Enriquecimento ambiental em suiniculturas: vantagens, desvantagens e lacunas no conhecimento. URI:

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1 Enriquecimento ambiental em suiniculturas: vantagens, desvantagens e lacunas no conhecimento Autor(es): Publicado por: URL persistente: Órfão, Inês; Stilwell, George Publindústria URI: Accessed : 23-Dec :25:45 A navegação consulta e descarregamento dos títulos inseridos nas Bibliotecas Digitais UC Digitalis, UC Pombalina e UC Impactum, pressupõem a aceitação plena e sem reservas dos Termos e Condições de Uso destas Bibliotecas Digitais, disponíveis em Conforme exposto nos referidos Termos e Condições de Uso, o descarregamento de títulos de acesso restrito requer uma licença válida de autorização devendo o utilizador aceder ao(s) documento(s) a partir de um endereço de IP da instituição detentora da supramencionada licença. Ao utilizador é apenas permitido o descarregamento para uso pessoal, pelo que o emprego do(s) título(s) descarregado(s) para outro fim, designadamente comercial, carece de autorização do respetivo autor ou editor da obra. Na medida em que todas as obras da UC Digitalis se encontram protegidas pelo Código do Direito de Autor e Direitos Conexos e demais legislação aplicável, toda a cópia, parcial ou total, deste documento, nos casos em que é legalmente admitida, deverá conter ou fazer-se acompanhar por este aviso. impactum.uc.pt digitalis.uc.pt

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3 ZOOTECNIA ENRIQUECIMENTO AMBIENTAL EM SUINICULTURAS: VANTAGENS, DESVANTAGENS E LACUNAS NO CONHECIMENTO Por: Inês Órfão e George Stilwell (fotos dos autores) Centro de Investigação Interdisciplinar em Sanidade Animal (CIISA), Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa. inesorfao@gmail.com stilwell@fmv.utl.pt R ESUMO Estudos desenvolvidos nas últimas décadas permitiram compreender a relevância dos comportamentos sociais e exploratórios para os suínos, e confirmaram que as limitações presentes em muitos sistemas de produção conduzem a um reduzido nível de bemestar animal. O enriquecimento ambiental surge como uma forma de inverter esta situação. Contudo, os estudos realizados nesta área baseiam-se em diferentes sistemas de produção e condições muito diversas. Ainda assim, a revisão da investigação realizada até à presente data, aponta para formas exequíveis e vantajosas de melhorar o bem-estar. Diferentes métodos de enriquecimento ambiental, desde que bem planeados, aumentam o repertório comportamental e reduzem os comportamentos agressivos e anormais, alguns dos quais com efeitos negativos no produto final. Porém, ao nível da incidência de lesões e do impacto sobre a produtividade os resultados divergem. A investigação desenvolvida demonstra que o enriquecimento ambiental tem um enorme potencial, mas que é necessário prosseguir os estudos. geral, em sistemas intensivos, onde o espaço disponível é inferior, o ambiente é pobre em estímulos e onde o reagrupamento entre indivíduos desconhecidos é frequente, os suínos realizam com maior frequência comportamentos agressivos e aberrantes, como mordedura de barras ou comportamentos que afetam indivíduos do mesmo grupo (por exemplo, mordedura de cauda ou caudofagia) [5]. INTRODUÇÃO O enriquecimento ambiental consiste em implementar alterações nas condições a que animais, sob os cuidados humanos, estão sujeitos, permitindo que expressem comportamentos próprios da espécie com o intuito de melhorar o seu funcionamento biológico e o nível de bem-estar [1]. A avaliação científica dos efeitos do enriquecimento ambiental iniciou-se nos anos 60, altura em que este era maioritariamente realizado em parques zoológicos [2]. Em 1984, Stolba e Wood-Gush [3] avaliaram o comportamento de suínos (Sus scrofa domesticus) quando colocados em espaços naturais, tendo constatado que, apesar da longa domesticação (cerca de anos), apresentava grandes semelhanças com o comportamento dos seus conspecíficos selvagens (javali - Sus scrofa) despendendo uma grande parte do tempo em interações sociais essenciais na definição de hierarquias, em comportamentos exploratórios, como fuçar, essenciais na procura de alimento, na escolha de local para se deitarem e na obtenção de informação sobre o meio envolvente [4]. Posteriormente seguiram-se estudos que compararam condições presentes em diferentes sistemas de produção, avaliando o seu efeito no comportamento animal. Observou-se que, de uma forma 28 Figura 1 Leitão a realizar mordedura de barra comportamento aberrante

4 À medida que se melhorou o conhecimento das necessidades e especificidades comportamentais dos suínos, diferentes formas de enriquecimento ambiental foram sendo avaliadas. Em consequência disso a própria legislação europeia passou a mencionar que, por exemplo, os suínos devem ser mantidos em grupos estáveis e que materiais, como palha, feno, madeira, serradura, composto de cogumelos, devem estar disponíveis permanentemente [6]. No seguimento de outras revisões gerais [7] ou focadas em determinadas fases de vida do animal (desmame, engorda e fase final [2], leitões e porcas em aleitamento [8]), o presente artigo pretende analisar a investigação realizada em suiniculturas considerando as diferentes formas de enriquecimento ambiental, as diferentes fases de produção e os efeitos observados ao nível do comportamento, fisiologia, saúde e produtividade. Desta forma pretendemos determinar a exequibilidade e impacto dos diversos métodos de enriquecimento e apontar direções para futura investigação nesta área. Figura 2 Parque de recria com pedaços de mangueira como objetos de enriquecimento ambiental, usados num estudo realizado em suinicultura intensiva FORMAS DE ENRIQUECIMENTO AMBIENTAL Nos estudos desenvolvidos com suínos o enriquecimento ambiental físico tem sido explorado de diversas formas: através de um maior espaço disponível [9], da disponibilização de áreas funcionais distintas, como comedouros individuais [10], de esconderijos [11], de substratos (sendo a palha [12], seguida pelo composto de cogumelos e turfa [13] os mais utilizados) e de objetos pontuais (em especial correntes, cordas e objetos de madeira, geralmente suspensos [14]). Presentemente os critérios mais desejáveis no enriquecimento físico estão bem definidos os objetos devem ser modificáveis, destrutíveis e manipuláveis [4], [14], e os substratos devem apresentar uma textura semelhante à da terra [15]. Por outro lado, o efeito novidade é relevante, tendo Gifford e a sua equipa [16] proposto uma exposição continuada inferior a 2 dias, embora outros estudos comprovem que a melhoria do nível de bem-estar não implica necessariamente uma exposição tão reduzida [11]. No que toca à forma como os materiais são disponibilizados, a preferência não é ainda evidente há casos em que se observou uma preferência por objetos suspensos versus os colocados no chão [17], noutros casos o oposto [18], e ainda noutros a ausência de preferência [19]. Segundo alguns investigadores, a utilização de substratos apresentam efeitos claramente positivos para os animais, superiores ao dos objetos artificiais [4]; contudo a sua utilização é problemática por poderem bloquear o sistema de escoamento [2] ou afetar as condições de higiene das instalações [20]. Ao nível do enriquecimento social, a composição dos grupos tem sido largamente estudada, com especial ênfase nos fatores que influenciam a estabilidade dos grupos, um fator relevante para os suínos [21]. Investigações que recorreram ao enriquecimento cognitivo, através de desafios cognitivos, como a associação de sons a um estímulo, como comida [22], ou sensoriais (tácteis, olfativos ou auditivos [19], [23]), são muito recentes. Estas novas formas têm um importante papel no desenvolvimento de formas ideais de enriquecimento ambiental, uma vez que promovem a compreensão das capacidades, como a memória, e das preferências dos suínos. FASES DA VIDA CONSIDERADAS A maioria dos estudos realizados investigou o efeito do enriquecimento ambiental numa fase específica do ciclo de vida dos suínos, com destaque para a fase após desmame [11], seguida pelas fases de engorda e do acabamento final [2]. Pelo contrário, poucos investigadores avaliaram o efeito do enriquecimento ambiental em porcas para reprodução; os poucos estudos existentes avaliaram a fase pré-parto, comparando a construção de ninhos e peso de leitões nascidos de progenitoras mantidas em condições distintas [24], e a fase de amamentação, considerando os cuidados maternais das progenitoras de ambientes estéreis e de ambientes enriquecidos [8]. A investigação em distintas fases da vida dos suínos permitiu compreender as necessidades específicas e naturais, como a de construção de ninhos na fase pré-parto [24], ou efeito de desafios impostos artificialmente, como é o caso das interações agressivas em períodos de reagrupamento [11]. Mais recentemente, alguns autores avaliaram o efeito do enriquecimento ambiental a longo prazo, considerando observações dos mesmos suínos em diferentes fases da vida, como por exemplo da fase da recria à engorda [21], ou desde o nascimento até ao abate [21]. EFEITOS DO ENRIQUECIMEN- TO AMBIENTAL Comportamento De uma forma geral os estudos procuraram determinar o efeito do enriquecimento ambiental no comportamento animal, tendo comprovado que aquele aumenta o período de atividade, aumenta a frequência de comportamentos exploratórios e de brincadeira, melhora os cuidados maternais [13] e, em oposição, diminui a realização de comportamentos anormais, nomeadamente, comportamentos agressivos dirigidos a membros do mesmo grupo [9], conforme confirmámos num estudo por nós realizado com leitões após o desmame, no qual foram utilizados AGROTEC / DEZEMBRO

5 ZOOTECNIA materiais de fácil acesso e baixo custo, como garrafas de plástico, corda de sisal e cartuchos interiores de rolos de papel higiénico [25]. Poucos casos [26] obtiveram resultados distintos dos referidos, contudo nestes casos encontravam-se presentes variáveis indesejáveis a área do comedouro para o grupo enriquecido era inferior ao do grupo de controlo. Em estudos que consideraram os efeitos a longo prazo observou-se que a presença de fatores enriquecedores altera a reatividade de suínos, diminuindo os comportamentos de ansiedade e de medo perante o ambiente, novos objetos ou indivíduos desconhecidos [21], [22]. Fisiologia, produtividade e saúde Numa fase seguinte na evolução da investigação científica, passaram a ser incluídos parâmetros fisiológicos indicadores do nível de bem-estar, como níveis hormonais [24] e medidas associadas à produtividade. Os níveis de cortisol, hormona indicadora de stress, são menores na presença de enriquecimento ambiental [24]; McGlone e Curtis [11] verificaram que a estabilidade social promoveu o ganho de peso, superando o efeito positivo também observado com outras formas enriquecimento ambiental [9], [13]. No entanto, segundo outros estudos, este tipo de enriquecimento não teve um efeito significativo a nível do produto final [14], [22]. Num estudo realizado pelos autores deste artigo [25], foi confirmado um maior ganho de peso dos leitões com enriquecimento ambiental físico na primeira semana após o desmame, porém essa vantagem não foi mantida até ao fim da engorda, o que poderá indicar que o enriquecimento ambiental promove a adaptação a novas circunstâncias. De uma forma geral os resultados obtidos em diferentes estudos demonstram que é necessário progredir a investigação sobre o efeito do enriquecimento sobre a produtividade, quer pelo facto do ganho de peso poder estar associado à saúde dos animais, quer pelo interesse que tem do ponto de vista do produtor Figura 3 Ambientes demasiado estéreis favorecem conflitos entre leitões especialmente se a densidade animal for elevada O impacto sobre a saúde tem sido medido através da prevalência de lesões, com destaque para as causadas por outros indivíduos [13], e de doenças. Por exemplo, alguns estudos detetaram uma redução nos episódios de diarreia quando existe enriquecimento ambiental [10]. Contudo, como Bracke e a sua equipa [7] referiram, o efeito que alguns tipos de enriquecimento ambiental podem ter para a saúde dos animais ainda não é evidente: por exemplo, em alguns casos observou-se que a palha provocou coxeira [17]. Segundo Vanheukelom e outros investigadores [13] a presença de enriquecimento não afetou o nível de lesões externas, quer no desmame quer durante a engorda, apesar de vários estudos terem demonstrado que em ambientes enriquecidos os comportamentos orais anormais dirigidos a membros do grupo, tais como a mordedura de barriga e de cauda [22] são reduzidos [17], [25]. Assim, parece que a simples observação de comportamentos anormais dirigidos a outros indivíduos, como a mordedura de cauda, não é um método válido na deteção de lesões [23], sendo primeiro necessário determinar todos os fatores que influenciam a intensidade de lesões e só depois avaliar diferentes formas de reduzir as mesmas. Um outro estudo indica ainda que o enriquecimento ambiental promove a atividade cerebral e a capacidade de aprendizagem [8] e, nesse sentido, tem efeito positivo no bemestar dos suínos. CONSIDERAÇÕES FINAIS O enriquecimento ambiental é uma ferramenta essencial na garantia do bem-estar dos animais sob o cuidado humano, sejam eles de parques zoológicos, de companhia ou de produção, promovendo comportamentos característicos destes animais e reduzindo a realização de comportamentos aberrantes. No caso dos suínos alguns destes comportamentos têm efeito direto na produção, como é o caso da caudofagia, causadora de lesões que podem levar à rejeição ou desvalorização da carcaça. O enriquecimento ambiental exige planeamento e posterior certificação dos resultados obtidos, através da análise de comportamento, fisiológica ou de registos indicadores da saúde e rendimento dos animais. Em resultado da comprovada relevância do enriquecimento ambiental, a legislação europeia e nacional tem sido melhorada; porém, como mencionado por Scott e sua equipa [17], a diretiva europeia em vigor [6] não menciona outros materiais para além de substratos, que não são de utilização pacífica, e não refere como devem ser apresentados. Por outro lado, apesar da enorme relevância dada aos substratos e também dos resultados positivos obtidos através da oferta de áreas funcionais distintas e esconderijos, os problemas logísticos e económicos associados à sua implementação, sugerem que em muitos casos a utilização de objetos pontuais tem maior exequibilidade. Neste sentido a Direção Geral de Veterinária refere outros materiais passíveis de serem utilizados, em folhetos informativos e na sua página na internet [27]. Newberry [1] crítica o facto de muitas vezes a importância do enriquecimento ambiental ser avaliado considerando primordialmente interesses humanos. Embora o alvo deva ser sempre o animal, de um ponto 30

6 de vista prático as questões económicas são importantes na implementação de qualquer método e o aumento da produtividade poderá mesmo indicar, até certo ponto, um maior nível de bem-estar animal. É essencial considerar as características valorizadas pelos animais em geral mas também as necessidades individuais: por exemplo, em grupos em que se observa que um indivíduo realiza com frequência caudofagia, a alteração da composição do grupo e/ ou a disponibilização de materiais podem resolver este problema; para fêmeas na fase de pré-parto parece ser importante a presença de materiais que permitam a construção de ninhos, sendo que as medidas de enriquecimento ambiental devem ter este facto em consideração. Nem sempre é fácil introduzir formas de enriquecimento ambiental em suínos, contudo quando tal é possível o esforço realizado é compensatório. Uma forma de facilitar este processo poderá passar por realizar enriquecimento primeiro nos setores em que os problemas de bem-estar são maiores ou mais intensos (por exemplo, após o desmame). O impacto do enriquecimento ambiental no bem-estar de suínos criados em sistemas intensivos é evidentemente positivo a nível comportamental, porém é essencial realizar mais estudos sobre os seus efeitos na ocorrência de lesões/doenças e na produtividade, para além de esclarecer os efeitos diretos dos substratos e materiais sobre a saúde. Formas de enriquecimento cognitivo e sensorial podem ser uma ferramenta útil, de fácil acesso e baixo custo, cuja utilização deve ser aprofundada. BIBLIOGRAFIA 1. Newberry, R.C. (1995) - Environmental enrichment: Increasing the biological relevance of captive environments. Applied Animal Behaviour Science. 44: ; 2. Van de Weerd, H. A.; Day, J.E.L. (2009) - A review of environmental enrichment for pigs housed in intensive housing systems. 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