PROPRIEDADES DOS FERROS UTILIZADOS NAS PONTES METÁLICAS HISTÓRICAS
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- Daniel Rocha Minho
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1 1 PROPRIEDADES DOS FERROS UTILIZADOS NAS PONTES METÁLICAS HISTÓRICAS M. Manuela Salta Investigador Coordenador LNEC Lisboa M. João Correia Bolseira Investigação LNEC Lisboa Manuel Pipa Investigador Principal LNEC Lisboa António M. Baptista Investigador Principal LNEC Lisboa SUMÁRIO Nesta comunicação apresentam-se os resultados de um estudo experimental de caracterização das propriedades mecânicas de materiais metálicos provenientes de três pontes metálicas do século XIX e do início do século XX. Através de análises químicas e metalográficas foram estabelecidas relações entre a composição química e microestrutural do material e as suas propriedades, manifestadas nos ensaios mecânicos a que foi submetido. Palavras-chave: Pontes metálicas, pontes históricas, ferro pudelado, propriedades mecânicas, metalografia, fractografia. 1. INTRODUÇÃO Em Portugal existe um número considerável de pontes metálicas rodoviárias, ferroviárias e mistas construídas nos finais do século XIX e início do século XX que, pela sua longa existência, poderão ser designadas como pontes históricas. O desenvolvimento da indústria siderúrgica que se verificou no século XIX permitiu a produção industrial de ferros pudelados (que vieram a ocupar, com muitas vantagens, o lugar do ferro fundido) e o grande incremento da construção metálica verificado na segunda metade do século XIX. Muitas das pontes construídas com ferro pudelado têm vindo, nos últimos anos, a ser objecto de intervenções visando a sua reabilitação e conservação. Algumas destas pontes tinham já sofrido, ao longo da sua vida, outras intervenções de natureza diversa, pelo que incluem, por vezes, elementos estruturais de aço entre os elementos originais em ferro pudelado. A avaliação estrutural da segurança das pontes antigas requer o conhecimento das características mecânicas dos materiais metálicos utilizados na sua construção. Estas propriedades são em geral bem conhecidas no caso dos aços modernos, mas o mesmo já não se passa com os ferros pudelados. Além disso, os métodos de ensaio actualmente adoptados na determinação das características mecânicas de materiais metálicos foram desenvolvidos com base no conhecimento do comportamento dos materiais actuais, podendo, nalguns casos,
2 2 revelar-se inadequados para a avaliação das propriedades dos ferros pudelados. Por este motivo, interessa estudar as alterações a introduzir nos métodos existentes para assegurar uma melhor adequação dos procedimentos de ensaio às propriedades mecânicas destes materiais. Acresce ainda que a possibilidade de remoção de elementos estruturais, ou de extracção de partes destes, para ensaio e caracterização mecânica dos materiais constituintes, é quase sempre restrita, tendo em conta os danos que as operações de extracção podem originar na própria estrutura, uma vez que as ligações entre os diversos elementos estruturais são habitualmente efectuadas por rebitagem. Os ferros pudelados (frequentemente referidos na bibliografia de expressão inglesa através da designação genérica wrought iron ) são materiais mais complexos que os aços, dado que são constituídos por uma matriz ferrítica com um teor de carbono muito baixo (<0.01%), elevado teor em fósforo e com outros elementos em baixas concentrações (S, Si, Cu, Mo, Ni, Mn). Estes materiais contêm quantidades variáveis de escórias que ficaram retidas no seu interior em consequência do processo metalúrgico utilizado na época. As escórias são constituídas por material amorfo ou vítreo, nomeadamente faialite (Fe-Si-O) e, por vezes, óxidos de ferro, e são mais frágeis, às temperaturas habituais de serviço, do que a matriz ferrítica. A presença das escórias e, em particular, a sua densidade e distribuição, determinadas principalmente pela qualidade do processo de fabrico, constituem os principais factores condicionantes das características mecânicas apresentadas pelos ferros pudelados [1,2]. Os autores têm vindo a realizar outros estudos sobre as propriedades destes materiais, provenientes de diversas pontes antigas, envolvendo, nomedamente, a execução de diversos ensaios mecânicos e a análise dos respectivos resultados, bem como a sua caracterização microestrutural e química. Nesta comunicação apresentam-se resultados da caracterização de materiais metálicos provenientes de elementos estruturais de três pontes antigas, através de ensaios de tracção, de determinação da composição química e de caracterização metalográfica e microestrutural. Duas destas pontes foram construídas na década de 70 do século XIX (pontes 1 e 2). Uma destas pontes (ponte 2), da qual foi feita a amostragem mais extensa, foi objecto de uma intervenção de reabilitação no primeiro quartel do século XX, durante a qual alguns dos elementos estruturais, por apresentarem um elevado grau de degradação por corrosão, foram substituídos por elementos em aço não ligado de baixo teor em carbono. A construção da outra ponte analisada (ponte 3) data da primeira década do século XX. Com base nos resultados do estudo dos materiais recolhidos nestas três pontes estabelecem-se correlações entre as características microestruturais e químicas destes materiais e as respectivas características mecânicas, obtidas nos ensaios de tracção. Tecem-se também algumas considerações sobre as dimensões dos provetes utilizados nos ensaios mecânicos quando se visa a caracterização de ferros pudelados usados nas pontes antigas. Por fim, realça-se o interesse da caracterização macro e microestrutural do material na previsão das suas características mecânicas (ductilidade e resistência à tracção).
3 3 2. CARACTERIZAÇÃO DOS MATERIAIS 2.1 Caracterização mecânica As características mecânicas dos materiais extraídos das pontes antigas analisadas neste estudo foram obtidas essencialmente através de ensaios de tracção. Os diagramas tensão-extensão obtidos através destes ensaios permitem determinar várias propriedades destes materiais, nomeadamente as tensões de cedência superior (R eh ) e inferior (R el ) - ou a tensão limite convencional de proporcionalidade a 0,2% (R p0,2 ) quando o diagrama não permite determinar a tensão de cedência -, a tensão de rotura (R m ) e extensão após rotura (A). Na figura 1 apresentam-se três exemplos típicos de diagramas tensão-extensão obtidos nestes ensaios Tensão (MPa) Ponte 2 - Provete 1: Aço Ponte 1 - Provete 2: Ferro pudelado com ductilidade elevada Ponte 1 - Provete 3: Ferro pudelado com ductilidade baixa Extensão (%) Figura 1: Exemplos de diagramas tensão-extensão obtidos em ensaios de tracção de provetes de ferro pudelado e de aço Os ensaios de tracção relatados no presente trabalho foram realizados de acordo com a norma NP EN [3], numa máquina de ensaios de tracção da Classe 0,5 segundo a Norma EN ISO [4]. As extensões no material foram medidas numa base de 100 mm, através de um extensómetro da Classe 0,5 segundo a Norma NP EN [5], com a capacidade de medição de extensões até 10% nesta base. Os provetes ensaiados foram previamente maquinados em forma de haltere, de acordo a norma NP EN [3]. As dimensões transversais dos provetes (a, b) encontravam-se compreendidas entre os limites indicados no quadro 1, para cada uma das três pontes de onde as amostras de material foram colhidas. No quadro 1 indicam-se igualmente os limites de variação da área das secções transversais (S o ) dos provetes, bem como o comprimento da sua zona útil (L c ). Os resultados obtidos nos ensaios realizados permitiram concluir que as amostras provenientes da ponte 1 são de ferro pudelado e as da ponte 3 são de aço, enquanto que as da ponte 2 são de ferro pudelado e de aço. A existência de elementos de aço nesta ponte decorre das obras de reabilitação a que esta ponte foi submetida há cerca de oitenta anos atrás.
4 4 Quadro 1: Características geométricas dos provetes submetidos a ensaios de tracção a (mm) b (mm) S o (mm 2 ) L c (mm) mín Máx mín Máx mín Máx Ponte 1 10,8 11,2 10,0 10, Ponte 2 9,5 12,5 14,0 15, Ponte 3 8,7 10,0 10,0 10, Na figura 2 apresenta-se a distribuição dos valores da tensão limite convencional de proporcionalidade a 0,2% (R p0,2 ) e da tensão de rotura (R m ) obtidos nos ensaios de cada um dos provetes provenientes da ponte 1, em função da respectiva extensão após rotura (A). Na figura 3 apresentam-se os valores das mesmas propriedades mecânicas obtidos nos ensaios dos provetes de ferro pudelado provenientes da ponte 2. Os valores da tensão de cedência superior (R eh ) e da tensão de rotura (R m ) obtidos nos ensaios dos provetes de aço provenientes das pontes 2 e 3 são apresentados na figura 4, em função da respectiva extensão após rotura (A). Como se pode observar na figura 1, os aços e os ferros pudelados apresentam comportamentos mecânicos distintos. Nesta figura são apresentados três diagramas tensão-extensão obtidos em ensaios de tracção de dois provetes de ferro pudelado (Provetes 2 e 3) provenientes da Ponte 1, e de um provete de aço (Provete 1) proveniente da Ponte 2. Recorda-se o facto de o extensómetro utilizado só permitir a medição de extensões até 10%, pelo que os diagramas tensão-extensão foram traçados, a partir deste limite, com base nos valores medidos da tensão de rotura e da extensão após rotura. Uma das principais divergências entre os resultados apresentados na figura 1 reside na grande diferença entre os níveis de ductilidade evidenciados pelo material de cada um dos três provetes. No caso dos provetes de ferro pudelado, as extensões máximas obtidas são consideravelmente inferiores às obtidas nos ensaios de provetes de aço. Esta é uma das principais discordâncias entre as propriedades mecânicas destes materiais, como se pode observar nas figuras 5 e 6, onde se apresentam os resultados obtidos no conjunto dos ensaios realizados sobre os provetes provenientes das três pontes. É possível constatar, nestas figuras, que os resultados relativos a ferros pudelados constituem um grupo à parte, perfeitamente isolado do grupo dos resultados referentes aos provetes de aço. O valor minímo da extensão após rotura obtido nos ensaios dos ferros pudelados é cerca de um quinto do correspondente valor mínimo obtido nos ensaios dos aços. Além disso, verifica-se que a relação entre os valores máximo e mínimo da extensão após rotura é mais elevada no caso dos provetes de ferro pudelado que no caso dos provetes de aço. As figuras 5 e 6 mostram que os valores da extensão após rotura obtidos nos ensaios de ferros pudelados variaram entre cerca de 5% e 18%; o valor máximo é cerca de 3,5 vezes o valor mínimo. Já no caso dos aços, a diferença relativa entre estes resultados é menor, uma vez que esta extensão variou entre cerca de 27% e 36%; o valor máximo é, neste caso, igual a 1,3 vezes o valor mínimo.
5 Rm (MPa) R p0,2 (MPa) Ferros pudelados Ponte 1 Tensão de rotura Limite de proporcionalidade a 0,2% A (%) Figura 2: Distribuição dos resultados obtidos nos ensaios de tracção de provetes de ferro pudelado da Ponte Rm (MPa) R p0,2 (MPa) Ferros pudelados Tensão de rotura Ponte 2 Limite de proporcionalidade a 0,2% A (%) Figura 3: Distribuição dos resultados obtidos nos ensaios de tracção de provetes de ferro pudelado da Ponte 2
6 Rm (MPa) R eh (MPa) Aços Ponte 3 - Tensão de rotura Ponte 2 - Tensão de rotura Ponte 3 - Tensão de cedência superior Ponte 2 - Tensão de cedência superior A (%) Figura 4: Distribuição dos resultados obtidos nos ensaios de tracção de provetes de aço das Pontes 2 e R m (MPa) R p0,2 (MPa) R eh (MPa) Ferros pudelados Ponte 1 - Tensão de rotura Ponte 2 - Tensão de rotura Ponte 3 - Tensão de rotura Ponte 1 - Limite de proporcionalidade a 0,2% Ponte 2 - Limite de proporcionalidade a 0,2% Ponte 2 - Tensão de cedência superior Ponte 3 - Tensão de cedência superior Aços A (%) Figura 5: Distribuição dos resultados obtidos nos ensaios de tracção de provetes de ferro pudelado das Pontes 1 e 2 e de provetes de aço das Pontes 2 e 3
7 7 1,8 1,7 1,6 1,5 1,4 Tensão de rotura Limite de proporcionalidade a 0,2% Ferros pudelados Aços 1,3 1,2 1,1 1,0 Ponte 1 - Ferro pudelado Ponte 2 - Ferro pudelado Ponte 2 - Aço Ponte 3 - Aço A (%) Figura 6: Variação da relação entre os valores da tensão de rotura e da tensão limite convencional de proporcionalidade a 0,2% (ou tensão de cedência, no caso dos aços) Nas figuras 2 a 5 é também possível constatar que, no caso dos ferros pudelados, a tensão limite convencional de proporcionalidade a 0,2% (R p0,2 ) se pode considerar independente da ductilidade do material, uma vez que não é possível determinar um padrão de variação entre estas duas propriedades, no conjunto dos resultados obtidos. No que se refere à tensão de rotura (R m ) é possível observar, na figura 5, um padrão nítido de aumento desta propriedade com o valor da extensão após rotura (A), no caso dos ferros pudelados. Este facto pode ser explicado através da figura 1, onde se pode observar que, devido aos efeitos do endurecimento do material, o aumento da tensão de rotura relativamente à tensão de cedência (ou limite convencional de proporcionalidade) depende consideravelmente da capacidade de deformação do material em regime plástico. Na figura 6 é apresentada a variação da relação entre a tensão de rotura e a tensão limite convencional de proporcionalidade a 0,2% (ou tensão de cedência, no caso dos aços). Nesta figura é possível observar um padrão nítido de aumento desta relação com o valor da extensão após rotura (A), no caso dos ferros pudelados. Esta variação resulta do aumento da tensão de rotura (R m ) com a extensão após rotura (A), enquanto que a tensão limite convencional de proporcionalidade não parece ser afectada por esta última propriedade (A), como foi anteriormente referido.
8 8 No caso dos aços, não é possível observar, nas figuras 5 e 6, um padrão nítido de variação da tensão de rotura, da tensão de cedência ou da relação entre estas propriedades com a extensão após rotura do material. No entanto, a figura 1 permite constatar que, na fase de comportamento que antecede a rotura, a tensão máxima no material varia muito pouco com o aumento da extensão correspondente. Por este motivo, é compreensível que a relação entre a tensão de rotura e a tensão de cedência não varie muito com o valor da extensão após rotura, quando esta última atinge valores elevados. 2.2 Caracterização química A caracterização química das amostras de aço e de ferro pudelado foi efectuada por métodos de análise química clássica, com recurso a diferentes normas em função do elemento em análise: o carbono (C) e o enxofre (S) por fusão com detecção por infravermelho, de acordo com a norma ASTM E 1019:2003 [6]; o silício (Si) solúvel, o fósforo (P), o crómio (Cr) e o molibdénio (Mo) por espectrofotometria de absorção molecular, respectivamente segundo as normas NP EN :1992 [7], NP 662:197 [8], NP 661:1972 [9] e ISO 4941:1994 [10]; o manganês (Mn), o níquel (Ni) e o cobre (Cu) por espectrofotometria de absorção atómica, respectivamente de acordo com a ISO 10700:1995 [11], NP EN 10136:1991 [12] e EN 24943:1990 [13]. Dada a heterogeneidade dos ferros pudelados, a utilização de métodos instrumentais do tipo de espectrometria de emissão óptica por faísca não são recomendáveis. No quadro 2 apresentam-se os resultados da análise da composição química dos materiais ensaiados, indicando-se os valores máximo e mínimo de cada elemento obtidos na análise das diferentes amostras. Quadro 2: Composição química: valores mínimo e máximo de cada elemento obtidos na análise das diferentes amostras Material Ponte C Si Mn P S Cr Mo Ni Cu Aço 2 3 Min. Máx. Min. Máx Méd Ferro Min pudelado 2 Máx O conhecimento da composição química permite prever determinadas características inerentes ao comportamento mecânico do material. O carbono e o fósforo são os dois elementos que maior influência têm na resistência e na ductilidade dos ferros pudelados. O fósforo dissolvido na ferrite pode aumentar significativamente a dureza desta fase.
9 9 Nos ferros pudelados é frequente a ocorrência de bandas com tamanho de grão diferenciado que correspondem a zonas com diferente teor de fósforo e, consequentemente, de dureza distinta. O manganês é um elemento que tem pouca influência na resistência e na ductilidade do material metálico. O silício é endurecedor mas não é um elemento fragilizante. O enxofre é um elemento fragilizante, pelo que teores elevados deste elemento necessitam de ser compensados com o aumento do teor de manganês, para que se possam combinar formando inclusões de sulfureto de manganês e deste modo minimizar os efeitos fragilizantes. A existência de cobre e níquel nos ferros pudelados reflecte-se num melhor comportamento à corrosão. 2.3 Caracterização metalográfica Descrição geral A caracterização metalográfica de diferentes provetes extraídos de cada uma das três pontes, previamente submetidos a ensaios de tracção, compreendeu exames macrográficos e fractográficos efectuados, respectivamente, nas superfícies polidas da zona útil de cada provete e na superfície de fractura. A caracterização fractográfica foi efectuada em microscopia electrónica de varrimento com sistema de microanálise de fluorescência raios X por dispersão em energia (MEV-EDS) utilizando um microscópio JEOL JMS6400 acoplado a sistema de microanálise Oxford Inst. INCA X-sight. Em secções de corte transversal e longitudinal nos diferentes provetes foram efectuados exames micrográficos em MEV-EDS e em microscopia óptica (MO), utilizando um microscópio metalográfico Olympus PMG Análise macrográfica e fractográfica As superfícies maquinadas e as superfícies de fractura dos provetes de aço, extraídos das pontes 2 e 3, apresentam uma morfologia semelhante. Nos exames macrográficos dos provetes de ferro pudelado retirados de cada uma das pontes 1 e 2 observam-se aspectos da distribuição e da densidade das escórias variáveis. O exame macrográfico das superfícies de fractura mostra também que o aspecto é variável entre os provetes, extraídos de cada uma das pontes. A análise fractográfica das fracturas nos provetes de aço (provenientes das pontes 2 e 3) evidencia zonas de estricção acentuada, características duma rotura dúctil. A análise fractográfica nos provetes de ferro pudelado revela superfícies com estricção reduzida e zonas diferenciadas nas superfícies de fractura, que lhes dão um aspecto estratificado e bastante irregular. Estes tipos de fracturas são mostrados na figura 7, onde se apresentam os aspectos macrográficos, nas superfícies longitudinais e nas superfícies de fractura obtidas após ensaio de tracção, observados nos provetes 1 e 4 de aço, e nos provetes 2 e 3 de ferro pudelado. Note-se que os provetes 2 e 3 de ferro pudelado correspondem a duas situações extremas em que os resultados dos ensaios de tracção conduziram a valores de extensão após rotura e de tensão de rotura, respectivamente, de 17% e 7% e de 355 N mm -2 e 282 N mm -2 (figura 1). Situações idênticas foram registadas em provetes de ferro pudelado provenientes da ponte 2.
10 10 Figura 7: Aspectos macrográficos de amostras de aço (1 e 4) e de ferro pudelado (2 e 3) em superfícies longitudinais polidas e de fractura. Figura 8: Superfícies de fractura em provetes extraídos de duas pontes: aço (Provete 1) e ferro pudelado (Provetes 2 e 3).
11 11 Figura 9: Aspectos macrográficos e micrográficos (por MO), respectivamente, na superfície longitudinal e numa secção transversal nos provetes de ferro pudelado (Provetes 2 e 3), após polimento e ataque com nital. Na figura 8 apresentam-se registos fractográficos nas superfícies de fractura obtidos em três dos provetes atrás referidos (1, 2 e 3). A análise fractográfica e os exames micrográficos efectuados nas superfícies de fractura evidenciam que estas superfícies apresentam nos provetes 2 e 3, de ferro pudelado, morfologias com características diferenciadas, ambas específicas de um processo de rotura frágil. As fracturas apresentam zonas de clivagem de grão (brilhantes) e zonas com deformação plástica (zonas escuras). No provete 3 é visível uma acentuada estratificação das zonas de clivagem, determinada pela existência de alinhamentos de escórias que têm uma natureza muito distinta da matriz.
12 12 Figura 10: Microestrutura por MO em secções longitudinais de provetes de ferro pudelado (Provetes 2 e 3) após ataque com nital. A forma alinhada das inclusões de escórias que é observada resulta da laminagem. Observase também que a matriz metálica apresenta bandas com tamanho de grão ferrítico diferenciado. De notar ainda que nas amostras de ferro pudelado os alinhamentos das escórias mostram por vezes zonas com distribuição muito diferenciada. Os aspectos fractográficos observados nas amostras de aço revelam uma fractura característica dum material dúctil, semelhante à que se obtém nos aços estruturais actuais, com formação duma zona central com coalescência de microcavidades, desenvolvendo-se num plano normal à tensão aplicada, e de uma zona de corte no bordo exterior.
13 Exames micrográficos Foram também efectuados exames micrográficos em microscopia óptica (MO) e electrónica de varrimento com microanálise acoplada (MEV-EDS), em secções longitudinais e transversais dos mesmos provetes (Provetes 1, 2, 3 e 4), situadas em zonas próximas da superfície de fractura. Na figura 9 apresentam-se aspectos macrográficos obtidos em superfícies longitudinais, polidas e atacadas com nital, e as respectivas microestruturas em secções de corte transversal, próximas das superfícies de fractura, nos provetes 2 e 3 de ferro pudelado. Na figura 10 registam-se, para os mesmos provetes de ferro pudelado, aspectos microestruturais observados em secções de corte longitudinal. Como foi já referido, os ferros pudelados apresentam um elevado número de escórias distribuídas na matriz ferrítica. Nalguns casos, devido a processos de fabrico menos cuidados, registam-se distribuições mais irregulares das escórias, por vezes formando zonas de grande concentração destas inclusões. As figuras 9 e 10 evidenciam que o provete 3 apresenta, nas secções transversal e longitudinal observadas, uma distribuição mais heterogénea das inclusões de escórias do que o provete 2. A densidade das escórias nas superfícies observadas é também mais elevada no provete 3. Em particular, a observação da superfície de corte transversal (figura 9) mostra que no provete 3 existe uma maior percentagem da secção total ocupada por escórias, e consequentemente uma menor percentagem de área ocupada pela matriz ferrítica. Os resultados destas observações permitem compreender as diferenças encontradas nas características mecânicas destes provetes 2 e 3, registadas nas figuras 1 e 7. A observação dos aspectos micrográficos registados na figura 10 põe ainda em evidência a existência de bandas de distinto teor em fósforo, evidenciadas pelos diferentes tamanhos de grão. Estas bandas resultam do facto do fósforo se difundir mais lentamente na ferrite que o carbono, originando uma distribuição não homogénea. Esta distribuição pode também ser devida ao facto de ocorrer uma diminuição do teor de fósforo em torno das escórias que contém óxido de ferro livre. Acresce ainda que o processo de laminagem era geralmente efectuado a temperaturas no domínio ferrito-austenítico, nas zonas mais ricas em fósforo. O fósforo rejeitado pela formação da austenite cria gradientes de concentração nas zonas ferríticas, que ficam retidas no produto final, quando o metal atinge a temperatura ambiente. As zonas de tamanho de grão diferenciado apresentam diferente capacidade de deformação, podendo, no caso de uma diferença muito acentuada, originar variações na ductilidade do material. Os provetes de aço revelam uma matriz ferrítica com alguma perlite desenvolvendo-se nos limites de grão, e alguns carbonetos, em quantidades dependentes do teor de carbono da amostra, como se pode verificar pelos aspectos microestruturais de dois provetes de aço (Provetes 1 e 4 provenientes das pontes 2 e 3, respectivamente) apresentados na figura 11.
14 14 Figura 11: Microestrutura por MO em secções transversais em provetes de aço (Provetes 1 e 4) após ataque com nital Na figura 12 mostram-se registos de secções transversais em MEV, e a respectiva microanálise EDS de inclusões observadas nos provetes 1 e 3. Como se pode verificar, as inclusões observadas nos provetes de aço são essencialmente de sulfureto de manganês, enquanto que as inclusões de escórias nos ferros pudelados são constituídas por diversos elementos, nomeadamente P, Si, Ca, O e Fe. Em geral, o alinhamento das inclusões de escórias é muito mais acentuado na direcção da laminagem. Uma maior diferença nos alinhamentos, observada em corte transversal e longitudinal, evidencia geralmente um maior número de passos da laminagem a que o material foi sujeito durante o fabrico.
15 15 Figura 12: Microestrutura em MEV e análise das inclusões por EDS em amostras de aço (Provete1) e de ferro pudelado (Provete 3). 3. ANÁLISE DE RESULTADOS Na figura 13 representa-se a variação da extensão após rotura com o teor em fósforo dos diferentes provetes analisados. Esta representação gráfica mostra uma evidente distinção entre os provetes de aço e os de ferro pudelado. No caso dos provetes de aço, a extensão após rotura varia proporcionalmente com o teor em fósforo. Um aumento do teor em fósforo do material reflecte-se na diminuição dos respectivos níveis de ductilidade. No caso dos ferros pudelados, não parece existir uma correlação directa da extensão após rotura com o teor em fósforo. De facto, a distribuição e a densidade das escórias são os principais factores condicionantes das características mecânicas dos ferros pudelados, nomeadamente da sua ductilidade e da sua tensão de rotura, como se pode comprovar pela comparação dos resultados referentes aos provetes 2 e 3, provenientes da ponte 1 (figura 1).
16 A (%) Aços Ferros pudelados P (%) 0 0,00 0,05 0,10 0,15 0,20 0,25 0,30 0,35 0,40 0,45 0,50 0,55 Figura 13 Distribuição dos resultados da extensão após rotura (A) em função do teor em fósforo (P) dos provetes de aço e de ferro pudelado analisados Estes provetes exibem, macroscópica e microscopicamente, a menor e a maior das densidade de inclusões observadas, e a eles correspondem, respectivamente, o maior e o menor dos valores da extensão após rotura, determinados no conjunto de todos os provetes ensaiados no âmbito deste estudo. As análises macro e fractográficas nos provetes de ferro pudelado sujeitos a ensaios de tracção mostram que os provetes com valores da extensão após rotura mais baixos apresentam uma grande heterogeneidade na distribuição das inclusões de escórias. A superfície de fractura nestes provetes é também mais irregular, apresentando zonas alternadas de clivagem e de deformação plástica, com aspecto estratificado devido à concentração de escórias. Os provetes de ferro pudelado com maiores valores da extensão após rotura mostram uma maior homogeneidade da distribuição das escórias, tanto no sentido longitudinal como na secção transversal. Além disso, o aumento da fracção da secção ocupada por inclusões reduz a área da secção mecanicamente resistente, devido à fragilidade das escórias, o que poderá justificar os valores mais baixos da tensão de rotura observados nestes casos. A análise macro e micrográfica prévia do material proveniente de diferentes elementos estruturais permite não só avaliar a heterogeneidade da distribuição das inclusões como estimar a ordem de grandeza dos valores da tensão de rotura e da extensão após rotura que lhe estão associadas.
17 17 É ainda de referir o facto de os valores obtidos neste estudo para a tensão de cedência (ou, em alternativa, para a tensão limite convencional de proporcionalidade a 0,2%), que constitui a principal característica mecânica utilizada no dimensionamento das estruturas metálicas, serem da mesma ordem de grandeza para os ferros pudelados e para os aços ensaiados. No entanto, os valores obtidos nos ensaios de ferros pudelados provenientes da Ponte 1 são genericamente mais baixos que os obtidos nos ensaios de ferros pudelados da Ponte 2, o que poderá ser consequência do facto dos provetes da ponte 1 terem uma secção com menor área. Por último, salienta-se a importância das dimensões dos provetes ensaiados nos resultados deste tipo de estudos. Em face das consequências da distribuição e da densidade de inclusões de escórias nas propriedades mecânicas dos ferros pudelados, quanto mais heterogénea for a distribuição das escórias maior deverá ser a secção dos provetes, de modo a que a secção ensaiada seja representativa do material. A maior ou menor dispersão nos resultados dos ensaios de tracção, em especial nos valores da tensão de rotura e da extensão após rotura, poderá, assim, estar também associada às dimensões dos provetes ensaiados, bem como aos critérios adoptados na recolha de amostras do material para ensaio. 4. CONCLUSÕES Nesta comunicação foram apresentados os resultados de um estudo de caracterização de materiais metálicos provenientes de três pontes antigas, duas construídas na década de 70 do século XIX e uma terceira erigida na primeira década do século XX. Este estudo, de índole essencialmente experimental, envolveu a realização de ensaios mecânicos no Laboratório de Ensaios de Produtos Metálicos (LPM), e de ensaios químicos e metalográficos no Laboratório de Ensaios de Materiais e Revestimentos Inorgânicos (LEMRI), respectivamente dos Departamentos de Estruturas e de Materiais do LNEC, ambos acreditados pelo Instituto Português de Acreditação (IPAC). Os resultados obtidos permitem concluir que as duas pontes do séc. XIX foram construídas com ferro pudelado e que a terceira foi já construída em aço. Esta conclusão é corroborada por outros estudos realizados pelos autores, relativos a outras pontes, permitindo supor que as pontes metálicas construídas até ao final do século XIX serão muito provavelmente de ferro pudelado, tendo-se iniciado a partir desta época a construção de pontes em aço. O presente estudo confirmou também a existência de elementos estruturais de aço em pontes construídas em ferro pudelado, em consequência de intervenções de reabilitação e reforço posteriores à sua construção, aspecto que deverá ser considerado na amostragem para caracterização dos materiais. A principal diferença, em termos de características mecânicas, entre os ferros pudelados e os aços utilizados nas pontes históricas analisadas, prende-se fundamentalmente com a menor ductilidade e endurecimento exibidos pelo ferro pudelado. Além de se obterem valores significativamente inferiores destas duas características, verifica-se também uma maior variabilidade e dispersão dos mesmos.
18 18 A variabilidade dos resultados relativos a amostras de ferros pudelados provenientes de pontes distintas poderá resultar da heterogeneidade destes materiais, produzidos à época por diversos fabricantes, devido à utilização de diferentes tecnologias ou de níveis de controlo de produção distintos. Por sua vez, o estudo realizado mostra que a dispersão dos resultados relativos a amostras de ferro pudelado provenientes de uma mesma ponte está, em princípio, associada à heterogeneidade deste material. Os ferros pudelados são materiais compósitos, de escórias numa matriz ferrítica, com maior ou menor heterogeneidade na distribuição e densidade das escórias devido à qualidade do fabrico. A dimensão dos provetes destinados a ensaios mecânicos deve também ter este facto em consideração. A análise macro e micrográfica prévia do material proveniente de diferentes elementos estruturais pode revelar-se bastante útil, pelo facto de a recolha de amostras ser menos intrusiva e permitir não só identificar o tipo de material mas também, no caso dos ferros pudelados, avaliar a densidade e heterogeneidade da distribuição das inclusões de escórias e, consequentemente, obter uma estimativa inicial e efectuar uma análise mais criteriosa do comportamento mecânico do material analisado. O presente estudo permitiu também concluir que os valores da tensão de cedência (ou da tensão limite convencional de proporcionalidade a 0,2%) dos materiais ensaiados são, em geral, da mesma ordem de grandeza ou ligeiramente inferiores à tensão de cedência dos aços actuais de menor resistência. Por outro lado, embora a ductilidade dos ferros pudelados seja consideravelmente inferior à dos aços actuais, considera-se que, em geral, este facto não põe em causa o seu desempenho enquanto material estrutural. Com efeito, em consequência dos critérios de dimensionamento seguidos à época, os níveis de tensão a que as pontes constituídas por estes materiais se encontram sujeitas em condições de serviço são habitualmente muito baixas, pelo que a probabilidade de a sua resistência depender da ductilidade do material é bastante reduzida. Chama-se no entanto a atenção para a necessidade de a análise de novas soluções estruturais para reabilitação de pontes históricas de ferro pudelado ter este facto em consideração, não se devendo agravar significativamente as condições de funcionamento destes materiais, nomeadamente os níveis de tensões actuantes a que passem a estar sujeitos. Por último, é de referir o facto de existirem outras características mecânicas destes materiais, ferros pudelados ou aços antigos, para além das referidas na presente comunicação, cuja avaliação é igualmente relevante na elaboração de projectos de reabilitação, pela influência que têm no comportamento e segurança da estrutura. Refira-se, a título de exemplo, o módulo de elasticidade ou a resistência à fadiga, cuja dependência das características metalográficas do material tem igualmente vindo a ser estudada pelos autores.
19 19 5. REFERÊNCIAS [1] Gordon, R.; Knopf, R. Evaluation of wrought iron for continued service in historic bridges, Journal of Materials in Civil Engineering, July/August 2005, p [2] Navasaitis et al. Analysis of microstructure and mechanical properties of wrought iron, Materials Science, 2003, Vol. 9, Nº1, p [3] NP EN Materiais metálicos Ensaio de tracção Parte 1: Método de ensaio à temperatura ambiente [4] EN ISO Metallic materials - Verification of static uniaxial testing machines Part 1: Tension/compression testing machines - Verification and calibration of the forcemeasuring system (ISO :2004) [5] NP EN Materiais metálicos. Ensaio de tracção. Parte 4: Verificação dos extensómetros utilizados em ensaios uniaxiais. [6] ASTM E 1019:2003 Standard Test Methods for Determination of Carbon, Sulfur, Nitrogen, and Oxygen in Steel and in Iron, Nickel, and Cobalt Alloys [7] NP EN :1992 Aços e ferros fundidos. Determinação de silício total. Método espectrométrico de absorção molecular (complexo silicomolibdato reduzido). Parte 1: Teor de silício entre 0,05 e 1,0%. [8] NP 662:1972 Aços e ferros fundidos. Determinação do teor em fósforo. Processo absorciométrico. [9] NP 661:1972 Aços e ferros fundidos. Determinação do teor em crómio. Processo absorciométrico. [10] ISO 4941:1994 Steel and iron -- Determination of molybdenum content -- Thiocyanate spectrophotometric method. [11] ISO 10700:1995 Steel and iron. Determination of manganese content. Flame atomic absortion specimetric method (ISO 10700:1994). [12] NP EN 10136:1991 Análise química de materiais siderúrgicos. Determinação do teor de níquel nos aços. Método de espectrometria de absorção atómica de chama. [13] EN 24943:1990 Chemical analysis of ferrous metal. Determination of copper content. Flame atomic absorption spectrometric method (ISO 4943: 1985).
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