Espécies. Conceitos de espécie. Descrição Formal x Diagnóstico. Sistemática e taxonomia 20/09/2010
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- Carolina da Costa Anjos
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1 Espécies Conceitos de espécie A categoria mais fundamental da classificação biológica. Não há um conceito universal de espécies que pode ser usado par definir, identificar e caracterizar todas as espécies. Há muitos Conceitos de Espécies (múltiplas formas de pensar e definir espécies). Carl von Lineu ( ) (Systema Naturae 1735; Species Plantarum 1753), Era fixista e julgava sua classificação imutável. Seu sistema natural deveria refletir, pela individualização de caracteres essenciais e fixos, a divisão original dos organismos em espécies geradas ab initio pelo Criador divino. Georges-Louis Leclerc de Buffon ( ) Continuista Buffon foi adversário de Lineu, e os dois travaram um debate sobre o conceito de espécie que marcou a história da biologia. Segundo Buffon, Lineu ignorava deliberadamente, que a Natureza caminha em gradações desconhecidas e, por conseguinte, não pode se prestar inteiramente a essas divisões, já que passa de uma espécie a outra, e mesmo de um gênero a outro, por meio de nuanças imperceptíveis. Descrição Formal x Diagnóstico Na prática as espécies sempre reconhecidas e definidas por suas características fenéticas observáveis. Morfologia Fisiologia Comportamento Indivíduos apresentam variações aparentes Variação no tempo e no espaço Não podemos esperar que existam caracteres definidores claramente distintos para todas as espécies! A natureza não é assim! Duas espécies podem se interpenetrar Se só recentemente evoluíram de uma ancestral comum Se duas populações ainda não se separam completamente Se formam espécies em anel para o CBE seriam uma única espécie, mas para outros seriam várias. Sistemática e taxonomia Sistemática: o relacionamento evolutivo (ancestralidade) entre grupos de organismos. Taxonomia: dar nomes aos grupos de organismos e colocá-los nas categorias nomeadas. 1
2 Regras Taxonômicas International Code of Zoological Nomenclature: Bancos de dados de espécies International Code of Botanical Nomenclature: Ambas são atualizadas periodicamente Espécies e Evolução Biológica Espécies são as menores unidades evolutivamente independentes! Mas qual critério pode ser rigorosamente aplicado? Morfo-espécies Espécies Biológicas Espécies Filogenéticas ESU (Unidades Evolutivas Significativas) Critérios para um conceito de espécie Universalidade (generalidade) Monismo: existe uma única maneira de dividir o mundo vivo em grupos de indivíduos que são organizados por uma única hierarquia de leis. Pluralismo: não há uma visão unificada da natureza; seres vivos são vistos como uma perspectiva de um conjunto de variações sem limites muito claros. Aplicabilidade (operabilidade) Espécies devem ser definidas levando em conta todos os dados disponíveis. Significância teórica (explicação) Espécies e seus carácteres proveem evidências para chegar a uma explicação teórica da sua existência. Conceitos de espécies de hoje Os conceitos pré-darwinistas de espécies eram todos tipológicos e essencialistas (ex: Linnaeus, etc) Número de conceitos atualmente em uso Mayden (1997) identificou mais de 24 conceitos de espécies diferentes. Muitos destes conceitos compartilham várias características. i. Conceito de Agamoespécies; ii. Conceito Biológico de espécies iii. Conceito Cladístico de espécies iv. Conceito de espécies coesas v. Conceito Composto de espécies vi. Conceito Ecológico de espécies vii. Unidade Evolutiva Significativa viii. Conceito Evolucionário de espécies ix. Conceito de Concordância Genealógica x. Conceito Genético de espécies xi. Conceito de Agrupamento Genotípico xii. Conceito Hennigiano de espécies xiii. Conceito Internodal de espécies xiv. Conceito Morfológico de espécies xv. Conceito não dimensional de espécies xvi. Conceito Fenético de espécies xvii. Conceito Filogenético de espécies (versão diagnosticável) xv. Conceito Filogenético de espécies (versão monofilética) xv. Conceito Filogenético de espécies (versão diagnosticável e monofilética) xx. Conceito Politético de espécies xxi. Conceito de Reconhecimento de espécies xxii. Conceito de Competição Reprodutiva xxiii. Conceito Sucessional de espécies xxiv. Conceito Taxonômico de espécies Conceitos de espécies são importantes Exemplo 1: as listas de espécies ameaçadas Agrupadores (lumpers) reconhecem espécies largamente distribuídas, as quais são improváveis de serem consideradas ameaçadas; Divisores (splitters) reconhecem mais espécies de distribuição restrita, as quais são mais prováveis de serem consideradas ameaçadas. Exemplo 2: estimando a biodiversidade O uso de diferentes conceitos de espécies leva a comparações impróprias e equivocadas; Táxons superiores (famílias, ordens etc) geralmente não são comparáveis, mas espécies deveriam ser, já que são consideradas as unidades de conservação, e atualmente também são utilizadas para ressaltar a riqueza em biodiversidade (valor) de cada bioma e país. 2
3 Conceitos de espécies são importantes O conceito de espécie utilizado pode afetar: i. o status de conservação específico de populações estudadas; ii. estimativas de diversidade de espécies; iii. a análise histórica destas unidades chamadas de espécies; iv. a compreensão de padrões de fluxo gênico dentre e entre estas unidades; v. delineamento de áreas de endemismo; vi. a caracterização demográfica de tais unidades; vii. decisões para conservação ex-situ (cativeiro); viii. quais unidades irão receber proteção de instrumentos locais, nacionais e internacionais. ix. estudos de interações e ecossistemas que dependem do número e diversidade de espécies. Tipos de Conceitos de Espécie Conceitos baseados em similaridade Similaridade geral e/ou interrupções na distribuição dos carácteres (Morfológico, Fenotípico, Taxonômico,...) Conceitos Evolutivos Comprometidos teoricamente com as idéias evolutivas (Biológico, Ecológico, Evolutivo, Reconhecimento, Coesão,...) Conceitos Filogenéticos Baseados nas análises filogenéticas (Cladístico, Filogenético, Hennigiano,...) Conceito Fenético de Espécies Indivíduos de uma espécie são fenotipicamente mais parecidos entre si, do que com outros grupos de indivíduos de outras espécies. É uma extensão do modo como os taxonomistas definem uma espécie. Conceito tipológico / morfológico Tipo-> taxonomia formal Taxonomia numérica (déc. 1960) Métodos fenéticos com estatísticas arbitrárias Não se baseia em uma teoria sobre o motivo da vida estar organizado em espécies distintas. Conceito Fenético de Espécies Vantagens Pode ser aplicado a todos os organismos Não requer conhecer sobre comportamento reprodutivo ou filogenias Desvantagens Definição de mais parecidos é arbitrária; Caracteres podem não ser ecologicamente importantes. Espécies fósseis ou raras podem ser crípticas Existem espécies altamente polimórficas melanochrous ochraceiventer cearensis melanochrous ochraceiventer cearensis aspersiventer CE Bolívia dinellii caerulescens gilvigaster aspersiventer dinellii gilvigaster caerulescens NW Argentina paraguayensis Thamnophilus caerulescens paraguayensis Thamnophilus caerulescens 3
4 Desafios para classificação de espécies Pensamento tipológico x populacional; (bons tipos, mais verdadeiros) (todos indiv. são igualmente representativos) Conceito Fenético de Espécies (Nomes baseados na aparência) Conceito Biológico de Espécies (CBE - nomes baseados nos processos de compartilhamento de genes) A ideia de um tipo para uma espécie fica sem sentido em um conjunto gênico contendo muitos genótipos. Um genótipo específico não pode mais representar a formapadrão para a espécie, pois ele tem a mesma relevância do que qualquer outro genótipo. O Conceito Biológico de Espécies (CBE) Jonh Ray (séc. XVII) Ernst Mayr (1942) Systematics and the Origin of Species (Sistemática e a Origem das Espécies) Foi o trabalho clássico, pois, teve uma grande importância nas discussões da época: o conceito de espécie como um tipo, além de outros relacionados, era inapropriado na teoria da genética de populações. Uma espécie é um grupo de populações intercruzantes: com identidades genéticas únicas que são: reprodutivamente isoladas de outras populações. Isolamento reprodutivo permite à espécie evoluir independentemente de outras espécies. O Conceito Biológico de Espécies (CBE) Comunidade de indivíduos que se intercruzam configura um conjunto gênico coesão, coesividade Reprodutivamente isolada O fluxo gênico permite um agrupamento fenético Definição morfológica da espécie: características morfológicas compartilhadas são indicadores de intercruzamento Para aqueles que adotam o Conceito Biológico de Espécie, espécies não são mais consideradas classes (tipos naturais) que podem ser definidos, mas ao contrário, são particularidades concretas na visão do biólogo que podem ser descritas e delimitadas, mas não definidas. O status de espécie é uma propriedade de populações, não de indivíduos. Uma população não perde seu status de espécie quando um indivíduo pertencendo a esta, hibridiza com um indivíduo de outra espécie. A palavra intercruzamento indica uma propensão; uma população isolada espacial ou cronologicamente, por certo, não está intercruzando com outras populações, mas pode estar propensa a fazê-lo quando este isolamento extrínseco é terminado. Mayr (2000) Conceito Biológico de Espécies (CBE) Ernst Mayr (1942), definição dos livros textos Vantagens Relacionada à independência evolutiva, um elemento para a diversificação; Para um grupo de espécies, um critério claro e testável. Desvantagens Irrelevante para espécies assexuadas, partenogenéticas, bactérias e outros microorganismos Não pode ser aplicada a espécies fósseis/extintas Isolamento geográfico não permite testar o intercruzamento, por isto se considera a inclusão do termo potencialmente intercruzante 4
5 Conceito de Espécie Por Reconhecimento (Peterson, 1993) Conjunto de indivíduos que compartilham um sistema de reconhecimento para o acasalamento (SMRS) -> sensorialmente reconhecem parceiros potenciais. Ex.: muitas espécies de grilos em reprodução no mesmo habitat. Sistema de canção masculina e sistema acústico feminino Conceito Ecológico de espécies (CEE) Adaptações ecológicas -> os processos ecológicos e evolutivos que controlam a divisão dos recursos tendem a produzir agrupamentos fenéticos distintos espécie é o conjunto de indivíduos que exploram o mesmo nicho (ou um certo conj. de nichos) Uma linhagem que ocupa uma zona adaptativa diferente daquela de outras linhagens na sua área de distribuição A zonas adaptativas poderiam ter um padrão hierárquico correspondente (e causador) da hierarquia taxonômica Conceito Ecológico de espécies (CEE) Princípio da exclusão competitiva Só espécies suficientemente distintas podem coexistir Explicação ecológica para existência de espécies distintas em um mesmo recurso. Mesmo com uma distribuição contínua de recursos, as espécies podem evoluir para uma série de formas distintas, ao longo de um contínuo. Ex.: Toutinegras (MacArthur, 1958) Substituição de caracteres Influências ecológicas sobre a forma de uma espécie. Pops. simpátricas diferem mais que pops. alopátricas A competição: Força cada espécie a se tornar mais especializada Resulta em uma variedade distinta de formas em cada espécie Cada espécie evolui para explorar os recursos aos quais está mais adaptada. Há concordância entre o conceito Biológico e Ecológico Os padrões de intercruzamento e as adaptações ecológicas de uma população são modelados por forças evolutivas comuns. a seleção natural favorecerá os indivíduos que intercruzam com outros que têm um conjunto similar de adaptações ecológicas. Conceito Filogenético de espécies (CFE) O menor agrupamento diagnosticável de um conjunto de organismos dentro do qual há um padrão parental de ancestrais e descendentes." (Cracraft 1983) Pode ser aplicada a sexuados, assexuados, ou fóssil Problemas: 1. confunde história dos caracteres com história dos organismos. 2. classificações mudam com mais dados. 3. cria uma inflação taxonômica. Critério: monofilia Útil para alguns grupos taxonômicos cujas espécies têm pouca hibridização e são monofiléticas com sequências de DNA 5
6 Muitos grupos monofiléticos Cada grupo monofilético é uma espécie? Faz alguma diferença qual conceito de espécies é usado? Muitas vezes não, mas algumas vezes sim. Ex: métodos filogenéticos (utilizados no CFE) geralmente resultam em mais espécies reconhecidas do que utilizando o CBE. Comparação entre conceitos de espécies Dillon e Fjeldså (2005) Ecography 28(5):682 Avifauna residente da África Sub-Sahariana : Espécies Biológicas: 1572 Espécies Filogenéticas: 2098 Houve 33% de aumento no número de espécies (CFE>CBE), mas padrões de endemismo e diversidade foram pouco afetados. Isolamento Reprodutivo Isolamento geográfico que impede a reprodução entre populações alopátricas Quando duas populações de organismos relacionados possuem isolamento reprodutivo completo entre elas, a imensa maioria dos taxonomistas vai considerá-las como espécies distintas. 6
7 Espécies de esquilos do Grand Canyon (EUA) Ocorreu especiação durante o isolamento geográfico? (de acordo com CBE) Especiação geralmente envolve separação geográfica Diferenciação alopátrica uma barreira geográfica extrínseca (o Vale Central) separou as populações da salamandra Ensatina Nem todo isolamento reprodutivo é geográfico Barreira de isolamento: qualquer caráter que evolui nas duas espécies que as impede de intercruzarem. Acasalamentos podem ser prevenidos por: Barreiras de Pré-acasalamento Ecológicas Comportamentais Barreiras de Pós-acasalamento, Pré-zigóticas Mecânicas Gaméticas Pós-zigóticas Inviabilidade dos híbridos, esterilidade Redução do sucesso reprodutivo dos híbridos Poliploidização em plantas Barreiras reprodutivas em Passeriformes Barreiras ecológicas Isolamento reprodutivo entre espécies de Mimulus devido a adaptações a diferentes polinizadores Diferentes mecanismos de isolamento reprodutivo existem entre espécies de Passeriformes
8 Barreiras pré-acasalamento Isolamento temporal (sazonal) Barreiras comportamentais Várias espécies de anuros possuem períodos diferentes de acasalamento Padrões de canto diferencial em espécies de neurópteros. Isolamento etológico por diferenças na atração do parceiro. Barreiras mecânicas levando ao isolamento reprodutivo Barreiras comportamentais ligadas à Seleção Sexual O acasalamento de libélulas demanda o acoplamento de várias estruturas. Atobá do pé-azul executando a corte para uma fêmea Barreiras comportamentais ligadas à Seleção Sexual Seleção sexual isolamento comportamental entre espécies de ciclídeos Escolha de parceiros em duas espécies de ciclídeos do Lago Victoria (África) Pundamilia pundamilia Azul Pundamilia nyererei vermelho Três espécies crípticas de papa-moscas (Empidonax sp) muito similares, mas são isoladas reprodutivamente pelos cantos e preferências distintos. Escolha do parceiro Sem escolha do parceiro A escolha das fêmeas por machos com diferentes cores depende da incidência de luz branca. Com luz monocromática não há escolha do parceiro. Seehausen e van Alphen (1998) Behavioral Ecology and Sociobiology 42:
9 Isolamento ecológico Isolamento reprodutivo pode aparecer quando espécies ocupam diferentes habitats. Barreira pré-zigótica se deu no início da separação destas espécies. Leões e tigres ocupavam diferentes habitats dentro da mesma área geográfica. Atualmente, eles formam híbridos em cativeiro com problemas de fertilidade (barreiras pós-zigóticas) Leão Panthera leo Tigre Panthera tigris Barreiras pós-zigóticas Hibridização inter-específica n=64 2n=62 Barreiras pós-zigóticas Esterilidade do híbrido Mortalidade do zigoto Inviabilidade ou esterilidade do híbrido F1 Jumento meiose meiose Égua Valor adaptativo reduzido na F2 ou >F2 fertilização Burro Burros e mulas normalmente não se reproduzem devido a incompatibilidade cromossômica (esterilidade da F1) meiose Desbalanço cromossômico contribui para a esterilidade nos híbridos de cavalos e jumentos. Isolamento genético (cromossômico) Barreiras reprodutivas pós-zigóticas aparecem devido a mecanismos cromossômicos Hugo de Vries e suas prímulas (especiação por poliploidização) Alopoliploidia (hibridização seguida de poliploidia) Autopoliploidia Estima-se que ocorreu entre 4 e 10% das especiações em dicotiledôneas e monocotiledôneas Esta barreira reprodutiva é imediata. Ex tetraplóides (4N) passam a gerar gametas diplóides (2N), incompatíveis com os gametas parentais que são haplóides (N). Este mecanismo leva a uma especiação instantânea em simpatria. 9
10 Novas espécies de prímulas do botânico Hugo de Vries Autopoliploidização em plantas Variação geográfica Intra-específica Evolução de uma nova espécie: Converter a variação dentro da espécie em diferenças entre espécies Os padrões de variação geográfica podem ser um misto de deriva e seleção Passer domesticus Variação causada por adaptação as condições locais Regra de Bergman Clina: gradiente contínuo de variação intra-específica O ambiente pode variar descontinuamente no espaço: Diferentes genes podem estar adaptados as 2 regiões Clina por causa do fluxo gênico Controversas entre os conceitos... A adaptação ecológica e o fluxo gênico são teorias complementares ou, em certos casos, competidoras sobre a integridade das espécies. As formas assexuadas, bactérias e outros microrganismos, deveriam ter limites imprecisos... Mas..., podem em uns casos existir como espécies distintas Controversas entre os conceitos... A seleção pode produzir divergência, apesar do fluxo gênico (...?) Ex.: gramínea (Afrostis tenuis) nos montes de rejeitos de metais pesados e venenosos Na ausência de fluxo gênico a seleção pode produzir uniformidade (...?) Ex.: caracóis (Cepaea nemoralis) nos Pirineus da Espanha. Não vivem acima de 1400m, só em vales 10
11 Controversas entre os conceitos... Aptidão reduzida dos híbridos (esterilidade; viabilidade reduzida) Seleção: poucos recursos para a forma intermediária pois estão mal adaptados teoria ecológica (Grant e Grant, 2002). Incompatibilidade genética: as duas espécies parentais contêm genes que não funcionam bem juntos. 11
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