PALAVRAS-CHAVE: pavimento, fadiga, deformação permanente, dosagem.
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- Roberto Angelim Lopes
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1 APLICAÇÃO DE MISTURA ASFÁLTICA RICA EM LIGANTE COMO CAMADA DE FADIGA EM PAVIMENTO FLEXÍVEL (APPLICATION OF ELEVATED ASPHALT CONTENT MIXTURE AS FATIGUE LAYER IN FLEXIBLE PAVEMENT) LUIS ALBERTO HERRMANN DO NASCIMENTO, Mestre, Consultor, Centro de Pesquisas da Petrobras, Avenida Horácio de Macedo, 950 Cidade Universitária, Rio de Janeiro, Brasil, MARCOS CHACUR, Engenheiro Civil, Centro de Pesquisas da Petrobras, Avenida Horácio de Macedo, 950 Cidade Universitária, Rio de Janeiro, Brasil, RESUMO Este trabalho apresenta estudos mecanísticos e projetos de dosagem de misturas asfálticas utilizadas segundo o conceito Rich-bottom Pavement, em rodovia federal de tráfego muito pesado, na região Sul do país BR 101/RS. Trata-se da aplicação de revestimento asfáltico projetado de maneira customizada, dividido em três camadas sobrepostas: uma camada inferior rica em ligante asfáltico mais resistente à fadiga, uma outra intermediária e a terceira de rolamento, projetada para maior resistência à deformação permanente. Foram utilizados os mesmos agregados basálticos e CAP 50/70 para a formulação dessas camadas asfálticas. As dosagens foram feitas com compactador giratório Superpave, seguindo, dentro do possível, recomendações internacionais para o projeto da camada rica em asfalto. Além dos testes típicos de dosagem, todas as misturas foram submetidas aos ensaios uniaxiais para determinação do Flow Number e do módulo dinâmico, este último em diferentes temperaturas e freqüências, visando à construção de curvas mestras, que foram utilizadas nas análises mecanísticas. Ensaios de fadiga de controle misto também foram realizados. Os resultados e análises geraram boas perspectivas de desempenho do revestimento asfáltico composto, indicando ganhos na vida de fadiga e na resistência a formação de trilhas de roda, mesmo utilizando-se os mesmos materiais nas diferentes camadas. Tais projetos aqui apresentados foram aplicados na rodovia em referência e ainda é cedo para se ter um diagnóstico do comportamento à fadiga. Porém, foram submetidos ao tráfego muito pesado da rodovia nos meses de verão, com temperaturas máximas recordes, e já pode-se concluir que as premissas de bom desempenho na deformação permanente foram confirmadas. PALAVRAS-CHAVE: pavimento, fadiga, deformação permanente, dosagem. ABSTRACT This document presents mechanistic and HMA mix designs studies agreement as the Rich-bottom Pavement approach, used in a federal highway subjected to very heavy traffic loads, at Brazil south region BR 101/RS. It s a fully rational design, where the asphalt layer was divided in 3 different parts: fatigue resistance rich bottom layer, intermediate layer and a final layer designed to rutting mitigation. At these different HMA, it were used the same basaltic aggregates and a conventional
2 AC 50/70. The HMA mix designs was made using the Superpave gyratory compactor, following whenever possible, the rich bottom HMA international specifications. Besides typical mix design testing, the HMA were subjected to Flow Number and dynamic modulus uniaxial tests, and to a compound controlled diametral fatigue test. The lab results indicate fatigue life and rutting performances improvements, even using the same material at the 3 different layers. These designs were laid down in the highway, and after a very high temperatures summer (records temperatures), the pavement show an excellent rutting performance. Therefore, it s still soon to appreciate the pavement fatigue behavior. KEY WORDS: pavement, fatigue, rutting, mix design.
3 INTRODUÇÃO Os três principais tipos de defeitos que afetam a durabilidade dos revestimentos asfálticos são: trincamento por fadiga, deformação permanente e, no caso de países frios, o trincamento térmico. A deformação permanente, na maior parte dos casos, pode ser controlada através da seleção de bons materiais e de uma correta execução. A mitigação do trincamento térmico depende da seleção de adequado ligante asfáltico. Já o trincamento por fadiga, mesmo com bons materiais e processos construtivos de boa qualidade, estará sempre associado às condições estruturais do pavimento, motivo pelo qual este processo é um dos fatores chave no dimensionamento de pavimentos flexíveis (GHUZLAN, 2001). Dentro deste contexto, então, vem surgindo novos conceitos para o projeto de pavimentos asfálticos, entre eles o Pavimento Perpétuo, onde, entre uma série de variáveis estruturais, se busca projetar camadas de revestimento de maneira customizada, ou seja, de acordo com os esforços que estarão submetidas quando em serviço: camadas de fadiga, misturas de módulo elevado, entre outros materiais. O objetivo principal deste trabalho é a aplicação do conceito Rich-bottom Pavement (Harvey et al., 1995) numa rodovia de tráfego muito pesado. Assim sendo, relata-se aqui projetos de dosagem de mistura asfáltica de elevada vida de fadiga e também de mistura com maior resistência a deformação permanente, utilizadas em conjunto na estrutura do pavimento; bem como análises mecanísticas para verificar os ganhos e os riscos inerentes quando do uso destes materiais. CAMADAS ASFÁLTICAS PROJETADAS PARA RESISTIR À FADIGA Função estrutural no pavimento A influência dos parâmetros de dosagem no comportamento quanto à fadiga de misturas asfálticas tem sido amplamente estudada por diversos pesquisadores. De acordo com Di Benedetto et al. (2006), o tipo de ligante e o seu teor são fatores que influenciam fortemente a vida de fadiga, onde o aumento da sua quantidade até um determinado teor limítrofe (com redução da porcentagem de vazios) confere ganhos de durabilidade para o material. No entanto, levando-se em conta projetos de dosagem típicos, Marshall e Superpave, por exemplo, os teores de ligante, em tese, geralmente são determinados visando-se a estabilidade das misturas asfálticas em termos de deformação permanente, o que leva a teores abaixo do que seria ótimo para a fadiga. Em seu estudo, Nascimento et al. (2010), através de ensaios diametrais de controle misto, mostraram que o uso de ligantes modificados por polímero SBS ou por borracha de pneu moído (asfalto borracha) aumentou a vida de fadiga de um grupo de misturas. Contudo, concluíram que o benefício obtido quando do uso de ligantes modificados pode ser inibido pela adoção de granulometrias inadequadas. Em outras palavras, o esqueleto pétreo também exerce um papel importante na resistência ao trincamento de misturas asfálticas. Desta forma, o projeto estrutural de pavimentos asfálticos pode levar em conta essas propriedades das misturas, visando aumentar a sua durabilidade. Para a maior parte desses pavimentos, quando
4 submetidos a cargas de tráfego típicas, assume-se o início do trincamento por fadiga na parte inferior do revestimento asfáltico, onde as deformações de tração são, geralmente, maiores. Assim, a adoção de camadas asfálticas ricas em asfalto e com menor porcentagem de vazios nessa parte inferior do revestimento devem aumentar a sua vida de projeto (Harvey et al., 1995). Por outro lado, o potencial para formação de trilhas de roda é usualmente maior nas camadas superiores do revestimento. Logo, as misturas utilizadas próximo à superfície devem ser projetadas para resistir à deformação permanente, através da adoção de esqueletos pétreos apropriados para este fim e, em geral, com menores teores de asfalto. Para revestimentos asfálticos mais espessos, pode-se, então, adotar camadas asfálticas projetadas de maneira customizada, ou seja, resistentes à deformação permanente na parte superior, onde as temperaturas e os esforços cisalhantes são maiores, com uma camada inferior rica em asfalto (CIRA), mais resistente ao dano por fadiga. Harvey et al. (1995) denominaram este tipo de projeto de Rich-bottom Pavement (RBP). Os mesmos autores fizeram uma série de estudos e simulações com revestimentos de 150mm de espessura, comparando a vida de fadiga de um pavimento convencional com a de um RBP, através da substituição, na parte inferior, de 50mm de revestimento tradicional por CIRA. Ressalta-se que os ensaios de fadiga foram realizados sob flexão de quatro pontos em viga e com deformação controlada. Verificaram, desta forma, ganhos na vida de fadiga do revestimento asfáltico maiores do que 100%, conforme ilustrado na Figura 1. O conceito de Rich-bottom Pavement tem algumas similaridades com Pavimento Perpétuo, contudo, neste último as deformações de tração devem ser extremamente pequenas, através da adoção de uma estrutura subjacente bastante robusta e de pelo menos uma camada intermediária de revestimento (espessa) de eleva rigidez, fatores os quais não são mandatórios para o primeiro. Dosagem das misturas asfálticas O Texas Department of Transportation (Texas DOT) faz uma série de recomendações para a dosagem de misturas asfálticas ricas em ligante, projetadas para atenuar a reflexão de trincas (Crack Attenuating Mixtures CAM) ou para maior resistência ao trincamento por fadiga (Rich Bottom Layers RBL, já definidas neste trabalho como CIRA). Trata-se de camadas asfálticas com diferentes funções no pavimento. Ambas são dosadas com agregados de granulometria fina segundo AASHTO M 323/2004, possuem tamanho máximo nominal de 9,5mm e contribuem integralmente para o projeto estrutural do pavimento. A CAM tem a função de reduzir a reflexão de trincas em recapeamentos sobre bases trincadas (revestimentos antigos ou parcialmente fresados), ao mesmo tempo tendo elevada resistência à deformação permanente. É tipicamente aplicada entre o pavimento antigo e o revestimento final, ficando muitas vezes próxima à superfície de rolamento. O Texas DOT aplicou poucas CAMs como camada final de rolamento e vem monitorando o seu desempenho, uma vez que, por ser de graduação fina, este tipo de mistura possui baixa macro-textura, comprometendo o atrito-pneu pavimento.
5 Figura 1. Comparação da vida de fadiga de pavimentos convencionais e Rich-bottom Pavements: valores de N baseados nos fatores de equivalência da AASHTO (Harvey et al., 1995) É dosada em compactador giratório Superpave, com N des = 50 giros e densidade de 98% da densidade máxima (G mm ). Ou seja, tem 2,0% de vazios no teor de projeto. O teor mínimo de ligante deve ser 7,0% (em geral entre 7,0% e 8,0%). Embora não especificado pelo Texas DOT, o ligante utilizado geralmente é um PG (Performance Grade) 76-22, necessário para atender ao requisito mínimo de deformação permanente no Hamburg Wheel Test. Porém, de acordo com o órgão rodoviário, algumas misturas foram projetadas e aplicadas com sucesso mesmo com ligantes com PG Por outro lado, a mistura do tipo CIRA (ou RBL) é projetada para aumentar a vida de fadiga, principalmente em pavimentos perpétuos, sendo sempre aplicada na camada inferior do revestimento, conforme já descrito anteriormente. Também é dosada com N des = 50 giros e densidade de 98% da G mm, porém a granulometria tem mais material passante nas frações arenosas, sendo enquadrada, de acordo com a especificação do Texas DOT (2004), como SP-D Fine Mixture, passando obrigatoriamente acima da antiga zona restrita do Superpave. Não há restrições quanto ao tipo de ligante asfáltico para a CIRA, sendo usualmente utilizados asfaltos com PG de a 76-22, uma vez que a camada só é submetida ao tráfego direto durante a construção. Neste caso, ao contrário da CAM, não há requisito mínimo de desempenho na deformação permanente. Na Tabela 1 são apresentados os respectivos requisitos de dosagem.
6 Tabela 1. Requisitos de dosagem para misturas do tipo CAM e CIRA (Texas DOT, 2004) Parâmetro CAM CIRA Tipo de compactador Superpave Superpave Número de giros de projeto (N des ) % G N des 98,0 98,0 Teor de ligante, % mínima 7,0 Não VAM, % mínima 17,0 16,0 Resistência à tração a 25 C, MPa 0,6 1,4 0,6 1,4 Hamburg Wheel Test Sim Não PROCEDIMENTOS EXPERIMENTAIS De acordo com os objetivos propostos, este trabalho consiste na aplicação de uma camada CIRA em uma rodovia de tráfego muito pesado. Trata-se de uma obra federal de implantação de um pavimento novo, na ampliação da BR 101/RS Lote 3, onde o projeto estrutural do pavimento prevê revestimento asfáltico com espessura de 150mm. Originalmente, este revestimento asfáltico seria executado em 3 camadas asfálticas idênticas (50mm cada), dosadas com a Faixa IV B do Instituto de Asfalto, utilizando-se CAP 50/70. Assim sendo, o estudo piloto nesta rodovia consistiu na aplicação do conceito Rich-bottom Pavement, onde se buscou uma camada de rolamento resistente à deformação permanente (50mm), uma camada intermediária (50mm) e na parte inferior, a adoção da CIRA (50mm), visando ganhos de durabilidade na fadiga. Dosagens das misturas asfálticas Tendo-se em vista o contrato da obra, em todas as camadas foi utilizado o CAP 50/70. Com relação aos agregados minerais, foi utilizado um basalto da região com boas qualidades de origem, já em exploração pela empreiteira responsável, com britadores terciários centrífugos, visando adequação de forma. As dosagens foram realizadas com compactador giratório Superpave, segundo metodologia AASHTO M 323/04. Para cada camada asfáltica, assumiu-se os seguintes critérios: Revestimento 1 (camada de rolamento): mistura asfáltica com comportamento graúdo sob o ponto de vista do Método de Bailey, com forte contato agregado graúdo agregado graúdo, adição de cal hidratatda CH-1, N des = 100 giros e porcentagem de vazios de projeto de 4,0%; Revestimento 2 (camada intermediária): mesmo esqueleto pétreo da camada de rolamento, mesma energia de compactação, porém sem a adição de cal hidratada CH-1 e porcentagem de vazios de projeto também de 4,0%; Revestimento 3 (CIRA): esqueleto pétreo de comportamento fino segundo Método de Bailey, sem cal hidratada, N des = 75 giros e porcentagem de vazios de projeto de 4,0%. Nas duas camadas superiores, em decorrência da alta lamelaridade do agredado miúdo, foi necessária a colocação de uma pequena fração de areia natural nas misturas para a redução da porcentagem de vazios e conseqüentemente do teor de ligante. Na CIRA, apesar do menor contato entre os agregados graúdos, esta areia foi removida, permitindo a inserção de maior quantidade de ligante asfáltico para a obtenção da porcentagem de vazios de projeto,
7 visando maior vida de fadiga. Dentro deste contexto, optou-se por não seguir rigorosamente as especificações do Texas DOT, uma vez que, dados os agregados disponíveis, não seria possível fazer uma curva granulométrica com de 9,5mm, similar à recomendada, tão pouco utilizar N des = 50 giros, já que com 75 giros o teor de ligante foi elevado, mesmo para 4,0% de vazios, ao invés dos 2,0% sugeridos pela literatura. Na Tabela 2 são apresentadas as proporções dos agregados e as distribuições granulométricas das 3 misturas projetadas e na Tabela 3 as suas respectivas propriedades volumétricas, juntamente com os resultados dos ensaios de dano por umidade induzida (AASTHO T 283) e CDI (Nascimento, 2008). Tabela 2. Proporções dos agregados que compõem os esqueletos pétreos Mistura Asfáltica Proporções, % Brita 1 Brita 0 Pó-de-pedra Areia Passaia Cal CH-1 Camada de Rolamento 38,0 24,0 31,0 5,5 1,5 Camada Intermediária 38,0 25,0 31,0 6,0 0,0 CIRA 33,0 17,0 50,0 0,0 0,0 Distribuições granulométricas % Passante Peneira, mm Camada de Rolamento Camada Intermediária CIRA 25,0 100,00 100,00 100,00 19,0 98,75 98,75 98,91 12,5 78,61 78,61 81,42 9,5 66,26 66,26 70,70 4,75 45,59 44,92 55,08 2,0 28,54 27,55 34,50 1,18 23,52 22,53 26,49 0,6 18,74 17,75 18,79 0,3 15,12 14,12 13,09 0,15 9,51 8,30 8,14 0,075 4,58 3,18 4,86 Observando-se os dados da Tabela 3, percebe-se que houve um aumento gradual do teor de ligante nas camadas Intermediária e CIRA, estando estes valores a favor das condições para as quais cada camada foi projetada. O Texas DOT recomenda VAM mínimo do 16,0% para a CIRA, porém, como não foi utilizado mistura com tamanho máximo nominal de 9,5mm (utilizou-se 19mm), o VAM está relativamente elevado, tendo-se em vista os resultados das outras misturas de mesmo tamanho máximo nominal. Com relação ao CDI, verifica-se que as camadas de rolamento e intermediária possuem valores elevados (boa estabilidade), enquanto que a CIRA possui valor reduzido, porém acima do limite mínimo de 50 recomendado por Nascimento (2008).
8 Tabela 3. Parâmetros volumétricos, dano por umidade induzida e CDI das misturas Parâmetros Camada de Camada Rolamento Intermediária CIRA Teor de ligante de projeto, % 4,6 4,9 6,4 Porcentagem de vazios, % 4,0 4,0 4,0 VAM, % 13,0 13,2 15,2 RBV, % 66,0 68,0 74,0 Relação Pó Betume (RPB) 1,2 0,8 1,0 %G N ini 86,0 86,6 86,0 CDI Densidade máxima da mistura (G mm ) 2,453 2,452 2,412 Densidade aparente da mistura (G sb ) 2,355 2,354 2,315 Dano por umidade induzida RRT** 0,97 0,86 0,78 ** - Foi adicionado 0,1% de Betudope Master Ipiranga no ligante asfáltico. Ensaios mecânicos O propósito dos ensaios mecânicos neste trabalho foi caracterizar o comportamento das misturas asfálticas em termos de rigidez, deformação permanente e fadiga. Tendo isso em vista, foram realizados os seguintes testes nas misturas asfálticas: Ensaio uniaxial para determinação do módulo dinâmico a 25 C e 60 C, segundo norma AASHTO TP Determining Dynamic Modulus of Hot-Mix Asphalt Concrete Mixtures; Ensaio uniaxial de carga repetida, a 60 C, para determinação do Flow Number (FN), de acordo com recomendações de Nascimento (2008); e Ensaio diametral para determinação da vida de fadiga, a 25 C, sob controle misto, conforme descrito a seguir. Os ensaios de fadiga foram realizados em CPs cilíndricos através de carregamentos diametrais (tração indireta). Os CPs foram moldados no SGC, tendo diâmetro de 100mm e altura em torno de 63mm, sendo o seu volume de vazios de 5,5% ± 0,5%. Durante o seu preparo foi adotado o mesmo condicionamento dos CPs preparados durante a dosagem e para os ensaios uniaxiais. Os testes foram realizados na temperatura de 25 C, sendo o carregamento com controle misto, do tipo haversine, com pulsos de deformação de 0,1 segundo e repouso de 0,9 segundos. Foram utilizados dois níveis de deformação: 300 e 600 microstrains, sendo que em cada um deles foram ensaiados pelo menos dois CPs, de acordo com a dispersão dos resultados. Assim sendo, durante todo o teste a amplitude do pico de deformação foi mantida constante, sendo considerado o final do ensaio o ciclo N no qual a rigidez do CP se reduzia em 50%, sendo este critério o comumente utilizado em ensaios de fadiga com deformação controlada (Di Benedetto et al., 2006). Para maiores detalhes sobre este ensaio pode-se consultar Nascimento et al. (2010).
9 Análise mecanística do pavimento O objetivo desta etapa foi modelar o comportamento dos pavimentos em termos de tensões e deformações, visando prever os esforços críticos nas diferentes camadas do revestimento asfáltico. Primeiramente, foi feito um levantamento climático da localidade, considerando-se um histórico de 5 anos, com o qual foi possível obter as temperaturas máximas (deformação permanente) e médias (fadiga) das diferentes camadas do revestimento asfáltico. Juntamente com os dados climáticos, foi utilizado o modelo de Rodrigues (1997) para a previsão das temperaturas no interior do pavimento, baseado nas temperaturas do ar e da superfície, conforme apresentado na Equação 1. [ ] ( ) ( ) ( 0, , X ) X T x = TSUP + TSUP TAR 1 e (1) Onde: T(x) = temperatura na profundidade x do pavimento, em C; T SUP = temperatura da superfície do pavimento, em C; T AR = temperatura do ar, C x = profundidade no revestimento onde ser quer conhecer a temperatura, em cm. Com as temperaturas obtidas e utilizando-se os dados mecânicos das subcamadas da estrutura do pavimento (obtidas por retroanálise), fez-se uma análise mecanística utilizando-se o sistema Sispav (Franco, 2007), que entre outras funcionalidades, permite a avaliação de estruturas de pavimento com camadas múltiplas, segundo formulação matemática oriunda da teoria da elasticidade. O carregamento utilizado foi o do eixo rodoviário padrão brasileiro (8,2 toneladas), com pressão de inflação dos pneus de 5,6kg/cm 2. Desta forma, pôde-se determinar os esforços atuantes nos revestimentos asfálticos, levando-se em conta diferentes temperaturas críticas, concluindo-se assim quais camadas deveriam ser projetadas para resistir à deformação permanente (além da camada de rolamento) e quais deveriam ter maior resistência à fadiga. Na Figura 2 apresenta-se um esquema com as tensões e deformações calculadas. Nota-se, na Figura 2, que na cor verde estão representadas as tensões de cisalhamento no plano vertical, calculadas sob a borda do pneu em diferentes profundidades, para a condição de temperatura máxima das camadas, uma vez que estes esforços são críticos para a formação da trilha de roda (deformação permanente). Ressalta-se que apesar das temperaturas máximas não ocorrerem simultaneamente nas três camadas de revestimento asfáltico, para fins de cálculo adotou-se esta condição, por ser a mais crítica. Na cor vermelha estão representadas as deformações de tração, que são as responsáveis pelos danos de fadiga. Neste caso, a temperatura utilizada nos cálculos foi a média nas camadas (temperaturas intermediárias). Apesar das deformações de tração estarem representadas na parte inferior (por serem os pontos onde normalmente são máximas), as mesmas foram verificadas em todas as profundidades.
10 Figura 2. Tensões e deformações calculadas na análise mecanística deste estudo RESULTADOS E ANÁLISES Ensaios mecânicos Na Tabela 4 encontram-se os valores de Flow Number a 60 C das 3 misturas asfálticas projetadas. Os resultados de Flow Number foram obtidos a partir da média de 3 corpos-de-prova ensaiados no teor de ligante de projeto. Tabela 4. Flow Number das misturas asfálticas Parâmetro Camada de Camada Rolamento Intermediária CIRA Flow 60 C e 204kPa, ciclos Com relação aos resultados de Flow Number, a camada de rolamento foi a que apresentou o melhor valor, muito próximo do recomendado para rodovias com tráfego muito pesado (>700 ciclos). Vale ressaltar que este valor é ótimo, tendo-se em vista que o ligante asfáltico utilizado na dosagem é um CAP 50/70 REPAR com PG Os resultados de Flow Number das outras camadas foram menores, contudo as mesmas estarão sujeitas a menores temperaturas máximas. No próximo item a estabilidade dessas camadas será analisada, levando-se em conta as tensões cisalhantes, temperaturas e Flow Number. Na Tabela 5 estão os resultados de módulo dinâmico a 25 C e 60 C, juntamente com os respectivos valores de ângulo de fase. Ressalta-se que os mesmos foram obtidos a partir da média dos resultados de 3 corpos-de-prova moldados no teor de ligante de projeto.
11 Tabela 5. Resultados de módulo dinâmico e ângulo de fase a 25 C e 60 C Freqüência, Temperatura, Camada de Rolamento Camada Intermediária CIRA Hz C E*, MPa δ, E*, MPa δ, E*, MPa δ, , , , , , , , , , , , ,6 0, , , ,6 0, , , , , , , ,8 295,3 23, , ,0 229,9 20,4 206,4 18, , ,4 119,1 13,6 0, , , ,9 0, ,4 17, , ,2 * E* módulo dinâmico; δ - ângulo de fase Tendo-se em vista, por conta da análise mecanística, a necessidade de conhecer os módulos dinâmicos em temperaturas diferentes das ensaiadas, foram construídas curvas mestras de módulo dinâmico utilizando-se o princípio da superposição tempo-temperatura. O modelo utilizado foi a função sigmoidal apresentada na Equação 2, baseada no trabalho de Bonaquist e Christensen (2004), usando os shift factors oriundos da equação de Arrhenius. δ log( E*) = δ (2) ( Max ) + E a 1 1 β + γ log( t) 19,14714 T Tr 1 + e Onde: E* - módulo dinâmico, MPa; t tempo de carregamento, segundos; T temperatura, K; T r temperatura de referência, K; Max módulo limite máximo; δ, β, γ e E a parâmetros de regressão. Contudo, por terem sido feitos ensaios apenas em duas temperaturas (25 C e 60 C), os valores de módulo dinâmico obtidos a partir das curvas mestras só serão válidos (precisos) quando forem para esta faixa de temperatura. Na Tabela 6 são apresentados o módulo máximo (Max) e as constantes de regressão (δ, β, γ e E a ) obtidos para as curvas mestras das 3 misturas asfálticas, na temperatura de referência de 35 C. Na Figura 3 são apresentadas as curvas mestras.
12 Tabela 6. Módulo máximo e constantes de regressão das curvas mestras Parâmetros Camada de Rolamento Camada Intermediária CIRA Max, MPa δ 1, , ,69552 β -0, , ,28625 γ 0, , ,62344 E a E*, MPa Frequência, Hz CIRA Intermediária Rolamento Figura 3. Curvas mestras das misturas asfálticas na temperatura de referência de 35 C Diante das curvas mestras apresentadas, pôde-se então determinar os módulos dinâmicos das misturas asfálticas nas suas respectivas temperaturas de projeto. Na Tabela 7 são mostrados os seus valores, com os respectivos shift factors. Aproveitou-se a Tabela 7 para apresentar os valores de coeficiente de Poisson estimados, os quais serão utilizados posteriormente nas análises mecanísticas. Na Figura 4 são apresentados os resultados dos ensaios de fadiga sob controle misto. Para a determinação das temperaturas de projeto, a temperatura máxima do ar foi calculada a partir da média das máximas de 7 dias consecutivos, obtidas em banco de dados com histórico de 5 anos, com grau de confiabilidade de 98%. As análises de dano por fadiga foram feitas a 25 C, seguindo recomendações de Medina e Motta (2005). Analisando-se a Figura 4, observa-se que nas deformações menores a vida de fadiga da CIRA está muito superior do que a da camada intermediária, sendo que em 300 microstrains a durabilidade da camada inferior chega a ser 5 vezes maior. Somando este resultado a maior resistência ao envelhecimento da camada com mais ligante, fica evidente o grande ganho de desempenho a fadiga obtido para este material. A camada de rolamento não foi ensaiada na fadiga, por tratar-se de um material que não estará submetido aos esforços de tração por flexão, conforme demonstrado na análise mecanística a seguir.
13 Camada Tabela 7. Módulos dinâmicos obtidos a partir das curvas mestras Deformação Permanente Módulo Temperatura de Log(α(t)) 5Hz, projeto MPa Coeficiente de Poisson estimado Revestimento 1 60 C -2, ,45 Revestimento 2 52 C -1, ,45 Revestimento 3 48 C -1, ,40 Fadiga Camada Temperatura Log(α(t)) Módulo 10Hz, MPa Coeficiente de Poisson estimado Revestimento 1 25 C 0, ,30 Revestimento 2 25 C 1, ,30 Revestimento 3 25 C 1, ,30 * - α(t) shift factor y = 2E+11x R 2 = N y = x R 2 = CIRA Intermediária 1000 Análises mecanísticas Deformação, microstrains Figura 4. Resultados dos ensaios de fadiga sob controle misto De acordo com as análises mecanísticas realizadas, a tensão cisalhante máxima no plano vertical ocorre na camada intermediária, na profundidade de 63mm (Revestimento 2). Nas camadas de rolamento e inferior (Revestimentos 1 e 3, respectivamente) o valor máximo está nas respectivas partes superiores. Na Tabela 8 estão os valores máximos das tensões cisalhantes e das deformações de tração obtidos nas diferentes camadas.
14 Tabela 8. Tensões cisalhantes e deformações de tração máximas nas camadas Tensões Cisalhantes Máximas (Deformação Permanente) Camada Profundidade, mm τ max, kpa Revestimento 1 0,1 161 Revestimento Revestimento Deformações de Tração Máximas (Fadiga) Camada Profundidade, mm ε t max, microstrain Revestimento 1 50 (fibra inferior) - 6,0 (compressão) Revestimento (fibra inferior) 55,0 Revestimento (fibra inferior) 121,0 Nota-se, na Tabela 8, que as deformações indicam que na camada de rolamento os esforços são predominantemente de compressão, apontando que a mesma não terá problemas de fadiga por flexão. Nas camadas inferiores a deformação crítica é no Revestimento 3, indicando que o mesmo deve ser projetado para resistir às maiores deformações de fadiga (Rich-bottom Pavement), ou seja, sendo adequada a adoção da CIRA. Analisando-se as curvas de fadiga da Figura 4, assumindo-se a camada intermediária como referência e levando-se em conta as deformações de tração apresentadas na Tabela 8, verifica-se um aumento na vida de fadiga do pavimento de pelo menos 4 vezes. Contudo, as tensões cisalhantes são elevadas nas camadas inferiores, e mesmo tendo temperaturas críticas mais baixas, torna-se importante uma análise da sua estabilidade. Para a análise da deformação permanente nas 3 camadas, foi utilizado um procedimento mecanístico-empírico simplificado, onde os valores de Flow Numbers são convertidos para as temperaturas e tensões cisalhantes máximas determinadas nas temperaturas críticas (Tabela 8). Os Flow Numbers foram determinados neste estudo através da aplicação de uma tensão vertical de 204kPa, sem confinamento, o que resulta numa tensão cisalhante máxima (τ max ) de 102kPa durante o ensaio. Utilizando-se o procedimento desenvolvido por Sullivan (2002), esses Flow Numbers determinados a 204kPa (τ max = 102kPa) foram convertidos para Flow Numbers em tensões verticais equivalentes ao cisalhamento máximo de cada camada (FN σ ). Após esta conversão de tensão, foi utilizado o princípio da superposição tempo-temperatura para se encontrar os Flow Numbers na temperatura máxima da mistura no pavimento (FN σt ). Este procedimento também foi baseado nos estudos de Sullivan (2002), onde a partir dos shift factors (α(t)) da curva mestra do módulo dinâmico podem ser obtidos os shift factors para o deslocamento do Flow Number. As Equações 3 e 4 apresentam os modelos para a conversão de tensão do Flow Number, enquanto que as Equações 5 e 6 relacionam-se com o deslocamento do mesmo na temperatura. log( FN )0, ,71385) ( e + 1) log( σ ) 4,34383 = log( FN )0, ,71385) 1, ( e + 1) δ (3)
15 1,30118( δ ) + 4,34383 ln 1 + 0,71385 log( 1) log( ) σ δ FN = σ (4) 0, α ( ) = 0,0423α ( t) + 0,8367α ( t) (5) t FN log( FNσt ) = log( FNσ ) log( α( t) FN ) (6) Onde: δ - tensão de dano mínima; FN Flow Number; FN σ - Flow Number convertido para uma determinada tensão vertical σ 1 ; σ - tensão vertical ensaiada (204kPa) σ 1 tensão vertical para a qual se deseja converter o Flow Number; α(t) FN shift factor do Flow Number; α(t) shift factor da curva mestra de módulo dinâmico; FN σt Flow Number convertido para um par tensão vertical temperatura. Na Tabela 9 são apresentadas as tensões cisalhantes máximas em cada camada do pavimento (τ max ), as tensões verticais equivalentes de ensaio (σ 1 ), juntamente com os resultados de Flow Number a 60 C e 204kPa (FN) e de Flow Number convertido para as condições de tensão e temperatura de cada camada (FN σt ). Tabela 9. Flow Numbers convertidos Camada τ max, kpa σ 1, kpa Temperatura máxima, C 60 C e 204kPa, ciclos T max e σ 1, ciclos Revestimento Revestimento Revestimento Observando-se a Tabela 9, percebe-se que a camada inferior (Revestimento 3 CIRA), apesar de ser a de menor Flow Number ensaiado, por conta de seu diferenciado esqueleto pétreo e maior quantidade de ligante asfáltico, quando analisada nas condições de tensão e temperatura no pavimento foi a que apresentou o maior Flow Number convertido, indicando que a mesma não deverá apresentar problemas de estabilidade. Verifica-se que o Flow Number convertido do Revestimento 2 (camada intermediária) está adequado, apesar da mistura ter Flow Number de ensaio reduzido e estar submetida a tensões mais elevadas na estrutura do pavimento (menor temperatura). Assim sendo, a camada crítica para a deformação permanente continua sendo a de rolamento, contudo seu Flow Number a 60 C está elevado (próximo de 700 ciclos), indicando que a mesma não terá problemas de afundamento.
16 CONSIDERAÇÕES FINAIS Os dados apresentados na revisão bibliográfica, os procedimentos experimentais e os resultados obtidos indicam boas perspectivas na aplicação do conceito Rich-bottom Pavement. Mesmo não sendo seguida rigorosamente a especificação do Texas DOT para camadas de fadiga (CIRA), a mistura asfáltica projetada para este fim apresentou vida de fadiga muito superior a da mistura de referência, fato que foi confirmado no ensaio com controle misto. Por outro lado, tendo-se em vista o pavimento piloto estudado neste trabalho, a camada de rolamento pôde ser projetada para ter maior rigidez e resistência à deformação permanente, sem prejuízo do comportamento quanto à fadiga. Ainda, as análises paramétricas efetuadas com o Flow Number nas camadas intermediária e CIRA permitiram verificar que a menor resistência destas misturas na deformação permanente não deverá comprometer o desempenho do pavimento em termos de formação de trilhas de roda. A concepção mecanística e os projetos de dosagem aqui propostos foram integralmente aplicados no pavimento em estudo. As camadas de rolamento e intermediária foram compactadas visando-se um grau de compactação mínimo de 96% (máximo de 8,0% de vazios), enquanto que para a CIRA exigiu-se grau de compactação na faixa 97% - 99% (vazios iniciais entre 5,0% e 7,0%). Atualmente o pavimento está em serviço, estando submetido ao tráfego extremamente pesado da rodovia. Após o primeiro verão (dezembro 2009 a março 2010), crítico para a deformação permanente e demais defeitos associados a este processo, o revestimento asfáltico encontra-se em perfeito estado, não sendo verificados processos de formação de trilhas de roda, indicando que as premissas assumidas no projeto se confirmaram em campo. Contudo, tendo-se em vista que o trincamento por fadiga é um defeito de mais longo prazo, só o monitoramento do trecho ao longo dos anos é que permitirá aferir em campo os ganhos obtidos quando do uso da CIRA. REFERÊNCIAS DI BENEDETTO, H., DE LA ROCHE, C. State of the Art on Stiffness Modulus and Fatigue of Bituminous Mixtures, RILEM Report 17, p , FRANCO, F. A. C. P. Método de Dimensionamento Mecanístico-empírico de Pavimentos Asfálticos, Tese de Doutorado COPPE/UFRJ, HARVEY, J. T., DEACON, J. A., TSAI, B., MONISMITH, C. L. Fatigue Performance of Asphalt Concrete Mixes and Its Relationship to Asphalt Pavement Performance in California, Report CALTRANS, NASCIMENTO, L. A. H., CHACUR, M., ROCHA, S. M. N., FRITZEN, M. A. Novo Ensaio de Compressão Diametral de Controle Misto para a Caracterização do Dano por Fadiga em Misturas Asfálticas. 20 Encontro de Asfalto do IBP, 2010.
17 NASCIMENTO, L. A. H. Nova abordagem da dosagem de misturas asfálticas com compactador giratório e foco na deformação permanente. Dissertação de Msc., COPPE/UFRJ, MEDINA, J.; MOTTA, L. M. G. Mecânica dos Pavimentos. 2ª Edição, Editora UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, ROBINETTE, C., WILLIANS, R. C. The effects os testing history and preparation method on the Superpave Simple Performance Test. In: Journal of Association of Asphalt Paving Technologists, Vol. 75, pp , Savannah, Georgia, EUA, SULLIVAN, B. Development of Flow Number and Flow Time Candidate Simple Performance Test for Asphalt Mixtures, Dissertação de Msc., Arizona State University, TEXAS DEPARTMENT OF TRANSPORTATION. Standard Specifications for Construction and Maintenance of Highways, Streets and Bridges, WITCZAK, M. W., KALOUSH, K., PELLINEN, T. Simple Performance Test for Superpave Mix Design, National Cooperative Highway Research Program NCHRP Report 465, Washington, D.C., 2002.
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