O crescimento do uso de fluidodinâmica computacional (CFD) nas tecnologias de destilação, FCC e coqueamento retardado na engenharia básica de abastecimento da Petrobras André Gonçalves Oliveira, Guilherme Pimentel da Silva, Washington Geraldelli Petrobras Resumo A Indústria de Petróleo possui várias aplicações de escoamentos multifásicos. Sendo assim a utilização de técnicas de CFD pode contribuir trazendo soluções mais precisas para problemas complexos. Alguns casos requerem profunda compreensão de fenômenos, como por exemplo, transferência de calor e de massa e a interação gás-sólido. As equipes de processo da engenharia básica do grupo de refino (coqueamento retardado, destilação e FCC) utilizam técnicas de CFD há quase dez anos. Os casos de CFD tiveram um papel importante no desenvolvimento destas tecnologias. Alguns deles são discutidos aqui, tais como: avaliação de bocais de carga, analise de transferência de calor e massa em seções de vazios, estudo fluidodinâmico de panelas coletoras, separadores ciclônicos e a influência do vortex core no escoamento, resfriamento (quench) do efluente do tambor de coqueamento, e a entrada de carga e chicanas em fracionadoras de unidades de coqueamento retardado. 1. Introdução A Fluidodinâmica Computacional (CFD) pode ser uma ferramenta ponderosa, aplicada tanto no projeto de engenharia como na investigação e desenvolvimento de uma base de conhecimento para auxiliar em novos projetos. A utilização deste conjunto de ferramentas tem se destacado, nos últimos anos, em função da possibilidade de fornecer resultados com maior acurácia para situações com escoamentos complexos e onde o acesso a instrumentação de equipamentos industriais se torna difícil. O grupo de engenharia básica do Cenpes tem utilizado este recurso faz alguns anos. Especificamente os grupos da Engenharia Básica dedicados às tecnologias de destilação, coqueamento retardado e FCC já estudaram uma ampla variedade de casos os quais desempenharam um papel importante no desenvolvimento destas tecnologias. Algumas destas aplicações são destacadas a seguir: 2. Bocais de carga O desempenho das colunas de destilação a vácuo é fortemente influenciado pelo padrão de escoamento, definido a partir da região de entrada do equipamento. Sendo assim, o projeto adequado dos bocais de carga de uma coluna a vácuo é fundamental para melhorar o desempenho da mesma, (Paladino et al., 2003). A partir do arranjo original do bocal de carga, surgiram algumas questões em relação à distribuição das fases vapor e líquida. O estudo de CFD foi desenvolvido para melhorar a geometria. Os resultados apresentaram excelente desempenho em termos de distribuição do vapor e do liquido. As diferenças entre as geometrias avaliadas são destacadas na figura 1. O arranjo proposto pelo fabricante, Koch Glitsch, foi considerado como uma alternativa para evitar os picos de vapor e o arraste de líquido para as seções superiores do equipamento Figura 1: Geometria original e a nova proposta. 3. Seção de Vazios Karolline Ropelato ESSS Para o estudo fluidodinâmico da seção de vazios, o modelo multifásico foi considerado para representar o escoamento entre as fases vapor e líquida (Ropelato et al., 2009). A caracterização dos mecanismos de suspenção foi feita através da análise de tempos característicos ao escoamento, (Elgobashi et al., 1994; Peirano et al., 1998). Esta metodologia pode ser generalizada para diversos outros casos, podendo ser aplicada para escoamentos gás-líquido ou gás-sólido. Uma breve 22 Petro & Química n o 343
discussão sobre a metodologia é apresentada no estudo, bem como a sua aplicação em colunas de destilação a vácuo. A escala de Stokes em Kolmogorov pode ser um parâmetro muito importante em escoamentos líquido-vapor. Em situações em que o Stokes tende a se aproximar a zero, o tempo de resposta das gotas ao escoamento é inferior ao tempo característico associado ao campo do escoamento. Sendo assim, a gota terá tempo suficiente para responder as mudanças que ocorrem no escoamento. Em outras palavras, a gota e o vapor estarão escoando com velocidades próximas. Contudo, se o comportamento oposto ocorre, a velocidade das gotas não é afetada pelo campo da fase contínua. Nestes casos existe uma grande inércia da gota. O número de Stokes na torre a vácuo é apresentado na figura 2. A região avaliada não apresenta grande possibilidade de ocorrer a coalescência. No modelo adotou-se a simplificação de desconsiderar o efeito de coalescência na modelagem. Em casos onde o fenômeno de coalescência é importante se faz necessário a inclusão deste tipo de efeito na modelagem. Figura 2: Stokes em escala de Kolmogorov (S TK ) 4. Panelas coletoras A uniformidade do escoamento da fase liquida é fundamental para garantir o desempenho deste tipo de dispositivo (Heggemann et al., 2007). As panelas coletoras, por estarem dispostas na seção anterior aos distribuidores de líquidos, determinam como a alimentação da fase líquida será provida para o equipamento. Pontos com formação de regiões de estagnação precisam ser evitados por influenciarem diretamente na transferência de massa do equipamento. Para evitar tal comportamento é extremamente importante a homogeneidade na distribuição da fase líquida no equipamento. Um estudo de CFD (Ropelato et al., 2008) foi desenvolvido comparando arranjos de chaminés em operação em contrapartida a diferentes arranjos possíveis de serem implementados, em futuros projetos, para diferentes condições de retirada de líquido (sump), (fig. 3). O nível de uniformidade de distribuição que pode ser alcançado depende diretamente de critérios como vazão e a faixa de operação do equipamento. Figura 3: Geometrias das panelas coletoras. Os resultados apresentados na tabela 1 representam o resumo das condições de arranjos, os quais proporcionam a melhor distribuição de líquido em função do arranjo das chaminés e da condição de retirada (sump). Os quadros hachurados na tabela 1 ressaltam os melhores resultados. Entre estes casos, os que apresentaram a melhor condição estão indicados com um X. Para as simulações adotou-se um modelo simples, em que a condição de transferência de calor foi simplificada. Contudo, o modelo demonstrou ser capaz de capturar o comportamento na seção de interesse. Os resultados demonstraram que com uma modelagem simplificada, é possível predizer o comportamento existente, além de indicarem a necessidade da presença do engenheiro de processo na definição dos internos das torres. Para se estabelecer um desempenho adequado tanto a posição das chaminés como a condição dos sumps precisam ser avaliados cautelosamente. 5. Ciclones e a influência do vortex core no escoamento O estudo avaliou o efeito de diferentes condições de contorno e geometrias sobre o escoamento ciclônico. Para tal, foram avaliados dois parâmetros do escoamento de um ciclone: os perfis de velocidade (axial e tangencial) e os valores de queda de pressão. Ambos foram validados com resultados experimentais encontrados na literatura. A literatura apresenta uma vasta bibliografia relacionada a ciclones. Para o estudo foram considerados os dados experimentais apresentados por Dirgo et al. (1985) e Qian et al. (2009). Foram feitas comparações para a análise da queda de pressão Tabela 1: Resumo de condições avaliadas para panelas coletoras 1 Sump 2 Sumps Original Afastada Rotacionada Original Afastada Rotacionada Baixa X Média X X Alta X n o 343 Petro & Química 23
na geometria do estudo desenvolvido por Dirgo et al. (1985), considerando as variações de velocidade ilustradas na Figura 4. Para os diversos casos estudados não foram observados erros significativos ao comparar os resultados experimentais com o numérico. Os erros observados são inferiores a 16% considerando a comparação entre a malha hexaédrica versus a tetraédrica. No entanto, para velocidades superiores a 20 m/s o recomendável é o uso de malha hexaédrica. A presença do Hopper (utilizado nos experimentos) na modelagem foi avaliada neste estudo. Os resultados mostram a importância da modelagem do Hopper, principalmente para condições de alta velocidade. Figura 4: Perda de carga para ciclone, Dirgo et al. (1985) Os estudos comparativos, considerando a influência do tipo de malha em relação aos perfis de velocidade e pressão para ciclones indicam que para a faixa de velocidade de 10 m/s a 20 m/s a influência da malha não se apresenta tão relevante como para velocidades superiores a 25 m/s. Para a velocidade de 25 m/s o uso da malha hexaédrica é preponderante para preservar a vorticidade do escoamento ciclônico (Figura 5). Observa-se a forte influência do Hopper na formação do vórtice central. Isso acontece porque a presença do Hopper alonga o ciclone, permitindo que o fluxo descendente possa ir mais além no equipamento para só então formar o fluxo ascendente reverso. Sob as mesmas condições, esse alongamento do ciclone provoca também um alongamento do vórtice, em detrimento de sua largura e velocidades tangenciais, que diminuem. O estudo completo é apresentado por Ropelato et al. (2010). Figura 5: Ciclone segundo Qian et al. (2009). Velocidades na entrada: (a) 10 m/s; (b) 15 m/s; (c) 20 m/s e (d) 25 m/s 6. Quench do efluente do reator de coqueamento A técnica de CFD foi aplicada para estudar o melhor ponto de injeção do gasóleo para quench das reações na saída dos reatores com o intuito de se evitar a formação de coque nas linhas de transferência dos reatores para a fracionadora. A injeção de gasóleo na linha de vapor que conecta o reator à fracionadora controla a temperatura a fim de interromper as reações de coqueamento e craqueamento. Juntamente com outros fatores, esta temperatura depende das características da carga da unidade. Existe uma relação entre o fator de caracterização da carga e a temperatura de craqueamento térmico. Quanto maior este fator de caracterização, isto é, seu teor parafínico, menor a temperatura na qual o craqueamento incipiente se dá e existe uma zona crítica de decomposição para cada carga (Rose, 1971). Os principais resultados são mostrados na figura 6. A entrada uniforme superior de gasóleo é mostrada na figura 6 (a) (Caso 1), onde os resultados indicam que os valores de velocidade elevados da corrente de efluente do reator arrastam a corrente de quench em direção à parede, permitindo assim que o efluente encontre uma área livre de passagem maior. Um fenômeno similar pode ser observado na figura 6 (a) (Caso 2). Note que uma melhor mistura foi alcançada quando o arranjo do Caso 3 foi usado, por meio de dois sprays com um ângulo de cone de 68. Toda a área livre foi suprimida no último caso. Detalhes do estudo completo podem ser encontrados em Barros et al. (2008). Figura 6: (a) Casos de CFD e (b) Caso de refinaria Os resultados do CFD e as informações experimentais foram usados para validar as conclusões. A primeira seção vertical da linha de transferência é mostrada na figura 6 (b) logo após o flange superior do reator de coque. Esta foto foi tirada durante uma parada de uma unidade de coqueamento retardado, a qual tem a mesma configuração daquela apresentada no Caso 3, como mostrado na figura 6 (a). É possível notar uma expressiva quantidade de coque depositada no interior da tubulação na região abaixo da injeção de gasóleo. 7. Distribuidores de líquido em dois níveis Neste estudo se analisou a influência da injeção por spray buscando uma melhor configuração desta seção. A condição de alimentação de líquido é apresentada na figura 7 com ambos os estudos de caso considerando a seção superior de 24 Petro & Química n o 343
sprays sempre a mesma. A única diferença é a segunda seção de sprays (seção inferior de sprays) com respeito à sua rotação. O primeiro tem uma rotação de 30 em relação aos sprays da seção superior e o outro tem uma rotação de 45. Figura 7: Condição ideal de entrada de vapor para analisar o comportamento na seção de sprays. Outra característica analisada é a fração volumétrica média de líquido em uma geometria existente apresentada na figura 8. Não foram notadas diferenças significantes entre as configurações dos distribuidores e os resultados para o spray de cone oco com o distribuidor girado em 30 uma vez que estes apresentam uma melhor distribuição de líquido como mostrado na figura 8. Uma boa distribuição de líquido pode ser notada na figura 8, com a consideração de uma distribuição de entrada ideal de vapor que é útil para analisar as características reais do distribuidor sem influência de má distribuição na alimentação. A segunda seção de distribuidores é útil para reconstruir uma área transversal molhada no interior da torre fracionadora de coque. Figura 8: Fração volumétrica de liquido considerando o segundo nível de distribuidores rotacionado em 30 graus 8. Fracionadora de coque projeto da entrada de carga e chicanas Nos projetos recentes, especialmente aqueles com mais de n o 343 Petro & Química 25
dois reatores de coqueamento, um projeto diferenciado tem sido proposto para as linhas de transferência do reator para a fracionadora de coque, e, como um resultado, dois bocais de carga estão sendo adotados. O uso de apenas um bocal de carga acarreta altas velocidades que podem ser observadas nas proximidades do costado oposto ao bocal de entrada, assim como uma grande recirculação nas zonas de flash e de lavagem, causando uma redução de eficiência de transferência de calor e massa entre as fases líquida e vapor. Má distribuição de vapor nesta seção deve ser evitada uma vez que aumenta a probabilidade de formação de coque não desejado. Condições de processo também são fundamentais para determinar uma configuração de carga mais eficiente para uma torre fracionadora em particular. O estudo de CFD analisou o escoamento para um, dois e três bocais de carga. O número de bocais de carga afeta o perfil de velocidade como mostrado na figura 9. O bocal de carga mais usual fornece uma má distribuição de vapor como pode ser visto na figura 9. Ainda que exista alguma recirculação, o dispositivo de entrada com dois bocais promove uma boa distribuição do vapor com uma velocidade de gás uniforme até a seção superior. O projeto com três entradas não foi tão satisfatório como o de duas entradas. Figura 9: Perfis de velocidade O estudo para analise da influência do número de passes da chicana foi realizado (figura 10). Neste estudo destacaram-se a influência sobre o escoamento da primeira chicana, em relação à carga de entrada, o número de passes das chicanas e por fim, a uniformidade do vapor após a última chicana. A partir dos resultados obteve-se uma redução na altura do equipamento sem prejudicar a homogeneidade requerida para o escoamento. Este estudo foi associado ao estudo anterior (figura 9). O estudo apresentou as vantagens em se combinar o número de bocais de carga da torre fracionadora, além de indicar que a melhor condição de operação é obtida com a utilização de dois bocais de carga (Ropelato et al., 2007). 9. Conclusões A literatura apresenta diversos estudos com utilização de CFD. No entanto, esta aplicação em casos industriais é extremamente restrita. O sucesso de um projeto de CFD está Figura 10: (a) Chicanas com dois passes e (b) chicanas com quatro passes diretamente relacionado a compreensão dos fenômenos físicos existentes no equipamento de interesse e a utilização de condições simplificadoras adequadas. Os estudos apresentados, destacaram os pontos mais relevantes referentes às tecnologias de interesse, tais como coqueamento retardado, destilação e FCC. Para os casos em que dados experimentais eram disponíveis, os modelos empregados apresentaram boa concordância para a representação do comportamento. O conhecimento em modelagem e a experiência no processo mostraram-se como fortes aliados para a investigação de fenômenos complexos através da ferramenta de CFD. Após vários anos de utilização de técnicas de CFD, a engenharia básica do Cenpes, especialmente os grupos de coqueamento retardardo, destilação e FCC ainda possuem vários desafios de processos a serem modelados. Referências Bibliográficas Barros, F. C. da C.; Amaral, P. A.; R., K.. A CFD investigation in Delayed coking units. Hydrocarbon Engineering, p. 61-68, 01 mar. 2008. Dirgo, J. Leith, D. Cyclone collection efficiency: comparison of experimental results with theoretical predictions. Aerosol Science and Technology, Vol. 4, pp. 401-415 (1985). Elgobashi, S. On predicting particle-laden turbulent flows. Applied Scientific Research, 52, pp. 309-329, 1994. Heggemann, M., Hirshberg, S., Spiegel, L., Bauchmann, C. (2007) CFD Simulation and Experimental Validation of Fluid Flow in Liquid Distributors. IChemE, 85, pp. 59-64. 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