O CONCEITO DE TERRITÓRIO E REGIÃO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS: uma discussão inicial para o entendimento dos Territórios da Cidadania



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Transcrição:

O CONCEITO DE TERRITÓRIO E REGIÃO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS: uma discussão inicial para o entendimento dos Territórios da Cidadania Marcos Vinícius Spagnoli 1 Flamarion Dutra Alves 2 Darlene Aparecida de Oliveira Ferreira 3 RESUMO: O presente artigo pretende analisar as concepções dos conceitos geográficos usados nas e pelas políticas públicas do Governo Federal, em especial no Programa Territórios da Cidadania, e com isso compreender a mudança de conceito, de região para território, aplicada nas atuais políticas públicas. Para tal, faremos neste artigo uma discussão teóricometodológica dos conceitos de região e território na geografia, como base inicial da investigação. Palavras-chave: Território; Região; Territórios da Cidadania Introdução O Brasil como país subdesenvolvido que é, enfrenta dificuldades históricas na luta para uma melhor distribuição de renda, terras e oportunidades para seus cidadãos. Criado em 2008 pelo Governo Federal, o Programa Territórios da Cidadania visa enfrentar o desafio de melhorar a qualidade de vida dos brasileiros que vivem nas regiões que mais precisam, especialmente no meio rural. (REVISTA TERRITÓRIOS DA CIDADANIA, p.03). Para tanto, o Programa objetiva promover o desenvolvimento econômico e universalizar programas básicos de cidadania por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável, isso tudo através da participação social e a integração de ações entre Governo Federal, estados e municípios na construção de estratégias. 1 Graduando em Geografia IGCE/UNESP Campus de Rio Claro SP. Integrante do Núcleo de Estudos Agrários (NEA) da UNESP Rio Claro. marcosspagnoli@yahoo.com.br 2 Doutorando em Geografia IGCE/UNESP Campus de Rio Claro SP. Integrante do Núcleo de Estudos Agrários (NEA) da UNESP Rio Claro. dutrasm@yahoo.com.br 3 Prof. do Programa de Pós-Graduação em Geografia IGCE/UNESP - Campus de Rio Claro SP. Líder do Núcleo de Estudos Agrários (NEA) da UNESP Rio Claro. darleneferreira@uol.com.br

A fim de realizarmos uma análise crítica, e não apenas apontarmos pontos positivos ou negativos do Programa, realizaremos primeiramente, não um confrontamento de autores ou concepções de conceitos, mas sim colocações e abordagens de como o conceito de território e região foram, e ainda são tratados por diversos autores e pelas políticas governamentais. O uso do território na geografia e nas Políticas Públicas governamentais Antes de iniciarmos a discussão dos conceitos geográficos no Programa Territórios da Cidadania, far-se-á uma breve explanação acerca do entendimento do Território na Ciência Geográfica, partindo da Geografia Clássica Alemã, pautada nas concepções de Frederic Ratzel, e em seguida como o conceito de Território é estudado na Geografia brasileira atual. Para isso, utilizaremos as bases teóricas de Souza (1995), Saquet (2003) e Haesbaert (2004). Esta primeira etapa se faz necessária devido à dificuldade em submeter o Programa a um grau de análise que almejamos sem antes conhecermos as diversidades de definições dos Conceitos apresentados por teóricos e pelo Governo. Começaremos nosso estudo com uma discussão sobre a concepção de território calcada em importantes autores que trataram desse assunto, e que, embora se contraponham nos contemplaram com seus estudos. O território na Geografia: algumas considerações Na Geografia há múltiplas concepções de território que servem como ponto de partida para a discussão desse conceito. Tendo em vista que existem duas abordagens principais, optamos por começar com os autores da Geografia Clássica Alemã a fim de facilitar a compreensão e seguir uma linha de raciocínio de evolução histórica. A primeira concepção, naturalista, apresenta que o território aparece como elemento da natureza inerente a um povo ou a uma nação e pelo qual se deve lutar para proteger e conquistar. Um ícone em defesa dessa visão foi Friedrich Ratzel. Alvo de críticas por muitos por causa de sua visão

indissociável entre homem e natureza, chegou a ser considerado até mesmo como defensor do determinismo geográfico. Para o autor, sua noção de território está calcada na idéia de habitat vinda da biologia e usada para delimitação de áreas de domínio de determinada espécie ou grupo de animais: Pode-se, portanto aceitar como regra que uma grande parte dos progressos da civilização são obtidos mediante um desfrute mais perspicaz das condições naturais, e que neste sentido esses progressos estabelecem uma relação mais estreita entre povo e território. Pode-se dizer ainda, em um sentido mais geral, que a civilização traz consigo o fortalecimento de uma ligação mais íntima entre a comunidade e o solo que a recebe (RATZEL, apud MORAES 1990a, p.72). Sendo assim, para Ratzel (apud MORAES 1990a e 1990b) o território existe sem a presença do homem, desocupado (apolítico) ou com a presença deste e com o domínio do Estado (político).. Ainda segundo o autor, as relações entre sociedade e território são determinadas pelas necessidades de habitação, alimentação, recursos naturais e condições naturais para a efetivação da vida humana e sua sobrevivência (espaço vital), portanto o território só é compreendido como Estado-Nação, a partir do momento em que há uma organização social para sua defesa. A sociedade que consideramos, seja grande ou pequena, desejará sempre manter, sobretudo a posse do território sobre o qual e graças ao qual ela vive. Quando esta sociedade se organiza com esse objetivo ela se transforma em Estado. (RATZEL, apud MORAES 1990a, p.76). A continuidade dos estudos relacionando território, Estado e poder foi trabalhada mais profundamente por outro autor alemão, Claude Raffestin. Em acordo com este autor, o espaço é anterior ao território e por isso o território se forma a partir do espaço. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente, o ator territorializa o espaço. Esta colocação expressa perfeitamente a segunda abordagem do conceito de território dentro da Geografia, mais voltada para o indivíduo... temos o território do indivíduo, seu espaço de relações, seu horizonte geográfico, seus limites de deslocamento e de apreensão da realidade (SPÓSITO, 2000) O caráter nítido de relação entre o espaço e o ator social para transformá-lo em um território é evidente nas palavras de Raffestin (1993):

O território é um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por conseqüência, revela relações marcadas pelo poder. (...) o território se apóia no espaço, mas não é espaço. É uma produção a partir do espaço, que se inscreve num campo de poder. (RAFFESTIN, 1993, p.144). Acompanhando as reflexões de Raffestin, outro autor, Souza (1995), apresenta o território como um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder. (SOUZA, 1995, p.78), e por esse motivo, para ele para haver território é preciso que haja uma sociedade, já que, os territórios são caracterizados primordialmente pelas relações sociais projetadas no espaço. A ocupação do território é vista como algo gerador de raízes e identidade: um grupo não pode ser mais compreendido sem o seu território, no sentido em que a identidade sócio-cultural das pessoas estaria inarredavelmente ligada aos atributos do espaço concreto (natureza, patrimônio, paisagem ). E mais: os limites do território não seriam, é bem verdade, imutáveis (...) mas cada espaço seria, enquanto território, território durante todo o tempo, pois apenas a durabilidade poderia, é claro, ser geradora de identidade sócioespacial, identidade na verdade não apenas com o espaço físico, concreto, mas com o território e, por tabela, como o poder controlador desse território (SOUZA, 1995, p.84). A incorporação da questão do poder e das relações de poder implícitas nessa relação entre o homem e a natureza (agora territorializada) deu margem a incorporação de inúmeros novos elementos e autores que os tratam. Saquet (2003), por exemplo, entende que o território é a expressão concreta/abstrata do espaço produzido a partir das relações de poder, sejam elas econômicas, culturais, políticas e/ou sociais. Para ele as relações são múltiplas e por isso os territórios também o são, o que nos sugere a crer que o território é resultado do processo de produção do e no espaço geográfico. O território é produzido espaço-temporalmente pelas relações de poder engendradas por um determinado grupo social. Dessa forma, pode ser temporário ou permanente e se efetiva em diferentes escalas, portanto não apenas naquela convencionalmente conhecida como o território nacional sob gestão do Estado-Nação. (SAQUET, 2003, p.10) Outro geógrafo que vem dedicando-se ao estudo do território sobre suas dimensões políticas e culturais incorporadas à dimensão econômica é Rogério Haesbaert. Em síntese, Haesbaert (2004) apresenta três concepções de território:

- política ou jurídico-política: onde o território é visto como um espaço delimitado e controlado através do qual se exerce um determinado poder, muitas vezes mas não exclusivamente relacionados ao poder do Estado; - cultural ou simbólico-cultural: aquela que prioriza a dimensão simbólica e mais subjetiva, em que o território é visto, sobretudo, como o produto da apropriação/valorização simbólica de um grupo em relação ao seu espaço vivido. - econômica: enfatiza a dimensão espacial das relações econômicas, o território como fonte de recursos e/ou incorporado no embate entre classes sociais e na relação capital-trabalho, como produto da divisão territorial do trabalho, por exemplo. (HAESBAERT, 2004, p.40). Juntas, essas concepções levaram o autor a definir que o espaço tem sido moldado com finalidades específicas, já o território é tido como um espaço sobre o qual se exerce um domínio político, e como tal, um controle de acesso. (HAESBAERT, 1995, p.168). Visto até aqui as colocações apresentadas por alguns diferentes teóricos da Geografia, onde alguns se contrapõem, mas outros se somam nas maneiras de entender o território, buscaremos agora apresentar a noção de território segundo o Governo. Abordagem do Território pelo Governo Federal A análise feita pelos Órgãos governamentais em relação à utilização de conceitos, não está diretamente ligada às definições que a Ciência e a Academia empregam. Dessa forma, veremos como o conceito do Território é entendido no Programa Territórios da Cidadania. Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Territorial o conceito adotado define território como: Um espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo, compreendendo a cidade e o campo, caracterizado por critérios multidimensionais tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a política e as instituições e uma população com grupos sociais relativamente distintos, que se relacionam interna e externamente por meio de processos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade e coesão social, cultural e territorial. (SECRETARIA DO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL). Na emenda de lançamento do Programa, no entanto, esse conceito aparece de forma sintética da seguinte maneira o território é formado por um

conjunto de municípios com mesma característica econômica e ambiental, identidade e coesão social, cultural e geográfica. (REVISTA TERRITÓRIOS DA CIDADANIA, p.03). O Programa Territórios da Cidadania traz a tona também uma mudança de visão do Governo Federal na criação e execução dos seus planos de desenvolvimento nacional, que diz respeito à forma como se pensava os planos e a maneira como isso ocorre atualmente. Dedicaremos nosso esforço mais a frente para compreender essa mudança, pois antes precisamos nos atentar as concepções de região, tanto por teóricos da Ciência Geográfica como por parte do Governo, assim como fizemos com o Território. O conceito de região na geografia e nas Políticas Públicas governamentais O estudo acerca das concepções de Região que apresentamos a seguir, assim como o de território realizado acima, seguirá uma linha de raciocínio lógico, ligado à história e não necessariamente a importância ou relevância de autores ou definições específicas. Até mesmo porque em acordo com Haesbaert (2002, p.134) todo conceito tem uma validade temporal, ou seja, deve ser delimitado historicamente (...) é importante revelar a origem do conceito, tanto no sentido de sua existência real quanto de sua formulação teórica.. A discussão apresentará, a começar, um pouco da história do surgimento do termo e as concepções de importantes autores, como o francês Paul Vidal de La Blache e Hartshorne e também um pouco da visão das Escolas de pensamento geográfico, além de apresentar algumas considerações feitas por autores da Geografia brasileira, como Gomes (2000), Corrêa (1987) e Santos (1978). O conceito de Região na Geografia: algumas considerações Se quisermos compreender o que significa o conceito de região, precisamos nos remeter ao período histórico e o contexto em que ele surge.

Nas últimas décadas do século XIX, dois importantes processos se desenvolveram e marcaram a Europa e a Geografia, o primeiro, a fase de expansão territorial do capitalismo, e o segundo, a sistematização da Geografia como Ciência, com a abertura de inúmeros cursos nas universidades européias e norte-americanas. É a partir das contribuições da Geografia Clássica a respeito dos conceitos de região que a discussão se apresenta, pela primeira vez, de forma relevante. Já aí surgiram os primeiros conflitos envolvendo a região. Isso porque se destacam dois conceitos de região: A região natural influenciada pela corrente determinista, que se caracteriza pela uniformidade dos resultados da combinação ou integração em áreas dos elementos da natureza, justificando a exploração dos recursos naturais por interesses econômicos; e a região geográfica, decorrente da visão possibilista de Vidal de La Blache, em que os componentes humanos e naturais da paisagem conferem uma combinação específica à diversidade, singularizando o espaço regional. (CORRÊA, 1987; GOMES, 2000). Na visão lablachiana cada região era detalhadamente descrita e particularizada, o que dificultou generalizações e deu ao conceito um tom humanizado. Segundo o autor, o método recomendado nos estudos regionais é a descrição, pois somente através dela seria possível penetrar na complexidade dinâmica que estrutura o espaço. Mas mesmo La Blache teve alterada sua mudança de visão sobre o conceito de região. Inicialmente em seus trabalhos, o autor entende a região natural como o recorte de análise básico para a Geografia desenvolver seu campo de estudo, e com o passar do tempo avança seus estudos para o entendimento dos recortes regionais, ao passar das regiões naturais ao estudo das regiões econômicas, dando origem a Geografia Regional. De imediato vieram as primeiras críticas a essa proposta, apontando o excepcionalismo da singularidade dos estudos por meio da região, no qual mostra as deficiências da Geografia Clássica rumo à cientificidade. No Brasil, houve a grande influência de Pierre Monbeig nos estudos regionais, através de seu método de análise positivista clássico, as descrições e comparações. Segundo os paradigmas da Geografia Quantitativa: a região a partir de propósitos específicos, não tendo a priori, como no caso da região natural e da região-paisagem, uma única base empírica. É possível identificar regiões climáticas, regiões industriais, regiões nodais, ou seja, tantos tipos de regiões quanto forem os propósitos do pesquisador. A região natural e a região-paisagem passam a ser apenas uma das múltiplas

possibilidades de se recortar o espaço terrestre. A região constitui-se para os geógrafos lógico-positivistas em uma criação intelectual, criada a partir de seus propósitos específicos. (CORRÊA, 1987, p.186) Da Nova Geografia vieram também posições contrárias a essa concepção, onde: A região passou a ser vista como modelo e não como algo concreto e imediatamente visível, porque nessa abordagem a região não é delimitada pelos aspectos da natureza, da cultura ou da história do lugar, mas por dados econômicos, atendendo a objetivos específicos para a sua delimitação. (GOMES, 2000; LENCIONI, 2003). Hartshorne também contribui com os estudos no campo de conceituação regional e diz que a região constitui um constructo intelectual e que, como tal, poderia variar em sua delimitação de acordo com os objetivos do pesquisador, mas na visão de Gomes (2000, p.59) a concepção hartshorniana demonstra que a Geografia caracterizou-se sempre por ser um estudo das diferenças regionais.. Com o passar do tempo, por volta dos anos 1970, surgiram as correntes críticas, uma de base marxista e outra de base fenomenológica, cada qual com suas concepções sobre a região. Para a Geografia marxista a região é considerada, de acordo com Milton Santos, como uma síntese concreta e histórica dos processos sociais, como produto e meio de produção e reprodução de toda a vida social. (SANTOS, 1978). E para a Geografia de base fenomenológica a região pode ser entendida como uma construção mental individual inscrita na consciência coletiva. (FRÉMONT, 1980). Neste contexto, Corrêa (2001, p.187) assinala que o conceito de região desperta o interesse de não-geógrafos, daqueles que, de alguma forma, se interessam pela dimensão espacial da sociedade. Novos conceitos de região foram produzidos por geógrafos e não-geógrafos, ampliando ainda mais o pluralismo conceitual. Pode-se perceber, com base neste breve resgate histórico feito acima, que o conceito de Região, apesar de encontrar inúmeros embates ao longo da história, apresenta também diversas pontos convergentes em suas discussões. E são esses pontos comuns que corroboram para o avanço da concepção de região na Ciência Geográfica.

A Abordagem Regional e no âmbito governamental Até 1938 antes da criação do Instituto Nacional de Geografia e Estatística IBGE havia inúmeras regionalizações existentes no Brasil, que variavam de acordo com os autores e os critérios de avaliação, dentre os quais estava o desconhecimento da Geografia, ou seja, do território nacional. Pautado nessas considerações, a divisão regional definida como verdadeira para o país naquele momento seguia o conceito de Região Natural, pois até então era a única base sólida a ser considerada. Com a união do Conselho Nacional de Geografia ao Instituto Brasileiro de Estatística em 1937, o ano seguinte seria marcado pela criação do IBGE e que significou uma afirmação da necessidade de se conhecer o território nacional, para que assim, fosse possível ter uma visão sintética da realidade e sistematizar um conhecimento fragmentado, afim de, atender as necessidades administrativas (políticas territoriais, unidades com características e problemas em comum, etc.). Dois fatos então ocorreram nos anos seguintes e evidenciaram a preocupação do Governo em conhecer o território, a criação da Carta do Brasil ao Milionésimo e realização do Censo de 1940. O primeiro permitiu conhecer os aspectos físicos, geomorfológicos e naturais do território e o segundo as características da população e da sociedade. Conclusões Neste artigo, pretendemos debater as questões teóricas que envolvem uma pesquisa geográfica no âmbito conceitual. O território e região são conceitos pertinentes para análise espacial, pois cada um tem um significado diferente e submerge características intrínsecas relacionadas com sua existência. Dessa forma, um estudo conceitual, preliminar é necessário para o desenvolvimento de uma análise mais apurada das questões teóricas da geografia. Assim, as políticas públicas governamentais alteram o significado de algumas políticas, apenas na forma como são redigidas as propostas, mas o significado conceitual permanece o mesmo.

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