I-026 FUNDAMENTOS DA CONTAGEM DE PARTÍCULAS EM ÁGUAS DE ABASTECIMENTO Frederico de Almeida Lage Filho (1) Engenheiro Consultor, Ph.D. em Engenharia Sanitária e Ambiental pela Universidade da Califórnia Berkeley. Professor Visitante do Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Endereço (1) : Rua Dr. Gabriel dos Santos, 420 / apto. 22 CEP 01231-010 São Paulo, SP. Tels. (11) 3818-5327 / 5444, fax (11) 3818-5423, e-mail: fredlage@usp.br FOTO NÃO DISPONÍVEL RESUMO Este texto aborda a relevância da monitoria de concentrações de partículas em águas de abastecimento sob a ótica de um melhor controle da qualidade da água produzida por uma estação de tratamento. Adicionalmente, a necessidade da definição de um protocolo de contagens é abordada, particularmente no caso de contagens discretas (não-contínuas). PALAVRAS-CHAVE: águas de abastecimento, contagem de partículas, protocolo de contagens, sensores a laser. INTRODUÇÃO Contadores de partículas começaram a ser usados rotineiramente em estações de tratamento de águas nos Estados Unidos no início da década de 90. Permitem a avaliação da qualidade da água sendo potabilizada através de amostragem e contagem de partículas, por faixa de tamanho. A amostragem pode ser feita de modo contínuo (contagem on line ), com um sistema de contagem alimentado contínuamente com parte do efluente de um filtro, ou de modo discreto (não-contínuo), com amostras de água filtrada colhidas manualmente e introduzidas no sistema de contagem. FUNDAMENTOS DO PROCESSO DE CONTAGEM DE PARTÍCULAS Em linhas gerais, sistemas de contagem de partículas possuem os seguintes componentes: sistema de bombeamento de amostras de água, sensor, contador de partículas e equipamento para armazenagem, apresentação e impressão de dados (computador com programas apropriados e impressora) (WEST, T. E. et al., 1994). Sensores a laser utilizados em partículas em meio líquido podem ser de dois tipos, baseados no princípio de operação: sensores para bloqueio de luz e para refração de luz. Sensores para refração de luz são indicados para partículas sub-micrônicas (menores que 1 micron ou 10-3 mm de dimensão característica) e com baixos valores de cor. Sensores para bloqueio de luz são para partículas opacas, com cor significativa e tamanho igual ou acima de 1 micron. Este tipo de sensor é o recomendado para contagem de partículas em águas brutas e tratadas. Sensores para bloqueio de luz são compostos de: emissor de luz laser, lente de quartzo, volume de observação e diodo foto-sensível transistorizado (sem válvulas). O princípio de operação é o de detectar quanta luz é bloqueada, ao invés de refratada, pelas partículas na água. À medida que a amostra de água flui através do sensor, as partículas passam pelo volume de observação, uma região com luz laser intensa. A quantidade de luz bloqueada por cada partícula é relacionada ao tamanho da mesma (vide Figura 1 para esquema de sensor e sistema de amostragem). Um diodo foto-sensível detecta o decréscimo momentâneo de luz e cria um pulso elétrico correspondente, proporcional ao tamanho da partícula. Os pulsos são então contados e categorizados por faixa de tamanho e convertidos em contagem de partículas em um instrumento de contagem de partículas ABES Trabalhos Técnicos 1
separado (HUNT, J., 1997). A calibração de um sensor é feita com quantidades conhecidas de esferas de tamanhos conhecidos. Desvios do padrão de calibração pelo uso do equipamento não devem ocorrer, e sensores utilizados regularmente por estações de tratamento de águas são normalmente recalibrados sómente a cada 2 3 anos (MILLER, L.,1992). Figura 1: Representações Esquemáticas: (a) Sensor para bloqueio de luz; (b) Sistema de amostragem e contagem contínuas ( on-line ) (LEWIS, C.M. et al., 1992). (a) (b) (a) 1.laser/ fonte de luz; 2.lente de quartzo; 3.entrada da amostra; 4.volume de observação; 5.saída (pulso) p/ contador; 6.diodo foto-sensível; 7.partícula; 8.descarte da amostra. (b) 1.vazão de água tratada; 2.sensor; 3.contador de partículas; 4.saída de dados; 5.controle de vazão; 6.descarte de amostra. RELEVÂNCIA NO CONTROLE DE QUALIDADE DA ÁGUA POTÁVEL As Figuras 2 e 3 mostram o comportamento típico da água filtrada de uma estação de tratamento qualquer, em termos do perfil de turbidez e do perfil correspondente da concentração de partículas ao longo do tempo de carreira do filtro, respectivamente. As tendências mostradas na Figura 2 valem para qualquer turbidez da água bruta e as mostradas na Figura 3 valem para qualquer faixa de tamanho de partículas dentro do intervalo normalmente adotado de 1 a 300 microns em diâmetro médio. A faixa escolhida de 4 a 10 microns é um surrogado (modo indireto de monitoramento) para avaliação da presença de cistos de protozoários dos tipos Giardia sp. e Criptosporidium sp (WEST, T. E. et al., 1994). 2 ABES Trabalhos Técnicos
Figura 2: Perfil típico de turbidez da água filtrada ao longo do tempo de carreira. turbidez, água final (UNT) 0.7 0.6 0.5 0.4 0.3 0.2 0.1 0 0 5 10 15 20 25 30 tempo de carreira (hrs) Figura 3: Perfil correspondente da concentração de partículas ao longo do tempo de carreira. 1000 Concentração de partículas, faixa de tamanho 4-10 microns concentração de partículas (n./ml) 100 10 1 0 5 10 15 20 25 30 tempo de carreira do filtro (hrs) A análise das Figuras 2 e 3 mostra alguns pontos importantes: (a) no início da carreira de filtração, envolvendo um intervalo de tempo também conhecido como período de maturação do filtro, após o qual o filtro produz água com turbidez aceitável para consumo humano, o decréscimo da turbidez ocorre mais rápidamente do que o decréscimo correspondente da concentração de partículas. Portanto, uma vez que seja estabelecido por autoridades competentes um padrão de qualidade relativo à concentração de partículas, a monitoria da concentração de partículas na água filtrada nesse período de tempo estará mais a favor da segurança do consumidor do que a monitoria da turbidez. (b) carreira de filtração operando em regime (entre o período de maturação e início dos fenômenos de trespasse e aumento da turbidez da água filtrada): na operação normal em regime, não deve ocorrer variação significativa dos valores de turbidez e concentração de partículas do efluente do filtro. (c) trespasse e início do fim da carreira: nesse período de tempo a taxa de aumento da concentração de partículas é bem mais acentuada que a taxa de aumento correspondente da turbidez do efluente do filtro. Consequentemente, uma vez que seja estabelecido por autoridades competentes um padrão de qualidade ABES Trabalhos Técnicos 3
relativo à concentração de partículas, a monitoria da concentração de partículas na água filtrada nesse período de tempo estará mais a favor da segurança do consumidor do que a monitoria da turbidez. CORRELAÇÕES ENTRE CONCENTRAÇÃO DE PARTÍCULAS E TURBIDEZ: Correlações típicamente razoáveis, com coeficiente de Pearson (r 2 ) na faixa 0,8 0,9, foram obtidas para águas com baixos valores de turbidez (1 ± 0,7 UNT) e cor (17 ± 14 unidades Pt-Co), para faixas de pequeno tamanho de partículas (por exemplo, faixas de 4 a 10 microns, de 5 a 15 microns) (WEST, T. E. et al., 1994). A Figura 4 é um exemplo atípico de dados de contagem de partículas com aderência excelente (r 2 > 0.97) a correlações lineares. Figura 4: Dados de Efluentes de Filtros /Contagem de Partículas na Faixa 1-300 mm Versus Turbidez N. de particulas/ml, faixa de 1-300 um 3000 2500 2000 1500 1000 500 0 0 0.5 1 1.5 Turbidez do Efluente (UNT) Filtro A (antracito) Filtro B (antracito/areia) Filtro C (CAG) Filtro D (antracito) Filtro E (antracito/areia) Filtro F (CAG) Filtros A, B e C em trem de tratamento-piloto com pré-oxidação com cloro livre Filtros D, E e F em trem de tratamento-piloto com pré-oxidação com ozônio O PROTOCOLO DE CONTAGEM E SUA RELEVÂNCIA Protocolo de contagem: normas ou regras relativas à utilização sistemática de sistemas de contagem de partículas. Atualmente vários deles ainda são definidos arbitráriamente, sem que haja um critério racional específico ou uma norma abrangente elaborada por órgão competente. Os principais aspectos de um protocolo de contagem são abordados a seguir. 1.FAIXAS DE CONTAGEM: Escolhidas arbitráriamente; um exemplo típico seria o total de oito faixas de tamanho: 1-2, 2-4, 4-10, 10-20, 20-50, 50-100, 100-200 e 200-300 microns. Existem equipamentos que permitem a definição de um número muito maior de faixas de contagem. Um resultado de contagem (ou simplesmente uma contagem) significa um grupo de valores de concentração de partículas, obtidos para as faixas de tamanho escolhidas. 2. PERIODICIDADE DE CONTAGEM: Não há uma norma oficial para tal. Para sistemas on line, com amostragem contínua, a periodicidade de contagem tem sido arbitráriamente escolhida. Por exemplo, a cada 5 minutos uma média de 10 contagens efetuadas pelo equipamento on line é registrada pelo sistema e divulgada em boletins por operadores da estação de tratamento (CALIFORNIA DEPARTMENT OF HEALTH SERVICES, 1991). 4 ABES Trabalhos Técnicos
No caso de sistemas de amostragem discreta (não-contínua), também há arbitrariedade na escolha da periodicidade de contagem. Por exemplo, as seguintes diretrizes de amostragem têm sido popularizadas: (a) a cada 5 minutos durante o período de maturação dos filtros; (b) a cada 2 horas após a maturação e operação em regime dos filtros; (c) a cada 5 minutos durante episódios de trespasse e/ou no final das carreiras de filtração (WEST, T. E. et al., 1994). 3. COLETA DE AMOSTRAS DISCRETAS: Para sistemas de amostragem discreta, com interferência humana na coleta e preparo de amostras, vários fatores estão sendo racionalmente estudados para a obtenção de um protocolo ideal de contagens. Destacamse: a influência do tempo de coleta da amostra (por exemplo em um béquer), do modo de limpeza do elemento de coleta (no caso, o béquer), do tempo decorrido entre a coleta e a introdução da amostra no sistema, o modo de introdução dessa amostra no sensor (tipo de bomba peristáltica e vazão). Com relação ainda ao elemento de coleta, recomenda-se executar algumas vezes a sequência coleta/descarte antes da coleta para valer da amostra, e que o mesmo elemento de coleta seja usado sempre na mesma fonte/saída de água (LAGE FILHO, 1992). 4. DESCARTE DE CONTAGENS ORIUNDAS DE AMOSTRAGEM DISCRETA (NÃO- CONTÍNUA): O volume de um elemento de coleta qualquer deve ser suficiente para um certo número de contagens (pelo menos três). Normalmente a primeira contagem ou resultado de contagem deve ser descartada, pois esta tende a se desviar das contagens subsequentes. O resultado médio de contagem será a média dos resultados de contagem obtidos, excetuando-se o primeiro (CALIFORNIA DEPARTMENT OF HEALTH SERVICES, 1991). 5. PERDAS POR COINCIDÊNCIA: O chamado volume de observação de um sensor a laser é o volume delimitado no interior do sensor onde as partículas são detectadas e contadas, sendo projetado para ser pequeno, porém com uma grande área de seção transversal. O pequeno volume minimiza a possibilidade de duas partículas estarem no seu interior ao mesmo tempo. Deste modo, o chamado erro de coincidência (ou perda por coincidência), quando duas ou mais partículas são contadas como uma única partícula, é minimizado. Por outro lado, a grande área de seção transversal, sendo muito maior do que o maior tamanho de partícula especificado para o sensor, minimiza problemas de entupimento do mesmo (HUNT, J., 1997). 6. BOMBEAMENTO DE AMOSTRAS: A taxa de bombeamento de amostras de água para o interior do sensor deve ser limitada, de modo a minimizar o cizalhamento e quebra de partículas. Outro fator interferente possivel nas contagens é a presença de micro-bolhas de ar nos tubos plásticos para bombeamento de amostras (LAGE FILHO, 1992). Uma faixa típicamente recomendada para as bombas peristálticas é de 10 a 120 ml/min (HUNT, J., 1997). 7.PERIODICIDADE DE LIMPEZA DO SENSOR: A limpeza do sensor é recomendada, para minimizar interferência relativa a sujeira interna e prevenir entupimentos.. Um procedimento recomendado é a passagem de água limpa (destilada ou com baixa concentração de partículas) pelo sensor, após este ter recebido amostra com alta concentração de partículas (por exemplo, para contagem de partículas em uma amostra de água bruta). A periodicidade de limpeza não é ainda normalizada; sempre há uma orientação do fabricante. ABES Trabalhos Técnicos 5
COMENTÁRIOS CONCLUSIVOS Sistemas de contagem de partículas podem ser muito importantes para um controle sofisticado e confiável da qualidade de águas potabilizadas, desde que sejam estabelecidos critérios e normas racionais para uma utilização sistemática dos mesmos. É altamente recomendável que a monitoria da qualidade da água por contagem de partículas seja feita em paralelo com a monitoria tradicional de turbidez e cor aparente da água. REFERÊNCIAS 1. CALIFORNIA DEPARTMENT OF HEALTH SERVICES / Technical Programs Branch, Office of Drinking Water - Guidelines for the Use of Particle Counting in Demonstration Studies under the California Surface Water Treatment Rule, 1991. 2. HUNT, J. - Laser Sensors for Liquid. Met One White Papers, Met One Inc., USA, 1997. 3. LAGE FILHO, F. A.- Particle Counting Protocol in the Water Quality Planning Study Response to the Department of Health Services Guidelines. Water Quality Planning Study,. Relatório técnico, Convênio Camp Dresser & McKee/LEE Engineering/F. Jordan Engineering, 1992. 4. LEWIS, C.M., HARGESHEIMER, E., YENTSCH, C.M.- Selecting Particle Counters for Process Monitoring. Journal AWWA, vol. 84, n. 12, pp. 46-54, 1992. 5. MILLER, L. / HIAC - ROYCO CORPORATION. - comunicação pessoal, 1992. 6. WEST, T.E., LAGE FILHO, F. A. - Hetch Hetchy Treatability Report. Relatório técnico, Water Quality Planning Study, Consórcio Camp Dresser & McKee/LEE Engineering/F. Jordan Engineering, 1994. 6 ABES Trabalhos Técnicos