N/Referência: P.º C.Bm. 4/2017 STJ-CC Data de homologação:
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- Marco Antônio Aurélio Borba Vieira
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1 DIVULGAÇÃO DE PARECER DO CONSELHO CONSULTIVO N.º 21/ CC /2017 N/Referência: P.º C.Bm. 4/2017 STJ-CC Data de homologação: Consulente: Departamento de Gestão e Apoio Técnico-Jurídico aos Serviços de Registo - Setor Técnico-Jurídico dos Serviços de Registo. Assunto: Palavras-chave: Registo de locação financeira sobre veículo Contrato de locação financeira que tem por objeto veículo novo, isto é, veículo que não tenha sido matriculado. Locação financeira Veículo novo Matrícula. PARECER Relatório Na sequência de comunicação efetuada pela Associação Portuguesa de. ao IRN, I.P., onde se dá conta que determinadas conservatórias de registo de veículos recusam pedidos de registo de locação financeira com o fundamento de que a data da matrícula do veículo é posterior à data do contrato; que nos contratos de locação financeira a atuação normal das instituições financeiras [...] é de apenas desencadearem a encomenda dos bens após o pedido de financiamento, por parte do locatário, estar devidamente formalizado ; mas que o contrato já contempla a marca, o modelo e, frequentemente, a cor do veículo a adquirir ; e, mais recentemente, que como todos os contratos têm uma cláusula segundo a qual o contrato produz efeitos a partir da data de receção de todos os documentos, Auto de Receção incluído ; e que o Auto de Receção é o documento onde o locatário confirma que recebeu o bem; se sugere que o Auto de Receção acompanhe o contrato de locação financeira aquando do registo, como forma de obviar à referida qualificação, uma vez que este documento contém a matrícula do veículo e o contrato só produz efeitos a partir da data do mesmo. Atendendo ao impacto da problemática e da sua possível solução solicitou-se a apreciação da questão jurídica ao Conselho Consultivo. É que procuraremos fazer, em termos abstratos, na medida em que, como inúmeras vezes afirmámos, no exercício da sua função de qualificação, o conservador, que tem de ser um jurisperito competente, com a adequada formação, preparação e especialização, deve observar o princípio da legalidade e decidir de forma independente, 1/6
2 com autonomia funcional, isenção e liberdade na apreciação dos factos que visam a publicitação dos direitos, pois só desse modo será possível garantir que os direitos são devida e adequadamente inscritos e que o Registo cumpre os seus fins [artigo 1.º do Registo da Propriedade Automóvel (RPA)]. Pronúncia 1. A disciplina do contrato de locação financeira resulta essencialmente do Regime Jurídico da Locação Financeira (RJLF) instituído pelo Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho 1. De acordo com o respetivo artigo 1.º, Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados É um contrato de adesão, querendo significar que as cláusulas contratuais se encontram pré-elaboradas pelo locador, limitando-se o locatário a elas aderir que contém, normalmente, as condições particulares, na sua frente e as condições gerais, no seu verso; e um contrato bilateral, de onde nascem determinados elementos constitutivos: a indicação da coisa, a comprar ou a construir, por parte do locatário; o dever de aquisição da coisa ao fornecedor/vendedor que incumbe ao locador; o dever de o locador conceder temporariamente o gozo da coisa ao locatário; a obrigação de o locatário pagar uma renda; e a faculdade de aquisição da coisa locada no termo do contrato pelo locatário Face ao teor do disposto no artigo 2.º, n.º 1, do RJLF, que não restringe o leque de coisas a locar, antes estabelece que a locação financeira pode ter como objeto quaisquer bens suscetíveis de serem dados em locação, 1 Com as alterações operadas pelo Decreto-Lei n.º 265/97, de 2 de outubro, pelo Decreto-Lei n.º 285/2001, de 3 de novembro e pelo Decreto-Lei n.º 30/2008, de 25 de fevereiro. 2 Cfr. FERNANDO DE GRAVATO MORAIS, Manual da Locação Financeira, 2.ª Ed., Coimbra: Almedina, 2011, pp e O contrato de locação financeira envolve, habitualmente, a intervenção de três sujeitos distintos: o locador financeiro (instituições de crédito, instituições financeiras de crédito ou sociedades de locação financeira); o locatário financeiro, que pode ser qualquer pessoa, singular ou coletiva, com capacidade de gozo e exercício de direitos; e o fornecedor, que será normalmente uma empresa cuja atividade principal ou secundária consiste na produção ou venda de bens. Cfr. FERNANDO DE GRAVATO MORAIS, cit., pp Para RUI PINTO DUARTE, em O Contrato de Locação Financeira Uma Síntese, Themis Revista da Faculdade de Direito da UNL, Ano X N.º , Coimbra: Almedina, 2011, p. 152, embora habitualmente se caracterize a locação financeira como operação tripartida, os sujeitos do contrato de locação financeira são apenas dois: a entidade locatária e o locador. 2/6
3 os bens móveis, objeto de locação financeira, podem ser, designadamente, veículos. Estaremos perante um tipo de locação financeira mobiliária No âmbito da formação do contrato de locação financeira, FERNANDO DE GRAVATO MORAIS, analisando-o como um contrato que se prolonga sucessivamente no tempo, dá-nos uma sugestiva imagem do que ocorre, em regra: Em princípio, o interessado na celebração do contrato de locação financeira efetua previamente um contacto com o fornecedor e escolhe a coisa a locar, assim como define as condições da sua aquisição pelo (futuro) locador. Posteriormente, dirige uma proposta de financiamento em documento elaborado pela própria instituição de crédito, o qual se encontra algumas vezes até na posse do fornecedor. Tal proposta de financiamento não só identifica o potencial locatário financeiro (designado proponente) e o eventual fornecedor, como também descreve com precisão o objeto cujo gozo irá ser concedido e as condições de financiamento pretendidas. Para além destes dados, há informações de cariz diverso relativas ao património, aos rendimentos mensais, às referências bancárias do proponente, sem descurar o cônjuge e eventuais garantes. Juntamente com o documento, segue em anexo uma fatura pró-forma que discrimina os dados do específico fornecedor e identifica com detalhe a coisa (v.g., no caso de um automóvel, o tipo, a categoria, a marca e o modelo, com indicação do respetivo preço com e sem IVA, e eventualmente os extras pretendidos). Esta proposta é então avaliada pela instituição de crédito em particular os aspetos relativos à solvência do proponente, sem descurar os dados relativos ao próprio vendedor que emitirá em seguida um parecer. [...] Aceitando os contornos da operação, a instituição de crédito, que dispõe de formulários por si elaborados previamente donde constam no verso do documento as condições gerais e na sua frente as condições particulares apresenta-os ao interessado para que se proceda ao preenchimento dos dados e à respetiva assinatura. Esta fase culmina, portanto, com a subscrição do contrato de locação financeira Prosseguindo, no que concerne à forma do contrato, no caso de estarmos perante um bem móvel sujeito a registo, como um veículo, o contrato deve ser celebrado por escrito, devendo a assinatura das partes conter a indicação, feita pelo respetivo signatário, do número, data e entidade emitente do bilhete de identidade ou documento equivalente emitido pela autoridade competente de um dos países da União Europeia ou do passaporte. É o que dispõe o artigo 3.º, n.º 4, do RJLF 4. 4 A intervenção no contrato de pessoas coletivas necessita da verificação dos poderes de representação de quem outorga nessa qualidade, sob a forma de reconhecimento de assinatura por semelhança com menções especiais. Cfr. artigo 9.º do Regulamento do Registo Automóvel e MARIA JOSÉ MAGALHÃES DA SILVA, Registo da Propriedade de Veículos, Legislação e Notas Práticas, Lisboa: Quid Juris, 2016, p /6
4 1.5. Resulta ainda do n.º 5, do artigo 3.º, do RJLF que a locação financeira de bens móveis sujeitos a registo, bem como a locação financeira de bens imóveis, fica sujeita a inscrição no registo competente Por conseguinte, o artigo 5.º, n.º 1, alínea d), do RPA determina que está sujeito a registo o contrato de locação financeira e a transmissão dos direitos dela emergentes. Trata-se de um registo obrigatório (artigo 5.º, n.º 2, do RPA), o qual deve ser requerido no prazo de 60 dias a contar da data do facto [artigo 42.º do Regulamento do Registo de Automóveis (RRA)] 5 e instruído com o respetivo contrato [cfr. artigo 43.º do Código do Registo Predial (CRP), aplicável ex vi do artigo 29.º do RPA] Relativamente ao prazo de duração do contrato, rege o artigo 6.º: o contrato de locação financeira não pode ter duração superior a 30 anos, considerando-se reduzido a este limite quando superior; não havendo estipulação de prazo, no caso de bens móveis, o contrato considera-se celebrado pelo prazo de 18 meses Por força da regra geral expressa no artigo 8.º, n.º 1, do RJLF, o contrato de locação financeira, formal e substancialmente válido, produz efeitos a partir da data da sua celebração. Contudo, estamos perante uma norma de natureza supletiva, na medida em que o n.º 2 permite que as partes condicionem o início da vigência do contrato a quaisquer factos, designadamente, à sua construção, quando seja caso disso; à sua tradição a favor do locatário; ou à efetiva aquisição pelo locador do bem Na verdade, comummente, à data da conclusão do contrato de locação financeira, o locador ainda não é proprietário do bem [cfr. artigo 9.º, n.º 1, a) do RJLF], pelo que o mesmo é dado em locação como um bem futuro. 2. De todo o complexo normativo respeitante ao registo de veículos, ou mais especificamente, da conjugação das normas contidas nos artigos 2.º e 3.º do RPA, no artigo 35.º, n.º 1, b), do RRA, e dos artigos 2.º, 3.º e 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 178-A/2005, de 28-10, resulta claramente a impossibilidade de se efetuar um registo sobre um veículo sem a prévia atribuição da respetiva matrícula. Por conseguinte, para efeitos de registo, há uma declarada obrigatoriedade de matrícula dos veículos, que, assim, os identifica O procedimento para atribuição de matrícula dos veículos a motor e reboques, bem como da emissão dos respetivos documentos de identificação, é da competência do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I. P. (IMT), 5 Como é sabido, o registo requerido fora do prazo está sujeito a agravamento emolumentar, nos termos previstos no artigo 25.º, n.º 1.8, do Regulamento Emolumentar dos Registos e do Notariado. 6 Afirma a doutrina que, verificando-se uma destas situações, o negócio deve entender-se celebrado sob condição suspensiva. Cfr. JOÃO CALVÃO DA SILVA, Locação Financeira e Garantia Bancária, Estudos de direito comercial: pareceres, Coimbra: Almedina, 1999, p. 127 e FERNANDO DE GRAVATO MORAIS, cit., p /6
5 nos termos do disposto na alínea h) do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 44/2005 de 23-02, norma que contém as outras competências da Direção-Geral de Viação O artigo 117.º do Código da Estrada (CE), por sua vez, dispõe sobre a obrigatoriedade de matrícula para que os veículos a motor e seus reboques possam circular, estatuindo (n.º 4) que a matrícula do veículo deve ser requerida à autoridade competente pela pessoa, singular ou coletiva, que proceder à sua admissão, importação ou introdução no consumo em território nacional. 3. Em face da questão jurídica apresentada, hipóteses haverá em que o contrato de locação financeira celebrado entre o locador e o locatário incide sobre veículo novo, isto é, veículo que não tenha sido matriculado, mas que, segundo compreendemos, se encontrará perfeitamente identificado no contrato 9. Ora, considerando que para efeitos de registo o veículo já tem de estar matriculado, dúvidas não há de que, aquando do pedido de registo de locação financeira, do requerimento de registo automóvel tem de constar, no campo referente ao veículo, a matrícula portuguesa 10, de série nacional, atribuída pelo IMT No caso de as partes terem efetivamente condicionado o início da vigência do contrato a quaisquer factos, nomeadamente, à sua tradição a favor do locatário; à efetiva aquisição pelo locador do bem; ou até à existência de toda a documentação, identificável, referente ao veículo, para além de o pedido de registo dever ser instruído com o contrato de locação financeira, tem de ser junto o documento comprovativo da verificação da condição suspensiva, de forma a comprovar-se, para o registo, que os efeitos do negócio se produziram Se o contrato de locação financeira produzir efeitos a partir da data da sua celebração, o contrato de locação financeira será o documento essencial para registo. 7 Com o Decreto-Lei n.º 147/2007 de foi criado o Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, Instituto Público (IMTT, I. P.). Por força do artigo 16.º do referido diploma, o IMTT, I. P., sucedeu nas atribuições da Direcção-Geral dos Transportes Terrestres e Fluviais e do Instituto Nacional de Transporte Ferroviário, que se extinguiram, e ainda da Direção-Geral de Viação em matéria de condutores e de veículos. O Decreto-Lei n.º 126-C/2011, de 29 de dezembro, procedeu, entre o mais, à reestruturação do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I. P. (IMTT, I. P.), que passou a designar-se Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I. P. (IMT, I. P.). O Decreto- Lei n.º 236/2012 de (republicado pelo Decreto-Lei n.º 77/2014 de 14-05) aprovou a orgânica do IMT, I.P., contendo a Portaria n.º 209/2015, de 16-07, os seus estatutos. 8 O Decreto-Lei n.º 128/2006, de 5 de julho, aprovou o Regulamento de Atribuição de Matrícula a Automóveis, Seus Reboques e Motociclos, Ciclomotores, Triciclos e Quadriciclos. Realça-se que, para efeitos do dito Regulamento, matricular é o ato administrativo de registo de um veículo destinado ou autorizado a circular na via pública, efetuado pela entidade competente, que identifique o veículo e estabeleça as suas condições de circulação; veículo matriculado ou veículo usado, o veículo portador de matrícula definitiva, temporária, provisória, de trânsito ou de alfândega; e veículo novo, o veículo que não tenha sido matriculado. 9 Notamos que antes da atribuição da matrícula há outros elementos que permitem individualizar o veículo, como sejam o número do quadro e o número do registo informático da homologação do modelo do veículo (cfr. artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 128/2006). 10 Cfr. artigo 46.º, n.º 3, do Código Civil. 5/6
6 3.3. Em extrema síntese, o contrato de locação financeira mobiliária pode ter por objeto, quer um veículo matriculado ou veículo usado, quer um veículo novo. Neste último caso, para efeitos de registo, o veículo tem de estar matriculado à data do pedido de registo e, no contrato, os elementos identificativos do veículo têm de estabelecer a sua identidade (artigo 68.º do CRP, ex vi do artigo 29.º do RPA). ******* Parecer aprovado em sessão do Conselho Consultivo de 29 de junho de Blandina Maria da Silva Soares, relatora, Maria Madalena Rodrigues Teixeira, António Manuel Fernandes Lopes, Ana Viriato Sommer Ribeiro, Luís Manuel Nunes Martins, Carlos Manuel Santana Vidigal,. Este parecer foi homologado pelo Senhor Presidente do Conselho Diretivo, em /6
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