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Eric Mirandela Tomé
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3 Luciano Trigo separação separacao_miolo_v8.indd 3

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5 minha filha cresce minha filha cresce e consome impaciente os últimos meses da infância. pressente o quando em que algo termina, começa, vai mudar, já está mudando. não gosta mais do que era, mas olha desconfiada o futuro cheio de segredos. vontade de segurar essa criança que sai e escapa pelos dedos e desaparece inocente, entre esperanças e medos. mas já vai? espera, fica mais um pouco. não deixe entrar ainda a adolescente que bate à porta, que salta o muro. 5 separacao_miolo_v8.indd 5

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7 romeu passou pela minha vida um pequeno furacão feito de agitação e alegria, cometa buldogue francês. mas seu jeito aloprado não coube na nossa rotina, que já se desfazia, dividida, em dor e separação: partiu sem despedida, e sua partida me fez entender aquilo que se desfazia, o que acontecia e aconteceu, o que morria e morreu. o passado, romeu. 7 separacao_miolo_v8.indd 7

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9 separação o fim de um casamento não é nada de mais. muitos casamentos já nascem desfeitos e tanto que, olhando para trás, seus fins parecem banais e necessários. a separação, como a mesa e a cama, faz parte do casamento, como a soma da subtração: não carece de motivos, sérios ou precários, nem deve causar remorso, surpresa ou drama. ainda que continuem sob o mesmo teto (ou permaneça algum afeto), terminar é o destino de muitos casais. é questão de tempo, etapa da qual pouco casamento escapa. não é nada de mais. ser solteiro, porém, é bem difícil, e são tantos os motivos para o casamento: os encantos femininos, o desejo passageiro e outros atrativos: não temos muito critério. mas todo casal se separa, não é nada sério. como fazer, contudo, quando se acostuma com a presença diária que se torna falta: seu corpo, sua voz, seu hálito, e sobretudo o hábito dos filhos, quando há filhos esse amor que nos assalta e revela? 9 separacao_miolo_v8.indd 9

10 o que fazer com as infinitas coisas que não se desfazem quando um casamento se desfaz? a saudade que virá na forma de visitas quinzenais de uma menina e outros acontecimentos banais na vida de casais separados? um casamento acaba de terminar, mas não coloque a culpa nela. não há culpados se algo se consuma ou não se renova como é necessário. não fique desesperado, nem seja muito severo: muitos casamentos já nascem desfeitos, e separar não é nada de mais (espero). 10 separacao_miolo_v8.indd 10

11 casar é uma coisa estranha casar é uma coisa estranha. a trapaça começa com uma e outra promessa, mas desde cedo a mentira tece, às claras ou em segredo, a sua teia de aranha. pessoas são navios, planetas, ilhas que um oceano separa. precipícios, montanhas que nenhuma fé pode mover. casar é uma façanha. casar é raro e passageiro como o contato visual entre dois estranhos que se miram, dois faróis num cruzamento, duas estrelas distraídas que se encontram ou se desafiam, duas luas dois sóis num céu sem nuvens. e, por um instante, tudo parece perfeito e iluminado. mas logo os olhares se desviam, e voltamos a ficar sós e desamparados. casar é um naufrágio, uma aventura um eclipse, um pesadelo, uma vigília, 11 separacao_miolo_v8.indd 11

12 um vendaval. desastre que acontece e geralmente passa, jogo no qual ninguém ganha. casar é uma armadilha, uma queda, uma ameaça. uma forma de loucura? casar é uma coisa estranha. 12 separacao_miolo_v8.indd 12

13 temos comida mas falta a fome temos comida mas falta a fome. as alianças se tornaram hábito em dedos que não se tocam. olhamos as mesmas coisas, mas não nos olhamos nos olhos. deixamos de brigar faz tempo, a raiva que sentimos já passou, como o tempo e o desejo. estamos juntos por costume, cansaço ou preguiça (bocejo). vivemos numa areia movediça que nos resume e consome. às vezes penso em falar com você, mas deixo para outro dia. mal me lembro do seu nome, mas obrigado pela companhia. 13 separacao_miolo_v8.indd 13

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15 todos os dias vivemos todos os dias vivemos, sem saber, coisas pela última vez. a pequena janela que abre um cartão-postal, o desenho circular de duas moscas no ar, as viagens que a cigana lê nas linhas da sua mão. o momento em que tomamos conhecimento da morte de alguém que amamos, em que somos vítimas de uma violência imerecida, em que começamos a sentir fadiga, em que precisamos consolar e não sabemos como, em que deixamos de ter saudade daquele dia, em que viramos para o lado depois do amor numa tarde de céu nublado, em que jogamos no cesto o poema fracassado, em que deixamos de sentir aquele frio na barriga. o momento em que piscamos na hora da fotografia. a moça de vestido curto perceber que eu estava olhando, a cidade das férias do ano passado ou daquela chata viagem de trabalho, o livro comprado e não lido ou abandonado pela metade, o contato inesperado com um parente distante, 15 separacao_miolo_v8.indd 15

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