A TRANSFERÊNCIA E O OBJETO (a) NA CLÍNICA



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Transcrição:

SEMINÁRIO A TRANSFERÊNCIA E O OBJETO (a) NA CLÍNICA Gustavo E. Etkin Coleção Contorno

A Transferência e o Objeto (a) na Clínica Com o Seminário A Transferência e o Objeto (a) na Clínica, de Gustavo Etkin, a Escola Lacaniana da Bahia dá início à Coleção Contorno. Sob a forma de fichas, a Coleção registrará, periodicamente, algumas das atividades da Escola, procurando contornar a verdade através de diversos dizeres que fazem borda. Contorno do objeto (a) como lugar de verdade que, embora seja impossível de dizer toda, pode ser situada em diversos contextos, com diferentes estilos. Porque, para que o objeto (a) surja da espuma do significante, é preciso que, antes, haja significantes para fazer espuma. É uma das formas pelas quais a Escola Lacaniana da Bahia está cumprindo uma de suas funções: a transmissão da Psicanálise. 2

Gustavo E. Etkin S E M I N Á R I O A Transferência e o Objeto na Clínica 20/10/92 Vou oscilar entre Scila e Caribdis. Quando Odisseo voltou da guerra de Tróia, na Odisséia, um dos perigos pelos quais passou era um lugar muito estreito que, por um lado tinha um abismo terrível que engolia tudo e do outro lado havia um monstro que estava em cima de uma pedra enorme e que comia todos comia, no sentido oral os marinheiros que passavam por perto. Assim, o problema era como não desaparecer no buraco e não ser comido pelo monstro. Eu me encontro, nesse sentido, em uma situação parecida porque, por um lado, há pessoas que já conhecem e não devo repetir o que já sabem do mesmo jeito mas, ao mesmo tempo, não tornar difícil para as pessoas que estão começando. Como fazer uma coisa e outra? O que lhes proponho é que façam perguntas, as mais simples, básicas que, muitas vezes, são as mais difíceis de responder. Tudo isso procurando que esse trabalho não seja, como fala Lacan no seminário O Avesso da Psicanálise, que não seja o que aí ele chama discurso universitário. Discurso universitário não é o ensino da teoria como mal se entende, mas o jeito de ensinar onde não se questiona, não se pergunta, não se discute o que se ensina, o que se fala. Não vamos fazer uma coisa universitária; podem perguntar, participar para que possamos fazer um trabalho em conjunto. Como vocês sabem, trata-se da transferência e seu objeto na prática clínica. Para apresentar o tema, para começar, vou me referir e ler Freud em 1925 em um trabalho pequeno que se chama Psicanálise, escrito para a Enciclopédia britânica, onde Freud diz: que a doutrina analítica da neurose é casa de três pilares: 1. a repressão 2.a significação das pulsões sexuais 3.a transferência, a importância que ele dá ao conceito de transferência, o que é a transferência. 3

A Transferência e o Objeto (a) na Clínica Eu a poderia definir, por exemplo, agora, em relação à prática clínica como disse Lacan, que a transferência é a atualização da realidade do inconsciente. Ele diz isso no seminário XI. Mas, o que implica essa atualização do inconsciente na prática clínica? Implica, de fato, como veremos adiante, a sexualidade, o que é a sexualidade para a psicanálise, organizada nas formações do inconsciente: relato de sonhos, sintomas, atos falhos, na transferência. De todas as maneiras, seria bom ter em conta que Freud começa a falar do conceito de transferência sem se referir estritamente à prática clínica. Ele fala de transferência, antes de referi-la à prática clínica, pela primeira vez na Interpretação dos Sonhos, em 1900. Vocês sabem que há três fundamentos básicos da psicanálise e da teoria psicanalítica, que são A Interpretação dos Sonhos, O Chiste e sua Relação com o Inconsciente e Psicopatologia da Vida Cotidiana. Cada um implica outro e poder-seia dizer que na Interpretação dos Sonhos está quase tudo antecipado por Freud, com modificações posteriores. Esses aspectos do mecanismo do pensamento de Freud estão aí, do mesmo jeito que antes em Projeto para uma Psicologia Científica, de 1895; embora, fale de neurônios, também está presente o seu jeito de pensar o inconsciente e a clínica. Em alemão, transferência é Übertragung que também quer dizer traslado, transmissão, transposição, tradução e transcrição e ele usa ainda essa palavra, não para falar nesse trabalho da prática clínica, mas de certas características dos sonhos e de certa relação do inconsciente com o pré-consciente e o consciente. Usa também a palavra tradução. Essa palavra a usou antes no sentido de tradução, na famosa carta 52 para Wilhelm Fliess, de 21 de setembro de 1896, onde aparece o primeiro modelo de aparelho psíquico: aqui tem saída para a motilidade (modelo no quadro), aqui está o inconsciente, aqui são traços mnêmicos, marcas, como escritura, aqui está o Inconsciente Umbewusste e aqui está a consciência e a motilidade: a consciência que rege os movimentos; por aqui entra a percepção e por aqui saem os movimentos, e aqui, diz Freud, se processa a tradução. Poderíamos dizer, então, que ha também transferência segundo o significado da palavra Übertragung como tradução de uma zona, transferir de um sistema para outro do inconsciente para o pré-consciente / consciente, da entrada da percepção para o inconsciente, lá também há um sistema de tradução (transferência), por isso Freud diz que repressão é falta de tradução. Freud pensa a transferência como uma forma de conexão uma tradução entre sistemas qualitativamente, radicalmente diferentes. Na Interpretação dos Sonhos, por exemplo, ele fala em transferência na tradução que se faz das imagens do 4

5 Gustavo E. Etkin sonho para pensamentos, frases. A tradução seria a transferência de um sistema a outro, no caso de imagens a palavras. Também fala de transferência quando fala da transferência de energia, de excitação, das representações de coisa do inconsciente, para as representações de palavra do sistema pré-consciente/consciente. Lembremse que, para Freud, há um corte radical, absoluto, entre os dois sistemas, não há continuidade entre um sistema e outro. Justamente para enfatizar e sublinhar isso Freud utiliza a frase de um psicólogo Fechner que diz que o inconsciente é uma outra cena, um outro cenário, e não é uma gradativa perda da consciência, é uma outra coisa, um outro sistema. Entre as representações de um sistema e as representações de outro sistema pode haver transferência de excitação, de energia, mediante a qual as representações do sistema inconsciente vão transferir às representações do sistema pré-consciente/ consciente, de tal maneira que essa tradução possa ser feita. Tradução de quê? Do desejo inconsciente, da pulsão sexual inconsciente. Quando essa tradução não pode ser feita, ou seja, quando a transferência não pode ser feita, acontece a repressão, que é a Verdrangüng, que em alemão quer dizer desalojar, e não quer dizer e isso é importante comprimir, fazer força, deixando aquilo que está comprimido no lugar, como é o mal-entendido a respeito da palavra repressão e o que favorece mais esse mal-entendido é a palavra recalque, que quer dizer compressão em um lugar. Por isso, nesse aspecto, prefiro falar de repressão porque é mais adequado, no sentido de Freud. Desalojar o quê? desalojar a representação que está no pré-consciente, que é a que permite a transferência da representação de coisa que está no sistema inconsciente para a representação de palavra que está no sistema pré-consciente/consciente. Enquanto essa representação estiver investida pela defesa do Eu, fica desalojada a possibilidade de fazer essa transferência, essa tradução, e isso é a repressão, é como se fosse uma ponte que une duas beiras de rio; aqui tem um pilar e se aqui falta outro pilar não se pode fazer a ponte ou, diríamos, pensando nessa etapa de Freud: está desalojada a possibilidade de fazer a transferência. Então, isso é a repressão. O que determina que, em lugar de se fazer aqui, diretamente, se faça por outro lado, indiretamente, através, por exemplo, do sintoma como também os sonhos e os atos falhos, ou seja, o que para Freud era formação substitutiva. Esse maneira de pensar de Freud, que não é um pensamento de continuidade, mas de cortes e transposições, este tipo de pensamento ele o vai usar para entender o que acontece na clínica. Usa isso pela primeira vez para explicar um fracasso no tratamento, em Fragmento da Análise de um Caso de Histeria (o caso Dora) em 1901. Sinteticamente: Dora vai enviada pelo pai (coisa importante para uma análise, ela vai enviada por alguém, quando a condição fundamental para procurar aná-

A Transferência e o Objeto (a) na Clínica lise é de que seja por vontade própria, que a demanda de análise seja daquele que procura e não de quem enviou, senão a análise não é possível, como não foi possível no caso Dora). Os sintomas eram a famosa tosse nervosa, chateação em relação à vida e outros sintomas físicos mas, fundamentalmente, a tosse, e tudo isso era efeito de certa situação que Dora estava vivendo. A análise durou pouco tempo e foi interrompida por ela. Havia uma situação, digamos, quadrangular, entre Dora, o pai e um casal: o Sr. e a Sra. K. O pai tinha um caso com a Sra.K que, por sua vez era com quem Dora procurava informações sobre sexualidade, tinha 18 anos na época e buscava informações a respeito com a Sra.K que, por sua vez, tinha um caso com o pai de Dora. Dora estava envolvida com tudo isso e também o Sr.K estava paquerando Dora. Ocorreram algumas cenas: um beijo que deu nela na escada, a cena do lago quando ele disse a Dora que a mulher dele não representava nada para ele e Dora lhe deu aquele famoso e histórico tapa. Um dia, subitamente, Freud se surpreende: Dora interrompe o tratamento e Freud atribui o seu fracasso a duas coisas, uma em relação, digamos, à concepção teórica do caso. Freud disse que tinha errado porque ele dizia para Dora, dava a entender, que ela estava apaixonada pelo Sr.K quando, na verdade disse Freud o objeto de amor de Dora não era o Sr.K, era a Sra.K. Aí o Sr.K representava aquele com quem Dora desejava identificar-se, enquanto marido da Sra. K., isso fala Lacan anos depois. O outro aspecto, disse Freud, é que ele não tinha tido em conta a transferência pela qual ele representava o Sr.K para Dora. Então ela, segundo Freud, fugiu dele do mesmo jeito que havia fugido da tentação que representava o Sr.K. A partir daí, naquele epílogo do caso Dora, ele faz muitas considerações sobre a transferência. Então, o que é a transferência? É um termo que pode dizer tudo e também muito pouco. Poder- se ia- dizer que a transferência é, para Freud, (estou falando para Freud, em Lacan há diferenças muito importantes) a transferência é amor. Ele tem um trabalho que vocês devem conhecer, senão procurem lê-lo, parte dos escritos dele entre 1912, 1914, 1915: O Amor de Transferência, onde fala que a transferência é amor e, mais ainda, que todo amor é transferência, implica transferência, quer dizer, a transferência é um fenômeno que não só aparece na prática analítica, é própria de qualquer relação social, humana e que implica o enamoramento e o amor que, lembrem, está baseado na sexualidade infantil mas, também, implica transferência positiva e transferência negativa, ou seja amor e ódio, e esse é um fenômeno geral. A diferença está em que Freud disse que o único jeito de ser eficaz na prática analítica é trabalhar a transferência e usá-la como condição e instrumento de trabalho porque vai chegar um momento que se tem que conseguir primeiro que o sujeito se queixe de seus sintomas e o segundo momento que se tem que alcançar (Freud chama de neurose de transferência ), é que os objetos libidinalmente investidos, responsáveis 6

7 Gustavo E. Etkin pela sintomatologia, causa pela qual o sujeito se queixa e vai procurar análise, serão desinvestidos, abandonados, e vai aparecer uma nova neurose onde o analista vai ser o novo objeto da neurose, mas desta vez, de transferência, que é o meio, o caminho para a cura na qual, como efeito dela, se possa desinvestir novamente aquele objeto da transferencia e poder investir outros objetos na vida pessoal, particular, do paciente. Era o jeito de atingir o que para Freud era a cura: capacidade de gozar e trabalhar. Freud fala, e vamos ver nos próximos dias, que o trabalho com a transferência é o mais difícil, o mais delicado, o que representa maiores obstáculos, mas é o único jeito de poder avançar na prática clínica, o único jeito de poder obter resultados. Como falamos antes, há dois tipos de transferência para Freud: transferência positiva e transferência negativa. Transferência positiva, para Freud, é todo tipo de transferência que favorece o trabalho da análise. O que quer dizer favorecer o trabalho de análise? O único trabalho que tem que fazer o analisante, o paciente para Freud, é poder continuar com a regra fundamental que é a associação livre. Livre de quê? de censura, não quer dizer liberdade, (o mal-entendido que fizeram os surrealistas movimento surrealista de 1920-1924, Breton, Éluard que confundiram a escrita automática com a liberação do inconsciente, como se o inconsciente fosse um lugar de liberdade). Não, é o lugar de um determinismo, de um sobredeterminismo, eles entenderam Freud mal, mas faziam coisas interessantes apesar do mal-entendido. Então, transferência positiva é tudo o que favorece o cumprimento da regra fundamental, que é falar qualquer coisa que passe pela cabeça, coisa que não é fácil, falar em voz alta qualquer coisa que se pense por mais que seja incoerente e pareça sem sentido. E o que é a resistência? A resistência é justamente a isso, a cumprir a regra fundamental de falar, e o que favorece esse cumprimento da regra fundamental é a transferência positiva. Freud diz que a transferência positiva se caracteriza por pulsões de finalidade terna, ou seja, pulsões afastadas de seu fim sexual. O que está implicado na definição de Freud da pulsão. A pulsão tem quatro aspectos, quatro características: fonte, fim, carga e objeto. Quando o objeto está substituído por outro objeto não sexualmente investido, isso se chama sublimação: substituição de um objeto com finalidade sexual por um objeto que não implica uma finalidade sexual. Mas quando o objeto continua e o que se substitui é só a finalidade de prazer sexual é justamente o que se chama de pulsão terna, que é própria da relação de pais e filhos, das relações familiares, de amizade. Mas, lembrem-se vocês, que só um aspecto está substituído, o da finalidade sexual. Continua o objeto, a fonte que é a zona erógena e a carga, ou seja, para Freud, o nível de intensidade de excitação que procura ser descarregado no prazer. Quando isso acontece é transferência positiva.

A Transferência e o Objeto (a) na Clínica Transferência negativa, obviamente, quando há agressividade, ódio mas também, paradoxalmente, quando há uma relação de enamoramento erótico. Tanto a relação da transferência de ódio como a de amor e erotismo também são negativas porque as duas convergem na impossibilidade de cumprir a regra fundamental de associar livre da censura. É que uma das características do amor é ser sem palavras, quer dizer, para o amor não é preciso a palavra, na agressividade tampouco há palavras, ou, se há palavras, haverá palavras de ódio ou amor. Só, ou predominantemente. Por outro lado, o desejo implica palavras porque o falar não pode dizer tudo e na fala está o erro, o ato falho, o pedido, a demanda. A palavra está composta por tijolos que são os significantes que, por definição, são incompletos. Em troca, o amor implica a fantasia de completude que tornam as palavras desnecessárias. Nesse sentido, que palavras? as palavras do analisante, do paciente. As palavras da associação livre. Freud diz que a resistência é deixar de falar. Resistência é tudo que implica um corte, uma ausência de palavras do analisante que impede que o analista possa trabalhar e a análise continuar. Porque se não fosse ter em conta a transferência (e trabalhar com a transferência é difícil, depois vamos ver porque e como), poder-se-ia acreditar que é suficiente apenas uma explicação teórica, própria do discurso universitário como a que se pode ler em um livro de psicanálise. Só ler os seminários de Lacan. Embora, e lendo muito e repetidamente, com o tempo e através dos anos, haja modificações na forma de escutar. Ou seja, há uma certa relação com a transferência ao texto pela qual, depois de muitos anos lendo de certo jeito, de trabalhar o discurso de Freud e Lacan, sem dar-se conta, além de ter passado por um análise pessoal (isso é fundamental) sua escuta vai se modificando, trabalhando a própria análise (pela qual é imprescindível passar) como se ela também fosse um texto. Essa relação com a transferência implica, para Freud, a repetição. Depois vamos ver que para Lacan é diferente, tem uma diferença importante mas, para Freud, a transferência é um jeito de repetir, de repetição de pulsões sexuais infantis das vivências (uma palavra que está em uma das traduções de Freud em castelhano e que agora está na moda) infantis. Freud não usa muito essa palavra vivência, seria bom ver que palavra ele usou em alemão e foi traduzida por vivência nessa edição. Experiências, emoções, traumas em termos de Freud infantis, o que procura essa repetição, a pulsão que não foi satisfeita na infância, procura sua satisfação aqui e agora na transferência, o passado se re-atualiza na transferência, como repetição desse passado, procurando satisfação. Isso é muito importante por outro aspecto de Freud, que será retomado por Lacan aí sim, coincidin- 8

9 Gustavo E. Etkin do com Freud, no sentido de que, paradoxalmente (estou me referindo a Freud em Mais Além do Princípio do Prazer, de 1920) o que se procura repetir não é uma satisfação que já aconteceu, voltar a ter aquela mesma satisfação. O que se quer repetir é algo que, paradoxalmente, provocou insatisfação, ou seja, é a lei do princípio do prazer, repetir a insatisfação e não a satisfação, coisa muito estranha, isso é a causa da repetição, e a causa da repetição também na transferência, como se fosse uma esperança, diz Freud, também de obter a satisfação que não se obteve no passado, agora com o analista, na transferência. Por um lado, Freud trata a transferência como um obstáculo para a cura, obstáculo na medida em que implica resistência mas, também como sua principal ajuda, seu principal instrumento para a cura. Aqui seria necessário fazer, talvez, uma diferença com outros tipos de tratamentos. Porque, por exemplo, a relação de um psiquiatra com seu paciente, de um médico com seu paciente, de um homeopata e, por que não? de um paide-santo, de uma mãe-de-santo, ou qualquer nova terapia alternativa, além de não ter em conta o inconsciente, porque ter em conta o inconsciente quer dizer que na queixa daquele que procura alguém, há uma causa que ele não sabe que inconscientemente sabe, e também que essa causa está no próprio discurso dele, na palavra dele mas ele não sabe que está, ou seja, há um saber não sabido, há algo de inconsciente naquele que fala sem saber o que fala. Mas, fundamentalmente, a diferença é que tanto o psiquiatra como o pai-de-santo têm certeza que sabem, ou podem chegar a saber a causa da queixa. Ou seja, aceitam e acreditam que ocupam o lugar de alguém que tem um saber. Então, em qualquer tipo de técnica de tratamento que não seja psicanalítico, não se tem em conta a transferência. Primeiro, ter em conta a transferência é ter em conta a relação que vimos agora, positiva e negativa, libidinal, com aquele a quem se pede ajuda de algum jeito. E, segundo, é que essa transferência, por sua vez, tem que ser tratada de certo jeito para que deixe de existir, porque a transferência implica que aquele a quem se investe transferencialmente vira Ideal do Eu. Lembrem-se de que para Freud havia o Eu Ideal e o Ideal do Eu. O Ideal do Eu é o objeto de investimento libidinal que o eu idealiza, objeto próprio do enamoramento, típico do amor cortês, do século XII, XIII, o amor à dama (os trovadores idealizavam a dama, uma dama com a qual nunca, teoricamente, embora na prática parece que não era assim, nunca transavam, ela era intocável, idealizada, estava mais além, tinha dons, atributos e atitudes quase perfeitas). Esse tipo de Ideal do Eu é o que se refere Freud em Psicologia das Massas e Análise do Eu onde diz, por exemplo, que na hipnose e na massa, a relação é a dois. As massas quando se formam como massas, como a igreja e o exército e qualquer fenômeno de massa mais

A Transferência e o Objeto (a) na Clínica ou menos permanente se caracteriza por compartilhar o ideal do eu comum, poderíamos dizer também, por estar cada um dos integrantes da massa em transferência com o mesmo ideal do eu, com o mesmo objeto, há uma espécie de enamoramento da massa em relação a um líder, por exemplo, e isso é próprio da transferência também, ou seja, há uma idealização inevitável e necessária do analista e o analista tem que suportar, agüentar e trabalhar com ela. Breuer conta a Freud o caso de Ana O., com o qual Freud começa os Estudos sobre a Histeria muitos anos depois e os dois trabalham nesse caso. Breuer interrompe o caso quando Ana O., de repente, faz uma gravidez histérica, uma pseudogravidez, com todos os sinais de uma gravidez, mas histérica; aí Breuer interrompe o tratamento repentinamente (isso também comenta Jones, o biógrafo de Freud) e vai para a Itália com a mulher e tem uma filha. Segundo comenta Jones e Lacan lembra, isso foi uma passagem ao ato de Breuer porque ele não suportou a transferência e a transferência tem que ser suportada para poder ser utilizada. Vamos ver depois o que quer dizer isso também e quais são as formas erradas de se agüentar e suportar a transferência. Breuer não suportou, não agüentou essa transferência se assustou foi embora. Freud comenta, em outro lugar, que ele na época usava a técnica hipnótica com uma paciente. Fala de uma paciente quando ela acorda do transe hipnótico e o abraça no momento em que entrava uma empregada e que ele ficava surpreendido com isso. Então, a transferência se apresenta como obstáculo e se apresenta como suporte, como ajuda indispensável para ter em conta para a prática analítica. Uma diferença com a hipnose é que nesta, é o que se chama de sugestão, deixa essa transferência intacta. Freud chama a sugestão de transferência e isso é importante por outra coisa também. Chamar de nome diferente alguma coisa implica poder construir caminhos novos para poder pensar. Por exemplo, Lavoisier, um químico, ano 1600/1700, isso o comenta Lacan, acho que em um trabalho que está nos Escritos chamado Função e Campo da Palavra e da Linguagem em Psicanálise, 1953, onde diz que antes de Lavoisier não havia química, havia alquimia, onde os alquimistas faziam uma conjunção de magia com o que chamavam de química ou alquimia, ou seja, havia uma relação entre nomear certas palavras ou certas fórmulas mágicas e procurar, o que eles sempre procuravam, em geral, uma das coisas, por exemplo, a pedra filosofal, que era uma pedra que podia transformar o chumbo em ouro. Passavam muitos anos repetindo sempre a mesma experiência e dizendo a fórmula mágica simultaneamente. Para os alquimistas, por exemplo, a causa do fogo era um espírito das coisas que chamavam de flogisto e Lacan diz que a química começa quando Lavoisier chama o flogisto de oxigênio. E o oxigênio tem certas propriedades, certas características, tem efeitos diferentes. É diferente dizer flogisto 10

11 Gustavo E. Etkin de dizer oxigênio, aí aparece a química. Porque, com o oxigênio, definido segundo certas qualidades, se opera de maneira diferente que com o flogisto. No caso, é diferente dizer sugestão de dizer transferência. Para a palavra sugestão, a coisa fica na influência que tem um sujeito sobre outro: se sugere, se influencia alguém. Mas a palavra transferência leva a ter que pensar quem transfere, para quem se transfere, o que é que se transfere. Então, essa troca de palavras leva a ter que pensar outras alternativas e possibilidades de atuar. Por isso, a palavra vivência, que agora está muito na moda, eu a coloco entre aspas, no sentido de que é uma palavra que é um retrocesso do pensamento porque acho que impede de pensar alternativas, possibilidades. Vivência de que? para que?, por que? como? de que? quem? Fica aí, é uma vivência, pronto, acabou, como na hipnose é a sugestão. Ou também, a palavra stress, palavra tampão, com a qual nomeiam muitas coisas diferentes. Há palavras que servem para abrir alternativas, abrir perguntas, e outras que servem para fechar perguntas, para não perguntar, se satisfazer com elas como era o flogisto para os alquimistas; em troca, o oxigênio abriu a perspectiva de fazer perguntas: que propriedades tem, que alternativas, por que, qual é a diferença. A palavra transferência, também, como falamos antes, de quem, para que, por que, sobre quem? O trabalho terapêutico, para Freud, tem duas fases que implicam uma terceira: na primeira fase a libido reprimida causa o sintoma, passa para o analista e aí aparece a neurose de transferência: é uma repetição da doença anterior mas, de uma forma nova, diferente na atualidade da transferência da relação analítica, ou seja, o que antes (suponham vocês) implicava um sintoma fóbico a lugares fechados, a fugir de certos animais, tom de voz, qualquer objeto fobígeno reaparece na transferência como angústia em relação a certas coisas na figura do analista. Freud disse que nesse segundo momento se batalha em torno desse novo objeto libidinalmente investido que é o analista e, a isso, poderíamos acrescentar dessa perspectiva, a cura é quando novamente se libera o que é a libido que, em termos de Freud, quer dizer dois desprendimentos de libido: um do objeto fobígeno, objeto que é a causa de procura do analista, que causa angústia, provoca certo tipo de sintomatologia, porque para se centrar sobre o analista já houve desprendimento do objeto. Um segundo momento seria já da figura do analista como objeto agora libidinalmente investido, isso seria a condição da cura. Freud diz que essa libido, depois da cura, vai poder ser investida em novos objetos da vida do paciente já curado. Isso tem relação com outra coisa, com algo muito importante que vai diferenciar Freud de outras correntes psicanalíticas, Melanie Klein, por exemplo. Como já lhes disse, a pulsão tem quatro aspectos: fonte, fim, carga e objeto. Mas o objeto, e isso é muito importante, segundo Freud, é

A Transferência e o Objeto (a) na Clínica encontrado, é contingente, não vem dentro e junto com a pulsão. Para Freud, o objeto se encontra, se investe e se desinveste e se perde. Essa possibilidade, esse poder agüentar a perda do objeto, esse poder substituir o objeto é também, e justamente, um indicador de saúde. A fixação a um objeto é indicador de doença. Então, no caso da transferência, a cura seria desinvestir, perder o objeto analista libidinalmente investido, com o qual houve transferência; daí a palavra transferência: transferir desde o passado do paciente até a atualidade as cargas libidinais de objeto da infância que não tiveram satisfação na época. Há uma coisa importante em Freud digo importante para nossos objetivos aqui. Ele usa uma palavra que não lembro em alemão, é a palavra convencer. Ele procura, mediante a interpretação, convencer os pacientes para que eles aceitem a sua interpretação. Freud dá explicações que têm que ser aceitas. Isso foi no começo. Com o tempo Freud foi mudando e no final fala de uma forma muito mais precisa, podemos constatar nos últimos trabalhos dele. Em toda uma grande parte da primeira época de Freud ele procurava esse convencimento, o paciente aceitava as interpretações de Freud se se cumpria uma condição, a condição da transferência positiva. Essa condição, por sua vez, lembrem a diferença que fizemos entre transferência positiva e negativa era o prévio investimento libidinal ao analista, o prévio amor de transferência. Não pode haver transmissão de informação, não pode haver educação convencimento - sem transferência. Para Freud não pode haver transferência sem amor, ou seja, sem investimento libidinal porque esse amor e esse investimento libidinal enquanto funcione de modo positivo implica que aquele que está, no caso de Freud, convencendo o paciente ocupa o lugar do Ideal do Eu. No caso, vai acreditar na palavra de Freud. Se tem transferência negativa não vai ficar convencido das razões de Freud, vai aparecer resistência de algum jeito a continuar associando livremente e a aceitar as intervenções. Ele nos está mostrando uma seqüência entre amor, investimento libidinal e a aceitação da autoridade daquele que está dizendo alguma coisa. Aceitar a palavra, a força de verdade daquele que tem a autoridade. Se não há amor, se não há investimento libidinal, não há essa aceitação, aceitação de que? Hoje vamos deixar aqui, aceitação do saber, do saber daquele que representa o Ideal do Eu para o paciente, daquele saber sobre os sintomas, o sofrimento do paciente. Lembrem-se disso, porque é uma diferença com Lacan. Pergunta Queria que você falasse um pouco da transferência como obstáculo para a cura. Gustavo Que ponto não ficou claro para você? Que aspecto? Para Freud há uma transferência positiva e uma transferência negativa. A transferência negativa é o que chamam obstáculo para a cura, impede o processo de análise e está a serviço da resistência... (mudança de fita) 12

13 Gustavo E. Etkin...em Estudos sobre a Histeria, o último trabalho chama-se Psicoterapia da Histeria, é um trabalho muito interessante porque é um modelo do aparelho psíquico que Freud não desenhou, mas definiu muito detalhadamente, fala do aspecto lógico das representações inconscientes e como estão ordenadas, fala da relação do objeto patógeno, que na época era o trauma e fala das defesas concêntricas, ou seja, que quanto mais o analista vai se aproximando do objeto patógeno mais fortes se fazem as defesas e essas defesas são as resistências. Depois Freud diz que a transferência é negativa quando a resistência usa, utiliza a transferência como arma para evitar essa aproximação ao que está reprimido, à pulsão reprimida. Quanto mais perto se está da verdade, diria Lacan das pulsões reprimidas mais aumentam as resistências e a transferência será usada para, inconscientemente, aumentar a resistência, por exemplo, tanto ódio e raiva como erotização e enamoramento. As duas alternativas convergem em uma interrupção da associação livre ou em uma interrupção do tratamento, que é uma forma de resistência mais radical ou, também, em outra forma de resistência que é aquela que diz não me ocorre nada, não tenho nada para falar, não tenho vontade de vir..., chegar tarde ou qualquer coisa que implique em não cumprir com a regra fundamental de associação chamada livre. Pergunta Essa transferência como obstáculo quando se aproxima mais do núcleo patógeno, ao mesmo tempo ela não é indicativa de uma virada na análise? Gustavo Exatamente. Quero dizer que, ao mesmo tempo que é um obstáculo, também, segundo se maneje, é indicativo de que se está perto de falar algo que não se conseguia falar antes, isso poderá ser falado segundo se opere e aí tem que haver o cuidado de como trabalhar com a transferência. Isso tem a ver com a técnica, tem a ver com o estilo de cada analista, estilo em termos de literatura, estilo literário, certa retórica, jeito de falar. Não sei se isto responde, em parte, à sua pergunta. Você lembrou uma coisa que eu esqueci que é o que falei agora de que a transferência é negativa porque está a serviço da resistência, a resistência utiliza a transferência. Assim, o que poderia ser o instrumento da cura passa a ser o instrumento que detém o processo de cura e aí é o ponto limite que o analista tem que saber como trabalhar, como mencionar, como dizer de algum jeito. Pergunta Voltando à sobredeterminação, à associação livre e à questão do inconsciente não ser equivalente a um lugar de liberdade. Eu estava lembrando de um comentário que você fez, acho que no seu seminário do ano passado, onde você diz que o inconsciente não é um lugar da libertação mas como lugar da liberdade do significante. A partir disso, gostaria que você fizesse um breve comentário sobre a questão da transferência, o que está implicado nessa liberdade do significante. Gustavo Não lembro se essa frase me ocorreu ou a li em algum texto de Lacan. Penso que isso tem a ver com o que vamos falar depois, sobre o saber. A

A Transferência e o Objeto (a) na Clínica libertação implicaria na liberdade de uma escolha autoconsciente, intencional, de uma coisa ou outra. A liberdade do significante quer dizer aí que o significante é o tijolo que constitui o lugar onde está o inconsciente, que Lacan chama de Outro. Nesse lugar não cabe um saber sobre a própria liberdade, ou seja, que o significante aí é arbitrário, faz o que quer mas não sabe que faz o que quer, tem uma programação que não sabe que é uma programação. Ou seja, que o significante não sabe que é um significante. Lacan tem trabalhos onde faz essa comparação, sobretudo no seminário II, sobre o Eu, onde fala como o inconsciente é parecido a um computador, à memória de um computador. Tanto em um caso como no outro, nenhum dos dois sabe que sabe. O significante não sabe se é livre, não sabe que está na estrutura de um código, de que tem, na sua sobredeterminação, arbitrariedade absoluta, mas isso não quer dizer que é livre. Sua arbitrariedade é sobredeterminada, não pode estar fora das alternativas para as quais é programado. O problema é por quem é programado, mas há uma programação. A liberdade isso é importante não é do sujeito, a liberdade está na organização, no querer do Outro que é o lugar onde está o inconsciente e não se trata de uma libertação no sentido de descarregar, em que a cura seria descarregar, se liberar do que oprimia, (por isso falei da diferença entre recalcar e reprimir). Não se trata de uma coisa que está comprimida - recalcada- sai, mas de um significante que falta, que está desalojado: verdrangüng. Trata-se de um tipo de lógica interna ao próprio significante e isso também é Freud. Para Freud (isso foi um escândalo para a filosofia) o pensamento é inconsciente. O que recebemos quando acreditamos que pensamos são os efeitos desse pensamento inconsciente. Para Freud, esse pensamento inconsciente é a forma em que as representações de coisa estão vinculadas, ligadas entre si e, para Lacan, o inconsciente está estruturado como uma linguagem, mas linguagem não regida pela sintaxe do discurso consciente, social, mas pela similaridade e contiguidade das formas e dos sons significantes, linguagem específica do Inconsciente que Lacan chamava alíngua. O pensamento está lá e a liberdade é dele no sentido de que faz o que quer porque ele, enquanto coisa, não pode tudo e esse não pode tudo é o que vai nos levar a pensar como Lacan de um jeito um pouco mais desencarnado, mais formalizado que Freud. Já não centrado em uma figura encarnada, da mãe ou do pai concretos, empíricos, mas como funções. Por isso o Sujeito para a psicanálise é sujeito do desejo que é sempre o desejo do Outro. Na verdade, objeto do desejo do Outro, não sujeito ativo. Está claro? Algo mais? Hoje deixamos aqui. 14

Gustavo E. Etkin Aula 27/10/92 De Freud, sobre transferência, vocês podem ver o caso Dora, sobretudo o epílogo falamos sobre isso na reunião anterior onde a transferência aparece como um fato que diz que não teve em conta. Depois, os trabalhos técnicos: A Dinâmica da Transferência, Recordar, Repetir e Elaborar, Amor de Transferência, as conferências 27 e 28 das Lições de Introdução à Psicanálise de 1917. Lembrem a pergunta que foi feita na reunião passada: o problema aparece quando a resistência usa a transferência a seu serviço, segundo Freud. A idéia da resistência aparece nos Estudos sobre a Histeria, no último trabalho que se chama Psicoterapia da Histeria, quando Freud fala que está no núcleo patógeno, tem forma de círculos concêntricos, e quanto mais perto do núcleo traumático, maior a resistência. Lá, não fala de transferência, é verdade, mas fala de resistência desse jeito. Depois Freud faz alusões, falando da transferencia de diferentes formas, em certos casos clínicos, em Schreber, por exemplo, também em O Homem dos Ratos. Schreber, vocês sabem, não foi o primeiro paranóico a história mostra que não foi o único que ocupou um cargo político. Era presidente, no caso dele, da Suprema Corte de Justiça de uma província alemã, acho que de Dresden. Freud não trabalhou com Schreber pessoalmente, trabalhou o texto das suas memórias. No seu trabalho, Freud fala da transferência de Schreber com Flechsig que era o psiquiatra que o atendia. Esse dado é interessante, importante, porque em outro lugar Freud fala que uma das diferenças entre psicoses e neuroses é que a psicose, justamente, não pode ser trabalhada psicanaliticamente porque a transferência não pode ser estabelecida. E isso é porque o narcisismo é tão grande que não pode haver investimento num objeto externo, no caso na pessoa do analista. Então, se a transferência não é possível, trabalhar psicanalíticamente com psicótico tampouco é possível. Essa posição de Freud foi produto, pode-se inferir penso de certa prudência que 15

A Transferência e o Objeto (a) na Clínica tinha para evitar ser acusado de charlatão. Dizia que por essa razão a psicanálise não podia ser aplicada em psicóticos, mas ele é ambíguo e contraditório nesse sentido porque, como vimos, fala da transferência de Schreber que era um paranóico. Essa contradição também pode-se observar em uma nota de rodapé de Freud onde, em um dos dois trabalhos dele sobre a Sexualidade Feminina e a Feminilidade de 1931/1932, cita um trabalho de uma psicanalista, Ruth MacBrunswick, sobre um caso de celotipia feminina, de paranóia de ciúmes em uma mulher tratada psicanalíticamente por essa psicanalista. Ou seja, podemos inferir, que se para Freud essa psicanalista tratou um caso de paranóia como psicanalista, ela trabalhou com a transferência. Por isso, o critério de Freud para não trabalhar com psicóticos pela falta de transferência é discutível ou contraditório. Alguém me perguntou também sobre transferência em Lacan. Eu diria que está em todos os seminários de Lacan e são quase 30; desde o primeiro até o último. O último foi em 1980, antes de ir para Caracas, que se chama Momento de Concluir. Há o seminário que se chama A Transferência, de 1960, que acredito que saiu publicado há pouco tempo em português, e volta a falar disso no seminário que é uma continuação dele: A Identificação. Depois, Os Quatro Conceitos fundamentais da Psicanálise, seminário XI. Volta a falar da transferência no seminário XII: Problemas Cruciais para a Psicanálise; nos Escritos, por exemplo, em Intervenção sobre a Transferência de 1953, um pouco anterior ao seminário da Transferência, um pouco antigo mas interessante para trabalhar. Como uma espécie de introdução à transferência em Lacan, eu sugiro que vocês leiam O Banquete, de Platão, porque esse trabalho, embora seja trabalhado no seminário da Transferência, volta a ser trabalhado nos seminários posteriores continuamente de um jeito ou de outro, como modelo de lugar do analista em relação à transferência, especificamente um diálogo que há entre Alcibíades e Sócrates. Nesse texto, procurem refletir e pensar sobre três personagens: Sócrates, certamente, Alcibíades e Aristófanes. Pensamos, justamente, como uma entrada à transferência em Lacan, trabalharmos esse diálogo e, também, vamos mostrar o que é a transferência em um pequeno poema de um poeta e escritor brasileiro chamado Menotti del Picchia que vocês certamente devem conhecer. É um poema pequeno muito bonito onde pode-se ver de outro jeito o que Lacan mostra no Banquete de Platão. Têm diferenças importantes que não invalidam Freud, mas há acréscimos, uma perspectiva agora um pouco diferente da transferência para Lacan. Lembrem-se que para Freud, resumindo a aula passada, a transferência é um fato geral de toda relação humana. Para Freud, implica a repetição no presente, na atualidade, de erotismo e repressões próprias da sexualidade infantil que cada sujeito viveu na sua relação edípica. Essa repetição, como atualização, se dá entre todos os 16

17 Gustavo E. Etkin seres humanos quando há transferência e, também, em uma situação de psicanálise, com o analista. Para Freud, lembrem-se, no começo aparece como um obstáculo e depois como a principal arma, instrumento em relação à cura, sendo o mais difícil de usar mas o único jeito de ser um caminho, uma via eficaz. Freud disse que não se pode combater a ninguém in absentia ou in effigie, não se pode lutar contra um inimigo ausente, só contra sua figura, sua imagem. Para combater um inimigo ele tem que estar presente, não sua imagem. E, na clínica, tornar presente a sexualidade infantil na transferência, onde se atualizam, repetindo-se, as modalidades eróticas predominantes em cada etapa. Mas vamos falar um pouco de algo que tem muita relação com a transferência e que diferencia Freud e Lacan daqueles que, segundo Lacan (e eu concordo), se desviaram de Freud. Uma das manifestações dos desvios do ensino de Freud é, justamente, o conceito de contratransferência, ou seja, se basear no que o analista autopercebe, compreende, sente a respeito de seu paciente. Para que? para interpretar, baseado no que ele sente. Isso é importante também como forma de nos introduzir, de fazer uma passagem para Lacan. Para exemplificar isso temos duas vias: em um seminário de 1963, outro seminário onde Lacan volta a falar de transferência, e também de contratransferência para criticá-la. É o Seminário da Angústia. Lacan convida alguns psicanalistas para falar. Falou Granoff, François Perrier, Piera Aulagnier, um grupo de pessoas que depois, não concordando com certo tipo de organização da formação do psicanalista que Lacan chamou o passe, foram embora e fundaram o que se chamou o Quarto Grupo. Essa gente foi, na época, convidada por Lacan para falar sobre uns psicanalistas ingleses ou americanos da primeira Internacional a I.P.A. que publicaram em uma revista americana, em 1956, uma série de trabalhos sobre a contratransferência. Por exemplo, há um livro que comenta, e que se chama Contratransferência de Lucy Tower, onde também há trabalhos de Margareth Little, de Bárbara Low, de Thomas Szasz: todos coincidindo em que o que chamam contratransferência é fundamental para a pratica psicanalítica. Lacan se refere àquele trabalho que é de 1956, mas eu me permito ler uma parte para vocês de um texto anterior, de 1950/1953. É de um psicanalista importante da Internacional chamado Heinrich Racker, que foi morar na Argentina e publicou um livro sobre contratransferência e um artigo na revista da APA Associação Psicanalítica Argentina que é representativo porque ele foi discípulo de Paula Heimann. Naquele trabalho Racker comenta outro trabalho de Paula Heimann, que por sua vez, foi discípula e analisada de Melanie Klein e ambas são representantes da Egopsychology, Psicologia do Eu, que foi o desvio da primeira Internacional do alvo da psicanálise freudiana que é o inconsciente, para virar uma psicologia cujo alvo e

A Transferência e o Objeto (a) na Clínica objetivo é o Eu, que Lacan criticou em seus primeiros seminários. Aí, a maneira da Ego-psychology entender a transferência se exemplifica clinicamente na proposta de trabalhar com a contratransferência. O trabalho de Heinrich Racker foi publicado na revista de psicanálise de 1953. Leio isso para vocês para mostrar o que depois vamos ver, Lacan critica o que, de fato, foi um desvio de Freud na teoria e na clínica, ou seja, quero dizer que Lacan quando fala de alguns autores, fala para se diferenciar deles ou para criticá-los. Por exemplo, quando Lacan faz referência a Hegel, especificamente o que em Hegel se chama Dialética do Mestre e do Escravo na Fenomenologia do Espírito, ele se refere à dialética hegeliana para diferenciá-la da prática psicanalítica, já que nessa prática não deve haver uma relação de consciências e de mútuo reconhecimento de consciências, dual. A clínica, não é a reprodução da dialética de Hegel. Se Lacan cita Hegel é para mostrar que ele não é hegeliano, ele claramente diz que não é hegeliano, sua dialética não é hegeliana, é socrática: maiêutica. Nesse caso vamos fazer uma coisa parecida no sentido de falar o que não se deve fazer na prática analítica. Racker define a contratransferência assim: é um importante instrumento para a compreensão, quer dizer, para a função de interpretante do analista, quer dizer, o analista interpreta compreendendo. Também Paula Heimann, que foi uma analista muito importante da Internacional, em 1950 disse que a contratransferência é um instrumento para a compreensão do analisado, usar também a contratransferência como expressão das identificações do analista com os objetos internos do analisado. Ou seja, o psicanalista trabalharia com a sua identificação com o analisante, com o paciente; por exemplo, diz ela: a transferência é a expressão das relações com os objetos internos (lembrem: objetos internos, peito bom, peito mau, Melanie Klein). Sendo assim, a compreensão da transferência dependeria da capacidade do analista para se identificar tanto com as tendências e defesas como com os objetos internos do analisado e, como se isso fosse pouco, ser consciente dessas identificações. Então, de que se trata? Trata-se de que o analista tem que se identificar com as fantasias do analisado e a contratransferência, portanto, dependeria do grau de percepção do próprio analista, a introspeção dos seus processos contratransferenciais, ou seja, do grau de seu contato consciente consigo próprio. Aqui temos uma coisa interessante que é o seguinte: nós podemos, com essa definição, definir contato consciente consigo próprio como por que não? autopercepção e, olhem vocês o que Freud fala sobre autopercepção no artigo Introdução ao Narcisismo. O interesante é que Freud fala que uma das formas de psicose, a parafrenia (que é como Freud chamava a esquizofrenia) se carateriza pela intensificação da autopercepção. A libido narcisista, para Freud, aparece intensificada nas 18

19 Gustavo E. Etkin parafrenias e delimitada nas neuroses de transferência, ou seja, nas neuroses. Isso tem relação com uma das críticas que faz Lacan sobre a contratransferência no seminário I Os Escritos Técnicos de Freud. Ele disse em algum lugar: como diferenciar um delírio de autoreferência da autopercepção da contratransferência? Essa proposta da contratransferência para conhecer, saber o que acontece com a transferência, implicaria trabalhar com um eu amadurecido que permita discriminar e diferenciar os objetos internos do paciente, do analisante, depositados, projetados no analista, projeção que será introjetada pelo analista e depois dessa introjeção ele poderá, mediante a sua autopercepção, introspectiva, diferenciar o que é o eu dele do que não é de seu próprio eu. Uma das críticas de Lacan à Internacional é a esse tipo de concepção da clínica, com a qual Freud não concordava. Freud faz uma advertência em um desses trabalhos que eu falei para vocês, dos escritos técnicos, não lembro se no Amor de Transferência, sobre o que ele chama de transferência recíproca, que nós podemos entender como o que depois se chamou de contratransferência. Ele adverte contra a transferência recíproca, obviamente nesse caso, o enamoramento. Ele diz que nenhum analista acredite que se seu paciente se enamora dele é por seus atributos pessoais, e que a pessoa dele nada tem a ver com esse enamoramento de transferência, ele alerta contra a transferência recíproca que seria a contratransferência. E muitas vezes quando vocês acreditam que compreendem algo finalmente!!!! do que seu analisante está lhes dizendo, pensem que poderia ser que isso está sendo falado precisamente para que vocês acreditem que estão compreendendo. Procurem não compreender. Lacan faz uma crítica à compreensão na primeira parte do seminário III, As Psicoses, especificamente ao conceito de compreensão de Jaspers. Jaspers, vocês devem saber, foi um filósofo e psiquiatra que tem um livro sobre Psicopatologia Geral e em um capítulo intitulado As Relações Compreensivas da Vida Psíquica fala de uma compreensão empática como uma relação causal da psicogênese o que implica, segundo ele, a evidência dos movimentos expressivos ou autodescrições, relações geneticamente compreensíveis, fatos, evidentes em si que não conduzem a nenhuma teoria (estou resumindo um pouco). O pequeno detalhe é que tudo isso também é uma teoria. Lacan critica a idéia de psicogênese porque ele tem certos pontos em comum com uma corrente chamada estruturalista que apareceu depois da segunda guerra mundial que foi oposta e crítica do humanismo existencialista, tanto sartreano, como católico e marxista também. Marxista era Henri Lefebvre, por exemplo, Sartre, Simone de Beauvoir. Toda essa apologia da liberdade, o discurso da liberdade, o discurso do Eu, é um discurso delirante disse Lacan. O estruturalismo é diferente e crítico frente a esse discurso humanista existencialista. Tem manifestações na lingüística, na literatura, na crítica literária, na antropologia

A Transferência e o Objeto (a) na Clínica (Lévi-Strauss). No marxismo, Althusser e na psicanálise Lacan, e tem muitos pontos em comum, também, com a epistemologia de Foucault. Vamos citá-lo depois para definir algumas coisas. Então, tudo isso implica uma crítica à certeza que a origem determina o presente. É o discurso, é o ato simbólico atual, é o relato da história que vai resignificar a história para trás, que não é nem mais nem menos do que o logo depois, (nachträglich) de Freud que vocês já devem ter escutado falar, a concepção freudiana da causalidade. Há uma origem, mas é sempre mítica e o mito é sempre um relato que está construído de agora para trás, é sempre um permanente logo depois. O significado do descobrimento da América, por exemplo, há vários anos atrás estava sendo questionado por um pequeno grupo de historiadores mais ou menos politizados e, também, por uma briga com a igreja católica, mas agora com o incremento dessa discussão a história está se escrevendo de outro jeito. A mesma coisa acontece na clínica, quero dizer, a história de cada analisante está no discurso, no ato em que é falada, em que é relatada. Vocês sabem que a passagem da pré-história para a história, do homem das cavernas, começa quando aparece a escritura, sem escritura não há história. Então, sem palavras tampouco há história pessoal, especificamente na clínica e, portanto, a origem, está sendo constituída agora, esse é o ponto. Nesse sentido Lacan critica a idéia de psicogênese, ou seja que não importa, não interessa para a psicanálise se o parto foi sob a água, se foi de luz acesa, ambiente silencioso, de cócoras, natural, importa como isso é retomado, relatado, falado a posteriori, logo depois, après-coup. Não importa ter nascido com o cordão umbilical apertado ou não, importa que valor, e aqui coloco uma palavra: significante, simbólico, tem na história do sujeito, o que aconteceu. Por que critica a psicogênese também no sentido a Jaspers? porque Jaspers em nenhum momento fala de inconsciente. Jaspers fala de conteúdos, fala de afetos, de emoções. Vivências, poderíamos dizer agora. Falei da outra vez do oxigênio, da descoberta do oxigênio feita por Lavoisier, o que antes chamavam de flogístico e ele diz que é o oxigênio e que tem tais e tais propriedades, a mesma coisa com o átomo, esse pontinho que se vê no microscópio eletrônico, não se vê o átomo como se desenha, se vê pontinhos, (me contaram, não vi), luzinhas que vão de um lado a outro que se chocam, mas isso está nomeado de certo jeito, conceitualizado, mas sempre há entre o que se vê aí, entre o fato e o nome um abismo impreenchível que se tenta preencher continuamente com novas definições. Em nosso caso o fato seria o que aconteceu no passado. Então, para Jaspers, a compreensão não entra no inconsciente. Como você vai compreender o inconsciente, o que seria compreender o inconsciente? Aqui fiz 20