Dor de pensar Ela canta, pobre ceifeira Fernando Pessoa
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- Ruy Ronaldo Alencastre Salazar
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1 Dor de pensar Ela canta, pobre ceifeira Fernando Pessoa Ela canta, pobre ceifeira, Millet, As Ceifeiras
2 Ela canta, pobre ceifeira, Caracterização da Gigura feminina ² Canta despreocupadamente, julgando- se feliz talvez ; ² A sua voz reulete a vida simples do campo, a alegria e o anonimato dos que vivem em comunhão com a natureza; ² O seu canto é moderado, suave, «ondula como um canto de ave» e reulete- se «no ar limpo»; ² Mostra inconsciência perante a vida, já que canta sem razão, mostrando uma alegre inconsciência que lhe permite viver feliz.
3 Ela canta, pobre ceifeira, Efeitos produzidos no sujeito poé1co pelo canto da ceifeira u Efeitos contraditórios: u ouvi- la alegra e entristece ; u a sua voz evoca o campo e a lida. q o canto funciona como uma metáfora da felicidade a que o sujeito poébco aspira, mas que nunca poderá abngir; q a ceifeira [julga- se] feliz, porque não pensa, não intelectualiza as emoções: q o sujeito poébco nunca poderá alcançar a felicidade que lhe inveja, porque racionaliza as suas emoções e, portanto, não é capaz de «ser» simplesmente.
4 Ela canta, pobre ceifeira, Desejo expresso pelo sujeito poé1co v O sujeito poébco exprime o desejo de ter a alegre inconsciência da ceifeira e a «consciência disso» -, aspectos que não se podem conciliar. Razões que o levam a exprimir esse desejo O sujeito poébco é lúcido, consciente, logo incapaz de ser feliz. A ceifeira é alegre e feliz, por ser inconsciente.
5 Ela canta, pobre ceifeira, Recursos esblísbcos Transporte ou encavalgamento à maneira da atafinda da lírica galaico- portuguesa influência da poesia popular e tradicional. Dupla adjec1vação pré- nominal (anteposta) e adje1vação expressiva Aliterações e nasalações - A insistência destes sons consonânbcos, sugesbvos de amplitude e de passagem, quando associados à predominância de nasalações, nas úlbmas três estrofes, com recurso ao gerúndio, «ondeando», e ao aspeto durabvo, «está pensando», vêm emprestar ao poema o seu tom de arrastamento, a sua profundidade, mas também pretendem mostrar um ritmo ondulante, mostrando a variedade sonora e harmonia com o canto da ceifeira, assim como o efeito da ceifeira e do seu canto especialmente na 2ª estrofe. Comparação Metáfora Personificação e hipálage Expressividade Estes recursos pretendem valorizar o canto da ceifeira e tudo o que lhe está inerente, ou seja, o sujeito poébco vê, desta forma, enfabzada a ideia de felicidade da ceifeira que é inconsciente perante a vida e que por isso não sofre da dor de pensar, já que o seu cantar tem muito de intuibvo, de inconsciente, ele acentua a pureza do ar, do céu em que ondula, volteia.
6 Ela canta, pobre ceifeira, Paradoxo AnItese Metáfora Recursos esblísbcos Estas figuras de esblo pretendem reforçar o tema do poema dor de pensar. O desejo do sujeito poébco é que a sua alma tenha a ingenuidade e leveza da canção e da ceifeira. A ceifeira é um ser inconsciente que manifesta felicidade, mesmo sem ter mobvos para isso, algo que o sujeito almeja, mas que sabe que nunca terá, por isso ouvi- la alegra e entristece, pois se por um lado ele fica feliz por tudo aquilo que a ceifeira lhe transmite, por outro sabe que esse caminho lhe está vedado, trazendo- lhe sofrimento. Personificação e Apóstrofe do «céu», «campo» e «canção» reforça a ideia do apelo do sujeito poébco que aspira à simplicidade e ingenuidade querendo que a sua alma fosse apenas uma «leve sombra» da pureza desses seres. Esta ideia surge em oposição à «ciência» que «pesa», por isso o sujeito poébco quer ser imbuído da simplicidade que lhe falta. Pleonasmo - «Entrai por mim dentro» - reforça a amplitude, profundidade e carácter irrefutável do pedido do sujeito poébco. Este pleonasmo realça a ânsia do sujeito poébco em ser profundamente
7 Divisão do texto em partes Ela canta, pobre ceifeira, 1ª parte 3 primeiras estrofes: Descrição do canto da ceifeira: A voz da ceifeira domina esta primeira parte com a sua suavidade, dando uma mensagem de universo de alegria, inocência e espontaneidade; Comportamento contraditório da ceifeira, sendo «pobre» e duma «anónima viuvez», julga- se feliz, a sua voz é «alegre» e canta «como se Bvesse/Mais razões para cantar que a vida»: o seu canto é inconsciente, mas apesar disso (ou mesmo por isso) o seu canto é «alegre» e cheio de vida. A subjebvidade do sujeito poébco está presente no efeito que o canto da ceifeira produz, já que «alegra e entristece».
8 Divisão do texto em partes Ela canta, pobre ceifeira, 2ª parte 3 úlbmas estrofes efeitos da audição desse canto na subjebvidade do sujeito poébco. 1º momento o sujeito poébco exprime a sua emoção perante a canção inconscientemente alegre da ceifeira; Apelo do sujeito poébco na quarta estrofe para que a ceifeira con1nue a cantar, mesmo sem mobvos para isso, para que esse canto o invada também; 2º momento - Desejo de ser a ceifeira e ter a sua inconsciência, mas ter a consciência disso desejo irreal se se Bver consciência da inconsciência, deixa de haver inconsciência; Consciência da impossibilidade de ser a ceifeira, e de ser consciente da inconsciência; Invocação ao «céu», «campo» e «canção» para que entrem no sujeito poébco, disponham a sua alma como sombra própria e o levem dada a impossibilidade de ser inconscientemente alegre como a ceifeira, mas o seu caso é insolúvel. É este desejo do impossível que o leva à invocação e, perante a consciência do peso da ciência e da efemeridade da vida, pede que o seu sofrimento seja anulado pela morte, «Tomai/Minha alma a vossa sombra leve!/». A única frase declara1va existente nesta parte funciona como a explicação para a impossibilidade desta transformação: o sujeito poébco é incapaz de senbr sensibvamente, insbnbvamente, porque «o que em mim sente stá pensando».
9 Aspetos formais Ela canta, pobre ceifeira, Estrutura - Poema consbtuído por seis quadras, com versos octossílabos e rima cruzada, segundo o esquema abab. Os sons abertos da rima da úl1ma estrofe sugerem a limpidez e claridade do céu a que o sujeito poé1co aspira. Ritmo binário - comprova a harmonia com a suavidade do canto da ceifeira. Pontuação a 1ª parte do poema é consbtuída por frases declara1vas, propiciando assim a descrição da ceifeira e do seu canto; a 2ª parte do poema é consbtuída, essencialmente, por frases exclama1vas, pois o sujeito poébco pretende traduzir as emoções desencadeadas na sua interioridade por aquele canto da ceifeira.
10 Aspetos formais Ela canta, pobre ceifeira, RepeBção de vocábulos verbo «cantar», substanbvo «canção» e «voz» e a ublização do verbo «ouvir» espelham a sensação audi1va como o âmago emocional do sujeito poé1co. Presente do indicabvo - 1ª parte empresta vivacidade à descrição e um carácter dura1vo relabvamente ao deslizar da imagem da ceifeira. Aspeto durabvo «a cantar», «está pensando» e gerúndio «ondeando» e «levando- me» dão a sugestão da passagem lenta do tempo. ImperaBvo 2ª parte concorre para a função apela1va e de invocação à mudança do sujeito poé1co. InfiniBvos «poder ser» e «ter» - com sen1do hipoté1co de conjunbvo se eu pudesse, se eu Bvesse Funções da linguagem função emobva na 2ª parte do poema marcada pela ublização da primeira pessoa do singular e função apela1va através da u1lização do impera1vo.
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