. Em uma sociedade na qual a exaltação corporal da juventude é um ideal a ser atingido, a imagem do corpo perfeito assume o estatuto de signo cultural e passa a ser uma forte referência para o consumo.

Os efeitos do afrouxamento da autoridade paterna pelos implícitos de uma cultura cuja lógica visa a totalidade, onde nada mais se configura impossível, onde o lugar da fala e da enunciação estão perdendo espaço para a imagens totalizantes que negam a castração, desembocam em um mercado que não cessa de proliferar objetos para o mercado de consumo e, assim, tenta capturar o desejo dos sujeitos adolescentes. No Seminário livro 17, O avesso da psicanálise, Lacan (1969-70/1992) nomeia de latusas esses objetos feitos para causar o desejo. Esse mercado de latusas que prolifera incessantemente enreda-se ao mal-estar na adolescência (SADALA, 2008, p. 127). Como já foi dito, a separação da autoridade dos pais implica no reconhecimento, por parte do adolescente, de que há algo que falta no campo do Outro. Entretanto, a lógica do todo, evidenciada pela compulsão do tudo poder, impera no contexto social, dificultando aos jovens a constatação da falta. Dessa forma, os adolescentes protelam a busca e o reconhecimento do próprio desejo, permanecendo ancorados em uma miragem de imagens, que fazem crer na impossível consistência do Outro. As latusas e a lógica de consumo da atualidade buscam objetificar e massificar o desejo numa frustrada tentativa de nomeá-lo. Assim, o imaginário prevalece através das agressivas relações especulares que, por serem duais, isto é, narcísicas por excelência, não toleram o mal-entendido e expulsam qualquer vestígio de alteridade. A voracidade do consumismo, movido pela necessidade de ser desejável para o outro, revela os efeitos do abandono simbólico, sobretudo nos adolescentes que, através das novas doenças da alma (como a anorexia, a bulimia, a depressão, a toxicomania...) respondem aos excessos do Outro numa derradeira tentativa de resgatar o limite da castração. Percebe-se, assim, que os mandados da cultura contemporânea demonstram ser, por vezes, anacrônicos ao despertar na adolescência, que evoca justamente o contrário:

a castração e a falha no Outro. Como se sabe, esta lógica silencia o sujeito e enfraquece os laços que regulam a economia política do gozo e a circulação do desejo. Acredito que a psicanálise, enquanto saber que causa o desejo, pode promover o espaço para uma escuta outra, na qual não só o adolescente, mas o sujeito de que se trata em questão, possa servir-se da palavra, fazendo advir a dimensão do novo e da incompletude, apropriando-se de suas enunciações e responsabilizando-se por seu desejo. BIBLIOGRAFIA FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a sexualidade (1905) In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. 7. Rio de Janeiro: Imago, 1996.. Escritores criativos e devaneio (1908 [1907]) In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. 9. Rio de Janeiro: Imago, 1996.. O mal-estar na civilização (1930) In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. 21. Rio de Janeiro: Imago, 1996. GARRITANO, J. E.; SADALA, G. O adolescente e a cultura do corpo na contemporaneidade In: Revista Interação, Rio de Janeiro, v. 34, n o 2, maio de 2009. LACAN, J. O Seminário, Livro 17: O avesso da psicanálise (1969-70). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. MENDONÇA, M. Eles querem ser perfeitos. Revista Época. Rio de Janeiro, janeiro de 2010. SADALA, G. O sexo e o mal-estar na adolescência In: SONIA ALBERTI (Org.). A sexualidade na aurora do século XXI. Rio de Janeiro: Cia. de Freud: CAPES, 2008. SOBRE O AUTOR Carolina Foglietti. Graduanda em Psicologia pela Universidade Veiga de Almeida. Bolsista do Programa de Iniciação Científica pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro FAPERJ. Membro da Escola Lacaniana de Psicanálise RJ.