PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO ACÓRDÃO

Transcrição

1 Registro: ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº , da Comarca de Osasco, em que são apelantes HOSPITAL NOSSA SENHORA DE FÁTIMA e CONVENIO AMEPLAN, são apelados MARCELO CORREA (JUSTIÇA GRATUITA) e MARLENE APARECIDA CORREA (JUSTIÇA GRATUITA). ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento em parte ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores DONEGÁ MORANDINI (Presidente) e BERETTA DA SILVEIRA. São Paulo, 14 de fevereiro de Carlos Alberto de Salles Relator Assinatura Eletrônica

2 3ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Apelação nº: Comarca: Osasco Apelante: Hospital Nossa Senhora de Fátima e outro Apelado: Marcelo Correa e outro Interessado: Maria Jovelina Rocha Correa Juiz sentenciante: Ana Cristina Ribeiro Bonchristiano VOTO Nº: ERRO MÉDICO E CONSTRANGIMENTO. IDENTIFICAÇÃO DE PACIENTE PELO DIAGNÓSTICO. Pretensão dos filhos da paciente à condenação do hospital réu e do plano de saúde por alegada má prestação da assistência médica e constrangimento pela divulgação indevida da enfermidade da genitora. Sentença de parcial procedência. Insurgência do hospital réu. Manutenção da condenação, mas redução do quantum indenizatório. Constrangimentos pela indevida e desnecessária publicação, em cartaz, da doença da mãe dos autores. Ofensa à privacidade e intimidade da paciente. Violação das regras do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem e do Código de Ética Médico. Redução do valor de indenização, com base nas peculiaridades do caso e nos termos da razoabilidade. Recurso parcialmente provido. Trata-se de recurso de apelação tirado contra a r. sentença de ps. 494/498, proferida pelo MM. Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Osasco, que julgou parcialmente procedente os pedidos para condenar apenas a corré Hospital Nossa Senhora de Fátima a pagar aos autores indenização por danos morais, no valor de 30 (trinta) salários mínimos, com correção monetária desde a prolação da sentença e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação. Diante da sucumbência, acará o nosocômio réu com o pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios fixados em 20% sobre o valor da condenação. Apelação nº Voto nº 2

3 No que tange à pretensão contra a corré Convênio Ameplan, arcarão os autores com o pagamento dos honorários advocatícios, no valor de R$ 2.000,00, por equidade, observadas as regras da Lei 1.060/50. Pleiteia o hospital apelante a reforma do julgado, alegando, em síntese, que é equívoca a condenação porque inexiste prova de que o óbito não tenha ocorrido em virtude da condição prévia de saúde; que foi prestada adequada assistência médica à genitora dos autores; que a paciente já adentrou o estabelecimento com grave condição de saúde: cirrose hepática terminal; que nunca teria colocado qualquer cartaz na cabeceira da cama; que todos os pacientes possuem fichas de anotação da prescrição médica e evolução; que os autores sofreram mero dissabor ou frustração causados por circunstâncias prévias de saúde; que a indenização deve, ao menos, ser reduzida para cinco salários mínimos; e, finalmente, que os honorários advocatícios devem ser reduzidos para R$ 2.000,00, por equidade ou em 10% sobre o valor da condenação. Apresentadas as contrarrazões (ps. 527), encontramse os autos em termos de julgamento. É o relatório. Cuida-se de ação ajuizada pelos filhos de Maria Jovelina Rocha Correa pretendendo a condenação do hospital Nossa Senhora de Fátima e do Convênio Ameplan ao pagamento de indenização por danos morais, sob o fundamento de que, por conta da má prestação da assistência médica, a genitora acabou falecendo em 12/11/2012. A r. sentença julgou improcedente o pedido indenizatório em face da operadora de plano de saúde e acolheu parcialmente o pedido contra o nosocômio réu para condená-lo ao pagamento de 30 (trinta) salários mínimos por danos morais. oportunidade. Inconformado, insurge-se o hospital nesta De início, destaca-se que a r. sentença não reconheceu erro médico na condução do tratamento da genitora dos apelados. Segundo o MM. Julgador de origem, as graves complicações decorrentes da própria patologia da autora são a causa de seu falecimento, sem demonstração de falha na atuação do hospital e seus funcionários. A procedência da indenização tem lugar por conta do constrangimento sofrido pelos familiares da paciente na colocação de cartaz sobre o leito de sua mãe com os dizeres: hepatopatia crônica alcóolica. Apelação nº Voto nº 3

4 Diferentemente do alegado, há comprovação inequívoca dessa prática: fotos de ps. 33/34. Nesses termos, é de ser mantida a procedência do pedido indenizatório. Como bem asseverado pela expert em laudo esclarecedor apresentado às ps. 427/441, independentemente do diagnóstico que um ser humano detenha, tem o direito ao sigilo, ressalvadas as exceções legais. Os profissionais de saúde, via de regra, bem conhecem o dever de segredo profissional sendo incomum a utilização de placas com o diagnóstico como forma de identificação de pessoas, como ocorreu no presente caso. E continua: Também é bem conhecido entre os profissionais da saúde a tipificação a esse respeito, presente no Código Penal, artigo 154 (Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem). Finalmente, segundo o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, estes devem: - art. 19: Respeitar o pudor, a privacidade e a intimidade do ser humano, em todo seu ciclo vital, inclusive nas situações de morte e pós-morte, - art. 82 Manter segredo sobre fato sigiloso de que tenha conhecimento em razão de sua atividade profissional, exceto casos previstos em lei, ordem judicial, ou com o consentimento escrito da pessoa envolvida ou de seu representante legal (...), - art. 83 Orientar, na condição de enfermeiro, a equipe sob sua responsabilidade, sobre o dever do sigilo profissional. E semelhante sentido, também é o art. 73 do Código de Ética Médica, é vedado ao médico revelar fato que tenha por conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento por escrito do paciente. A esse propósito, cabe transcrever os ensinamentos de Miguel Kjouri Neto in Responsabilidade Civil do Médido, 8ª edição, São Paulo: RT: A violação do segredo médico ofende a um dos direitos da personalidade, o direito à intimidade. Configurar-se-á o dever de indenizar quando, culposamente, o profissional revelar segredo que lhe fora confiado, causando dano ao paciente, provado o nexo de causalidade. Considerada a natureza da enfermidade que Apelação nº Voto nº 4

5 acometia a genitora dos autores (cirrose hepática por ingestão de bebidas alcóolicas), a publicação do diagnóstico em cartaz, em letras garrafais e totalmente desnecessário, por óbvio causou constrangimento, aflição e dor desnecessária aos seus filhos, que já estavam bastante fragilizados pela severidade do quadro de saúde da mãe. Não obstante a indenização deva ser mantida, o quantum mostra-se por demais elevado. À míngua de expressa disposição legal, observandose os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, bem como o grau de culpa, a extensão do dano e a condição financeira das partes, tem-se que R$ ,00 (dez mil reais) salários mínimos mostra-se suficiente e adequado para ressarcir os danos morais, notadamente porque pelo que se verifica a paciente ficou internada apenas 6 dias (de 06/11/2012 a 12/11/2012). Improcede, por fim, o pedido de redução dos honorários advocatícios porque a redução do valor indenizatório nesta oportunidade torna prejudicada a alegação de excesso de remuneração. Por todo o exposto, por este voto, dá-se parcial provimento ao recurso de apelação, apenas para reduzir o quantum indenizatório para R$ ,00 (dez mil reais), com correção a partir deste arbitramento (Súmula 362, STJ). CARLOS ALBERTO DE SALLES Relator Apelação nº Voto nº 5