Profissão professora: a carreira do magistério no Paraná sob a ótica de gênero

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1 Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008 Profissão professora: a carreira do magistério no Paraná sob a ótica de gênero Lindamir Salete Casagrande; Marilia Gomes de CARVALHO (GeTec/PPGTE/UTFPR) i Professores; Matemática; Feminização do Magistério. ST 38 - Ciência, tecnologia e poder: conhecimento e práticas de gênero Introdução Ao direcionar o foco das atenções para a questão de gênero no magistério faz-se necessário ter em mente que esta profissão foi desempenhada inicialmente por homens e a inserção das mulheres encontrou resistência de muitos, pois pensava-se que a presença das mulheres em salas de aula poderia despertar nos meninos a sexualidade. Outros defendiam a presença delas na educação, pois esta atividade representava a continuação da educação dada nos lares pelas mães (LOURO, 2001). Inicialmente, as mulheres sem dono, ou seja, as solteiras e viúvas, foram as aceitas nas escolas e gradativamente, as mulheres foram conquistando cada vez mais espaço como professoras. Este é um estudo preliminar e representa uma das etapas de um estudo maior que será desenvolvido nos próximos anos que buscará entender um pouco mais sobre a educação no Estado do Paraná sob o enfoque de gênero. O objetivo deste artigo é analisar a feminização da carreira do magistério no Estado do Paraná, de modo especial, na matemática. Neste estudo vamos analisar dados sobre o concurso público para o cargo de professor do Estado ocorrido em Nosso foco será a disciplina de Matemática. Embora reconheçamos a localização deste estudo e o fato de que ele pode não representar a realidade de toda a carreira do magistério, entendemos que pode apresentar indícios significativos da direção que esta profissão assume no Estado no que tange as questões de gênero. A seguir serão apresentados três quadros com dados obtidos no site que apresentou o edital e o resultado do concurso. O primeiro apresenta informações sobre todas/os ii as/os professoras/es aprovadas/os na disciplina de Matemática. No segundo, as/os candidatas/os aprovadas/os conforme o número de vagas ofertadas, ou seja, as/os aprovadas/os que irão assumir uma vaga imediatamente e no terceiro quadro, far-se-á uma comparação da disciplina de Matemática com outras disciplinas em dois núcleos de educação (Curitiba e Pato Branco). A aprovação feminina em Matemática no Paraná

2 Analisando os editais com o resultado do concurso foi possível construir o QUADRO 1. Nele pode-se observar as porcentagens de aprovação de homens e mulheres nos diversos Núcleos de Educação na disciplina de Matemática. Os núcleos com maior porcentagem feminina na lista de aprovadas/os são Apucarana, Ivaiporã e Cornélio Procópio com aproximadamente 85%. Em 8 (oito) núcleos as mulheres são mais de 80% das/os aprovadas/os. O núcleo que apresentou a menor porcentagem de mulheres aprovadas foi o da Região Metropolitana Norte com 57,7% e este foi o único núcleo que apresentou porcentagem de mulheres inferior a 60%. A média geral do Estado mostra que as mulheres foram 68.6% das/os aprovadas/os, números estes que podem ser considerados elevados para qualquer disciplina. Entretanto, estes números devem ser analisados com cuidado, pois em estudo realizado anteriormente, CASAGRANDE e CARVALHO (2007) observaram que o curso de licenciatura em Matemática da UFPR (Curitiba) apresentava um número equilibrado de formandos homens e mulheres, diferentemente do que ocorria na UTFPR (Pato Branco) no qual o número de mulheres no curso de Licenciatura em Matemática era bastante superior ao de homens. Assim, ao observar a supremacia feminina na lista de aprovadas/os no concurso pode-se questionar onde estão os homens que estão concluindo o curso de licenciatura na UFPR? Um olhar mais atento ao QUADRO 1 revela que nos Núcleos mais próximos à Capital a diferença entre homens e mulheres diminui, entretanto, a aprovação não é proporcional ao número de formandos (em torno de 50%). Já na região de Pato Branco, a aprovação é proporcional ao número de formandos, pois na UTFPR a porcentagem de mulheres concluintes do curso e licenciatura ficou em torno de 80%, o mesmo ocorrendo com a aprovação nos núcleos vizinhos a esta Cidade (Pato Branco, Francisco Beltrão e Dois vizinhos). Com base nos números do QUADRO 1, podemos observar que as mulheres são maioria em todos os Núcleos. Este fato pode indicar a feminização da carreira e oferece indícios para se pensar que essa tendência deve continuar nos próximos anos levando-se em consideração que o número de aprovadas/os (5742) é bastante superior ao número de vagas ofertadas (1959), gerando assim uma considerável lista de espera por vagas na qual as mulheres são maioria. Quadro 1 total de aprovação em matemática por núcleo e por sexo Núcleos Homens Mulheres Total nh % nm % Apucarana 17 15, ,7 111 Ivaiporã 8 15, ,3 51 Cornélio Procópio 16 15, ,2 101 Pitanga 13 16, ,8 80 Assis Chateaubriant 10 16, ,3 60 Francisco Beltrão 29 16, ,2 172 Jacarezinho 14 19, ,6 72

3 Dois Vizinhos 7 19, ,6 36 Cianorte 13 20, ,7 64 Pato Branco 30 19, ,6 152 Umuarama 20 19, ,8 104 Irati 18 20, ,5 89 Goioerê Paranavaí Wenceslau Braz Telêmaco Borba 21 25, ,2 82 Ponta Grossa 74 26, ,5 277 Maringá 90 27, ,4 326 Ibaiti 12 25, ,3 47 Campo Mourão 51 27, ,3 188 Toledo ,3 287 Cascavel , ,1 333 Loanda 19 32, ,8 59 Laranjeiras 29 31, Londrina , ,7 414 Paranaguá 50 36, ,4 136 Guarapuava 70 35, ,1 195 Região Metropolitana Sul , ,3 366 Curitiba , Foz do Iguaçú , ,9 276 União da Vitória 54 37, ,8 143 Região Metropolitana Norte , ,7 407 Total iii , , Legenda: nh - número de homens; nm - número de mulheres. No QUADRO 2 apresentamos a aprovação de acordo com o número de vagas que foram ofertadas, ou seja, neste quadro temos informações sobre as/os profissionais que irão assumir uma vaga imediatamente. Pode-se observar que este quadro não difere muito do QUADRO 1, ou seja, o número de aprovadas é significativamente superior ao de aprovados. Em alguns Núcleos as mulheres ficam com 100% das vagas ofertadas (Cornélio Procópio e Assis Chateaubriant), em outros como Pato Branco (86,7%) e Francisco Beltrão (85,8%), elas obtiveram mais de 85% das vagas. Convém salientar que Francisco Beltrão é uma cidade vizinha a Pato Branco, ou seja, as/os profissionais aprovadas/os têm boa possibilidade de serem oriundas/os do curso da UTFPR no qual a porcentagem de mulheres concluintes está em torno de 80% (CASAGRANDE e CARVALHO, 2007). São 10 (dez) núcleos nos quais as mulheres obtiveram mais 80% das vagas e 5 (cinco) núcleos nos quais esta porcentagem foi inferior a 60%. Quadro 2 - aprovação de acordo com o número de vagas em matemática por núcleo e por sexo Núcleo Homens Mulheres total nh % nm % Cornélio Procópio Assis Chateaubriant Pato Branco 4 13, ,7 30 Francisco Beltrão 6 14, ,8 42 Wenceslau Braz 7 15, ,8 46 Telêmaco Borba 9 16, ,3 54 Irati 7 17, ,5 36

4 Apucarana Jacarezinho Loanda União da Vitória 4 23, ,5 17 Pitanga 5 23, ,2 21 Dois Vizinhos 4 28, ,4 14 Goioerê 2 28,6 5 71,4 7 Paranavaí 2 28,6 5 71,4 7 Laranjeiras 16 28, ,4 56 Cascavel 28 31, ,2 88 Ivaiporã Ponta Grossa 25 33, ,7 75 Ibaiti 6 37, ,5 16 Toledo 18 37, ,5 48 Curitiba , ,8 304 Paranaguá 20 38, ,5 52 Região Metropolitana Sul , ,5 309 Foz do Iguaçú 65 38, ,7 168 Região Metropolitana Norte , ,3 340 Cianorte Guarapuava 22 41, ,5 53 Campo Mourão 13 46, ,6 28 Maringá 10 47, ,4 21 Londrina 40 48, ,8 83 Umuarama Total iv , Legenda: nh - número de homens; nm - número de mulheres. Com base nestes dois quadros pode-se concluir que a feminização atingiu também a disciplina de Matemática, disciplina esta que alguns/mas autores/as consideram masculina. Walkerdine (1995) argumenta que há pouco incentivo para o interesse das meninas para a matemática, entretanto, com base nestes números, tudo indica que esta situação esta mudando no Paraná. Convém salientar que os homens obtiveram a primeira colocação em 18 núcleos enquanto as mulheres foram as primeiras colocadas em 14 núcleos. Esta pode ser uma disparidade pois se elas são maioria em todas as listas de aprovadas/os, uma possível conseqüência seria que elas obtivessem a maioria das primeiras colocações, e isso não ocorreu. A aprovação por sexo em outras disciplinas Para compreender um pouco mais sobre o que vem ocorrendo com o Magistério no Estado do Paraná fez-se uma comparação da aprovação de homens e mulheres em 12 disciplinas em 2 núcleos, o de Curitiba e o de Pato Branco e os dados são apresentados no QUADRO 3. Escolheu-se as disciplinas mais tradicionais do currículo do ensino fundamental e do médio. Algumas são tradicionalmente conhecidas como femininas e outras são tradicionalmente conhecidas como masculinas. Grifadas em rosa estão as disciplinas nas quais os homens obtiveram melhor desempenho e em azul as disciplinas nas quais as mulheres se saíram melhor v. Observa-se que as disciplinas nas quais os homens e a mulheres se destacaram são as mesmas na Capital e no Interior, porém no interior a presença feminina

5 é maior que na Capital mesmo nas disciplinas com predominância masculina. Em Física a diferença entre homens e mulheres é de aproximadamente 7% em Pato Branco, enquanto em Curitiba fica em torno de 25% a favor dos homens. Em Pato Branco, a única disciplina na qual os homens superam as mulheres foi Física com 53,8%. Em Curitiba a aprovação masculina supera a feminina em duas disciplinas, Informática com 65,7% e Física com 62,1%. As maiores porcentagens femininas foram encontradas em Pedagogia, Português e Inglês, tanto na capital quanto no interior. QUADRO 3 APROVADOS POR DISCILINA E POR SEXO EM CURITIBA E PATO BRANCO Disciplinas Curitiba Pato Branco Homens Mulheres total Homens Mulheres total nh % nm % nh % nm % Biologia , , , ,6 82 Ciências , ,9 111 Educação Física , ,1 118 Física , , , ,2 26 Geografia , , , ,9 203 História , , , ,6 132 Informática 25 65, , ,4 6 54,6 11 Inglês 61 16, , Matemática , , ,6 152 Pedagogia 16 3, , , ,1 521 Português , , , ,4 111 Química 68 31, , Legenda: nh - número de homens; nm - número de mulheres. Chama a atenção o caso da aprovação das mulheres na Matemática que supera disciplinas como Geografia, História e Educação Física em Curitiba e Educação Física e Geografia em Pato Branco, além de Física e Informática anteriormente citadas. Seria a Matemática mais atraente para as mulheres do que Educação Física e Geografia? Esta parece ser uma mudança significativa no que tange ao interesse das mulheres pelas carreiras do magistério no Estado do Paraná, pois, de acordo com a literatura, as mulheres são maioria nas humanidades e minoria nas ciências duras como Física, Matemática e Informática. Segundo a revista eletrônica Comciência a física é uma área que realmente apresenta um número de pesquisadoras e estudantes mulheres bem menor do que de homens. Em 2000, dos estudantes de graduação em física no Brasil, 20% eram mulheres. Considerações finais Os dados do concurso público para o cargo de professores de Matemática no Estado do Paraná mostram que está ocorrendo a feminização desta carreira. Esta conclusão pode ser tomada com base nos dados aqui apresentados. Este resultado converge para os dados do INEP nos quais, a presença

6 feminina nos cursos superiores de Matemática na Região Sul supera a masculina. Em 2001 elas representavam 66,4% das matriculas em Matemática nesta região (CARVALHO, 2007). Com base nos dados aqui apresentados pode-se dizer que a profissão professora está cada vez mais legitimada no Estado do Paraná. Este quadro confirma a feminização do magistério no Estado, pois a aprovação feminina é superior nas mais diversas disciplinas. Isso pode indicar que as mulheres estão conseguindo adentrar em cursos superiores tidos como espaços masculinos, mas pode também significar que os homens estão demonstrando cada vez menos interesse pelo magistério. Estudos (MELO e LASTRES, 2006; VELHO e PROCHAZKA, s/d; COMCIÊNCIA, s/d) mostram que a Física é a disciplina na qual a presença das mulheres em cursos universitários é menor. Nesta disciplina a aprovação feminina em Curitiba foi de 37,9% e em Pato Branco 46,2%, números que podem ser considerados elevados em comparação com a porcentagem de alunos nos cursos de graduação. Quais as implicações e conseqüências da maior presença feminina no quadro docente de Matemática? Quais as causas da feminização do quadro docente de Matemática no Estado? Isso se repete em outros Estados e regiões? A presença feminina nesta carreira pode provocar alteração no interesse das meninas e meninos por carreiras científicas e tecnológicas? Estes e outros questionamentos só poderão ser respondidos por meio de pesquisas. Este foi um estudo preliminar e localizado. Nas próximas etapas da pesquisa pretende-se estender a análise para o total do quadro docente no Estado, bem como voltar o olhar para o desempenho escolar de meninos e meninas em Matemática. Há necessidade de realização de estudos mais aprofundados, com base em dados quantitativos e qualitativos para a melhor compreensão sobre a participação de homens e mulheres na carreira do magistério, no Paraná e em outros estados e regiões.. Como esta é uma pesquisa quantitativa e localizada, as razões que levaram a estes números não poderão ser identificadas, para isso se faz necessária a realização de pesquisas qualitativas e mais amplas. Referências CARVALHO, Marilia Gomes de. É possível transformar a minoria em eqüidade? Comunicação apresentada no Simpósio Gênero e Indicadores da Educação Superior Brasileira. Brasília, CASAGRANDE, Lindamir Salete; CARVALHO, Marilia Gomes de. Mulheres na Matemática: o caso das Universidades Federais do Paraná.

7 COMCIÊNCIA. Físicas enfrentam preconceito em área predominantemente masculina. Mulheres na Ciência. Disponível em Acessado em 25/06/2008. LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: Uma perspectiva pós-estruturalista. 4. ed., Petrópolis, RJ: Vozes, MELO, Hildete Pereira de; LASTRES, Helena Maria Martins. Ciência e Tecnologia numa perspectiva de gênero: O caso do CNPq. In: SANTOS, Lucy Woellner dos; ICHIKAWA, Elisa Yoshie; CARGANO, Doralice de Fátima (orgs.). Ciência, Tecnologia e Gênero: desvelando o feminino na construção do conhceimento. Londrina: IAPAR, 2006, p VELHO, Lea; PROCHAZKA, Maria Vivianna. No que o mundo das ciências difere dos outros mundos. Mulheres na ciência. Disponível em Acessado em 18/05/2004. WALKERDINE, Valerie. O raciocínio em tempos pós-modernos. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p , jul./dez,1995. i Doutora em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo USP, professora da UTFPR, coordenadora e pesquisadora do GeTec. mariliagdecarvalho@gmail.com. ii Utilizaremos o feminino na frente pois os números vão mostrar que o número de mulheres é superior ao de homens na maioria dos caos aqui analisados. iii A soma do número de homens e mulheres não fecha com o valor total pois não era possível saber o sexo de algumas/uns candidatas/os aprovadas/os pelo nome. iv Idem nota iv. v Esta inversão nas cores foi proposital. Estamos acostumadas/os a associar o rosa às mulheres o e azul aos homens. Invertemos estas cores para forçar o cérebro a dissociar a cor do sexo da pessoa.