UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS INSTITUTO DE ESTUDOS SOCIOAMBIENTAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS INSTITUTO DE ESTUDOS SOCIOAMBIENTAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA MARY ANNE VIEIRA SILVA DINÂMICAS TERRITORIAIS DO SAGRADO DE MATRIZ AFRICANA: O CANDOMBLÉ EM GOIÂNIA E REGIÃO METROPOLITANA Goiânia 2013

2 TERMO DE CIÊNCIA E DE AUTORIZAÇÃO PARA DISPONIBILIZAR AS TESES E DISSERTAÇÕES ELETRÔNICAS (TEDE) NA BIBLIOTECA DIGITAL DA UFG Na qualidade de titular dos direitos de autor, autorizo a Universidade Federal de Goiás (UFG) a disponibilizar, gratuitamente, por meio da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD/UFG), sem ressarcimento dos direitos autorais, de acordo com a Lei nº 9610/98, o documento conforme permissões assinaladas abaixo, para fins de leitura, impressão e/ou download, a título de divulgação da produção científica brasileira, a partir desta data. 1. Identificação do material bibliográfico: [ ] Dissertação [ X ] Tese 2. Identificação da Tese ou Dissertação Autor (a): Mary Anne Vieira Silva maryannevs@ig.com.br Seu pode ser disponibilizado na página? [ X ]Sim [ ] Não Vínculo empregatício do autor Universidade estadual de Goiás Agência de fomento: Coordenação de Pessoal de Nível Superior País: Brasil UF BR CNPJ: Sigla: CAPES Título: DINÂMICAS TERRITORIAIS DO SAGRADO DE MATRIZ AFRICANA: O CANDOMBLÉ EM GOIÂNIA E REGIÃO METROPOLITANA Palavras-chave: geoetnografia, Candomblé em Goiás, Cosmolocalidades Título em outra língua: REGIONAL DYNAMICS OF AFRICAN SACRED MATRIX: THE CANDOMBLÉ, GOIÂNIA IN AND METROPOLITAN AREA Palavras-chave em outra língua: geoethnography, Candomblé in Goiás, cosmolocalities Área de concentração: Geografia Humana Data defesa: (dd/mm/aaaa) 22/04/2013 Programa de Pós-Graduação: Programa de Pós-Graduação em Geografia- Universidade Federal de Goiás Orientador (a): Maria Geralda de Almeida mgdealmeida@gmail.com Co-orientador (a):* *Necessita do CPF quando não constar no SMaria Geralda de AlemidaisPG 3. Informações de acesso ao documento: Concorda com a liberação total do documento [ ] SIM [ X ] NÃO 1 Havendo concordância com a disponibilização eletrônica, torna-se imprescindível o envio do(s) arquivo(s) em formato digital PDF ou DOC da tese ou dissertação. O sistema da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações garante aos autores, que os arquivos contendo eletronicamente as teses e ou dissertações, antes de sua disponibilização, receberão procedimentos de segurança, criptografia (para não permitir cópia e extração de conteúdo, permitindo apenas impressão fraca) usando o padrão do Acrobat. Data: / / Assinatura do (a) autor (a) 1 Neste caso o documento será embargado por até um ano a partir da data de defesa. A extensão deste prazo suscita justificativa junto à coordenação do curso. Os dados do documento não serão disponibilizados durante o período de embargo.

3 UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS INSTITUTO DE ESTUDOS SOCIOAMBIENTAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA TESE DE DOUTORADO Mary Anne Vieira Silva Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pesquisa e Pósgraduação em Geografia do Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás, como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutor em Geografia, sob orientação da Profa. Dra. Maria Geralda de Almeida. Área de Concentração: Natureza e Produção do Espaço. Linha de Pesquisa: Espaço e Práticas Culturais Goiânia 2013

4 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) GPT/BC/UFG S586d Silva, Mary Anne Vieira. Dinâmicas territoriais do sagrado de matriz africana [manuscrito]: o candomblé em Goiânia e Região Metropolitana / Mary Anne Vieira Silva f. : il Orientador: Profª. Drª. Maria Geralda de Almeida. Tese (Doutorado) Universidade Federal de Goiás, Instituto de Estudos Socioambientais, Bibliografia. Inclui lista de ilustrações. 1. Geoetnografia Candomblé. 2. Candomblé Goiás (Estado). 3. Cosmolocalidades. I. Título. CDU: 911.3:259.4(817.3)

5 MARY ANNE VIEIRA SILVA Tese de Doutorado: Dinâmicas Territoriais do Sagrado de Matriz Africana - o Candomblé em Goiânia e Região Metropolitana. Área de Concentração: Natureza e Produção do Espaço. Linha de Pesquisa: Espaço e Práticas Culturais Tese apresentada e defendida no Programa de Pesquisa e Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás para a obtenção do grau de Doutor em Geografia, aprovada em vinte e dois de abril de dois mil e treze pela Banca Examinadora constituída pelos seguintes arguidores: Profa. Dra. Maria Geralda de Almeida Universidade Federal de Goiás - UFG Orientadora/Presidente Profa. Dra. Lana de Souza Cavalcanti Universidade Federal de Goiás - UFG (Membro) Profa. Dra Eliesse dos Santos Teixeira Scaramal Universidade Federal de Goiás - UFG (Membro)

6 Prof. Dra. Aureanice de Mello Correa Universidade do Estado do Rio de Janeiro- UERj (Membro) Prof. Dra. Maria Augusta Mundim Vargas Universidade Federal de Sergipe- UFS (Membro) Prof. Dr. Eguimar Felício Chaveiro Universidade Federal de Goiás (Suplente) Prof. Dr. Carlos Eduardo Santos Maia Universidade Federal de Goiás (Suplente)

7 Dedico este trabalho ao meu filho Thiago Emanuell e ao babalorixá Marcos D ávila ti Oxalá.

8 AGRADECIMENTOS Agradecer as deidades, os representantes institucionais e as pessoas que diretamente contribuíram para a finalização dessa tese torna-se um desses momentos em que a subjetividade ganha um espaço notório. Esse exercício de reconhecimento se realiza de forma individual, mas o esforço e a solidariedade que envolvem o processo carrega um sentido pleno de socialização. Então, passo agora a reconhecer: Agradeço, de início, as deidades. A Exu pelo movimento e os caminhos dados para o tema e a própria pesquisa. A Oxalá, o grande pai, que sempre se fez na direção das minhas ideias e da minha espiritualidade. Reconheço a senhora que hoje domina meu Ori e caminho, Yansã, Eparrei Oyá! A Oxumarê, o dono do axé da minha Família de Santo, a Xangô pela justiça que sempre caminhou com os ventos da Senhora das Tempestades, a Omolu por minha bem sucedida recuperação nos processos cirúrgicos e a Oxossi, rei de Ketu. Destaco a contribuição de minha professora e orientadora Maria Geralda de Almeida, que se fez mediadora das etapas que formalizam minha carreira acadêmica: a graduação e a pós-graduação. Seus ensinamentos me proporcionaram um fecundo crescimento teórico, por conseguinte, favoreceram minha prática docente, além de um aprimoramento pessoal a partir de seu exemplo de vida. Agradeço a professora Eliesse Scaramal, por ser pioneira nas pesquisas das religiões de matriz africana em Goiás e por ter coordenado os projetos que originaram a presente tese além de promover as leituras no campo dos estudos pós-coloniais. Agradeço ainda as professoras e professores que compõem a banca examinadora pela leitura atenta e contribuição valorosa. Aos companheiros e as companheiras de trabalho da Universidade Estadual de Goiás em que atuo como educadora. Ondimar Batista, a vida permitiu momentos incompreensíveis, perder, às vezes, promoveu em minha alma o sentido do abandono e da saudade: minha mãe biológica. Mas a vinda para Goiás, paradoxalmente, promoveu outro encontro: o nosso! Sinto-me plena e confortável em reconhecê-la como mãe. Maria Idelma, minha irmã, a

9 cada momento percebo que a superação entre os humanos é dada e garantida no exercício do respeito e da admiração. Zilda Fernandes, a você devo minha recomposição de imagem, nos interstícios dos ambientes acadêmicos, em seus múltiplos cenários. Janes Luz, reconheço que tenho uma forte admiração por seu campo de estudo e como se mostra em sua sensibilidade humana. Com o coração aberto para revelar minha gratidão publico meu sincero agradecimento a Marcos Ataídes: um guerreiro, um líder e um amigo. Sem o apoio desse fantástico revolucionário ficaria bem difícil (risos). Ao Juvair pelo carinho e atenção. Ainda agradeço ao comandante César Augustus Lemos, que além de meu irmão é meu exemplo. Ao Marcelo Moreira, que apesar das controvérsias se mostrou amigo durante nossas lutas nessa instituição. Aos companheiros e companheiras do Laboter, Maisa e Lara, minhas amigas queridas que me apoiaram durantes momentos árduos nesse processo de qualificação. As guerreiras Luana e Jorgeany que também depositaram confiança e carinho. A Rosiane Dias, Vilma e Robson, pelas discussões nos grupos de leituras. Aos candomblecistas, que constituem as principais fontes que subsidiaram a realização desse estudo. As matriarcas goianas, que são as próprias representantes do poder dessa religião. Mães de santos, mães, avós, irmãs, tias, mulheres... Venho agradecê-las por permitirem o acesso aos seus ilês, às suas histórias, aos saberes da religião. Mãe Jane de Omolu, sou grata a senhora por ter possibilitado o desenvolvimento do Projeto Mães de santo, e ainda por ter garantido um ambiente de proteção a todos que participaram do projeto, em especial a mim, obrigada. Mãe Tereza de Omolu, a senhora é parte da história de superação de tantas mulheres. Matriarca forte e determinada nessa rede de Candomblé. Maria Luiza de Oxum, reconheço a importância de seu axé para as religiões de matriz africana, e por ter permitido nossa equipe adentrar ao mundo dos orixás em seu ilê. Agradeço ao grupo de pesquisadores (as) do Centro Interdisciplinar de Estudos África-Américas (CieAA): Gilson Andrade, Graziano Reis, Herta Morato, Clarissa Ulhoa, Marcos Paulo e recentemente Flávio, Thaysa, Valdeir, Juliana, Heloisa, Anny, e principalmente a atual coordenadora Júlia Bueno.

10 Aos meus familiares de santo, parentais e afetivos. Ao primeiro grupo primeiramente reconheço a importância do meu pai e zelador de santo Marcos D'ávila de Oxalá. Sua contribuição ultrapassou as fronteiras do conhecimento de notório saber e ganhou os contornos do amor e da cumplicidade de quem hoje é meu grande amigo e pai. Ao Joelson Pontes, por participar de minhas angústias. Ao Ogã Elliot pelo cuidado e carinho. Ao Miguel de Xangô pelo encorajamento nessa guerra. Leandro Mendes, por fazer parte de nosso Egbé, e por ter sido interlocutor dos conhecimentos acadêmicos. Bruno Camilo, meu irmão de Ogum, por tanto zelo e cuidado, obrigada. Ao meu recente irmão Mário de Xangô, o revisor desse texto em sua organização, mas um exíguo conhecedor da religião do Candomblé. Aos agradecer meus parentes, chego ao momento da saudade. Agradeço aos meus pais, uma ausência de dezesseis longos anos. Ao Thiago Emanuell, meu filho, amigo, companheiro, enfim, razão da minha vida. Aos meus irmãos Valmir e Anne Mary, pelo carinho e atenção. A concretude desse processo demarcou sacrifícios em nossas vidas, mas reconheço sua paciência para minha qualificação. Minhas irmãs Fátima e Elizângela: meus amores, a cumplicidade de vocês foi minha base para uma trajetória de dez anos. Aos meus filhos adotivos Rodolfo e Jailson, vocês são notadamente o resultado de um esforço coletivo acadêmico. A certeza de amor extrapola o biológico e conforma em plano afetivo, amo-os. Ao Simon Pontes, que já faz parte de minha família. Reconheço sua dedicação, zelo e carinho ao longo dos últimos meses. Para finalizar venho reconhecer a contribuição de meu amigo e hoje um irmão pelas diversas e longas conversas que constituem o crescimento intelectual e as polêmicas de nossa trajetória de amizade, Glauber Xavier.

11 Pode o subalterno falar? Gayatri Chakravorty Spivak

12 RESUMO A presente tese de doutorado apresenta, no âmbito da Geografia Cultural, o estudo sobre o Candomblé em Goiânia e Região Metropolitana, focalizando os processos de marginalização espacial, de invisibilidades e encobrimento imputados à religião estudada. Tais processos decorrem dos próprios dispositivos normativos do Estado. O campo teórico do estudo centra-se na abordagem cultural e nos Estudos Póscoloniais. Com base neles foi possível reconhecer os territórios candomblecistas, bem como as espacialidades simbólico-identitárias concebidas nas e pelas cosmolocalidades. Levantamos nessa pesquisa a intersecção entre o espaço material e o espaço simbólico. É essa aproximação que garante uma identidade territorial dessa religião e/ou dessa prática cultural no estado de Goiás. O eixo orientador da tese é construído a partir da tríade território, cultura e política, categorias que nos possibilitaram uma compreensão das dinâmicas territoriais das religiões de matrizafricana que se subjugam à ordem da disputa pelo uso do espaço. Dentre os objetivos que sopesaram destaca-se: estudar e analisar as tensões e as concessões territoriais postas entre o poder público e as Comunidades de Terreiro, além de analisar o papel da inserção das políticas públicas que possibilitam a democratização do espaço, considerando os segmentos subalternizados por diversos processos colonizadores. As festas também foram analisadas. Estas estruturam a religião em um território-rede e fomenta a coletividade da religião. A pesquisa adotou os procedimentos metodológicos da geoetnografia e da observação participante. Tais vias conduziram ao entendimento de como as formas e as disputas espaciais produzem o território-rede constituído pelos ilês, pelas festas e pelos praticantes dos candomblés. Dentre os resultados depreende-se que a identidade, assim como os territórios candomblecistas, são dialeticamente produzidas. Essa religião se organizou em um cenário em que os processos de colonialidades de poder e os mecanismos coloniais imputaram historicamente situações de subalternidades. Com esse estudo reconhece-se a necessidade da produção de outras formas de saberes que busquem a descolonização das culturas, das crenças, das paisagens e dos territórios. As dinâmicas territoriais do candomblé, aqui estudadas, centram-se em uma lógica que imputa aos territórios e aos praticantes mecanismos de encobrimento de ordens: semântica a partir de discursos que se reproduzem ao longo do tempo e que incorporam no imaginário social um estigma de identidade negativada; política, efetivada por ações públicas que reforçam as invisibilidades dos espaços e das práticas culturais, bem como as identidades territoriais e culturais dos sujeitos praticantes; espacial, com um duplo fenômeno de periferização e segregação no que tange a disputa e apropriação do espaço favorecendo a organização das lutas sociais por direito a melhores localizações e infra-estrutura, acesso aos recursos naturais e espaços públicos. Palavras-Chave: geoetnografia, Candomblé em Goiás, Cosmolocalidades

13 ABSTRACT This doctoral thesis shows, in the scope of Cultural Geography, the study on Candomblé in Goiânia and in the Metropolitan region, focusing on processes such as the spatial marginalization, the invisibilities, and concealment ascribed to the religion studied. In addition, these processes come from the State normative devices. The theoretical background concentrates on the cultural approach and the Post-Colonial studies. Based on them, it was possible to recognize candomblecist territories, as well as the identity-symbolic spatialities conceived in and for the cosmolocalities. Furthermore, we lifted in this research the intersection between the material space and symbolic space. It is this approximation which guarantees a territory identity of this religion and/or this cultural practice in Goiás. The thesis basis is built from the triad; territory, culture and politics, categories that allowed us to understand the territorial dynamics of religions with African-roots which underestimate the dispute order for the use of the space. Furthermore, the goals that were highlighted as more relevant are: to study and analyze the tensions and territorial concessions that were put between the public power and the Communities of yard, beyond analyzing the role of insertion of public politics which allowed the space democratization, considering the subaltern segments by different colonizer processes. In addition, the parties were also analyzed. These structure the religion in a net-territory that enables the religion collectivity. The research adopted the methodological procedures of geoethnography and the participant observation. These paths conducted to the understanding of how the ways and spatial disputes produce the net-territory constituted by ilês, parties and Cadomblé practitioners. Among the results, it appears that the identity as the Cadomblé territories, are produced dialectally. This religion organized itself in scenery where the processes of power colonialities and the colonial mechanisms historically imputed subaltern situations. Moreover, with this study, it is recognized the need of production of different ways of knowledge that search the decolonization of cultures, beliefs, scenery and territories. The territorial dynamics of Cadomblé, here studied, focus on a logic which imputes to the territories and practitioners mechanisms of concealment of orders: semantics from discourses that reproduce along the time and that incorporate in the social imaginary a negative identity stigma; politics, approved by public actions which reinforce the invisibilities of spaces and of cultural practices, as well as the territorial cultural identities of practitioners; spatial, with a double peripherization phenomenon and segregation concerning the dispute and space appropriation favoring the organization of social fights for the right of better localizations and infrastructure, access to natural resources and public spaces. Keywords: geoethnography, Candomblé in Goiás, cosmolocalities

14 LISTA DE ILUSTRAÇÕES MAPA 01 Comunidades de Terreiro na Região Metropolitana de Goiânia 51 FIGURA 01 Diáspora Africana 72 MAPA 02 Populações do Delta do Niger 73 MAPA 03 Comunidades de Terreiro: área de estudo 109 FIGURA 02 Principais zeladores da yalorixá Tereza ti Omolu 117 GRÁFICO 01 Iniciação de iawôs no ilê axé Onilewá Azanadô 118 FIGURA 03 Rua de acesso ao ilê Onilewá Azanadô 119 FIGURA 04 Ilê Axé Onilewá Azanadô Espacialidades Sagradas 120 FIGURA 05 Principais zeladores da yalorixá Jane ti Omolu 125 FIGURA 06 Córrego localizado ao fundo do Ilê-Axé Oyá Igbem Bale 126 FIGURA 07 Localização da entrada e via de acesso ao Ilê Axé Oyá Igbem Bale 127 FIGURA 08 Entrada do Ilê Axé Canto de Oxum 131 FIGURA 09 Assentamento de Exú do Ilê Axé Canto de Oxum 131 FIGURA 10 Corredor da casa, animais criados em gaiolas. 132 FIGURA 11 Entrada do Ilê Axé Canto de Oxum 132 FIGURA 12 Principais zeladores da yalorixá Maria Tereza ti Oxum 136 QUADRO 01 Cosmolocalidades Comuns aos Ilê Axés 151 FIGURA 13 Planta baixa Ilê Axé Igbem Bale 152 FIGURA 14 Planta baixa Ilê Axé Onilewá Azanadô 153 FIGURA 15 Planta baixa Ilê Axé Canto de Oxum 154

15 FIGURA 16 Imagens de Orixás e elementos sagrados 161 FIGURA 17 Imagens de atividades exercidas no egbé 164 FIGURA 18 Adereços e imagens sagradas e simbólicas do candomblé 166 GRÁFICO 02 Iawôs iniciados no Onilewá Azanadô: década de MAPA 04 Comunidades de Terreiro em Goiânia: Liderança religiosa por Gênero 168 GRÁFICO 03 Iawôs iniciados no Onilewá Azanadô: década de FIGURA 19 Ciclo Festivo do Candomblé 171 FIGURA 20 Ritual do Padê de Exu 173 FIGURA 21 Feijoada de Ogum 174 FIGURA 22 Fogueira de Xangô 176 FIGURA 23 Olubajé 177 FIGURA 24 Águas de Oxalá 181 MAPA 05 Região Metropolitana de Goiânia 197 MAPA 06 MAPA 07 MAPA 08 MAPA 09 Registro de Comunidades de Terreiro no Estado de Goiás (1969) Registro de Comunidades de Terreiro no Estado de Goiás (1972) Registro de Comunidades de Terreiro no Estado de Goiás (1973) Distribuição Espacial das Comunidades de Terreiro em Goiânia FIGURA 25 Fase Inicial do Candomblé em Goiás 222 FIGURA 26 Período de Mudança no Candomblé em Goiás: de Angola para Ketu 227 GRÁFICO 04 Destinação original de áreas públicas doadas para entidades religiosas em Goiânia-GO ( ) 229

16 GRÁFICO 05 Quantidade de Terrenos doados pela Prefeitura de Goiânia para Entidades Religiosas ( ) 229 MAPA 10 Concessão de Terrenos Municipais para Entidades Religiosas (Goiânia-GO) 230

17 SUMÁRIO RESUMO ABSTRACT LISTA DE ILUSTRAÇÕES INTRODUÇÂO CANDOMBLÉ EM GOIÁS: DA INVISIBILIDADE AO RECONHECIMENTO TERRITORIAL E IDENTITÁRIO Entre a visibilidade do espaço e o reconhecimento simbólico do sagrado de matriz africana Os subalternos do Candomblé: as pesquisas africanistas no Brasil e a produção acadêmica em Goiás As pluritopias teóricas da modernidade para a ciência geográfica Contexto teórico para os estudos de saberes e de identidades encobertas das religiões de matriz africana no espaço diaspórico Os primórdios do Candomblé como cultura desterritorializada e espaço de afirmação identitária Os intentos coloniais e a promulgação de um racismo estrutural CONTRIBUIÇÕES DA GEOETNOGRAFIA PARA UMA GEOGRAFIA DAS FALAS: TRILHAS METODOLÓGICAS PARA O ESTUDO DOS TERRITÓRIOS E DAS IDENTIDADES CANDOMBLECISTAS geoetnografia e a dialética dos saberes: entre o pesquisador e as falas dos subalternos Geografia das Falas: o território mediado entre o privado legal e o público moral Ilê Axé Onilewá Azanadô: imagens escondidas na paisagem da cidade 2.4 Ilê Axé Oyá Igbem Bale: o espaço sagrado e os riscos da marginalidade espacial

18 2.5 Ilê Axé Canto de Oxum: normatização e ressignificação dos espaços religiosos no espaço da cidade AS ESPACIALIDADES DO SAGRADO: COSMOLOCALIDADES YORUBANAS, FESTAS E ELEMENTOS SIMBÓLICOS DO CANDOMBLÉ Cosmolocalidade: um termo e um conceito Narrativas das festas do Candomblé Calendário Festivo do Candomblé Padê de Exu Feijoada de Ogum Fogueira de Xangô Olubajé Águas de Oxalá A cultura, as representações e os símbolos sagrados do Candomblé: nas trilhas metodológicas de observação O PROCESSO DE ESPACIALIZAÇÃO E REORGANIZAÇÃO TERRITORIAL DAS COMUNIDADES DE TERREIRO EM GOIÂNIA E REGIÃO METROPOLITANA Goiânia e Entorno no contexto da expansão urbana e as religiões de matriz africana na Metrópole A espacialização das religiões de matriz africana em território goiano O Candomblé e a formação da rede territorial identitária: entre as nações de Angola e Ketu em Goiânia e entorno A negação do Outro em Goiânia e Região Metropolitana e o direito ao espaço Dispositivos legais para uma agenda de negociação políticoidentitária para as religiões de matriz africana Considerações Finais Referências Bibliográficas

19 INTRODUÇÃO O Sagrado de Matriz Africana é um termo que evoca uma densa discussão sobre os processos a que foram submetidos os espaços colonizados. Este termo é adotado na presente tese para o estudo do Candomblé, nosso campo investigativo. Essa religião está assente na cultura africana ressiginifcando as tradições, sobretudo aquelas do culto aos orixás, ou seja, as advindas da região yorubana, atual Nigéria e Benim. O Candomblé de origem yorubá, ou como o conhecemos hoje, Candomblé de ketu, é uma forma social religiosa constituída eminentemente ligada à diáspora africana no Brasil. Tomamos nesse estudo o Sagrado de Matriz Africana como categoria interpretativa tanto para o campo terminológico quanto para o conceitual. No que tange às terminologias, este se aplica às religiões de matriz africana e religiões afro-brasileiras, e como conceito, nesse estudo, exclusivamente para o Candomblé. As vivências históricas experimentadas em espaços e paisagens no contexto da diáspora forjaram relações sociais fraturadas pelo impositivo político colonial que as une. Toda a ideia de sagrado que remete a uma matriz africana é tido como bricolado pelas experiências com as culturas religiosas ou manifestações do sagrado local, seja de influência indígena, seja de influência europeia. No entanto esse aspecto de hibridação não é homogêneo para todas as manifestações religiosas, o que faz com que, hoje, umas sejam mais mescladas que outras. Na presente tese, reconheço como legítima e válida essa compreensão geográfica e histórica. Porém, para além dessa interpretação consensual e panorâmica, os estudos sobre o sagrado de matriz africana na diáspora ganhou uma discussão epistemológica no âmbito acadêmico que ora põem em oposição, ora em relação sinônima, os termos religiões de matriz africana (RMA) e religiões afro-brasileiras. Aqui considero necessária uma breve inferência que situe essas discussões terminológicas no âmbito dos estudos 17

20 acadêmicos sobre o sagrado africano por estarem relacionadas ao que Mignolo (2005) considerou sobre o imperativo weberiano que oblitera a colonialidade do poder escrito sobre o oral. Como uma proposta de enfrentamento a essa parelha, Mignolo (2005) adverte que os jargões são importantes para designar e desconstruir os sentidos políticos e ideológicos que são revestidos e liminarizados em pensamentos e ações por certas posturas interpretativas sobre o espaço colonial e suas formas de poder. Na literatura clássica de viés iluminista sobre os estudos desses segmentos religiosos, o sagrado de matriz originariamente africana sempre remeteu, por um lado, a ilações com conceitos e categorizações eurocêntricas, tais como primitivo e inferior. Por outro lado, as religiões denominadas de afrobrasileiras, por situações de acordos, ajustes, conversões sociais com o viés iluminista europeu e cristão, seja de orientação católica ou espírita kardecista, constituir-se-iam na estrutura das práticas menos primitivas, porém não menos bárbaras, supersticiosas e atrasadas. Nesse sentido pode-se apresentar uma taxonomia que ordena tanto o segmento de religiões de matriz africana quanto às religiões afro-brasileiras. No que se refere a essas últimas, além do aporte cristão e evolucionista que marcou o pensamento sobre o outro no século XIX, tais como o catolicismo, seja ortodoxo ou popular, o espiritismo kardecista também deixou suas marcas interpretativas, categorizadoras e de práticas. Esse é o modelo no qual as religiões denominadas de Umbanda são um caso exemplar. Ao longo da presente tese, especialmente em seu capítulo primeiro, essa questão será retomada. Sempre se recorrerá a essa inferência por ser uma questão cara tanto para as posições políticas e interpretativas que a academia faz sobre os partícipes das referidas religiões, no sentido de identidade atribuída, quanto da própria autoidentidade de seus professantes. Dessa feita, situo minha problemática de estudo sobre as dinâmicas territoriais do sagrado de matriz africana em Goiânia em um segmento específico do sagrado africano na diáspora: o Candombé de Ketu. Nesse sentido, o localizo e o identifico como uma religião de matriz africana (RMA) e não como uma religião afro-brasileira. Essa deferência é importante em 18

21 respeito a um sentimento legítimo que demanda dos próprios professantes do Candomblé em Goiânia doravante denominados por egbé, candomblecistas ou povo de santo de assim serem reconhecidos. Apresentarei e retomarei ao longo desse texto a arena interpretativa sobre o assunto que revela conhecimentos exógenos sobre o tema na literatura africanista clássica e nas próprias falas dos sujeitos que vivenciam tais práticas religiosas. Essas falas se inscrevem em um duplo domínio: ora são silenciadas pelo imperativo do denominado segredo público que permeia necessariamente as religiões iniciáticas o segredo público conforme adverte Taussig (1998, p. 50) que é amplamente conhecido, mas não pode ser enunciado ora são silenciadas pela hegemonia de crenças e pelos imperativos da colonialidade do poder. A priori necessito relacionar os motivos que me vincularam com a temática contemplada na tese intitulada Dinâmicas Territoriais do Sagrado de Matriz Africana o Candomblé em Goiânia e Região Metropolitana. Primeiro menciono meu vínculo como coordenadora e pesquisadora do Centro Interdisciplinar de Estudos África-Américas (CieAA), que atua como Núcleo de Estudos Afro-brasileiros (NEAB), da Universidade Estadual de Goiás (UEG). Nesse Centro de Pesquisa e Extensão aprovei estudos que obtiveram um reconhecimento por seu caráter científico e de agência em prol de políticas afirmativas, uma vez que o recorte voltava para os estudos etnicorraciais e de gênero. Os projetos aprovados junto ao Ministério da Educação MEC/PROEX/SESU nos editais públicos nos anos de 2010 e 2011, respectivamente: UEG na Escola: Atualização e Formação Continuada de Professores da Educação Básica e Programa de Ações Afirmativas para as Relações Etnicorraciais, História e Cultura Afro-brasileira e Africana ampliaram os estudos dessas temáticas no âmbito do estado de Goiás. Ademais, aprovei junto à Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG), o projeto: Mães de Santo: Domínios Territoriais, Sociais e Históricos do Sagrado em Goiânia/GO (edital 003/2008). Destaco ainda, minha inserção como pesquisadora-colaboradora no projeto de Avaliação das Políticas de Cotas Raciais na Universidade Estadual de Goiás, coordenado pelo prof. José 19

22 Santana da Silva e no projeto História do Candomblé em Goiânia: Mediações Territoriais do Sagrado no Espaço Público, coordenado pela profa. Dra. Eliesse dos Santos Teixeira Scaramal. Outra significativa participação para fortalecer as experiências que subsidiram o campo de estudo da tese ocorre com minha inserção no Conselho Estadual de Promoção de Igualdade Racial (CONIR) no triênio de 2009/ Considero que essas múltiplas participações, a saber: coordenação de projetos e membro de conselhos contribuíram de forma proativa para as práticas ligadas às culturas e para o reconhecimento dos territórios de Candomblés no estado de Goiás realidades tratadas no texto da tese de doutorado. Nesses termos tais experiências favoreceram para o aprofundamento teórico-prático, além de promoverem nessas instâncias o compromisso de contribuir no processo de formulação de políticas públicas de inclusão da população negra e comunidades de terreiro, em ações setoriais na área da educação e cultura. Destaco, primordialmente, que para a construção da presente tese mantive vínculo no Projeto Pró-Cultura: A Dimensão Territorial das Festas Populares e do Turismo: Estudo Comparativo do Patrimônio Imaterial de Goiás, Ceará e Sergipe (CAPES), que se desenvolve em parcerias das Instituições: Universidade Federal de Goiás (coordenação-geral Profa. Dra. Maria Geralda de Almeida), Universidade Federal do Ceará (responsável Prof. Dr. Christian Dennys Oliveira), Universidade Federal de Sergipe (responsável Profa. Dra. Maria Augusta Mundim Vargas) e a ONG Cultura, Cidade e Arte. Esse projeto subsidiou o levantamento das festas populares de Goiás, momento que destaco como fundamental para a construção do fazer metodológico e para a análise das festas que se fazem nos Terreiros, bem como outras que se relacionam a cultura negra no Estado de Goiás. A diretriz central da presente tese de doutorado é apresentar, no âmbito da Geografia Cultural, as reflexões teóricas e analíticas, mediadas por resultados de pesquisa sobre as dinâmicas do sagrado de matriz africana em Goiânia e Região Metropolitana. Para tanto, considerou-se três categorias 20

23 interpretativas, a saber: território, cultura e política, mais estritamente no sentido de políticas públicas 1. Contudo, um problema se apresenta: o Candomblé, religião escolhida entre as de matriz africana, é ainda percebida e abordada, como observamos em parte da bibliografia advinda da Sociologia, História e Antropologia, em uma perspectiva estática e autocrática. Essa percepção caracteriza-se pela quase ausência de referências às relações inter e intraconectivas, seja com a sociedade civil ou entre suas próprias unidades de rito e culto, correntemente conhecidos como Comunidades de terreiro, Casas, Roça, egbé 2, Ilê axé 3. Infere-se que na área da geografia uma ampla produção sobre o Candomblé e em especial por um viés da geoetnografia 4 é ainda pouco propalada. Com a apresentação desse problema, para o desenvolvimento da presente tese seguiu-se a revisão bibliográfica com levantamentos de resultados preliminares oriundos de fontes e de dados contidos nos projetos e na produção acadêmica citados ao longo desse texto. Desse exercício teóricometodológico outras variantes mostraram-se importantes de serem perscrutadas em uma abordagem geográfica, contudo, uma se mostrou especialmente necessária: a questão do território religioso de referência africana e as relações mediatizadas estabelecidas intra e extra campo das religiões de matriz africana, além do conhecimento sobre a configuração desse 1 Nesses termos, no ano de 2010 ingressei-me no doutorado na Área de concentração Natureza e Produção do Espaço no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás, na linha de pesquisa Espaço e Práticas Culturais. 2 As palavras em língua yorubá serão escritas conforme a fonética do português. Preferimos não seguir o padrão adotado pelos institutos nigerianos por entender que o número excessivo de acentos (uma vez que se trata de uma língua tonal) pode tornar a leitura truncada e ineficaz. Além disso por não se tratar de um estudo linguístico o não uso da escrita conforme a ortografia proposta pelas convenções internacionais não alterará significativamente o resultado do estudo. Por esse motivo dispensaremos o uso do itálico como destaque para palavras de língua estrangeira para o yorubá. 3 Os significados das palavras na língua yorubá e os termos referentes às religiões de matriz africana e afro-brasileiras serão organizados e referenciados ao longo do texto. É válido ressaltar que essa metodologia de informações específicas já foi empregada recentemente pelo antropólogo Wagner Gonçalves Silva (2005). 4 Segundo os estudos de Matthews et al (2005) e Skinner et al (2005) a geoetnografia é um caminho metodológico que agrega um conjunto de procedimentos e técnicas quantitativas associadas às qualitativas, ou seja, é um campo em que se utiliza de multimétodos para as pesquisas em diversas áreas, sobretudo, as humanas. 21

24 campo de relações religiosas com as instâncias outras da sociedade civil e do Estado. Dada essa questão, surgem os seguintes questionamentos: permanece a validade do argumento apresentado pela bibliografia especializada de que o Candomblé ainda se organiza em uma perspectiva estática e autocrática? 5 As Comunidades de terreiro ainda são endógenas, com pouca ou nenhuma relação entre seus coetâneos? A partir do dizer dos informantes cada candomblé ser um, ou seja, uma unidade no diverso, como explicar as intensas e necessárias relações de troca, negociação e conflito de bens simbólicos e mágico-religiosos entre as casas? Ao tentar responder a essas questões me deparei com a parca produção de estudos que privilegiam esse olhar, em que se reconhece a existência de relações sociais e territoriais do sagrado de matriz africana, nesse caso em Goiânia e Região Metropolitana, em duas instâncias: - relações territoriais, historicamente construídas por comunidades religiosas cristãs com as Comunidades de Terreiro; - relações de subalternidade vivenciadas pelos praticantes dessa religião que diretamente relaciona-se com a questão da identidade religiosa e com as políticas públicas culturais no Estado. Com essas questões, balizadas por uma abordagem teórica da Geografia Cultural, sobretudo por uma perspectiva do método hermenêutico e acompanhadas por procedimentos metodológicos da geoetnografia, foi possível inferir que a categoria território apresenta uma força epistêmica relevante aplicada a esse estudo. Para uma explanação introdutória, a geoetnografia emerge a partir dos anos de 1990 com procedimentos de caráter qualitativo e quantitativo para a análise espacial. Ela favorece aos estudos que tratam dos processos socioespaciais, culturais e étnicos, por meio de uma inter-relação entre campos de saber acadêmicos, no caso a geografia, a sociologia, a história e a 5 Nas narrativas, em especial sobre os candomblés da Bahia, os terreiros foram abordados em sua organização endógena, sem relação com outros terreiros, sempre destacados por suas relações hierocráticas, ou seja, posições consideradas pelo tempo de iniciação e pelas funções designadas dentro do egbé. 22

25 antropologia. Assim, torna-se ferramenta analítica e instrumento integrador de diferentes metodologias de pesquisa. Para o estudo das Comunidades de Terreiro essa compreensão metodológica a partir da geoetnografia permite integrar dados etnográficos procedentes de diversas fontes: observações de campo, produção de mapas e croquis, entrevistas com os sujeitos sociais (iniciados, agentes do poder público, pesquisadores), documentos de órgãos públicos e informações midiáticas, fotografias e fontes bibliográficas. Além dos registros e narrativas orais obtidos junto aos notórios saber dos conhecimentos das culturas religiosas africanas (babalorixás, yalorixás 6, equedes 7, ogãs 8, tata-de-inquices 9, yawôs 10, e outros). Nesses termos, aponta-se a tese de que, ao contrário dos entendimentos que apresentam os Candomblés em seus espaços de ritos e cultos, os ilês axés, como unidades ímpares do diverso, concretas, presentificadas em uma rigidez quase fixa, esses, na verdade, se apresentam em complexas relações de redes sobrepostas e inter-relacionadas. A articulação das redes percebidas ocorre na inserção de membros em ocasiões sejam festivas ou civis, nas trocas de bens simbólicos inerentes a ritualística, nas relações políticas entre as casas. Essas redes, por sua vez, são compostas por diversas territorialidades expressas em várias formas sejam nas relações culturais e em sua interface com o sagrado, sejam com a sociedade civil, com segmentos religiosos hegemônicos ou com grupos socialmente minoritários ou subalternizados, religiosos ou não. 6 Babalorixás e yalorixás são respectivamente pai (babá) de santo ou zelador de orixá e mãe (yá) de santo ou zeladora de orixá. 7 Equede é uma espécie de posição ou função dentro da organização ritual/social dos ilês. Elas são mulheres que não entram em transe, ou seja, não manifestam a energia do orixá. Portanto, exercem atividades específicas, como vestir os yawôs com as roupas das divindades quando estas se fazem presente nas festas. 8 Ogã é o equivalente masculino das equedes, e assim como elas os ogãs não entram em transe. Esses têm funções como, por exemplo, tocar os atabaques durante as cerimônias. 9 É o sacerdote do culto aos inkices, categoria de divindades originárias dos povos bantos, cultuadas no candomblé de Angola, 10 Yawô são os iniciados no Candomblé que recebem, em transe, os orixás. 23

26 Para além desse pressuposto, argumento que essas redes sobrepostas e inter-relacionadas são vetorizadas por duas grandezas categoriais: o espaço e o tempo, as quais obedecem a uma dinâmica que pode se apresentar em formas fluídas, porosas e flexíveis. Para efeito dessa tese e da necessária demonstração das filigranas que formam a tessitura dessa trama, busco demonstrar que a rede do Candomblé pode ser percebida e identificada em três dimensões: a simbólica, a social e a econômica/política. No que se refere à dimensão simbólica apresento o que concebi como cosmolocalidades. Para o âmbito social discuto as intra e inter-conectividades nodais de identidade e de relações intra e inter egbés. Para o termo cosmolocalidades, explico que o mesmo liga-se ao reconhecimento de um local dominado por uma deidade designando o domínio espacial específico do sagrado. Na dimensão político-social considero o tratamento do poder público para com as comunidades em termos de ações de promoção de igualdade cultural. O propósito da análise dessa dimensão é compreender as ressonâncias multiterritoriais do Candomblé com a sociedade civil e as configurações multidirecionais de fluxo e refluxo com o Estado em sua demanda por políticas públicas. De forma contígua e contributiva apoiada nas abordagens da Geografia Cultural proponho na tese considerar as ilações das Geografias Pós-Coloniais, na intencionalidade de busca de sentidos dos e para os denominados sujeitos descentrados, subalternizados. No mesmo sentido do que Bhabha (2005) denominou de sujeitos provisórios, circunstanciais e, sobretudo, dos sujeitos falantes e dos sujeitos falados. Pode-se afirmar que as posições teóricas da Geografia Cultural abrem espaços para o diálogo com a Geografia Pós-Colonial ao reconhecer as grandezas do simbólico, as múltiplas dimensões: filosófica, psicológica, sociocultural, histórico-geográfica e a identidade como movimento de negociação e, sobretudo, de processo de diferenciação e de reconhecimento frente à alteridade (HAESBAERT, 2004). Ou ainda para Almeida (2011) ao afirmar que numa perspectiva da Geografia Cultural o espaço é garantido numa 24

27 análise existencial em que os territórios e os lugares passam a ser analisados como porções imbuídas de significados, de emoções e de sentimento (ALMEIDA, 2011, p. 2). Nesse sentido, pode-se corroborar algumas posições epistemológicas, dentre as quais destaco uma que considero particularmente significativa para o campo de estudo ao qual no momento me debruço: o lócus de enunciação. O cenário no qual se desenvolve as citadas tramas poderia, em um primeiro momento, ser apresentado em uma forma multidirecional e os atores sociais que nele atuam proporcionariam ao mesmo tempo situações de multiplicidades, interstícios, complementaridades e diferenças, como em um rizoma, (MASSEY, 2009; DELEUZE; GUATTARI, 2004). Porém, nessa configuração, um problema se apresenta: trata-se do lugar do sujeito que se propõe a produzir e publicizar um conhecimento oriundo de saberes locais. Nesse caso o geógrafo em uma dimensão cultural. Abre-se então a questão da forma narrativa dessa apresentação, a qual, necessariamente, pode levar esses sujeitos sociais a não se reconhecerem em suas formas de construção cultural, geográfica e histórica, ou pelo menos, na forma que o geógrafo cultural a desenha. Tal proposição é absolutamente válida ao se considerar o princípio contraditório que uma narrativa unívoca abarca, por obliterar as multiplicidades e heterogeneidades dos espaços (MASSEY, 2009, p. 24). Porém, ao não avaliar o lócus de enunciação do subalterno e a produção de narrativas desses mesmos outros coetâneos é que se torna necessário nesses grupos pesquisados considerar o papel do geógrafo cultural, em uma situação de agency, conforme os estudos de Spivak (2010). Ao pensar na constituição histórica do Candomblé no Brasil pode-se observar, por meio de estudos transdisciplinares, que esta se deu de forma complexa, pautada pela negociação de espaços e de direitos de realizar tais práticas religiosas. Sobre esta religião o que preponderou foram relações de não aceitação, de negativação frente à cultura hegemônica, a qual se expressa com o centrismo cristão de matriz europeia. Contudo, estas religiosidades garantiram suas manifestações neste espaço adverso por meio de um 25

28 processo intenso de negociação (nos interstícios da cultura e da história), ao ponto de constituir em torno de si um contexto marginalizado sentido tanto no campo físico, quanto no campo das ideias e do imaginário social. Porém, faz-se necessário pensar a margem, a marginalização e a marginalidade, no que concerne às religiões de matriz africana, sob aspectos distintos. Por um lado, há a questão de que as religiões de culto aos orixás reivindicam para si espaços em que estejam presentes os elementos da natureza que são intrínsecos à sua composição, como a água (riachos, córregos e lagos), as matas, os jardins onde estão presentes suas vegetações sagradas, dentre outros, os quais são indissociáveis da composição de um ilê axé. Eles garantem os assentamentos 11 dos orixás e designam a identidade do culto. Assim, infere-se que o espaço territorial de um ilê axé é parte constitutiva de sua identidade. Por outro lado tem-se a formação do Candomblé como um fenômeno urbano, já discutido nos clássicos estudos de Édison Carneiro (1967), Ruth Landes (1967), Roger Bastide (1985), dentre outros. Todavia, na cidade (no seu momento de institucionalização) a sua existência foi garantida longe do centro urbano, nas margens, nas franjas rururbanas, em terrenos amplos e com os elementos necessários para a garantia de suas práticas religiosas. Assim o Candomblé foi sedimentado. Esta margem garantiu a sua existência. Porém, ela também fomentou um processo de marginalização em seus sentidos mais negativos. Se a margem em um dado momento era condição para a existência, a marginalização em um processo contrário transformou-se em um algoz que imprimiu condições de subalternidade sobre estes cultos e sobre os seus praticantes. Por fim, pari passu ao desenvolvimento do estudo pelos caminhos metodológicos da geoetnografia, pôde-se observar que as festividades candomblecistas são inerentes e indissociáveis desta religião e tornaram-se essenciais para esse estudo. Primeiro porque representam o momento em que o Candomblé se abre para o público, fato que possibilita ao não praticante da 11 O assentamento é um espaço, dentro do ilê, em que há uma representação física, material, da presença da energia do orixá. Nesse assentamento há objetos de ferro, barro e outros, ligados aos princípios de cada divindade. 26

29 religião a inserção neste espaço religioso. Em segundo, porque por meio delas têm-se a oportunidade de conhecer os sujeitos praticantes, os visitantes, pais e mães de santo de diferentes Terreiros e locais do Brasil, em suma: há a possibilidade de conhecer o espaço sagrado e os sujeitos que ele comporta, bem como a ritualística das festas. Assim, a festa no Candomblé goiano é uma dessas ricas possibilidades de análise do tema central do presente estudo. Todo ilê axé cumpre um ciclo festivo anual, esse deve ser realizado por fazer parte da própria identidade religiosa. Outras festas ocorrem em atendimento à dinâmica interna de cada Casa, como é o caso das que demarcam o tempo de iniciação do praticante e das que balizam a própria iniciação do adepto. Após a constatação da existência desse ciclo festivo presente em cada Terreiro, compara-mo-lo com o calendário de festas fornecido pela Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira (AGEPEL dados coletados em 2010). Nesse processo percebi a invisibilidade e a obliteração das festividades das religiões de matriz africana na agenda da Agepel. Das festas catalogadas pela AGEPEL para todo o Estado de Goiás há o significativo registro de mil e quarenta e oito ocorrências festivas em 246 municípios, dentre esses, mais de mil registros de ocorrências dos festejos cristãos, fundamentalmente os católicos. O único registro ligado às festividades de matriz africana ou afro-brasileiras é uma data comemorativa: o 13 de maio como dia da Abolição da Escravidão no Brasil. Porém, não se trata de uma festa religiosa, que para a maioria dos grupos não é legitima à memória positiva dos negros. Para os festejos cristãos há uma expressiva divulgação e visibilidade, seja com as festas de padroeiros, os ciclos juninos, natalinos, e, sobretudo, os relativos aos diversos santuários existentes no estado. Tendo por referência todas as considerações anteriores, outras problemáticas surgem para a geografia: o que seria para o Candomblé estar à margem na questão territorial? Por que o candomblé foi associado à marginalidade? Qual o peso da questão espacial e territorial neste processo? Como é possível, na atualidade, estabelecer uma discussão entre os terreiros cimentados e a roça na roça? Um caminho possível de empreender essa 27

30 discussão no âmbito da geografia é sopesar os elementos intrínsecos ao culto, identificar suas localizações, como são suas disposições, assim como considerar o debate entre a religião e a cidade. A tessitura que compõe essas indagações será tratada com argumentos teórico-metodológicos expostos em um texto analítico mediado por diversas fontes. Este se apresenta com os seguintes capítulos. No primeiro intitulado Candomblé em Goiás: da invisibilidade ao reconhecimento territorial e identitário construo uma análise teóricoepistemológica sobre as religiões de matriz africana, enfatizando o Candomblé em Goiânia e Região Metropolitana pela abordagem da geografia cultural e pelos estudos pós-coloniais. Realizo também uma revisão bibliográfica da formação do Candomblé em cenários nacionais destacando as aproximações teóricas para os estudos de saberes subalternizados e de identidades encobertas. E, por fim, apresento um reconhecimento histórico geográfico da formação do Candomblé no espaço diaspórico. No segundo capítulo Contribuições da Geoetnografia para uma geografia das falas: trilhas metodológicas para o estudo dos territórios e das identidades candomblecistas em Goiânia e Região Metropolitana, ressalto os procedimentos metodológicos como vias interpretativas que contrariam as narrativas oficiais da história, promovendo as narrativas dos sujeitos informantes em uma abordagem hermenêutica. Destaco que, nesse capítulo, as bases metodológicas promovem o reconhecimento da pesquisa participante e da interpretação das culturas segundo a proposta de Geertz (2005) e da geoetnografia. No entremeio dessas vias interpretativas emerge a concepção da geografia das falas. Entende-se que segundo a teoria póscolonial os sujeitos necessitam demarcar seus locus de enunciação, nesse sentido, as vozes emergem como demarcações territoriais e identitárias em um cenário que promove as múltiplas invisibilidades asseguradas pelas estratégias da colonialidade de poder. No capítulo terceiro As espacialidades do sagrado: cosmolocalidades yorubanas, festas e elementos simbólicos do Candomblé enfrento as construções dos espaços simbólicos que caracterizam 28

31 a cosmovisão da religião em estudo, sobretudo no entendimento das cosmolocalidades. Esses locais para a prática religiosa são as espacialidades sagradas e essas passam a dar os significados dos elementos constitutivos das cosmologias africanas presentes no Candomblé de Ketu. Nesse capítulo, ainda ocorre uma análise sobre as festas do Candomblé entendidas como manifestações que articulam a rede territorial da religião promovendo disputas de ordem simbólica, política e social. A cultura, as representações e os símbolos sagrados do Candomblé não foram abordados na dimensão daquilo que é próprio do sagrado, de como são transformados em símbolos culturais. Esses símbolos são produtos e produtores da cultura e tornam-se imprescindíveis para os conhecimentos da sistemática que envolve a religião. Por último, no quarto capítulo: O Processo de Espacialização e Reorganização Territorial das Comunidades de Terreiro em Goiânia e Região Metropolitana realizo uma discussão da produção do espaço urbano pari passu à invisibilização das comunidades de terreiro que requer obrigatoriamente uma crítica ao papel exercido pelo Estado. Neste capítulo discuto sobre o alijamento das religiões de matriz africana, sobretudo a partir da concessão de terrenos por parte do setor público. Nesse, a análise depreende da reflexão sobre a espoliação urbana advinda dos processos de constituição da metrópole. Ademais, enfatizo a formação da rede territorial do Candomblé goiano, a partir da composição das nações Angola e Ketu. Ocorre nesse algumas problematizações sobre os dispositivos legais para a constituição de uma agenda de negociação político-identitária para as religiões de Matriz Africana na contemporaneidade. 29

32 CAPÍTULO 01 CANDOMBLÉ EM GOIÁS: DA INVISIBILIDADE AO RECONHECIMENTO TERRITORIAL E IDENTITÁRIO Nesse capítulo pretende-se discutir e analisar a territorialização do Candomblé em Goiânia e Região Metropolitana e os processos de invisibilidade e marginalização espacial dessa religião. Para tanto, a análise está seccionada em itens que abordam primeiramente os marcos teóricoconceituais e, em segundo, a inserção da temática no campo da Geografia Cultural e das Geografias Pós-Coloniais primando o debate no contexto da modernidade e debate acerca dos processos históricos que explicam os contextos em que o Candomblé foi inserido no espaço diaspórico brasileiro. A marginalização e a invisibilidade socioespacial do Candomblé no contexto goiano decorrem, em parte, dos dispositivos normativos do Estado (políticas públicas de democratização e de disciplinamento). Além de sua própria dinâmica que caracteriza sua prática como cultura de margem excluída dos espaços hegemônicos, seguindo o adágio que Candomblé bom é aquele longe e escondido. 1.1 Entre a visibilidade do espaço e o reconhecimento simbólico do sagrado de matriz africana A análise desse pressuposto, sobretudo na abordagem cultural, está relacionada com o território nos seus aspectos de legitimidade e reconhecimento por parte dos praticantes, agentes do poder público e sociedade civil. Essa análise nos remete à formação de uma espacialidade simbólica constituída pelos ritos e rituais próprios da religião, evidenciando a ocorrência de uma conexão entre o espaço material e o espaço simbólico garantindo uma identidade territorial do Candomblé, em Goiânia e Região Metropolitana. 30

33 No presente estudo, o conceito de território como categoria analítica e interpretativa é basal para o entendimento da construção identitária do Candomblé goiano. Essa identidade se constitui de forma intersticial, simbólica e/ou material compondo uma estrutura organizacional que se relaciona por várias conexões, sejam pelas festas, pelos ritos e outros. Tais conectividades podem ser percebidas pelos praticantes e outros agentes públicos e civis, por meio das relações que se estabelecem no espaço público ou ainda entre si, ou seja, nas formas inter e intra egbés 12. De forma contígua, a categoria território contribuiu igualmente para a compreensão da estreita relação de duas dimensões universais: o espaço e o tempo. O estudo das religiões de matriz africana no âmbito da Geografia Cultural possibilita uma compreensão da diáspora africana no Brasil não apenas com aspectos de uma temporalidade teleológica ou linear, ou ainda apresentando o espaço em uma perspectiva vetorial unívoca (África Brasil), mas sim em múltiplas direções e filigranas. Território é adotado como categoria interpretativa a partir da compreensão do espaço existencial do humano (ALMEIDA, 2011; SOJA, 1993), que age construindo diversas formas e possibilidades de vivências, em acordo com suas subjetividades, sensibilidades e pertencimento, consigo e com os outros, com o espaço e com o tempo. A ampliação do debate sobre as relações identitárias dessa religião no estado de Goiás recupera os ditos processos coloniais que imputaram mecanismos de subalternização e que, na atualidade, concedem abertura ao debate com outras formas de saberes na busca da descolonização das culturas, das crenças, das paisagens e dos territórios. Nesse sentido, a religião do Candomblé está alicerçada sobre construções culturais de diferença e alteridade e é produto de forças históricas e geográficas específicas que se fizeram por modos de representações dominantes. Decorre daí a importância de considerar tal prática religiosa em suas relações sociais e políticas, as quais se formam por meio de um processo que envolve o poder geopolítico, ligado ao momento da colonização do Novo Mundo e aos efeitos da diáspora africana nas Américas, considerando também a territorialização do conhecimento 12 Egbé é uma comunidade, uma casa de Candomblé. Outro nome utilizado é ilê. 31

34 ocidental perpetuada por estratégias de exclusão e dominação das culturas e dos lugares colonizados: as colonialidades de poder. No que diz respeito a essa colonialidades de poder, ela estão ligadas à crítica epistemológica empreendida por Quijano (2005). O conceito de colonialidade de poder relaciona-se por meio da crítica às questões que promulgam heranças coloniais que ainda se fazem presentes nas sociedades contemporâneas, em especial nas nações subdesenvolvidas. Nesses espaços os modelos coloniais se reproduzem pelos mecanismos do modelo europeu de sociedade, de produção e de experiências diluídas em cotidianos que já refletem o ordenamento e a disciplinarização da vida. O argumento de Quijano (2005) abarca as ações e relações de dominação sobrepostas no locais em que as hierarquias sociais foram organizadas tomando por base os construtos étnicos, raciais e socioculturais. As singularidades dos saberes locais foram submersas pela ação colonizadora em um sentido lato. O espaço geográfico foi redefinido para além de limites e fronteiras físicas. A ação colonizadora incluiu uma nova ordem nas dimensões simbólicas e epistemológicas. Redefiniu-se uma normativa do (bom) gosto, da interpretação e da semântica. Sabe-se que por se tratar de uma religião baseada na oralidade, essas reconstruções geo-históricas dos ilê axés goianos apresentam lacunas, uma vez que, ainda não existem fontes para contraposições e complementações de dados. No que se refere às formas materializadas das vivências religiosas recriadas pela diáspora africana nas Américas, as concepções interpretativas de Massey (2009) são aqui especialmente consideradas, sobretudo no entendimento do espaço como um produto de inter-relações. Essa diretriz conflui com o principal argumento posto para exame na presente tese: as construções das relações identitárias entre candomblecistas podem ser apreendidas não em um formato estático do espaço ou do tempo linear e sim nas formas conectadas de redes territoriais, com seus pontos nodais, intersticiais e de contiguidade. 32

35 No caso do Candomblé, a interação das culturas que o constitui é evocativa de estratégias do poder geopolítico global, que se fez na dominação dos territórios colonizados, provocadas pelas práticas de deslocamentos diaspóricos. Dessa realidade diaspórica o elemento religião, tal como criada pela matriz cristã-européia, sobressai como uma interpretação categorizadora e superlativizada pela ordem da colonialidade do poder. Para grande parte das culturas africanas e ameríndias, ou seja, para o outro no subsolo da hegemonia, a ideia de religião como uma dimensão dissociada das instâncias natural e humana soa como incompreensível. Numa tentativa de hermenêutica pluritópica, Mignolo (2005) e Santos (1985) apontam que, a despeito da simplificação categórica de religião, o que se realiza é uma cosmogonia. Porém, dos interstícios e contatos dos mundos semânticos, advém novas e múltiplas organizações ressignificadas. O Candomblé, como vivência religiosa hibridizada, constitui-se como uma nova forma baseada em conjuntos ritualísticos formados por símbolos, crenças e mitos redistribuídos ou recombinados nas diversas regiões brasileiras. O Candomblé, a partir do princípio do espaço interacional, apresenta-se com uma surpreendente capacidade de incorporação de elementos que constituem diferentes cosmologias. O espaço demarcado para a prática do Candomblé, o ilê, assume o binômio ajustamento/transformação, constituído pela interação de elementos e ritos que se universalizam e que acionam uma forma interpretativa epistêmica, a do espaço social, aquele dos significados sociais mais amplos da vivência e práticas humanas, próprias da religião em questão. Dessa perspectiva, é possível reiterar a concepção de espaço como uma esfera da possibilidade da existência, da multiplicidade. Para Massey (2009, p. 3) é a esfera na qual distintas trajetórias coexistem; é a esfera da possibilidade da existência de mais de uma voz. Sem espaço não há multiplicidade; sem multiplicidade não há espaço. Na composição do Candomblé, as trajetórias coexistem por meio de processos interativos que comungam com os ritos propriamente africanos e ainda coadunam com os processos que se ligam ao sincretismo brasileiro. Sobre esse último, o 33

36 entendemos aqui conforme Carnevacci (1998, p.8) que ao relacionar o sincretismo aos construtos da própria diáspora, considera que este permitiu uma inseminação aqui e acolá, uma fecundação dispersiva; uma disseminação desordenada. Processos esses que, para o autor, respaldam a própria a cultura. Os espaços que revelam a ocorrência e sua materialidade são indiscutivelmente vistos como produto das inter-relações históricas e geográficas, que evocam espaços e tempos plurais e múltiplos co-constitutivos. Para uma reconfiguração desses espaços e tempos remonta-se à chegada dos povos africanos trazidos ao Brasil na condição de escravizados, pertencente a uma diversidade étnica que ainda, de forma ressignificada, é vivenciada no país, conforme descrito nos estudos de Bastide (1985). A experiência da escravidão promoveu a formação das mesclas culturais assistidas nas ritualísticas das religiões afro-brasileiras, como a devoção aos santos católicos em mesa branca ou da Jurema, como aponta o antropólogo Sérgio Ferreti (2011). Ao fazer uma análise crítica da obra A busca da África no Candomblé, da antropóloga Capone (2009), percebe-se que a utilização do termo afro-brasileiro pela autora, apresenta problemas epistemológicos. Ao contrário da autora considero que o conjunto de cultos que compõem, sobretudo, o kardecismo e a Umbanda de desinência branca, não se reconhecem como africanos. Para boa parte dos adeptos desses segmentos religiosos suas teogonias não se vinculam eminentemente à prática africana. Segundo os sujeitos pertencentes ao Candomblé na Região Metropolitana de Goiânia, essa questão demarca um aspecto central no que se refere às diferenças entre os segmentos que se designam ora como afrobrasileiros, ora como africanos. Pode-se observar esse fato no trecho retirado da entrevista de Elmo Alâburu, sacerdote do culto Omolocô e então presidente da Federação de Umbanda e Candomblé do Estado de Goiás (FUCEGO) em entrevista concedida ao projeto ABEREM: A questão racial liga-se a religião. Automaticamente falar de cor fala-se na religião. Não se fala de questão de... questão, de.. quesito raça/cor sem falar de sua ponta que é a alma daquele povo de um lugar. Que é a sua fé. Então nesse 34

37 momento, o que você percebe: pessoas que estão ali, que são oriundas de igrejas de matriz africana e brasileira, porque a Umbanda é brasileira, não adianta querer vim... einheim, einheim, einheim... a Umbanda é a única religião brasileira! Genuinamente brasileira. Ela surgiu em Niterói, em uma mesa kardecista, por um médium, que foi o primeiro ato de discriminação... eu acho um absurdo, entendeu? Uma mesa kardecista que recusa receber na mesa o espírito de um Caboclo Sete-encruzilhada porque era um caboclo! Então, pra ser recebido na mesa kardecista tinha de ser, é... Charles Pierre, Adolf Greem, Irmã Sheila [...] num sei o quê... cê tá entendendo? Mas num podia ser um caboclo do pé grande, entende? Então tinha de ser um caboclo... aí quando se manifestou o Caboclo da sete-encruzilhada Zé Fernandino foi obrigado a sair fora do kardecismo. Aonde ele dá mensagem que nós dois sabemos, que ia soltar uma semente nas nuvens que ela ia proliferar e que ela daria várias casas, como surgiu várias casas de Umbanda, na época. Os cultos que reivindicam uma linhagem pura se apresentam com o locus de sentido plural, principalmente, por se observar as ressignificações nas formas tradicionais, conforme aponta Francisco Tata N gunztala, sacerdote do Candomblé Angola: Até essa Umbanda, histórica, hoje já está difícil de encontrar. Cê vai nas casas de Umbanda hoje, o quê que está sendo tirado na sala? Não está saindo a Cabocla Jurema, não está saindo mais a Iara... quem está saindo é Oxum! Na sala de umbanda? [...] pessoa não recolhe mais na camarinha pra sair o caboclo tal... o Caboclo Oxossi... porque tem o caboclo Oxossi... mas é um caboclo... Beira-mar não sai mais na casa de [...]Como é que você chega para uma pessoa de cinqüenta anos de ministério e diz: ôôôh, mãe... nós num cultuamos Exu... Que é isso, menino? Quê é que cê ta vendo? eu vi os meus mais velhos fazendo assim, era Exu, era Pombagila era Elegbára... era o que fosse! E num é a mesma coisa? E quê é que cê ta querendo de me ensiná agora?! num é assim? e cê tem que... assim, dentro da hierarquia... [faz sinal de zipar a boca] quietim! Na sua casa, quando você plantar, aí sim! Ó gente... Nós somos Angola, esse senhor aqui é o senhor dos caminhos, é o mesmo senhor, é o mesmo Exu, é o mesmo Elegbara, ele tem o mesmo regimento mítico dentro do nosso culto, é o mesmo! Mas como nós somos Angola, nós vamos cantar é PombaGila, sabe? Aluvaiá... nós vamos cantar é assim... nós vamos saudar, dentro de nossas saudações... mas não é que não seja o do senhor..... pronto! Ficou entendido? Ficou entendido. Se eu chego na casa do senhor e o senhor é Ketu, é Exu? Pronto, eu vou cantar pra Exu do mesmo jeito, mas num é que... na minha cabeça eu sei que o senhor, a energia, o mítico é o mesmo... num mudou de senhor porque. 35

38 Retomando as ideias de Capone (2009), as modalidades do Kardecismo e da Umbanda estão ligadas a uma herança africana, ao afirmar que os médiuns circulam de uma variedade à outra, em um continuum religioso que vai do pólo considerado menos africano (kardecismo) àquele considerado mais africano (candomblé africano) (p.13). A autora acrescenta que o Candomblé está imbuído nos cultos afro-brasileiros. Conforme seus escritos o termo afro-brasileiro está evidentemente associado à ideia de uma África legitimadora, berço ideal e único de uma religião, que nos dias de hoje, vem se tornando um símbolo de resistência (idem, p.48). Considero que mediante a essa posição faz-se necessário uma crítica a partir da abordagem teórica que assumo nesse estudo. A apresentação do termo afro-brasileiro como síntese do processo de bricolagem das culturas brasileiras dirimiu o emprego do termo africano com intento de fortalecer a ideia de que houve um processo de ajustamento de várias culturas no Brasil. Ademais, a força epistêmica do termo afro-brasileiro designa uma formação de mescla étnica que consegue aglutinar para si uma variedade de matrizes em especial europeias, indígenas e africanas. Sobre as últimas destacam-se: Umbanda, Omolocô, Encantaria e Candomblés. O campo metodológico de investigação que orientou o estudo das comunidades de Terreiros em Goiânia e Região Metropolitana nos possibilitou elencar momentos em que as visões apresentadas encontram-se em contradição. O termo afro-brasileiro abriga uma densa e complexa discussão que necessita considerar os agrupamentos de credos de um continuum religioso, que segundo as narrativas não se apresentam em suas formas puras, mas por formas misturadas. Vejamos o trecho do diálogo entre o sacerdote de Omolocô Sr. Elmo, o sacerdote do Candomblé Angola Sr. Francisco e a professora Eliesse Scaramal: Elmo: ah, você vem de onde? Angola vem de onde? Vêm lá de Barros Reis, que era o Roberto, que herdou o nome dos Senhores dele, era escravo angolano, né? Barros Reis era a família... que ele que deu a obrigação de [ Trenbi Zambi] que era Maria Nenê, né? Que era Num é Baiana?... ela é do Sul, do Rio Grande do Sul, mas só que foi iniciada na Bahia, é a 36

39 mãe do culto de Angola no Brasil... ela que iniciou Bernardinho, que iniciou [Siriaca] e daí nasceu o bate folha, fica bonito isso: você fazer uma genealogia, muito bonito a tradição... não é que seja uma mais importante que a outra, mas é porque fica bonito...: é cultura Eliesse 13 : você acha que fortalece, a identidade? Francisco 14 : [...] não, muita gente enfraquece, porque muita gente, ah, se dividindo?, Ele acha que agora ele tem que ser puríssimo, ele tem que purificar total... E aí isso cria... cria coisas estranhas... assim, sabe? Separadas... parece que... Dandalunda? não... Dandalunda... eu num posso ir numa casa de Ketu... se meu santo virar lá, como é que vai ser? Ai!. E aí vai criando assim, sabe? Divisões... mas esse não é o objetivo, o objetivo é que as pessoas tenham a sensação de pertencimento, de conhecimento! Ah, não... eu sou iniciado... na sala sai Dandalunda, mesmo que ela usa as mesmas coisa de Oxum, qual o problema? O princípio é o mesmo... não tem problema dela usar os mesmos materiais, qual o problema? Eliesse: e o Santo gosta? Ele não se importa? Com a questão de território... não? Francisco: o Santo, por si só... ele não ta muito preocupado com isso... não, não... porque ele transcende... ele é divindade então ele transcende imagina, se eu vou aqui fazer uma oferenda, um...trabalho pra pedir pra PomboGila, que é o senhor dos caminhos na nação angola, que seria o Exu, ou... ou...ou Legbá dos voduns, que é o mesmo senhor... Então digamos que eu fiz aqui, né? Aí no meio do ritual eu sou de Angola no meio do ritual eu falei Laroiê, Exu! pronto, dividiu o espaço mítico, porque eu chamei Exu e agora vai ter que... Não, isso não existe! O senhor dos caminhos, é o senhor dos caminhos! Não existe esses dois espaços míticos que é: ah, não isso aqui é de Exu... Dividiu... Aí esse espaço aqui é de Elegbá, porque eu sou Jeje, aí tem outro espaço... Aí Aqui não, aqui é de PomboGila, porque eu sou de Angola..... Isso não existe! O espaço mítico ele é transcendente! No excerto acima é possível observar que o espaço mítico narrado é aquele que permite o continuum religioso entre as nações que se construíram no espaço diaspórico brasileiro. Essa visão de que as divindades ainda que 13 Professora do Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás (FH/UFG). Fundadora do Centro Interdisciplinar de Estudos África- Américas (CIEAA). 14 Francisco Ngunz tala (Sacerdote Candomblé Angola) 37

40 relacionadas a diversos territórios africanos podem ser assimiladas, por uma questão de trânsito, em outros espaços, reafirma a crença do praticante em suas manifestações sagradas. Deste pressuposto entende-se que os espaços do sagrado são fluídos e se apresentam em sua cosmogonia ligados ao sentido da transitoriedade do transcende. Desta sorte, os partícipes possuem uma referência crítica da transitoriedade desses espaços de referência das divindades. Eliesse: A pessoa que está no rito, ou o zelador... ele (a) sente isso.. Francisco: os mais velhos, não... os mais velhos não fazem essa separação. Os mais novos, alguns, vão para os extremos. A não, eu sou Angola!, eu falei Exu, eles criticam logo... Ué, você é Angola, ou você é o quê? o quê, que negócio de Exu?! e qual o problema? Claro que eu tenho que ter consciência de que eu sou Angola, no meu culto se chama PombaGila, eu tenho cantigas, eu tenho rezas, eu tenho ritos e tenho preceitos próprios, não preciso usar o deles, mas não que eu meu seja melhor, ou dele seja melhor. Ele vai usar o preceito, a reza, o culto, o... a língua dele... mas o espaço mítico é o mesmo! Elmo: se me permite... o que eu entendo hoje... nessa, nessa variedade de cultos que tem dentro do Afro, que aqui no Brasil nem se conhece... que é a questão de Congo, Moçambique, uma série de coisas de tradições africanas próprias, que muitos não tem acesso, que são altamente sociedades fechadas, mas que... o que você colocou muito bem, que o que a gente tem que respeitar e colocar assim, bem enxuto e bem visível, dentro das comunidades de matriz africana e brasileira é a essência de cada sentido... você colocou muito bem... eu posso falar Ogum, ou RoxêCumbi, Okum e daí? O fenômeno é o mesmo... a essência é a mesma... Francisco: é aí que está a nossa grande luta, porque independente da tradição ele tem que ter a sensação de pertencimento, sabe? Mas isso não significa que por isso eu vou abrir mão da minha tradição... e nem por isso eu vou achar que a minha é mais valorizada que o outro, mas essa sensação de pertencimento nós temos que resgatar [... ] fazer acontecer... Diante dos trechos das narrativas é possível perceber que os sujeitos consideram que esse intercruzamento do sagrado reforça a busca pela tradição. Em outros termos avigora-se o lugar do Candomblé no seio das 38

41 religiões afro-brasileiras e/ou africanas. Capone (2009), Prandi (2004), Silva (2007) Somente assumem tais debates parcialmente. Ora eles afirmam o Candomblé como uma tradição em transição, ora como uma prática ritualística que se mescla, tornando-se um amálgama do processo de degenerescência entre os candomblés puros e os candomblés ditos degenerados. A tradição no Candomblé liga as rezas, os orôs, aos elementos sagrados que marcam as identidades de cada nação ali praticada. Geralmente, relacionam-se as filiações, as casas e/ou os (as) zeladores, a construção da identidade de cada sujeito, conforme sugere o trecho abaixo da fala dos sacerdotes Elmo, do Omolocô, e Francisco, do Candomblé Angola: Francisco: O caboclo histórico se perdeu... aquele da Umbanda tradicional. Elmo: É... não... o negócio é seguinte: o pessoal de candomblé, de matriz africana está nas suas casas... e tem referência [...] eu gostei muito daquela colocação sua, daquilo de localizar raízes. Por exemplo, eu perguntei para uma pessoa que tava lá se endeuzando... ah, que eu sou da nação de Ketu, que eu não sei o quê, que eu não sei o quê..., eu falei: muito bem... parabéns pra você! Mas deixa eu te fazer uma pergunta: você tem uma sumbanga 15? a sumbanga é sua certidão... de sua árvore genealógica, da... casa que você foi originado, entendeu?. Eu posso chegar aqui e falar não, eu sou lá do Ilê de Opô Afonjá... e daí? quem vai questionar? Agora, eu tenho um documento que prova a minha hierarquia, a minha origem sacerdotal. Eu tenho uma sumbanga, entendeu? Agora você percebe, o quê? Algumas pessoas... eu chamo isso até de... hipocrisia, sabe? Para com o Axé... eles foram e viram alguma coisa, porque... Casa Branca está no mesmo lugar que é o antigo Engenho velho, tá no mesmo lugar... é, o Bate-folha está no mesmo lugar. Francisco: Tumba Jussara? ta lá... na ladeira do Corrupio... Elmo: Casa de Mina Jêje tá lá no Maranhão, no mesmo lugar! E as casas de Umbanda de origem, de Deoclésio, de Idelfonso de... de... do menino que eu acabei de falar de [Zélio Fernandino] isso! As raízes do Omolokô está na internet, conforme eu te falei... eu fiquei muito chateado com as críticas 15 Sumbanga é um termo de origem banta. Logo, proveniente das nações oriundas da África Meridional. Ketu, por sua vez, refere-se a uma nação de fala yourubana, proveniente do sul da atual Nigéria, localizada na África Ocidental. Logo, a sumbanga, a qual se refere o sujeito/informante, não teria significado histórico-cultural, ou de legitimidade para alguém de Ketu. 39

42 muito mal formuladas de alguns zeladores-de-santo daqui do Centro-Oeste, que não conhece nem sequer suas raízes, quer questionar aqueles que tem trabalho honrado. Que meu avôde-santo, Tancredo da Silva Pinto, que era de Oxossi BakáOdé... saiu pregando... não conseguiu criar... o, a... formatar, a religião oficial brasileira, que na época tinha que ter uma carta chamada sinódica, uma coisa assim... que essa carta era obtida através do Senado... da vontade dos políticos, [...] ele já estava conseguindo porque prestou ótimos serviços a essa casta de políticos da época... bem sucedido! Muito bem... quando Tancredo criou o ponto, que era o Conselho Nacional de Umbanda e Candomblé no Estado do Rio de Janeiro, foi a época mais feliz que a religião teve, porque, se tinha seminários nas Federações de Umbanda e Candomblé, tá? E aí, naquela época, se identificava quem era quem... então as Federações tinham uma facilidade de apontar, quem era de fato e de direito. Porque, todos os senhores de hierarquia estavam ali presentes, prestando serviços àquelas Federações e apontando os seus, os seus filhos que eram iniciados e onde estava sua casa! Então hoje o que se sucede: hoje todo mundo quer ser cacique, então o cara vai na sua casa, aprende a cantar à azuelá 16, entendeu? Há na fala do Sr. Elmo um questionamento inicial sobre a formalização da identidade étnica por meio da sumbanga. Os grupos buscam legitimação de sua identidade etnicorreligiosa com discursos que os filiam às casas mais tradicionais de culto e a personalidades reconhecidas na história das religiões de matriz africana no Brasil. No entanto essa reivindicação de origem não se estabalece formalmente e sustenta-se a tradição oralizada. Quanto a sua essência cosmogônica o Candomblé de ketu busca uma estrutura ritualística ancestral entre a iniciação e as obrigações com tempo de santo 17. O Candomblé como religião de matriz africana foi identificado por Melo (2004) como fenômeno da reafricanização. Essa religião se configura em um intenso e profundo mosaico de significados que revela as formas organizativas das Comunidades de Terreiros, em certa medida, seria conforme Corrêa (2005), a reinvenção da África no Brasil. Contudo, essa reinvenção via religião se faz em um processo de negociação pela sobrevivência e pela perpetuação 16 Azuelá: momento ritualístico quando o orixá do yawô fala seu nome no xirê, de sua saída de santo, ou seja, na sua iniciação. 17 tempo de santo refere-se ao tempo contado em anos da iniciação do iawô. 40

43 não apenas de práticas religiosas, mas também de resistência e da congregação étnico-cultural. Bastide (1985) destaca que a mistura entre as etnias, a fragmentação das estruturas nativas, os novos ritmos de trabalho e as novas condições de vida, promoveram a hibricada mescla cultural. Essa condição permitiu que as religiões africanas transpostas para o espaço diaspórico preexistissem. Assim, o Candomblé emerge nesse imbricado sistema de conexões reinventadas com o tempo das ancestralidades, de reconstrução do espaço diaspórico por meio de ritos, de formas de ajustamento/transformação e da preservação de práticas que sobreviveram aos sistemas coloniais. Nesse processo, simultaneamente, emergem os espaços coloniais de poder na contemporaneidade, o que provoca a reelaboração do pensamento posicionado: o pós-colonial. As relações sociorreligiosas e culturais africanas se cristalizaram no território brasileiro, criando um espaço de referência e simbologia. Dessa forma, o atributo religioso de matriz africana no espaço da diáspora constitui a referência direta do espaço sacralizado. Sobre a presença do Candomblé no Brasil, a exemplo da obra de Prandi (2004) e Silva (2005), esta se faz numa perspectiva de reelaboração de identidades. Para Corrêa (2005), essa construção identitária é traduzida no terreiro, ou melhor, é possível de ser bem evidenciada nesse território santuário. Segundo a autora quando os orixás visitam seus filhos, a visitação decorre por considerar que orixás não habitaram esse país, esses se manifestam em seus filhos, recebem as oferendas e realizam seus rituais (idem, p. 57). Sobre a questão identitária Corrêa (2005) faz considerações importantes, sejam elas: a) o processo de escravidão dos povos africanos, desconstruiu a estrutura de pertencimento e de identidade dos yorubás que eram atribuídos ao princípio genealógico dos orixás à suas cidades-reinos; b) no espaço brasileiro essa identidade é resgatada como estratégia de recuperação dessa identidade. Assim sendo, na reconfiguração ritualística brasileira a divindade é que toma o indivíduo na condição de filho. Ela o escolhe. Tal prática é garantida pelo fenômeno do transe. 41

44 que: Outras diferenças são apontadas pela referida autora quando destaca para os iorubanos, cada orixá pertence a um grupo familiar e a cada fraternity, identificados no processo de formação das cidades e na pessoa do rei, articulando uma estrutura socioespacial vinculada ao viés religioso. Sendo assim, em terra brasileira, essa questão é contornada pela resolução de se culturar as diversas divindades das distintas cidades-reino num mesmo território e simultaneamente, o que é possível no rital do Xirê, na concepção de um território-terreiro no qual todos os orixás são convidados a participar do candomblé, que, realizado no barracão, possui o mesmo significado, devido à sua centralidade, do palácio real das cidades iorubanas. (CORREA, 2005, pp ). O território-terreiro, nessa reinvenção africana, passa a ser considerado o primórdio, já que depois de ser criado sua feição, no máximo, precisa se aproximar das áreas que vieram da África. Essa constituição religiosa é marcadamente reconhecida em território brasileiro pela pluralidade expressa em seu panteão sagrado que garante a relação identitária do adepto e da religião. Bernardo (2007, p. 2), ao discutir sobre o Candomblé infere que, essa idéia de multiplicidade que se encontra no bojo do candomblé, contrapõe-se, de um lado, às noções de unidade e continuidade estabelecidas pela visão certeira e integradora da Razão; de outro, liga-se às noções de ruptura e de diferença que parecem ser traços característicos do pensamento contemporâneo. Nesse espaço múltiplo, a reconstrução identitária religiosa se caracteriza por eventos ou coincidências da ligação espaço-tempo, pode-se inferir que essa identidade só se torna possível por meio de acordos, ainda que provisórios, uma vez que os sujeitos sociais são históricos. O espaço reconstruído como instância de negociação é posto como produto de relações que são práticas materiais e efetivas. Nele, o movimento do acontecer promove um lócus em permanente construção, em que a cultura se efetiva e se materializa no espaço por uma ideia de tempo dinâmico. Esse 42

45 espaço é permeado de conexões ainda por serem realizadas, justaposições ainda por se transformarem em interações. Tal entendimento epistêmico para o Candomblé hoje se faz em movimento conectivo de formas simbólicas, sobretudo na interação que se efetiva pelos egbés e pelas linhagens que se seguem. Diante dessas imposições sobressai um árduo processo de politização das espacialidades no interior das cidades e das metrópoles. O presente estudo dirige-se, no estado de Goiás, para a apresentação dos processos de invisibilidade dos territórios e das identidades dos candomblecistas em suas relações de tensão, negociação e conflito com a sociedade civil, com outros segmentos religiosos e com o poder público. Na configuração identitária do Candomblé goiano pode-se vislumbrar nuances diversas sejam sociais, culturais, econômicas ou simbólicas. Nesses termos, conforme anteriormente aludido, o Candomblé será analisado nos âmbitos teórico-metodológicos que fundamenta este estudo. 1.2 Os subalternos do Candomblé: as pesquisas africanistas no Brasil e a produção acadêmica em Goiás O Candomblé, a Umbanda e, para além dessas, as religiões e religiosidades que formam o segmento conhecido por Encantaria brasileira são, no momento, reconhecidas e denominadas por seus seguidores e pelos órgãos nacionais responsáveis pela implementação de promoção de políticas públicas no Brasil sob o cognato de Comunidades de Terreiro. Tais Comunidades em especial o Candomblé, o Xangô (Recife), Tambor de Mina (Maranhão) e o Batuque (Rio-Grande do Sul) são reconhecidas como religiões de matriz africana (RMA) 18 constituídas na 18 Reforço o que já apontei na introdução da tese que adotarei no estudo o termo religiões de matriz africana reconhecendo o rico debate que se faz na área da antropologia, sobretudo pelos estudos de Sérgio Ferreti (1995). No tocante à essa tese, os dois termos são utilizados: o primeiro termo citado é adotado diretamente ligado ao Candomblé de Ketu, por considerar importante que, dentro das estruturas elementares do mesmo, a língua yorubá é proeminente para designar a essencialidade do culto. Essa língua ainda se faz presente nos rituais por meio das músicas, das rezas e dos orôs praticados nos Candomblés. Igualmente, por meio da língua 43

46 diáspora africana no Brasil e se configuram espacial e temporalmente em forma de redes sobrepostas e inter-relacionadas. Acrescenta-se, para a constituição dessas redes, a relação com o Estado, sendo esse formulador da ordem laica e, no último decênio, agenciador de políticas públicas de inserção de minorias sociais em suas demandas por territórios. No âmbito nacional, no que diz respeito especificamente ao Candomblé, infere-se que sua constituição ocorreu histórica e espacialmente na região litorânea brasileira (século XVIII ao XX), sobretudo nas regiões nordeste e sul. O deslocamento e a difusão pelo sudeste e interior do Brasil ocorreram concomitantemente entre as décadas de 1960 e 1970 (sudeste) e 1980 e 1990 para regiões centro-oeste e norte. Essa espacialização está referenciada nos estudos de Reginaldo Prandi (2005) e Wagner Gonçalves da Silva (2005). O conhecimento antropológico, histórico, e de certa forma, geográfico sobre o Candomblé à exceção do centro-oeste brasileiro 19 foi escopo de várias e significativas pesquisas. Os estudos clássicos da temática são assinalados pelas obras de Raimundo Nina Rodrigues (1932), o qual foi pioneiro na análise do Candomblé de Ketu no Brasil, Arthur Ramos (1942) A aculturação negra no Brasil, Ruth Landes (1967) A Cidades das Mulheres, Édison Carneiro (1967) Os Candomblés da Bahia e Roger Bastide (1985), sociólogo francês, em As Religiões Africanas no Brasil. Os autores supracitados inspiraram um significativo volume de produção que na contemporaneidade marcam seis grandes centros geográficos de análises para as RMA no Brasil, sendo eles: São Paulo, Rio de e dos ritos, remontam-se a outros territórios que extrapolam os limites da escala que corresponde ao terreiro ou os continentes envolvidos. Aqui, reforça-se que, nesses termos, o Candomblé relaciona-se às culturas de matriz africana e não diretamente às culturas afrobrasileiras. Essas últimas têm, em seus panteões sagrados, uma composição rizomática de várias culturas. 19 Os estudos sobre a história do Candomblé no Estado de Goiás são recentes. Os trabalhos de referência acadêmica datam do ano de 2006 com o projeto ABEREM: África no Brasil, estudos de comunidades, religiosidades e territórios, financiado pelo CNPq. Esse foi concebido e executado por uma rede de pesquisadores do CieAA-UEG/CNPq em parceria com pesquisadores da UFG e UnB. No ano de 2008 foram aprovados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG) dois projetos do CieAA sobre o tema. A presente tese de doutoramento é um desdobramento e aprofundamento dos dados técnicos levantados nos anos de sua execução (2008 a 2010). 44

47 Janeiro, Bahia, Pernambuco, Maranhão e Rio Grande do Sul. Estas análises perpassam, mormente, os campos das Ciências Sociais. Assim, se destacam os estudos de: Wagner Gonçalves da Silva em O Antropólogo e sua Magia (2006), Candomblé e Umbanda (2005) e Orixás da Metrópole (1995); Rita de Cássia Amaral em Xirê: o modo de crer e viver no Candomblé (2005), Festa à brasileira. Sentidos do festejar no país que não é sério (Tese de doutorado, USP, 1998) e Um estudo antropológico da música ritual do candomblé paulista (1992); Povo-de- santo, povo-de-festa o estilo de vida dos adeptos do Candomblé paulista (Dissertação de mestrado, USP, 1992); Reginaldo Prandi em Segredos Guardados (2005), Encantaria Brasileira (2001) e Mitologia dos Orixás (2001); Rita Laura Segato em: Santos e Daimones (2005); Candomblé: Religião do Corpo e da Alma (2000); Sérgio Ferretti Repensando o Sincretismo: estudo sobre a casa das Minas (1995); Mundicarmo Ferretti Rei da Turquia: o ferrabrás de Alexandria? A importância de um livro na mitologia do Tambor de Mina (1989); José Jorge de Carvalho em Ritual and Music of Sango Cults of Recife (Brazil, tese de douramento, 1984) e Giséle Binon-Cossard em Contribuition à l étude des candomblés au Brésil, Le candomblé-angola (doutorado, Paris, 1971). Ressaltam-se, ainda, os estudos de Edmar Ferreira Santos na obra O Poder dos Candomblés: perseguição e resistência no recôncavo da Bahia (2009); Walter Altino de Sousa Júnior no livro O Ilê Ayê e a relação com o Estado: Interfaces e ambigüidades entre o poder e cultura na Bahia (2007); Aureanice de Melo Corrêa em Não acredito em Deuses que não saibam dançar: a festa do Candomblé, território encarnador da cultura (2005) e artigos como de Patrícia Birman Identidade sexual no Candomblé. Na revista Religião e Sociedade (1985); Vivaldo Costa Lima A família-de-santo nos candomblés jeje-nagôs da Bahia: um estudo de relações intra-grupais (1977), dentre outros estudos que serão contemplados ao longo dos capítulos da tese. A prática do Candomblé é evocativa de uma organização espacial que valoriza a vida comunitária. A própria vivência do sagrado da cultura impõe aos candomblecistas papéis definidores de territorialidades no domínio do Ilê axé e para além dele. No Candomblé as identidades são constituídas a partir das 45

48 relações territoriais estabelecidas de forma hierocrática constituindo territorialidades de ordens políticas, culturais e simbólicas. Importante destacar o papel territorial para demarcar uma identidade cultural e, necessariamente no âmbito político, o reconhecimento dessa identidade perpassa por um profícuo debate das ações afirmativas. As vivências do sagrado de grupos, segmentos e denominações religiosas são, além de intrínsecas, uma constante nas políticas organizativas do território nas unidades federativas brasileiras. No município de Goiânia, elas são configuradas inclusive em seus Planos Diretores. Tais políticas territoriais concorrem para as definições identitárias, influenciando em construções e significações do espaço. Elas determinam o uso social do espaço que notoriamente é dado em uma relação desigual aos credos hegemônicos cristãos. A política contemporânea direcionada aos grupos étnicos, culturais e socialmente minoritários no Brasil é um avanço e uma conquista dos setores organizados e dos movimentos sociais que lutam por legitimidade cultural, racial e religiosa. As conquistas são vistas por meio de aprovação de leis em formas de estatutos e outros. Cita-se o Estatuto de Promoção da Igualdade Racial e o texto que atualmente encontra-se em debate acerca da Igualdade Religiosa e dispositivos complementares como a Lei Federal /2003 e o parecer 003/2009 do Conselho Estadual de Educação de Goiás, os quais promoveram ações no interior das unidades federativas de forma setorizada. É válido ressaltar que elas se apresentam ainda desarticuladas. Tal discussão, de forma transversalizada, vincula-se aqui ao debate teórico que focaliza o modo como as políticas de reconhecimento culturais mostram-se divorciadas historicamente em distintos momentos. Essa realidade de descompasso para os grupos culturais étnicos no Brasil subsidiou os estudos de Sérgio Costa (2006), sobretudo quando este discute as condições geradas nos espaços pós-coloniais que designam pari passu às próprias situações de subalternidade. Para Rodriguez ( 1998, p.12), el concepto mismo de subalterno o subalternidad es tan resbaladizo como controversial. En la teoría marxista, 46

49 particularmente en Gramsci, la subalternidad se construye a partir de la relación del sujeto con su circunstancia histórica, inscrita dentro de los medios de producción. Esta constitución suscribe entonces los principios de la "determinación económica" y de la economía como "instancia última". La subalternidad es pensada como una condición ontológica en relación a contextos históricos pre-determinados. "El hombre piensa como vive", dicen en Cuba. Para Gramsci, el sujeto también se piensa como vive. Y dado que el sujeto subalterno es un sujeto dominado, el pensamiento sobre y desde él aparece primariamente como una negación, como un límite. Esta negación invoca agendas intelectuales que abarcan todo el campo cultural, desde la escolaridad hasta las representaciones disciplinarias. La dinámica entre estas determinaciones y condiciones viene a constituirse en agencias 20. Em certa medida essas agências acadêmicas e políticas se constituem em ações politizadas, centradas em críticas sobre os modos de produção de hegemonias e subordinação ao Estado e ao domínio da cultura cristã/européia como agendas simbólicas. Sobre essa questão Spivak & Guha (1988, p.16) postulam que, a subalternidade é "o limite absoluto ou o lugar onde a história é narrada como lógica". A subalternidade é substancialmente entendida por meio da análise de narrativas históricas, ou da própria historiografia dos documentos e da configuração dessa documentação. Guha (1996) realiza uma crítica sobre a existência de uma arqueologia de documentos e da construção de uma história que privilegia a narrativa do poder do Estado, das condições de subalternidades e do poder das hegemonias. A concepção de Spivak (2010) parte de uma posição crítica aos estudos subalternos, em especial, aqueles vinculados ao pensamento de 20 os conceitos de subalterno ou subalternidade são tão escorregadios como controversos. Na teoria marxista, particularmente em Gramsci, subalternidade é construída a partir da relação do sujeito com suas circunstâncias históricas, inscrita dentro dos meios de produção. Esta constituição subscreve os princípios da "determinação econômica" e a economia como "último recurso". Subalternidade destina-se como um estatuto ontológico em relação à prédeterminados contextos históricos. "O Homem pensa como vive", como afirma Cuba. Para Gramsci, o sujeito pensa como vive. Isto posto, o sujeito subalterno é um sujeito dominado, o pensamento sobre ele aparece principalmente como uma negação como um limite. Esta negação evoca agendas intelectuais que abarcam o campo cultural, desde a escolaridade até as representações disciplinares. A dinâmica entre estas condições e determinações se tornaram, as agências (tradução própria). 47

50 Gramsci. Ela relaciona esses estudos aos debates realizados pelas teorias pós-coloniais. Para a autora a questão central é pensar se o sujeito subalterno, esse construído pelos processos coloniais pode ter uma posição de fala frente aos mecanismos de sua subalternidade. Acrescenta-se que essa via, possibilita entender que o sujeito subalterno não pode ocupar uma categoria monolítica e indiferenciada, pois esse sujeito é irredutivelmente heterogêneo (SPIVAK, 2010, p.11). O termo subalterno não se refere a todo e qualquer sujeito marginalizado, baseando-se nos postulados de Gramsci. Esse seria eminentemente aquele em cuja voz não pode ser ouvida. Spivak (idem, p.12), argumenta que o subalterno insere as camadas mais baixas da sociedade constituídas pelos modos específicos de exclusão dos mercados, da representação política e legal, e da possibilidade de se tornarem membros plenos no estrato social dominante. A questão pós-colonial é diretamente relacionada às posições críticas sobre as vivências dos sujeitos subalternos nos contextos da colonização dos povos, por meio das múltiplas formas de dominação. Costa (2006) abre caminho para essa discussão, quando aponta sobre as relações que foram constituídas no contexto das narrativas históricas póscoloniais, no qual o Brasil, por uma construção histórica, se insere. Ele imprime reflexões sobre as reorganizações sociais, políticas, culturais, econômicas que se estabeleceram quando os espaços e sujeitos colonizados deixaram, de forma oficial, essa condição. Não obstante permaneceram as relações de subalternidade às quais legaram aos grupos étnicos estigmas que se perpetuaram nos ideários social, político, ideológico, econômico e cultural no país. O autor ainda observa que em torno dos aspectos econômicos e culturais se desdobram questões que não podem ser negligenciadas. No que se liga aos aspectos econômicos, o que fica em voga é que desse ambiente pós-colonial emerge uma estrutura desigual de oportunidades. Para as questões culturais é observado que as diferenças, sentidas de modo negativo, 48

51 estão expressas nas formas do comportamento cotidiano, tratamentos pessoais, marginalização espacial e social. No contexto brasileiro as correções dessas diferenças, desde o ano de 2001, percorrem os caminhos das ações afirmativas. Essas ações afirmativas sócio-políticas que combatem o racismo perpassam o contexto educacional, com a introdução de conteúdos antirracistas nos currículos escolares, a inserção de dispositivos jurídicos voltados às vítimas de racismo, bem como na apuração e punição de crimes com este cunho, e valorização das manifestações culturais. Na esfera das manifestações culturais, a realidade dos candomblecistas em Goiás está relacionada ao campo político e recoloca em debate os processos que imputaram aos grupos minoritários ações de colonialidade de poder 21. Essa se explicita por meio de condições disciplinares, quando se percebe em cenário estadual, ausências de mecanismos de valorização da memória, do patrimônio imaterial, que denotam a presença da identidade da cultura africana em Goiás. Essas podem ser vistas por meio de processos que obliteram o direito e acesso às práticas religiosas em questão. Sabe-se que uma considerável parcela de praticantes das RMA e de religiões afro-brasileiras, vivencia um árduo processo de internalização de valores inferiores a eles imputados. Argumenta-se que esses valores afetam diretamente suas identidades, impondo-lhes ordens de invisibilidades no cotidiano. Essa condição de invisibilidade, de encobrimento das Comunidades de Terreiro na Região Metropolitana de Goiânia e a negativação da identidade de seus praticantes reiteram os argumentos da tese em questão. Os mecanismos de encobrimento e invisibilidade dos sujeitos e dos territórios relacionados às Comunidades de Terreiro goianas apóiam-se numa estrutura de ordem semântica, política e espacial. Primeiro, a semântica ocorre por discursos que se reproduzem ao longo do tempo histórico e incorporam no imaginário social um estigma de identidade negativada. A política, em segundo, 21 Esse conceito é tratado por Quijano (2010) e respaldado por Mignolo (2005) e Castro-Gómez (2005), entre outros autores, e será devidamente explanado no decorrer do presente estudo. Esse termo relaciona-se aos dispositivos formais e não-formais que exercem sobre os grupos subalternizados o poder disciplinar e normativo advindo de uma concepção hegemônica de segmentos étnicos religiosos, culturais e/ou políticos e, ainda, econômicos. 49

52 se efetiva por ações públicas que reforçam e negam o uso dos espaços públicos para as práticas culturais e para as ritualísticas dos sujeitos praticantes. E por último, a espacial, é vivenciada por um duplo fenômeno de periferização e segregação, quando se observa o afastamento das Casas dos centros urbanos e áreas valorizadas. Esse fenômeno é revelado pela disputa e apropriação do espaço favorecendo a organização das lutas sociais por direito a melhores localizações, infra-estrutura e acesso aos recursos naturais. Nesse sentido infere-se que nos campos público, religioso e simbólico em Goiás, o fato de um indivíduo assumir-se como praticante das RMA, ainda no século XXI, concorre para sua inscrição em um locus social permeado pelo preconceito e discriminação. Essa situação promove o enfretamento de grupos religiosos de hegemonia ascendente, como é o caso da comunidade evangélica e de outros segmentos tradicionais cristãos contra os partícipes das RMA. Para a historiadora Eliesse Scaramal (2011) estudar as formas de construção de uma geograficidade histórica encoberta, transposta de uma comunidade imaginada de matriz africana que passa a ser instrumentalizada e renovada na forma de comunidades religiosas em espaços pós-coloniais constitui um campo epistemológico válido para o conhecimento de comunidades herdeiras de uma situação diaspórica. Até a década de 1990 havia uma afirmação advinda de setores acadêmicos e religiosos cristãos, de uma inexistência de cultos, ritos e territórios de Candomblé em Goiás. Com a metodologia de pesquisa de campo, empregada nesse estudo, ocorreu o reconhecimento espacial de aproximadamente 40 (quarenta) territórios sagrados de Candomblés e aproximadamente 200 (duzentos) de cultos afrobrasileiros. Esses últimos revelam-se com as práticas do Omolocô, Pajelança, Jurema e Umbanda (mapa 01). 50

53 MAPA 01 - COMUNIDADES DE TERREIRO NA REGIÃO METROPOLITANA DE GOIÂNIA FONTE: IBGE. Censo Demográfico, 2000 (METRODATA). ADAPTADOR: Jailson Silva de Sousa Goiânia LEGENDA 1 Número de comunidades de terreiro por localidade ESCALA Trindade Senador Canedo 5 km km 1 1 Projeção Universal Transversa de Mercator Fuso 22- Hemisferio Sul Aparecida de Goiânia

54 Esse mapeamento promoveu a visibilidade em termos de existência e localização destes locais religiosos e, ainda, recolocou a questão de que a invisibilidade é construída por meio de uma ordem do discurso, o qual oblitera a identidade cultural dos praticantes. Para Scaramal (2006), o fenômeno religioso para o segmento de matriz africana se configura com uma dupla disposição. Isso porque, por um lado, estas sofreram com um encobrimento histórico, geográfico e social até o final do século XX. Por outro lado, no limiar do século XXI, percebe-se um premente movimento que reivindica o reconhecimento de seus direitos à visibilidade e coexistência com outros segmentos religiosos no espaço público goiano. À afirmativa acima, outras inferências se acrescentam para explicar o processo de reconhecimento dessas religiões no estado de Goiás. A primeira é o consenso de que, até os anos 2000, havia uma ausência de produção acadêmica voltada para as discussões preliminares sobre as RMA. A segunda trata-se da falta de registros em órgãos oficiais e midiáticos sobre a presença desses segmentos religiosos e suas manifestações, sobretudo, ligados ao Candomblé. Recorrente e consensual era a opinião de que na capital do estado goiano e em seu entorno não existiam casas de Candomblé em seus ritos clássicos (nações), tais como Ketu, Angola, Jeje/Nagô ou ainda em suas variantes afro-brasileiras, como Jurema, Omolocô e Pajelança. A partir dos estudos realizados por Scaramal (2006) verificou-se que se via nos trabalhos científicos a divulgação da Umbanda e do kardecismo, o que confirma o convencimento pré-estabelecido pelo consenso acadêmico. A partir desses resultados de pesquisa outras produções acadêmicas dentre dissertações, monografias e artigos foram surgindo. No entanto, até o presente momento nenhuma tese de doutorado foi registrada, em Goiás, a respeito das religiões de matriz africana. Scaramal (2011) apresenta em artigo um levantamento das produções bibliográficas sobre estas religiões presentes nesse estado e discute acerca da necessidade de se enfrentar questões que estão ligadas ao tema. Estas se referem, sobretudo, aos conflitos religiosos e o encobrimento imputado pela 52

55 cultura hegemônica cristã aos credos não-cristãos, neste caso os relacionados às religiosidades de matriz africana e afro-brasileiras. Esse conjunto de trabalhos viabiliza um processo de desconstrução dessa invisibilidade e a tendência acadêmica de considerar a ausência desses segmentos nesse território. Interpretações diversificadas foram levantadas nas universidades e centros de pesquisa goianos, a fim de compor um quadro dessa tessitura histórica que até então estava desconhecida nos cenários nacional e regional. No conjunto dessa produção destaca-se que em 2002 foi defendida, pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, uma dissertação de mestrado no departamento de teologia envolvendo as temáticas de identidade, sincretismo e religião, pelo padre Célio de Pádua Garcia. O título dessa dissertação é: Batuguengé a Rongo: sincretismo, identidade e religião, orientada pela Profa. Dra. Irene Dias Oliveira. Trata-se de um estudo sobre o Ilê Axé Igbá Ibomin, da nação Angola, estabelecido em Goiás na década de 1970 pelo Babalorixá João de Abuque. Ressalta-se que esta foi a primeira casa de Candomblé registrada em território goiano. Em 2005, pela Universidade Estadual de Goiás (UEG), Léo Carrer Nogueira apresentou a monografia sobre a Umbanda em Goiânia que, posteriormente, desdobrou-se na dissertação de mestrado Umbanda em Goiânia - das Origens ao Movimento Federativo ( ) pela Universidade Federal de Goiás (UFG) defendida no ano de Ainda pela UEG, no ano de 2007, Marcos Paulo de Melo Ramos tratou o processo de intolerância religiosa contra as RMA em Goiás a partir do discurso evangélico e teve sua dissertação intitulada O Sentido da Negativação Semântica na Construção Identitária Evangélico-Pentecostal, defendida em 2011 no Programa de Pós-Graduação em História (PPGH-UFG). Em 2008, também pela UEG, Natália do Carmo Louzada e Clarissa Adjuto Ulhôa ampliaram a discussão sobre as RMA em Goiás em suas monografias pelo curso de História e ambas defenderam as dissertações de mestrado no ano de 2011 no Programa de Pós Graduação em História/UFG respectivamente com os títulos Recriando Áfricas: subalternidades e 53

56 identidade africana no Candomblé de Ketu e Essa terra aqui é de Oxum, Xangô e Oxóssi: um estudo sobre o candomblé na cidade de Goiânia. Já no ano de 2009, pela UFG, o geógrafo José Paulo Teixeira destacou a questão das paisagens invisibilizadas dos Candomblés em Goiânia em sua dissertação de mestrado, defendida pelo PPGG/IESA. Isto posto, destaca-se nesse conjunto as aprovações junto a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG), dos projetos Igbadu - História do Candomblé em Goiânia: Mediações territoriais do Sagrado no Espaço Público ( ), coordenado por Scaramal, e o projeto Mães de Santo: Domínios territoriais, Sociais e Históricos do Sagrado Goiânia\GO ( ), coordenado por Vieira Silva ( ). No entanto, no que concerne a uma investigação com um viés geográfico e político, para o estado de Goiás, existe uma lacuna. A produção acadêmica goiana torna-se primordial, uma vez que, nos cenários nacional e regional, esses sujeitos denominados povo-de-santo não eram reconhecidos. Suas ações reivindicantes de visibilidade e equidade de tratamento podem promover mudanças nesse contexto. Na próxima seção discorro sobre os debates da ciência e suas correlações para a ciência geográfica, em especial, contextualizando a temática das culturas encobertas nos discursos da modernidade. geográfica 1.3. As pluritopias teóricas da modernidade para a ciência O clássico debate sobre a natureza da ciência moderna racionalista e o possível reconhecimento de uma ciência pós-moderna é uma importante questão posta por duas vertentes dos estudos geográficos: a Geografia Cultural e as Geografias Pós-Coloniais. Esta última, baseada no humanismo marxista, inspira redefinições nos modelos prático-teóricos desenvolvidos para se pensar e se fazer ciência. Pretende-se então, enfocar alguns cenários de 54

57 discussões em torno de questões epistemológicas, sobretudo as que se ligam à Geografia. Considero importante definir propriamente os indícios e as tendências que motivam a emergência da discussão. Mais do que propriamente uma problematização, trata-se de uma ampliação teórica, um dispositivo a priori de disputa teórico, conceitual e epistêmica. A emergência do debate se faz, por um lado, acerca do destaque do pensamento científico que se constituiu no Iluminismo, o século das luzes. Para esse período, o conhecimento considerado válido era aquele marcado pelo uso de regras, pelo emprego impreterível do método, por uma contestação pura e lógica, pelo culto inegável à razão sem precedentes para a dúvida de sua validade, como aponta Gomes (1996). Por outra, tais proposições iluministas negaram, por meio de um apelo científico racional, o mito, a imaginação e as sensibilidades individuais e coletivas como possibilidades de outras investidas teóricas legítimas e, portanto, válidas. No presente estudo faz-se necessário segmentar a discussão no que tange às abordagens da modernidade e da pós-modernidade no seio da geografia, conforme a divisão proposta por Gomes (1996). É importante, sobretudo, ressaltar que tal divisão trata apenas de uma segmentação que permite vias explicativas da trajetória da ciência geográfica e que não se assume necessariamente como a única realidade do debate em si. O intuito é o de elencar traços comuns de duas tendências gerais. Gomes (1996) pauta-se no discurso da ciência a partir de dois polos epistemológicos ligados ao projeto de ciência fundado no Século das Luzes: o racionalismo e o antirracionalismo contracorrente. O primeiro caracteriza-se pela universalidade da razão. Nele o pensamento humano é encarado em suas atitudes racionais seguindo lógicas coerentes, um bom senso genérico e pragmático. Esse polo visa a não-contradição, e quando se apega nas contradições se faz por pensamentos que primam pela generalização e por análises estruturalistas centradas nos conceitos totalizantes. Ainda, primam pela organização sistematizada de regras e princípios que são chamados de racionalistas. 55

58 O segundo polo é marcado por posições de negação a esse racionalismo e não considera a razão como a única matriz de pensamento; nesse eixo, a razão não é algo universal: é preciso valorizar o que é particular a fim de fazer um julgamento da essência do objeto. Os defensores desses ideais são chamados de anti-racionalistas. O pensamento científico na modernidade se constituiu com o apelo ao método, sobretudo, numa idéia unidimensional enquadrando concepções da realidade em modelos teóricos formais, rígidos, inflexíveis pautados na busca pelo estabilishment (MAFESOLI, 1987; SANTOS, 1996). Dentre os autores que se destacaram no contexto da modernidade do século XVIII ao inicio do século XXI, no que se refere à questão do método, ressaltam-se Kant, Hegel, Kierkegaard, Marx, Nietzsche, Leibniz. O método tornou-se o único caminho eficaz para descortinar as questões que envolvem as acepções de interpretação de mundo, de objetos e dos seres. Acrescentam-se, a essa afirmativa, outras inferências, tais como: de posturas filosóficas, lógicas, ideológicas e as políticas. Para Hissa (2002), no contexto da ciência moderna o método pode compreender um paradigma. Esse paradigma científico é entendido segundo Kuhn (1996, p.13) como as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência. Essa postura aponta para asseverar a própria natureza da ciência moderna, que assegura as estruturas sólidas que organizam, controlam e normatizam os sujeitos nas sociedades. Os métodos ou paradigmas não necessariamente precisam demarcar um conjunto de técnicas e práticas de estudos. Hissa (2002) tece uma crítica a essa associação entre método, paradigma e metodologia. Daí decorre a compreensão de que a metodologia e as aplicações metodológicas são auxiliares do método, esse último torna-se a essência explicativa das vias filosóficas e epistemológicas da ciência. No entanto, o emprego do método diretamente vinculado ao conjunto de práticas de pesquisa decorre da própria concepção da ciência moderna. 56

59 O caminho do pensamento científico moderno é esse: aprisionado numa visão ordenada dos fenômenos, sejam eles naturais ou humanos, já que essa se realiza em uma perspectiva unidimensional. Tal concepção foi vista como capaz de fundamentar e solucionar quaisquer indagações e problemas colocados à ciência. A geografia ao longo da modernidade subordinou-se ao método científico, pois ao deixar ou não relevar sua tradição, abandonou a filosofia, a poesia, no intuito de se tornar ciência. Todavia, segundo Gomes (1996), sabese que a ciência racionalista confere uma primazia fundamental ao método lógico racional. Dentre as várias bases metodológicas/filosóficas que constituem a trajetória da ciência geográfica, destacam-se aquelas ligadas às ideias racionalistas objetivas e as de cunho subjetivos. Ao tomar o primeiro domínio de ideias tem-se início uma dura problemática acerca de sua denominação: a modernidade. Logo, afirmar a existência de uma forma de pensamento moderno significa dizer que a princípio houve uma superação de algo considerado primitivo ou arcaico. De início, essa argumentação aparece sob certo reducionismo. Mas o aprofundamento da questão aponta que a relação entre arcaico e moderno possui uma complexidade a ser tratada sobre essas noções que, numa relação dialética, negam-se e complementam-se. Mais que isso, elas configuram relações de poder presentes no discurso moderno, o qual oblitera tudo aquilo que foge aos seus parâmetros. A modernidade possui tantos sentidos quantos forem os pensadores ou jornalistas. Ainda assim, todas as definições apontam, de uma forma ou de outra, para a passagem do tempo. Através do adjetivo moderno, assinalamos um novo regime, uma aceleração, uma ruptura, uma revolução do tempo. Quando as palavras "moderno", "modernização" e "modernidade" aparecem, definimos por contraste, um passado arcaico e estável. Além disso, a palavra encontra-se sempre colocada em meio a uma polêmica, em uma briga onde há ganhadores e perdedores, os Antigos e os Modernos. "Moderno", portanto, é duas vezes assimétrico: assinala uma ruptura na passagem regular do tempo; assinala um combate no qual há vencedores e vencidos. (LATOUR, 1994, p.15). 57

60 Nesse entendimento, ao se utilizar o termo moderno para designar um tempo de superação e/ou de crítica a um sistema primeiro, automaticamente qualifica-se esse primeiro momento como o obsoleto, o rústico, o superado, adjetivações que denotam o passado negado. O moderno seria a revolução que marca uma mudança decisiva, um combate num continuum espaço-temporal. Latour (1994, p.16) destaca, nas inúmeras discussões entre os Antigos e os Modernos, que ambos têm hoje igual número de vitórias, e nada mais permite dizer que essas revoluções dão cabo dos antigos regimes ou os aperfeiçoam. É preciso conceber que não há superioridade do moderno para com o antigo, e nem mesmo uma posição cronológica capaz de colocar um em grau de superioridade em relação ao outro. Ora, se essa ruptura não representa necessariamente uma evolução apesar de todos os limites dessa expressão o que faz dessa ruptura algo considerado moderno? Kant (2009) fornece subsídios para essa questão em seu texto: Beantwortung zu der Frage: Was ist Aufklärung? Neste o filósofo em questão propõe a ideia de que a passagem da menoridade para a maioridade é alcançada pelo indivíduo moderno, quando esse passa a possuir o aufklärung, ou seja, o esclarecimento. Esse esclarecimento, segundo ele é a saída do homem da menoridade pela qual é o próprio culpado. Menoridade é a incapacidade de servir-se do próprio entendimento sem direção alheia. O homem é o próprio culpado por esta incapacidade, quando sua causa reside na falta, não de entendimento, mas de resolução e coragem de fazer uso dele sem a direção de outra pessoa. Sapere aude! Ousa fazer uso de teu próprio entendimento! Eis o lema do Esclarecimento. (KANT, 2009, p. 407). Em outras palavras, no sentido empregado por Kant, é justamente o uso do esclarecimento que daria uma suposta superioridade do indivíduo moderno sobre o primitivo. O esclarecimento, dessa forma, poderia ser confundido com a própria constituição da ciência, que se ergueu em nome da construção da modernidade. 58

61 A constituição do pensamento moderno explica a sua própria dinâmica e essa se faz por meio de rupturas. A lógica da ciência racional se dá por meio da imposição de um paradigma, o qual é superado em sua crise por outro novo paradigma, este sempre vitorioso. Para tal, o uso da crítica é primordial. Sendo assim, o primeiro marco de ruptura, conforme destaca Gomes (1996), se faz com a incursão do pensamento cartesiano, que rompe com as tradições medievais. Nesse entendimento, no seio das Ciências Sociais, emprega-se o pensamento de Émile Durkheim (2003) ao afirmar que os fenômenos sociais são coisas e devem ser tratados como coisas. Para demonstrar essa proposição, não é necessário filosofar sobre sua natureza, discutir as analogias que apresentam com os fenômenos dos reinos inferiores. Basta constatar que eles são o único datum oferecido ao sociólogo. É coisa, com efeito, tudo o que é dado, tudo o que se oferece ou, melhor, se impõe à observação. (DURKHEIM, 2003, p.23). Diante dessas proposições, o pensamento da ciência instaurada no racionalismo se consolida pelo campo científico na forma de um pensamento pós-cartesiano. Esse visa à formalidade da pesquisa científica em que o particular e o subjetivo são descartados, em detrimento da busca pela única verdade, em que as hipóteses são metodicamente falseadas e comprovadas. Durkheim (2003, p.24) enfatiza que é preciso, portanto, considerar os fenômenos sociais em si mesmos, separados dos sujeitos conscientes que os concebem, ou seja: o envolvimento pessoal entre sujeito e objeto é negado na busca de uma neutralidade científica. Para o autor, é necessário ver os objetos de estudo como algo externo a quem os pesquisam. Portanto, é preciso estudá-los de fora, como coisas exteriores, pois é nessa qualidade que eles se apresentam a nós. A modernidade se constitui então como um projeto que, utilizando o método e a razão e impondo limites sobre as dimensões subjetivas do ser humano, torna a ciência capaz de pensar os caminhos da sociedade: uma tentativa fáustica de submeter à vida inteira ao controle absoluto do homem sob a direção segura do conhecimento (CASTRO-GÓMEZ, 2005, p.171). A 59

62 saturação da razão e da idéia de progresso na sociedade levou àquilo que se denomina por crise da modernidade. Os pensadores da modernidade argumentam que o homem de ciência deve ser capaz de se livrar das condições subjetivas que ligam sujeito e objeto. Não é mais necessário levar em consideração o sonho, bem como, a criação e a imaginação. Entretanto, nesse ponto, conforme Hissa (2002) os racionalistas são novamente criticados, pois a objetividade idealizada pelos fundadores da ciência moderna não passa de uma utopia, de um atalho sonhado que não conduz as realizações aos lugares prometidos. Todas as grandes realizações da ciência, todas as mais estupendas descobertas, foram, simultaneamente, fundamentadas na obstinação e no sonho, na capacidade de articulação intelectual e na fantasia que idealizam um mundo melhor a ser descortinado pelo esforço criativo. (HISSA, 2002, p.61). Esse pensamento permite argumentar que quando o racionalismo oblitera esses valores cai em sua própria contradição, ao passo em que se autocondena por não realizar completamente as suas intenções no sentido de analisar e compreender a realidade. O autor argumenta que toda e qualquer construção humana depende da imaginação, que todos os objetivos dos homens estão galgados na construção de sonhos. Entretanto, com o estabelecimento do pensamento moderno e da construção do método racional, a ciência procura romper e se eximir de toda a ideia que perpassa a construção do imaginário individual e/ou coletivo, do sonho e da fantasia. Tal entendimento igualmente permite inserir os processos teóricometodológicos que dogmatizaram as próprias bases da teoria crítica. Um exemplo é a teoria marxista, que, apesar de ser uma teoria que parte da crítica dos valores da modernidade e do capitalismo, não conseguiu romper com os padrões metodológicos científicos que negam as subjetividades, o mito, o particular. As referidas argumentações acirram o debate em torno da existência da crise da modernidade. As novas propostas emergem no sentido de contraporem-se a esse modelo de ciência. Gomes (1996) denomina essas 60

63 outras concepções de contracorrentes. Essas são caracterizadas, em primeiro lugar, pela negação do uso exclusivo da razão, sobretudo pelas abordagens que primam pelos métodos lógico-formal e/ou lógico-dialético. Em segundo, pela aceitação de proposições que reconhecem nas pluralidades, as especificidades e as subjetividades, respaldando o senso comum como forma de conhecimento e elevação da criatividade e da imaginação: um modo legítimo de se conhecer o mundo. No pensamento de Boaventura de Sousa Santos (1985) essa nova forma de se ver o senso comum é traduzida pela teoria sinergética de Hermann Haken. Essa teoria remonta ao sistema visual muito instável em que a mínima flutuação da nossa percepção visual provoca rupturas na simetria do que vemos (SANTOS, 1985, p.15). A melhor explicativa de tal teoria é a possibilidade de uma imagem produzir várias perspectivas de formas de se olhar o objeto, ou seja: há dúvida no que de fato se vê. Para o autor da teoria, as imagens produzidas são ao mesmo tempo verdadeiras e falsas. A ambiguidade e a complexidade da situação do tempo presente promovem a existência do tempo em transição, síncrome com muita coisa que está além ou aquém dele, mas descompassado em relação a tudo o que o habita (idem). Vê-se no limiar desse debate o reconhecimento da ciência pósmoderna. Para esse entendimento recorre-se a Santos (2004), por este compreendê-la epistemologicamente em sua condição plural e por ser uma ciência assente numa racionalidade mais ampla, na superação da dicotomia natureza/sociedade, na complexidade da relação sujeito/objecto, na concepção construtivista da verdade, na aproximação das ciências naturais às ciências sociais e destas aos estudos humanísticos, numa nova relação entre a ciência ética assente na substituição da aplicação técnica da ciência pela aplicação edificante da ciência e, finalmente, numa nova articulação, mais equilibrada, entre conhecimento científico e outras formas de conhecimento com o objectivo de transformar a ciência num novo senso comum. (SANTOS, 2004, p. 3). O autor supracitado retrata que a teoria crítica pós-moderna parte do pressuposto que na atualidade as opacidades e os silêncios produzidos pela ciência moderna promoveram fissuras nos modelos interpretativos. Essas 61

64 fissuras ocasionaram a busca de outros regimes alternativos de verdades que, para Santos (2009), se apóiam em outras formas de conhecimentos, sobretudo, àqueles ditos como marginalizados, e que foram suprimidos e desacreditados pela racionalidade moderna. Nesse caso, o conhecimento é produzido em um lugar multicultural exercido por uma constante hermenêutica de suspeição contra supostos universalismos ou totalidades (SANTOS, 2009, p.27). Dentro das ciências humanas, a concepção pós-moderna se configura multidisciplinar. Trata-se de um caminho teórico que critica profundamente a necessidade de uma unicidade metodológica para o pensamento dado como científico. Nas noções promulgadas por Bauman (2002) e Jameson (2006), tornam-se comuns a idéia de que a utilização de uma única concepção filosófica pautada em um único método científico, não é suficiente para uma correta constatação da realidade. Eles concordam que essa temporalidade que designa o viés pós-moderno não obedece a uma linearidade espaço-temporal, mas a uma plasticidade, que confere ao espaço vivido (lebenswelt) a existência de uma total imprevisibilidade e inconstância nas relações do cotidiano. Para essa compreensão propõe-se que la interrupción, la incoherencia, la sorpresa son las condiciones habituales de nuestra vida. Se han convertido incluso en necesidades reales para muchas personas, cuyas mentes solo se alimentan [...] de cambios súbitos y de estímulos permanentemente renovados [...] Ya no toleramos nada que dure. Ya no sabemos cómo hacer para lograr que el aburrimiento dé fruto. Entonces, todo el tema se reduce a esta pregunta?: la mente humana puede dominar lo que la mente humana ha creado? (VALERY apud BAUMAN, 2002, p. 7). Seria admitir que a modernidade com suas estruturas racionais e sólidas se apresentam nesse momento da história, em um processo de desmonte, de desestruturação sem precedente, e o caminho de compreensibilidade dessa realidade perpassa por mudança de como se fazer ciência. É também admitir, segundo Bauman (2002), que o tempo tido como atual é visto por meio da passagem da fase sólida da modernidade para sua 62

65 fase líquida. Nesse sentido seria aceitar que as organizações sociais modernas (Estado, instituições e outros) se decompõem e dissolvem, e de forma poderosa multiplicam as relações de poder provocando a separação entre o poder, o Estado e a política. Diante de uma inevitável indefinição do que venha a ser o pensamento pós-moderno, em vista da complexa pluralidade que reveste essa concepção e da própria ideia de que há um consenso que produz a sua negação, o conceito se refere à pluralidade de efeitos, ideias e pensamentos. Esses são marcados por uma postura crítica à ciência moderna e ao culto à racionalidade objetiva materialista. Em meio a essa imprecisão, faz-se evidente a necessidade de dar algumas interpretações à pós-modernidade. Esta não é entendida no estudo como uma nova proposição paradigmática. Ela seria uma concepção que evidencia o impreciso, o contingente. Nesse sentido, Hissa (2002) enumera o conjunto de modificações próprias de um saber pós-moderno, a saber: 1) aproximação da ciência com a arte e outras formas de conhecimento; 2) diversificação metodológica; 3) busca pela transdisciplinaridade e 4) democratização do saber científico a toda as esferas da sociedade. A pós-modernidade não pode ser tomada como correspondente à informatização/modernização da sociedade, pois esta última nada mais é que um fenômeno do progresso da modernidade em todas as suas contradições. O advento das sociedades pós-industriais, por mais que tenha acarretado mudanças significativas na forma de se viver em sociedade, não devem ser encaradas como sociedades pós-modernas, assim como não passam de um produto da modernidade. A pós-modernidade em sociedade é um fenômeno que ainda não se concretizou, mas que tende a se caracterizar na direção da desordem e da anarquia dos pensamentos estruturais modernos. As atuais tendências que prenunciam o período dito como pósmoderno, tratado por inúmeros autores (GIDDENS, 1997, 1991; BAUMAN, 2002; JAMESON, 2002, 2006a, 2006b) compreendem, em suas devidas especificidades de análise, que a pós-modernidade é a expressão das próprias contradições da modernidade e sua crise. Diante da imprecisão do conceito de 63

66 pós-moderno, da não conformação de sua denominação e da não ruptura com a ciência moderna, como pensar em uma ciência pós-moderna? Para responder essa questão deve-se aceitar a própria ideia de ruptura dentro da pós-modernidade. Em primeiro lugar, considera-se que a modernidade diante de sua crise anunciou uma fissura em movimento, uma vez que não se realizou. Em segundo, a tendência pós-moderna se constitui a partir de um esgotamento da modernidade, que ainda ocorre em um contexto dito moderno. Assim, Hissa (2002) aponta duas rupturas epistemológicas: a primeira se apresenta como uma superação da ciência moderna e a segunda como uma ruptura nas estruturas epistemológicas. Essa dupla ruptura é caracterizada pela aproximação e interação entre conhecimento científico e senso comum, pelo fim da dicotomia entre ação e contemplação e, finalmente, por um maior equilíbrio entre adaptação e criatividade. Considera-se que, o espírito moderno esgotou-se, mas não a modernidade. E é das fronteiras desse esgotamento que escapam as sensibilidades pós-modernistas, ainda assim, em um contexto próprio da modernidade (HISSA, 2002, p.106). No próximo item discuto sobre os contextos teórico-históricos que versam sobre as religiões de matriz africana com base em leituras que desvelam os processos de encobrimento Contexto teórico para os estudos de saberes e de identidades encobertas das religiões de matriz africana no espaço diaspórico O plano teórico pós-colonial é uma reconsideração textual, política e prática das visões propaladas de conhecimentos universais. A revisão de textos e discursos coloniais é uma árdua tarefa para aqueles que assumem esse caminho metodológico. A Geografia Colonial se perpetuou por séculos, por meio de construções de sistemas de signos geográficos que sustentaram imagens de um espaço uniforme e coerente (PIMENTA et al., 2007). Recorrese aos textos clássicos que impuseram essas imagens históricas e geográficas 64

67 como proposta de método, no sentido de se reconhecer as construções universalizantes que formam boa parte do imaginário social sobre os processos coloniais. Dentre esses processos, na presente tese, passo a considerar como um do efeito colonial: a formação do espaço diaspórico. Esse reconduz aos imputados processos coloniais que promoveram o contato de diferentes povos e culturas: europeus, indígenas e africanos que na etapa colonial formaram a cultura brasileira. O processo que revela a brasilidade cultural fica expresso numa densa organização territorial, política, social, econômica, religiosa e cultural, de encobrimento do outro (o não europeu, o africano, o indígena, o migrante, a mulher, enfim, o excluído). É válido ressaltar que o termo encobrimento do outro foi empregado por Enrique Dussel, quando, em 1992, lança uma crítica do advento dos territórios e grupos revelando os sentidos das práticas coloniais vivenciadas por aqueles que foram violentamente colonizados. Para Russell-Wood (2001), três séculos marcaram um processo desumano de comércio que promoveu o deslocamento de aproximadamente 3,6 a 5,5 milhões de africanos advindos da África subsaariana. De acordo com o autor mencionado, geograficamente, as regiões que marcam a área de dispersão dessa população foram aquelas que compunham a África Ocidental e a centro-ocidental e em proporções menores a África Oriental. Esses foram diretamente submetidos a escravidão e na condição de escravizados trabalharam nas plantation, nas minas de ouro e nas atividades extrativas ou nos centros urbanos do Brasil colonial. ra Dentre as formas de resistência em termos culturais, os escravizados encontraram na religião um mecanismo de reorganizar parte de suas culturas, de seu locus de identidade. O Candomblé é um desses sistemas cosmogônicos pós-coloniais de reorganização cultural concebido como fenômeno da diáspora africana no Brasil. Essa cultura é dinâmica e em meio ao processo de colonização cultural permitiu a reorganização e ressignificação de elementos existenciais de africanidade no novo espaço de vivência. Espaço determinado por mecanismos que foram preponderantes para o encobrimento 65

68 do outro colonizado, no entre-lugar 22 termo abordado por Babha, vislumbrase entendê-lo por uma epistemologia que evoca a explicação do Candomblé no espaço diaspórico. As conquistas territoriais européias, marcadas pelos processos de descobrimento, instrumentalizaram as ciências das quais se destacam os papéis da Geografia e da Antropologia para a manutenção de argumentos e técnicas que garantiram a alguns países europeus a condição de centralidade. A partir disso, a própria história da humanidade confundia-se com a história do velho continente, que passa a comandar uma ordem civilizatória sobre os outros povos considerados atrasados. Nesses termos, esse discurso baliza-se na abordagem teórica dicotômica anteriormente apresentada. A perspectiva racionalista do discurso emancipatório moderno que triunfa sobre o arcaico, o primitivo, o atrasado, invalidando suas existências e o conjunto de significados de vivências. É o triunfo desse modelo interpretativo. Nesse processo histórico e diretivo de interpretações unívocas, destaca-se a imposição de padrões de vida cotidiana, de culturas e de uma religião oficial, no caso o cristianismo. O marco temporal que delimita o início desses acontecimentos é a expansão marítima européia. A partir desses marcos históricos é possível inferir que as construções coloniais no campo das narrativas hegemônicas impregnaram no imaginário social coletivo concepções desviantes, sobretudo, separando os sujeitos que foram colocados às margens de suas próprias vivências. Essas construções 22 Esse conceito no estudo está subsidiado nas ideias de Homi Bhabha, ressalta-se que vários pensadores vinculam esse autor ao grupo de estudiosos da cultura dito pós-modernos. Em sua obra o local da cultura, ele reconhece que os conceitos como o de relativismo cultural e multiculturalismo respaldam as teses das sociedades dominantes, e ele ainda recoloca uma crítica ao pensamento social que promoveu historicamente o silenciamento das vozes dos grupos que vivenciaram e vivenciam os imperativos da dominação, a saber: as mulheres, os portadores de sexualidade "desviante" e as sociedades coloniais e pós-coloniais. Outra critica que marca sua teoria volta-se para a negação das formas de uma produção de história homogênea desenvolvida no bojo da racionalidade européia. Homi Bhabha recoloca nos seio dos seus debates e estudos, as possibilidades da coexistência da diversidade, das diferenças socioculturais, políticas, gênero e outros. Bhabha relaciona que essas críticas se efetivam em um processo de negociação do subalterno, esse ocorre no local de entremeio, designado por um entre-lugar. Isto posto, o entre-lugar é uma fronteira cultural, no qual se pode observar o choque das diferenças, e no qual as descontinuidades de universos culturais, semânticos e imagéticos se traduzem em embates políticos (2007, p.107). 66

69 chamadas pelos pós-coloniais de metropolitanas são integrantes de projetos que envolvem o estabelecimento e a manutenção dos domínios sobre os grupos separados (subordinados) (AZEVEDO, 2007, p.37). Tais concepções ainda imputaram as ideologias dominantes. Na concepção de Derek (1996), para o enfrentamento de tais construções cristalizadas pelas ideologias ocidentais modernas, o pensamento pós-colonial designa a formação intelectual crítica aos efeitos do colonialismo, que se espacializa nas sociedades por meio dos efeitos do progresso e da modernização. O autor ainda sugere caminhos elucidativos que compreendam o significado daquilo que Soja (1993) chamou de espacialidade existencial 23, que para a geografia contemporânea resulta no campo de conhecimento que enfrenta as questões de identidade e marginalidade, imputadas pelos processos coloniais. Retomando os sentidos interpretativos da tese do descobrimento do Novo Mundo o debate recai, primeiramente, na própria crítica do termo descobrimento. Para tanto se apóia numa leitura de contrapelo às contribuições promovidas por Dussel (1993). Ele interpreta o descobrimento e o consequente estabelecimento da colônia e das relações coloniais a partir de um processo, já mencionado, de encobrimento do outro. O estudo de Dussel foi amplamente divulgado por conferências realizadas em Frankfurt, em 1992, as quais deram origem ao seu livro: O Encobrimento do Outro: A origem do mito da modernidade, lançado em edição brasileira em O autor citado empreende uma crítica ao processo de encobrimento que ele subdivide em quatro bases conceituais demarcadas a partir de uma ordem cronológica de acontecimentos, a saber: invenção, descobrimento, conquista e colonização. A chegada do europeu em território ameríndio demarcou o primeiro dos processos acima elencados: o de invenção. Esse é entendido como o momento inicial em que os descobridores acreditavam ter chegado à nova rota para as 23 O autor faz um reconhecimento de que a espacialidade é socialmente produzida e como a própria sociedade existe em formas substanciais concretas. Ela se compõe pelas relações entre os indivíduos e os grupos em meio à própria vida social. Ela está presente na origem da consciência humana, nela está posta a distinção existencial fundamental entre o ser-em-si e o ser-para-si (SOJA, 1993). 67

70 Índias. Para Dussel (1993, p.31), isso é o que chamamos de invenção do ser asiático da América. Quer dizer, o ser asiático desse continente só existiu no imaginário daqueles europeus renascentistas. Desse pensamento resulta a idéia de que a invenção colombiana transformou o Oceano Atlântico no centro entre a Europa e o outro continente localizado à oeste. O segundo processo, chamado de descobrimento, corresponde à descoberta de quem realmente eram aqueles povos com os quais os colonizadores entravam em contato. Esse momento, segundo o autor, reordena a lógica visual, a descoberta do continente americano marca a passagem de um estágio provinciano em que se encontrava a Europa para outro que a elege como centralidade do mundo. Isso reafirma o entendimento de modernidade ligada a essa porção geográfica. O terceiro, o marco da conquista, é aquele que imputa o sentido da individualidade do ser europeu moderno por meio de ações que violentam a existência e a vivência do Outro. Essa imposição é forçosamente colocada pelo uso da força e da agressão. O último e atual momento do processo de colonização é aquele que Dussel, na mesma obra, denomina por colonização do mundo da vida (Lebenswelt). Esse momento não se representa mais na dominação do índio e do escravo africano como força humana do trabalho e nem da ocupação de seus territórios. Trata-se de uma dominação ainda mais ampla que incorpora a sua forma de vivência cotidiana, os seus valores morais, culturais e religiosos, impondo sistemas normativos de como se deveria conduzir a sua vida no espaço diaspórico. Posto esses elementos, o autor finalmente pondera que esses sucessivos estágios da dominação sobre o Outro, configuraram a existência de uma raça mestiça, uma cultura sincrética, híbrida, um Estado colonial, uma economia capitalista (primeiro mercantilista e depois industrial) dependente e periférica desde seu início, desde a origem da Modernidade (sua outra-face : te-ixtlí). O mundo da vida cotidiana (Lebenswelt) conquistadora conquistará o mundo da vida do índio, da Índia, da América. (DUSSEL, 1993, p. 51). 68

71 Após essa explanação dos percursos discutidos por Dussel, retoma-se no texto que os fatos coloniais se estruturaram constituindo as materialidades espaciais e existenciais. Sabe-se que os empreendimentos marítimos europeus estavam atrelados não só às questões comerciais, mas também a uma mentalidade expansionista permeada por um sentido de superação e descoberta das potencialidades humanas. O europeu colonizador foi colocado na centralidade desse processo e, com ele, toda a representação de cultura e de civilização que garantiram, seja na prática ou no imaginário, uma relação de hegemonia perante o restante do mundo constituindo o que entendemos como eurocentrismo. Esse imputa, na ordem do cotidiano, mecanismos de colonialismos presentes nos argumentos da ciência moderna e nas estruturas (econômica, cultural, religiosa, social, política) que materializaram a chamada modernidade. O colonizador não modificou a natureza somente com fins especulativos, mas perpetuou os intentos da dominação que se fazem por construções de preconceito, intolerância e racismo Os primórdios do Candomblé como cultura desterritorializada e espaço de afirmação identitária Como discutidos nos itens anteriores, mesmo que haja um entendimento e o reconhecimento da existência da hegemonia europeia, não se pode pensar que os povos subalternizados abandonaram seu modo de ser e de viver. Para o entendimento desta questão infere-se que, as relações de negociação culturais e identitárias perpassam a religião, no nosso caso o Candomblé. O Candomblé, na presente tese, é entendido como fenômeno diaspórico e será tratado à luz das concepções dos estudos pós-coloniais. Neste ínterim a religiosidade constituída pelo africano é desterritorializada, descentrada e sua formação identitária dá-se num jogo complexo de cosmologias. 69

72 Essa multiplicidade está vinculada ao processo histórico da composição do espaço diaspórico. Vários historiadores e africanistas (VERGER, 1987; HEYWOOD, 2010; KARASCH, 2010; SILVA, 1996, et al.) ressaltam que as fontes que identificam os africanos que foram comercializados na condição de escravizados para o Brasil não apresentam de forma homogênea informações como local (porto) de origem, grupos étnicos e os próprios termos designados aos povos pelos traficantes ou pessoas encarregadas da elaboração dos registros. Para Carneiro (2005) essa mistura de referências ocorre quando se percebe o agrupamento de dois ou mais grupos étnicos. Diante da mistura dos registros, a historiografia africana permite aplicar o nome genérico (Congo) à nação geográfica do Porto de Cabinda, ou ainda, relacionar os nagôs a todos aqueles de língua yorubá. Dessa feita, é possível segundo as obras dos antropólogos Reginaldo Prandi (2005) e de Vagner Silva (2006), por meio de seus densos estudos sobre os candomblés paulistas, destacar os elementos centrais da divisão etnolinguística destes povos. No Brasil costumava-se classificar os escravos de acordo com a localização dos portos onde embarcavam na África e, como nestes se reuniam negros de várias procedências, capturados no litoral ou no interior do continente, ainda hoje prevalece muita confusão acerca de sua origem. Até onde se sabe, entre as principais etnias (grupo de origem e culturas comuns) africanas que desembarcaram nas costas brasileiras, sobrevivendo às precárias condições de viagem nos porões dos navios negreiros, destacaram-se dois grupos: os sudaneses e os bantos. Os sudaneses englobam aos grupos originários da África Ocidental e que viviam em territórios hoje denominados de Nigéria, Benin (ex Daomé) e Togo. São, entre outrosmapaos jejes (ewe ou fon) e os fantis-achantis. Entre os sudaneses também vieram algumas nações islamizadas como os haussás, tapas, peuls, fulas e mandingas. Essas populações se concentraram mais na região açucareira da Bahia e de Pernambuco, e sua entrada no Brasil ocorreu, sobretudo, em meados do século XVII, durando até a metade do século XIX. Os bantos englobam as populações oriundas das regiões localizadas no atual Congo, Angola e Moçambique. São os angolas, caçanjes e benguelas, entre outros. Desse grupo calcula-se que tenha vindo o maior número de escravos. (SILVA, 2006, P ). 70

73 De acordo com o pensamento de Silva (2005) o entendimento desta divisão entre povos bantos e sudaneses torna-se, então, essencial para o estudo da formação religiosa dos povos africanos no Brasil, uma vez que cada um preservou algumas de suas particularidades ao organizarem seus cultos religiosos. Na ilustração que se segue (figura 01), pode-se ter uma ideia desse fluxo por regiões do Brasil no denominado comércio triangular, entre os continentes africano, americano e europeu. Assim, no âmbito da religiosidade trazida por estes diferentes povos africanos, observa-se que a diáspora possibilitou o surgimento de uma pluralidade de manifestações e práticas religiosas em território brasileiro. A este respeito Prandi (2005, p. 165) infere que, Nas diferentes grandes cidades do século XIX surgiram grupos que recriavam no Brasil cultos religiosos que reproduziam não só a religião africana, mas também outros aspectos da cultura na África. Os criadores dessas religiões foram negros das etnias nagôs ou yorubás, especialmente os das cidades e regiões de Oió, Lagos, Ketu, Ijexá, e Egbá, e os povos fons, aqui chamados jejes, sobretudo os mahis e os daomeanos (...) A religião negra, que na Bahia se chamou Candomblé, em Pernambuco e Alagoas Xangô, no Maranhão, Tambor-de-mina, e no Rio Grande do Sul, Batuque foi organizada em grupo de nações, ou nações de candomblé. A formação dessas nações de Candomblé tem em sua essencialidade o culto a energias sagradas que recebem denominações correspondentes a cada nação africana. Nesse sentido, as nações de tradição yorubanas/nagôs/ketu (território que corresponde a atual Nigéria) cultuam Orixás. Os Jeje/fon (atual Benin) cultuam Voduns. E os Bantos (território que corresponde a Angola/Congo/Moçambique) cultuam Inkices. Na presente tese o recorte contempla, prioritariamente, as etnias vindas da região da África Ocidental, mais precisamente entre as atuais Nigéria e Benim, em um antigo reino denominado Ketu (Mapa 02). 71

74 Figura 1 Diáspora africana Fonte: Mapas animados para estudar história da África - Scaramal, 2011, p.40. Em território africano o culto aos orixás era constituído de forma regional e patriarcal. Numa disposição regional tem-se a territorialização do culto, o qual se ligava a um orixá específico, por exemplo: em Oyó cultuava-se Xangô, orixá da justiça, do fogo e dos raios, já em Irê o domínio religioso era de Ogum, divindade ligada à guerra e a tecnologia. 72

75 KANGOMA Panda Idah Ibo Ikwu IBO IGALA Okrika Elem Kalabari Igu Aguleri HAUSSA Osomari Awka Oguta ALAGO Dona Nok Rio Benue MAPA 02 - POPULAÇÕES DO DELTA DO NÍGER FONTE: HERNANDEZ, Leila Leite. A África na sala de aula - visita à história contemporânea. São Paulo: Selo Negro, SCARAMAL, E. Mapas animados para estudar história da África , p.53 BASE CARTOGRÁFICA: Magno Nascimento. PROJETO CARTOGRÁFICO: PACHECO, Felippe Jorge Kopanakis LEGENDA Cidade Povo Rio Volta Cabo Verde Gliji Canárias AKPOSO Mono Popó Grande BORGU (Baribas) BORGU Quémé Ketu DAOMÉ Tado Nuatja Savi Abomei Ifanyin ALADÁ TORI Aflao Ajudá Savê Oceano Atlântico Okpara EGBADO Jakin e Ofra Yewa Porto Novo Rio Ogum Ishari Ijebu Ode Ijebu Apa Nikki Igbaho (Ogboro) Abeokuta Ibadan Ilaro Ake Golfo da Guiné Rio Oxum Ilobi Ijebu Igbo Eko (lagos) Jabba Wans BUSA (BUSSA) Tada Niku Oió Ikayi Obá Ede Esie Oshogbo EKITI EGBA IFÉ Ondo IORUBA IJAN (IJO) Bida Ado Ekiti Ilexá Ikare Owó Rio Niger Irese Onitshe Benin Ode Itsekin WARRI Aboh Namba NUPÊ (Tapas) Bonny ESCALA GRÁFICA O NO N S NE SO SE L km Projeção de Mecator Seychelles Comores Maurício Reunião Madagáscar Oceano Índico

76 No que concernem às questões patriarcais observa-se que o culto ligava-se às relações consanguíneas. Assim, era o culto ao orixá do chefe de família, em uma desinência de gênero sempre ligado ao chefe-masculino. Na historiografia sobre os nagôs são recorrentes afirmativas de que a mulher sempre deveria cultuar o orixá do pai e de forma consecutiva o orixá daquele que ela coabitasse em relações matrimoniais. No espaço diaspórico brasileiro essas relações mudaram, passaram por significativas ressignificações. Uma delas liga-se ao fato de que estes orixás, que na África eram cultuados em regiões e/ou reinos distintos passaram, com a formação do território-terreiro (CORRÊA, 2005), a ser cultuados num mesmo local geográfico. Outra mudança relevante é que a família-de-santo (egbé) passou a ser constituída não por laços consanguíneos, mas pela via de adesão permeada pelos aspectos de amizade, afinidade com o líder e sua família de santo. Ademais, o Candomblé deixou, paulatinamente, de ser um culto eminentemente étnico se tornando um espaço de multiplicidades étnico-culturais, no qual convergem atores de diferentes etnias e classes sociais. O Candomblé de Ketu, uma subdivisão nagô, foi a primeira forma de organização do culto religioso de matriz africana no Brasil. De acordo com Silveira (2006) esta ocorreu no ano de 1830, na cidade de Salvador-BA. Assim, foi constituída a Casa Branca do Engenho Velho, também conhecida como Candomblé da Barroquinha. Devido às disputas territoriais do sagrado, a Casa Branca do Engenho Velho ramificou-se em duas bases tradicionais, que são elas: Ilê Axé Gantois e Axé de Opô Afonjá. Para evidenciar a hegemonia do culto nagô, a historiografia brasileira dessa religião assevera que a disputa por território constituiu o maior fator de desmembramento do Engenho Velho. Nesse espaço triagonal, o Engenho Velho emerge como centro difusor. As demais casas se formaram por conflitos entre yalorixás, que asseguravam o poder dentro da religião, a posse do seu próprio território e o direito de posse dos assentamentos do antigo centro difusor, marcando a posição que os terreiros da Bahia passaram a designar após De acordo com Carneiro, 74

77 o Candomblé do Engenho Velho deu, de uma forma ou de outra, nascimento a todos os demais e foi o primeiro a funcionar regularmente [...] Fundaram o Engenho Velho três negras da Costa, de quem se conhece apenas o nome africano Adêtá (Iyá Dêtá), Iyá Kalá e Iyá Nassô. (CARNEIRO, 1967, p. 63). O Candomblé contribuiu para que os africanos desterritorializados constituíssem um ambiente em que pudessem reelaborar sua identidade social, cultural e étnica por meio da religião. Desta feita, através do culto às deidades africanas, eles reorganizaram sua identidade étnica, por meio da constituição das famílias-de-santo e no contexto do ilê axé revivenciaram o tempo místico, ritualístico, outrora experienciado na África. A formação e a institucionalização de práticas religiosas de matriz africana no Brasil tiveram seus primeiros locus de enunciação nas regiões litorâneas do nordeste e sul brasileiro. Especificamente para a análise da formação do Candomblé, em suas variadas nações (Angola, Jêje, Ketu/Nagô), a cidade de Salvador-BA se fez, historicamente, uma referência. Do contexto baiano emergiram ilê axés que influenciaram diretamente o processo de interiorização do Candomblé, bem como sua expansão para outras faixas litorâneas, tais como as do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. Esse processo de institucionalização da religião ocorreu inserido nos próprios empreendimentos coloniais pautados no escravismo moderno que instituíram também a indústria colonial escravocrata. A relação da constituição da religião com o sistema escravocrata diretamente encontra-se nos debates do racismo estrutural. Assunto tratado no próximo item Os intentos coloniais e a promulgação de um racismo estrutural Os empreendimentos coloniais pautados no escravismo moderno instituíram também a indústria colonial (COSTA, 2006). O escravismo moderno, por sua vez, nesse estudo, remonta às teorias racialistas, as quais corroboram 75

78 o entendimento de que determinados povos, por direitos constituídos no bojo da modernidade, subjugaram e exploraram outros povos que não participaram e partilharam das concepções modernas. Neste sentido, o autor infere que corresponde à suposição de uma hierarquia qualitativa entre os seres humanos, os quais são qualificados em diferentes grupos imaginários, a partir de marcas arbitrariamente selecionadas. Essa hierarquização apresenta tanto conseqüências sócioeconômicas quanto político-culturais. (COSTA, 2006, p.11). Estas reflexões, de acordo com o autor, extrapolam o espaço local e na atualidade têm um campo de ação transnacional, o qual fundamenta os estudos da sociologia e da geografia da globalização. Desta feita, percebe-se nos Estados nacionais como os Estados Unidos e o Brasil ações de implementação de políticas anti-racistas. Elas foram e são concebidas e geridas de modos distintos, assinalando suas peculiaridades. O que importa discutir de maneira concreta são os mecanismos de tradução necessários para que as medidas anti-racistas implementadas nos Estados Unidos prestem-se ao combate do racismo no Brasil, sem que se achatem as diferenças diametrais nos padrões de convivência entre os grupos de cor no Brasil e nos Estados Unidos. Esse problema abstrato apresenta desdobramentos microssociológicos óbvios. Afinal, é no âmbito das relações cotidianas que os padrões identitários e de sociabilidade conflitantes são associados e apropriados. (COSTA, 2006, p ). Para o caso brasileiro há uma polarização das discussões anti-racistas. Em um polo encontram-se os estudos racistas que atribuem ao problema do racismo um caráter político, ao considerar que este decorre do fato da nãoafirmação identitária dos sujeitos marginalizados. Em particular, aqueles estigmatizados por suas composições étnicas. Em oposição a esta concepção, no outro polo, encontram-se as críticas aos estudos raciais. No Brasil, diferentemente dos EUA, foi desenvolvida uma cultura nacional integradora da qual os negros e o patrimônio cultural afro-brasileiro são parte constitutiva (COSTA, 2006, p.13). 76

79 Todavia, tanto a ideia de que o problema dos negros é de ordem política, quanto à de que a cultura nacional é essencialmente integradora sofrem dura crítica em Costa (2006). O mesmo considera que ambas as correntes negligenciam os fatores de negociação e mediação cultural que ocorrem no âmbito transnacional e que se refletem nos contextos nacionais e locais. Nota-se, nessas duas linhas de pensamento, a ausência da aplicabilidade do conceito de cosmopolitismo. Historicamente o referido conceito foi refletido, primeiramente, por Diógenes ( a.c). Este foi formulado sob a égide das concepções estóicas, as quais asseveraram a construção de um mundo sem fronteiras e sem guerras. Porém, esse estoicismo se insere numa dimensão utópica, uma vez que mesmo numa pretensa consideração da não existência de conflitos, estes são latentes. Decorrem, sobretudo, da presença de centrismos culturais. Portanto, há de se considerar que o estoicismo oblitera os valores que lhes são estranhos. Essa concepção converge com a pregação da ausência de conflitos a fim de promover uma falsa ideia de harmonia e de integração entre segmentos culturais distintos. Esse entendimento foi alicerçado no seio do projeto ideológico da modernidade que coloca a Europa como modelo de desenvolvimento ainda não atingido por outros povos. É importante essa reflexão para os estudos das culturas encobertas, no caso do Candomblé, por assumir uma linha de pensamento que nega a existência de uma hierarquização prévia das diferentes culturas. Deste modo, o estudo recai em uma discussão acerca da diversidade cultural. Segundo Costa (2006, p.06), para as abordagens pós-coloniais, em contrapartida, os ventos cosmopolitas não podem partir de um centro único, nem tão pouco de vários centros. O cosmopolitismo pós-colonial encontra-se na perspectiva descentrada, a qual confere às experiências modernas minoritárias uma importância especial. A teoria pós-colonial é esta que considera uma gama múltipla de visões de mundo que são colocadas em embate com o propósito de promover e ampliar experiências daqueles que vivem em condições de margem para com 77

80 aqueles postos como centro de referência. Essas experiências ganham notoriedade quando ligadas às suas constituições territoriais, que possibilitam o convívio de culturas múltiplas. O campo cultural, nesse sentido, se torna fecundo para discussões que versam sobre as relações que foram constituídas a partir das dicotomias centro/periferia e cultura hegemônica/cultura subalternizada. A esta concepção acrescenta-se que os elementos evocados pelo conceito de cultura se constituem, de formas distintas, no tempo e no espaço. Além disso, eles estão sujeitos a mudanças tendo em vista que a cultura é dinâmica. De acordo com Geertz (1989, p. 15), a cultura se faz por teias e sua análise se realiza por uma ciência interpretativa, à procura de significados. A configuração do Candomblé enquanto fenômeno da diáspora é exemplo da formação de lugares simbólicos, sobretudo, pela sua capacidade de negociação e pela diferença ritualística, nele presente. Tal discussão será aqui apresentada a partir do viés teórico-metodológico que teve a festa como espaço de excelência de reflexão. As etapas metodológicas descritas a seguir são entendidas por um complexo exercício de pesquisa que assume, no estudo, a experiência de se realizar a densa descrição dos espaços estudados, por meio da aplicação de metodologias de observação participante e da Geoetnografia. Essas metodologias, porém, são embasadas tanto pelas posições epistêmicas da Geografia Cultural quanto das Geografias Pós-Coloniais. 78

81 CAPÍTULO 02 CONTRIBUIÇÕES DA GEOETNOGRAFIA PARA UMA GEOGRAFIA DAS FALAS: TRILHAS METODOLÓGICAS PARA O ESTUDO DOS TERRITÓRIOS E DAS IDENTIDADES CANDOMBLECISTAS EM GOIÂNIA E REGIÃO METROPOLITANA Nesse capítulo, apresento a complexa configuração desse estudo que exigiu tanto uma perspectiva multidirecional de seu objeto, quanto metodologias e técnicas apropriadas e ajustáveis a cada situação/problema. Dentre as utilizadas pode-se citar: mapeamentos, organizações de plantasbaixas, croquis, cartogramas, tabulações de dados, audiografias, fotografias e outros. Porém, dentre todas essas, duas se apresentaram peculiares para a compreensão dos entre-lugares, dos pontos nodais, interstíciais e contíguos do Candomblé em Goiânia e Região Metropolitana: a geoetnografia e a observação participante. As trilhas metodológicas constituem as seções desse capítulo. 2.1 A geoetnografia e a dialética dos saberes: entre o pesquisador e as falas dos subalternos É necessário reconhecer que a geografia cultural, sobretudo a partir dos estudos de Sauer (1947), em contexto contemporâneo das contribuições de Claval (1992) e recentemente de Almeida (2008), recorreu ao campo metodológico da etnogeografia. Esse caminho elucidativo possibilita entender as representações elaboradas pela sociedade a partir de realidades vivenciadas. A etnogeografia promove a compreensão da relação de uma cosmologia com o lugar, e como o ambiente é concebido e vivido pelo homem (ALMEIDA, 2008, p.332). 79

82 Reconheço que a etnogeografia me permite penetrar no vivido dos grupos possibilitando compreender como as organizações espaciais são delimitadas pelos padrões culturais assim como aponta Almeida (2008). O mundo das crenças por esse caminho metodológico pode ser decifrado por dispositivos que favorecem a interpretação dos símbolos e dos signos, além de garantir a decodificação desses por uma linguagem que desvela o espaço em sua heterogeneidade de significados. Para o caso do presente estudo, a etnogeografia garantiu a interpretação dos espaços, dos ritos, dos elementos sagrados dentre outros, em uma perspectiva que evidenciou o reconhecimento de questões materiais e imateriais contidas na organização espacial do sagrado. Após o reconhecimento do campo estudado tornou-se necessário articular outros caminhos investigativos que valorizassem as fontes qualitativas, mas também as quantitativas. Daí o interesse em demarcar o campo da geoetnografia, e não somente da etnogeografia, para o estudo do sagrado de matriz africana. A geoetnografia é uma associação entre os procedimentos e as técnicas de estatísticas e de sistemas informacionais geográficos com aqueles que empregam os conhecimentos etnográficos. Os estudos que seguem essa metodologia resultam da combinação da pesquisa quantitativa com a pesquisa qualitativa. Seguindo esse caminho metodológico é possível recorrer às formas interpretativas que se contrapõem as narrativas oficiais da história, por meio de construções que se apóiam aos construtos das ideias de Spivak (2010) e de Jameson (1981), uma vez que ambos partem da valorização das narrativas que revelam as realidades reprimidas. A produção de uma narrativa representativa daqueles que se encontram em condições de subalternidades necessita de enfretamento com o projeto imperialista imposto aos sujeitos alijados. Essa possibilidade é posta pela via da construção de uma narrativa em contramão, pela qual o subalterno possa falar. E de que modo ele (a) fala? Essa é a problemática posta ao pesquisador. Na perspectiva clássica das interpretações antropológicas de forma específica, ou culturalistas de forma geral, os sujeitos da pesquisa recebem 80

83 formas de denominação, sendo as mais clássicas e conhecidas nativos ou informantes. Nesse quadro de papéis o pesquisado, informante ou nativo atua como enunciador de conteúdos de sua cultura, ou seja, atua como um mero sujeito passivo, repassando informações ou dados a serem interpretados por uma mente teórica, interpretativa, denominada por pesquisador. Sobre essas interpretações clássicas referencio Geertz (1989) quando cita o papel do etnógrafo. Segundo esse autor, o etnógrafo inscreve o discurso social: ele o anota. Ao fazê-lo, ele transforma de acontecimento passado, que existe apenas em seu próprio momento de ocorrência, em um relato, que existe em sua inscrição e que pode ser consultado novamente. Desta feita, uma questão se apresenta: a escrita que se fixa por meios dos documentos e procedimentos de análise. Ainda ressaltando o autor, a escrita fixa, não o acontecimento de falar, mas do que foi dito, onde compreendemos, pelo que foi dito no falar, essa exteriorização intencional constitutiva do objetivo do discurso graças ao qual o sagen- o dito torna-se Aus- sage a enunciação, o enunciado. Resumindo, o que escrevemos é o noema ( pensamento, conteúdo, substância ) do falar. È o significado do aconteciemnto de falar, não o acontecimento como acontecimento. (GEERTZ, 1989, p.29). A questão centra-se sobre o que se escreve. Nessa perspectiva, a escrita se fixa por meio de um discurso oficial bruto. Perceptivelmente, em certas pesquisas, a escrita do texto informado é produzida de forma paradoxal. De um lado, o pesquisador não é ator das histórias narradas e geralmente ele não tem acesso às informações em sua totalidade. Por outro lado, o pesquisador só domina uma determinada parcela que o informante oferece. Tal situação comumente ocasiona construções de realidades assimétricas. Nesse quadro, cabe ao interprete das culturas, ou seja, ao pesquisador, o papel de extrair e interpretar os elementos ou conteúdos enunciados pelos informantes e repassá-los à sua comunidade de origem, nesse caso, a comunidade científica. Ressalta-se, no entanto, que esses conteúdos, após sua interpretação, tornam-se produtos agregados de significados científicos. As formas de apresentação desses produtos culturais 81

84 agregados de valores teóricos e significados interpretativos são muitos, sendo os mais conhecidos: relatórios científicos, etnografias, cadernos de campo, relatos de viagens, exposições fotográficas ou iconográficas, conferências, palestras e outras. Com tais ferramentas de análise descortinamos a teia de significados que se faz entre a interpretação do pesquisador e as narrativas dos informantes. Nesses termos, busca-se aqui um exercício metodológico que orienta a problemática central do presente estudo. Ou seja, qual o papel ou contribuição da geoetnografia na compreensão das construções das relações identitárias entre candomblecistas? Essas poderiam ser apreendidas em um formato estático do espaço ou do tempo linear? Caso sim, como ficariam as formas conectadas de redes territoriais, com seus pontos nodais, intersticiais e de contiguidade? E ainda, como a geoetnografia se posicionaria frente ao desafio da (ausência) de fala dos sujeitos subalternos? Para responder a tais perguntas a geoetnografia considera em seu escopo metodológico a análise de espaços, territórios e sujeitos, como categorias interpretativas. Ela possibilita perceber atos e espaços em suas singularidades. O trabalho de campo apresentado no presente experimento geoetnográfico, se aporta nas reflexões de Geertz (2007) acerca das interpretações das culturas e nos estudos subalternos e pós-coloniais. O autor mostra que, ainda que relevantes para o pesquisador, as ponderações sobre o local do saber, a interpretação das culturas (GEERTZ 2007; 1989) e a subjetividade dos sujeitos sociais é elemento sine qua nom para a interpretação. Nesses termos o território circunscreve a cultura. A cultura assim como afirma Geertz (2007) é pública, logo é produzida pelo ser humano como uma teia de significados. O referido autor afirma que, o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura de significados. (GEERTZ, 2007, p.15). 82

85 Conforme o entendimento do excerto acima, a ciência produzida a partir da visão de Geertz (2007) ultrapassa a condição experimental para uma concepção interpretativa. Na presente tese reconheço a árdua tarefa que se impõe ao pesquisador, porém, não se pode esquecer do universo do pesquisado, especialmente das formas geografizadas de sua fala. Em sua obra Pode o subalterno falar? Spivak (2010) reporta a essa questão ao questionar o lugar do investigador. No âmbito do seu estudo a polêmica se evidencia quando se reconhece que diante do sujeito soberano (o dominante, o colonial), a voz do subalterno é silenciada devido ao fato desta ser um efeito produzido pelo discurso dominante. O argumento central dessa questão está posto em seus estudos sobre os sujeitos-efeitos, a partir do conceito que se elabora pela tríade poder/desejo/interesse. Para tanto, a autora recorre as ideias de Deleuze e Guatarri (2004) ao discutirem sobre o poder exercido pelos intelectuais junto aos seus estudantes por meio da tradução de coletâneas. Segundo os autores, esses fragmentos passaram a exercer fortes influências sobre os estudantes dos Estados Unidos e promover às condições necessárias de controle para os representantes das bases ideológicas dominantes. Ao retomar a questão central do presente estudo, reconhece-se a importância de se questionar as redes do poder/desejo/interesse desenvolvidas pelo pesquisador em relação ao sujeito pesquisado, uma vez que, o cerne desse processo metodológico é a crítica aos procedimentos que invalidam ou silenciam o discurso ou as narrativas do outro, no presente caso os candomblecistas. Daí a possibilidade pró-ativa da geoetnografia para esse debate: compreender uma geografia das falas. Apoiada na perspectiva epistemológica dos Estudos subalternos e Póscoloniais, os informantes não são mais entendidos como meros passivos. Pelo contrário, esses devem tomar uma postura que vá para além do que se esperaria de um nativo. Logo, nesse sentido, o informante deve sempre superar a voz do nativo, antes objeto do interesse dos intelectuais, e passar a 83

86 atuar como sujeito de suas próprias narrativas. Metodologicamente nessa pesquisa, os povos subalternos, segundo aos designativos de Spivak (2010), Said (1995) e Hall (1997) são os sujeitos que demarcaram sua identidade cultural em meio aos processos históricos e geográficos díspares, porém diretamente referenciados aos construtos de processos colonialistas. Para esse estudo, seriam aqueles intrinsecamente relacionados aos cultos e práticas africanas, ligados aos processos de violência e opressão vivenciados pela luta do território, muito bem experienciada pelos antepassados negros no espaço diaspórico, que atualmente remonta o caso do Candomblé. Entendo que o Candomblé hoje disperso no território nacional e para além desse, em escala global, sobrepõe e justapõe diversas estratificações socioeconômicas e étnicas. Tal inferência torna-se oportuna por considerar que essa interação socioeconômica e étnica do Candomblé, por um momento, poderia suscitar uma polêmica em torno da questão: quem seria de fato o subalterno desse estudo? Nesse instante prevalece a concepção de que esse sujeito é o que se constrói no entre-lugar discutido por Bhabha (2005). O candomblecista é aquele que se posiciona entre os construtos negativos impostos pelos agentes representantes da macroestrutura cultural dominante e as lógicas locais que permitiram a construção das identidades cultural e territorial das culturas africanas. Ao colocar o candomblecista em uma condição de subalterno, é mister apontar que os enfrentamentos com as estruturas coloniais alijaram esse ser de sua história, aquela vinculada ao território de dispersão: a África, e de sua identidade em momentos díspares da formação do território-nação. Por séculos os negros (as), representantes étnicos da religião estudada, foram forjados por discursos que respaldaram as conquistas territoriais, os sistemas escravocratas, os mecanismos de colonização e os processos de conversão aos construtos culturais cristãos/ocidentais sistemas de poder. Em suas análises Said (1997), Bhabha (2005) e Spivak (2010) abordam que o colonialismo se apresenta como uma experiência global 84

87 compartilhada entre os antigos colonizadores com os antigos e/ou novos colonizados. As práticas colonialistas se apresentam nos espaços, em certa medida, por movimentos (des)territorializados das culturas que permitem as novas construções identitárias demarcadas em espaços transitórios e negociados. Ao remontar os estudos de Hall (1997), torna-se necessário perceber, como uma identidade existe e tem um lugar neste complexo, cambiante, desordenado, mas não intercambiável conjunto de termos que se sobrepõem, que recusam tanto a se separar quanto a incorporar com facilidade ou acomodar os demais. Estas são fronteiras internas, em torno das quais estão marcadas as diferenças, e que, portanto, são lugares potenciais de uma contestação quanto ao sentido, uma política de identidade. (HALL, 1997, p.200). Os cenários em que se constroem os movimentos desterritorializados da cultura e as condições pelas quais os sujeitos reivindicam os direitos de reconhecimentos identitários, permitem retomar as ideias de Jameson (1981) ao discutir sobre o inconsciente político. Porém, esse debate sofrerá, no presente texto, uma diluição por outras situações interpretativas de dados, nas quais a fala dos sujeitos/informantes será seu eixo articulador. Por ora considera-se suficiente registrar as formas empreendidas e as posições tomadas no enfrentamento metodológico que se inscreve a geoetnografia, problema central dessa tese. Ou seja, a forma configurativa das redes nodais, intersticiais e de contiguidade criadas e/ou vivenciadas no Candomblé da Região Metropolitana de Goiânia. Esse debate encontra-se explanado no presente capítulo, especialmente no tópico denominado Geografia das falas. A interpretação de Jameson (1981) sobre o inconsciente político aponta que esse inconsciente é aquele em que inscreve a narrativa como ato socialmente simbólico. Ainda para o autor, é necessário detectar os traços daquela narrativa ininterrupta, ao trazer para a superfície do texto a realidade reprimida e sepultada dessa história fundamental, que a doutrina de um consciente político encontra sua função e sua necessidade (JAMESON, 1981, 85

88 p.20). As narrativas das histórias do povo de santo, e em particular nos locus pesquisados, foram histórias silenciadas. Em sua mais recente publicação, que propõe uma síntese reflexiva de seu longo percurso pela interpretação das culturas, Geertz (2012) tece considerações sobre a transformação do mundo, a mudança na realidade da pesquisa e a variação no panorama intelectual e em especial do pesquisador. Para o autor o desafio contemporâneo é a posição que se assume diante de um contexto em que a essência liga-se a mudança. Por que recorro à concepção de Geertz? Para reforçar a noção das falas subterrâneas, narrativas não verbalizadas e os lugares de insegurança que o método científico nos lança quando defrontamos ao que o autor denomina de estado de ambiguidades. Para uma pesquisa que prima pelo o caminho que descortina a múltipla teia interpretativa da realidade o autor ressalta que, o que podemos construir, se manter as notas de campo e sobreviver são relatos de aprendizagem das conexões das coisas que parecem ter acontecido: pedacinhos unidos de testes, padrões, após os fatos... Isso aponta o quão particular os eventos e ocasiões únicas, além de um encontro aqui e um desenvolvimento acolá, podem ser tecidos com uma variedade de fatos e uma bateria de interpretações para produzir sentido do como as coisas ocorrem, têm ocorrido e provavelmente ocorrerão. (GEERTZ, 2012, p.2-3). Esse ponto de reflexão respalda o caminho percorrido no processo de construção desse estudo. Recorremos às narrativas liminares e subliminares e outras formas de histórias, em que os orikis, e os itans 24 possibilitaram um maior conhecimento da cosmogonia e territorialidade investigada, tornando-se um caminho elucidativo da reconstrução das histórias do Candomblé. O estudo de Religiões de Matriz Africana desenvolveu-se a partir dessa combinação de procedimentos, por meio da inserção de informações etnográficas. A produção dos cartogramas foi possível em decorrência da participação do pesquisador junto aos ilês, uma vez que se tornou necessária a 24 Orikis e itans são formas de orações utilizadas nos rituais e passadas, oralmente, pelos mais velhos do terreiro. 86

89 confrontação dos dados de registros coletados em órgãos públicos com as informações obtidas nos locais pesquisados juntamente com os lideres, representantes de associações e federações das RMA. Para Matthews et al. (2005); Skinner et al. (2005), a geoetnografia permite que a análise dos dados parta de uma metodologia mista, produzindo uma variedade de possibilidade de instrumentos auxiliares que se tornam fundamentais às interpretações do estudo em questão. As questões de etnias (nações), de gênero e de organização cosmogônica foram aqui espacializadas, analisadas e interpretadas mediante essas possibilidades que a geoetnografia oferece para o estudo de Comunidades de Terreiro. As fontes de pesquisa levantadas possibilitaram um significativo volume de informações. A seleção dos dados permitiu segmentá-los segundo os propósitos da tese no que se refere às questões políticas, simbólicas (culturais) e territoriais. A geoetnografia ainda facilitou nesse estudo a organização das histórias dos sujeitos sociais relatadas nas entrevistas. As vivências e as experiências desses informantes foram reconstituídas, evidenciando os processos sociais, culturais e políticos enfrentados por esses sujeitos, em Goiânia e na Região Metropolitana. A contribuição da geoetnografia para esse debate promove a abertura para o processo metodológico que se apresenta como uma geografia das falas Geografia das Falas: o território mediado entre o privado legal e o público moral Por serem invisíveis ao poder público e até mesmo por não serem reconhecidos como igrejas, os ilês axés ou terreiros vivem em uma situação de instabilidade quanto à questão da posse do território ocupado. A priori essa instabilidade passa do âmbito do debate interno e ganha reforço no cenário político com a promulgação da constituição de

90 A considerada constituição cidadã garante em seu texto direito de tratamento de igualdade a todos em termos raciais, étnicos, culturais, religiosos, gênero e outros. Esse marco temporal evoca a implantação de vários dispositivos legais como leis e estatutos. Tais dispositivos são implementados pari passu, via um conjunto de ações vivenciadas no interior das unidades federativas. Essas ações visam combater a discriminação religiosa no território nacional e, especificamente, no estado de Goiás, acabam por repercutirem, sobretudo, a partir da necessidade de movimentos reivindicatórios de reconhecimentos de território e de identidade por parte de segmentos organizados politicamente e/ou não organizados. Nesse conjunto, destacam-se os representantes de comunidades que são em sua maioria líderes de igrejas, lideres de comunidades tradicionais, presidentes de associações e federações, membros de Conselhos e professores das redes públicas e privadas de ensino básico e superior. Muitas são as situações de conflito e de negociações enfrentadas pelo povo de santo no estado de Goiás, dentre essas se destacam as que se referem ao território e às políticas afirmativas de reconhecimento identitário, em especial as relacionadas à posse do terreno; acesso às áreas públicas; sucessão do líder, espólio, herança. Destacam-se também as relações de conflito e negociação que esses segmentos religiosos estabelecem com os espaços decisórios do poder, a saber: câmaras legislativas, assembleias de deputados, poder executivo, setor de comunicação e outros. Em Goiás o primeiro estudo científico empreendido sobre esse tema foi o projeto de pesquisa Aberem: África no Brasil, estudos de comunidades, religiosidades e territórios 25. A realização do projeto ficou a cargo de uma equipe formada exclusivamente por historiadores. Sobre os objetivos e resultados alcançados e descritos no relatório final de pesquisa, segue o argumento: O projeto de pesquisa ABEREM África no Brasil: estudos de comunidades, religiosidades e territórios teve por diretriz conhecer os processos históricos que levaram ao encobrimento 25 financiado pelo CNPq, sob coordenação da profa. Dra. Eliesse Scaramal entre os anos de 2006 a

91 das vivências religiosas de matriz africana na região metropolitana de Goiânia. Objetivou-se, ademais, conhecer as dimensões políticas e religiosas no espaço público goiano e as formas de articulação e negociação territorial do sagrado entre a hierocracia católica, as comunidades evangélicas e as religiões de matriz africana (SCARAMAL, 2008, p. 02, grifos meus). Por sua inovação temática, o projeto Aberem promoveu uma desconstrução importante para o que se considerava, até então, um primado inquestionável no âmbito acadêmico: a inexistência de Candomblé em Goiânia. A desconstrução de tal postulado foi enfaticamente registrada pela coordenadora do projeto, na conclusão de seu relatório técnico-científico: afirma-se, resolutamente, que o Projeto ABEREM tornou-se um marco nos estudos sobre a configuração religiosa de matriz africana em Goiânia e no Estado de Goiás. Até sua execução, a discussão e produção acadêmica sobre o tema parca e inconsistente persistiam no argumento sobre a ausência do segmento religioso conhecido por Candomblé (Ketu, Angola, Jeje) em Goiânia, hipótese falseada mediante resultados colhidos em trabalho de campo (SCARAMAL, 2008, p.15, grifos meus) Além do resultado inédito para a os estudos acadêmicos de então, houve, igualmente, segundo a relatora, outros resultados subsequentes que poderiam ser divididos em dois momentos: no que concerne ao primeiro plano do objetivo [conhecer os processos históricos que levaram ao encobrimento das vivências religiosas de matriz africana na região metropolitana de Goiânia], em seu primeiro ano de execução, o projeto Aberem chegou a alguns resultados parciais significativos, os quais apontam para uma dupla configuração do fenômeno religioso em Goiânia: se por um lado as religiões de matriz africana sofreram com um encobrimento histórico e social até o final do século XX, por outro no limiar do século XXI, percebe-se um premente movimento que reivindica o reconhecimento de seus direitos à visibilidade e coexistência com outros segmentos religiosos no espaço público goiano. (SCARAMAL, 2008, p.02, grifos explicativos meus). 89

92 No que se refere à temática acerca do Candomblé, são incontestáveis as contribuições das problemáticas e produtos apresentados pelo projeto Aberem para a História em Goiás. Para os estudos geográficos seus apontamentos não foram menos importantes, ainda que menos acabados. Quanto ao Instituto de Estudos Sócio Ambientais da UFG (IESA), o único registro no Programa Strictu Sensu sobre o tema, data do ano , ou seja, três anos após o início do projeto e um ano após seu término. Ainda que amplamente divulgado, com espaços de interlocução comum e relações interdisciplinares abertas, tais como congressos, seminários, monografias e publicações diversas, a referida dissertação de mestrado não faz menção alguma às reflexões e resultados apresentados pelo projeto ABEREM. Nos campos de estudos da Geografia, as questões levantadas pelo referido projeto também não receberam um tratamento adequado no que tange às suas dimensões categoriais. Ainda que inédita para a configuração de estudos goianos sobre o tema, seus resultados poderiam ser mais profícuos caso os historiadores tivessem estabelecido um debate com os geógrafos. Nesses termos, a presente tese de doutorado pretende contribuir para algumas questões que, a meu ver, ficaram abertas. Nesse sentido, retomarei alguns resultados do projeto ABEREM, tais como entrevistas, relatos etnográficos, estudos teóricos, levantamentos bibliográficos e de fontes, resumos de congressos científicos, documentos oficiais, reportagens jornalísticas, dentre outras. Conforme aludido na introdução e no primeiro capítulo do presente trabalho, faz-se mister perceber como a Geografia Cultural abre espaço para o diálogo com outras áreas do conhecimento em especial com a Geografia Pós-Colonial ao reconhecer as dimensões histórico-geográficas, sócio cultural e simbólica do espaço humano, além dos movimentos de identidade como negociação e, sobretudo, de processo de diferenciação e reconhecimento frente à alteridade. Dessa sorte importa-nos saber o que o outro fala, seu locus de enunciação, e para quem ele fala. 26 Trata-se da dissertação de mestrado intitulada Paisagens e territórios religiosos afrobrasileiros no espaço urbano: terreiros de candomblé em Goiânia, de José Paulo Teixeira, depositada no ano de

93 Quanto ao cenário em que se desenvolvem as construções conceituais dos sujeitos que as vivenciam, tais como território e espaço, as vozes dos sujeitos/informantes emergem nos registros do projeto Aberem nos idos de 2006, quando da primeira entrevista coletiva dos pesquisadores aos partícipes das comunidades tradicionais de terreiro. Nesta entrevista a geografia das falas apresenta-se em um cenário multidirecional e polissêmico. Retomar esse dado espaço-temporal é significativo por ser um momento de efervescente protagonismo das comunidades tradicionais negras no âmbito do espaço público. Pode-se afirmar que foi no ano de 2006 que tais questões entram na cena pública do Estado de Goiás com a agenda oficial das Universidades e das Secretarias de Educação, para responder aos ditames da Lei Federal /03 e das Diretrizes Curriculares de Educação para as Relações Étnicorraciais, assim como dos demais organismos, em especial da Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CONAPIR). Por esses motivos, tanto contextuais quanto teórico-metológicos, propomos tratar tais entrevistas como experimentos tanto para uma geoetnografia quanto para uma descrição densa, nessa última referência, conforme postulado por Geertz (1989). A forma de apresentação de análise obedecerá a uma exposição da fala refletida dos próprios sujeitos/informantes, seguida por um esforço de análise pluritópica por minha parte. Pode-se considerar que na trama de enunciados superpostos, imbricados, múltiplos e intersticiados que por ora denomino em um esforço de síntese por Geografia das falas, sobressalta-se uma não-passividade dos sujeitos subalternos, nesse caso o povo de santo. Essa não-passividade pode ser percebida no exercício de agency desses sujeitos, que reivindicam reconhecimento de direitos consuetudinários e se postam criticamente no diálogo para uma construção de políticas públicas mais intensas, porém de forma mais esvaída quando o fato é fazer valer suas efetivações. 91

94 Tomando por base a entrevista acima anunciada 27 realizada de forma livre, com alguns representantes do segmento do Candomblé de Angola, Omolocô e Umbanda os temas sobre acesso às áreas públicas, sucessão do líder, espólio, herança e, especialmente, das relações de negociação e conflito desse segmento com os espaços decisórios do poder (câmaras legislativas, assembleias de deputados, poder executivo, setor de comunicação e outros) são uma constante. Os grifos, todos meus, são aqui utilizados para ressaltar as dimensões categoriais da geografia e seu uso pelos sujeitos em sua fala. : Francisco: cê sabe o quê que complica na questão do sucessor... é que as vezes... por exemplo, a pessoa tem esse terreno aqui, né? Particular. A pessoa vai, faz um centro... monta um Terreiro, funda e aí... mas o terreno fica no nome da pessoa particular... quando morre vai para o espólio, o filho quer herança... e aí complica! Elmo: humrrumm Francisco: o terreno num tem, num tem a posse... Ewane: mas essa é uma das piores... das, das situações que tá matando as células de Umbanda é isso. Francisco: É terrível! Francisco: É! Tem que orientar os sacerdotes de que ó: o espaço, mesmo que você que... mesmo que você quer manter a casa... mas assina um espaço, vá lá e faz uma doação. Igual a Associação nossa lá... onde tá plantando a casa, nosso Kizó nós... quando... a área lá não tem escritura definitiva mas a hora que resolver a situação eu vou lá e vou passar para o nome da associação. A orientação indicada pelo depoente diz respeito a uma proposta política da antiga Federação de Umbanda do Estado de Goiás (FUEGO), e a 27 Entrevista concedida aos Entrevistadores: Eliesse Scaramal (UEG/CieAA); Cristina de Cássia P. Moraes (UFG/CieAA); Léo Carrer (UEG/CieAA); Felippe Jorge Kopanakis (CieAA); Regina Helena de Mendonça (SEE Secretaria Estadual de Educação Goiás). Entrevistados: Elmo Alâburu Omolokô (Presidente Conselho Sacerdotal da FUEGO -), Francisco Ngunz tala (Sacerdote Candomblé Angola) Ewane L. Souza (Presidente da Federação das Casas de Umbanda e Candomblé de Goiás); Regina Helena de Mendonça (Secretaria Estadual de Educação); Wandirley (Federação das Casas de Umbanda e Candomblé de Goiás), Goiânia, 04 de junho de Transcrição: Eliesse Scaramal e Clarissa Adjuto Ulhoa. 28 Kizó termo de origem banta com o qual se denomina a casa, as edificações do templo em um Candomblé Angola. Uma referência próxima ao Candomblé de Ketu seria o Ilê Axé, ou na forma aportuguesada, o barracão. 92

95 atual Federação de Umbanda e Candomblé do Estado de Goiás (FUCEGO), junto às casas de santo. Pelo fato do Estado se omitir frente a essas questões de espólio, herança e sucessão que tem por base o sagrado de matriz africana, pelo menos no âmbito do estado de Goiás caberia à FUCEGO a legitimidade de arbitrar e propor uma política de direcionamento e orientação junto às decisões morais que os terreiros de religiões de matriz africana e afrobrasileiras deveriam ter, juntos aos demais partícipes, sobre o espaço de culto após a morte de seu (a) fundador (a). A maioria dos locais de culto das referidas religiões se inicia com a aquisição de uma área (geralmente um grande lote, uma chácara ou um sítio) por uma pessoa que vivencia uma hierofania, uma manifestação do sagrado. Porém, a base do local, ou seja, seu terreno, seria por direito de herança de seu/sua fundador (a). Esse ao mesmo tempo contribui e recebe contribuições de valores materiais de seus discípulos ou clientes, que cooperam para consolidar e agregar valores ao patrimônio primevo. A esse local primordial se agregam além de bens materiais oriundos de doações para a ampliação e melhora das edificações bens simbólicos, como assentamentos de santos, igbás 29, rundemes 30, roncós 31, camarinhas 32, e 29 Igbás: recipientes nos quais se depositam ou se acolhe elementos da natureza, tais como seixos, conchas, minerais, vegetais e sangue de animais que, após passarem por várias situações ritualísticas, são imantados pelas energias dos orixás. Assentamento é outra forma de se referir ao igbá já imantado pelo conjunto dessas energias. 30 Rundeme: No Candomblé Nagô, ou seja, que mescla tradições majoritariamente de origem Ketu e Jeje, o rundeme é o local dentro do amplo espaço do Ilê Axé, ou terreiro, no qual se recolhe o iniciando. No caso do Candomblé de ketu, o yawô. Trata-se de um dos principais e mais protegidos locais do terreiro, guardado com muito zelo por todos os que por eles passaram. Sua entrada geralmente é vedada até mesmo aos já iniciados de outras casas. Quando o abiã, ou o iniciando, se apresenta no ilê axé para os rituais de iniciação, ou seja, para se fazer o santo, passa por vários locais dentro e fora desse espaço. Fora do ilê axé, o iniciando, sempre acompanhado pelo babalorixá ou yalorixá, passa por rituais em matas, cachoeiras, rios, montanhas, etc. Após isso o iniciando retorna para o espaço interno do ilê axé e dali não mais sai, por um período de vinte e um dias. Esse período diz respeito à maioria das casas que fizeram parte da presente pesquisa. Porém, a bibliografia indica que esses intervalos podem variar de casa para casa ou de tradição para tradição. Após essa incursão extra ilê axé, o iniciando retorna para o espaço interno por um período de geralmente uma semana, quando ainda pode ter contato com várias pessoas e com outros locais internos do terreiro, tais como o barracão, a áreas externas comuns, etc. Esse momento é necessário para se fazer todos os rituais e abluções prescritos antes de entrar para o rundeme. Após entrar para o rudeme, o yawô não mais sai por um período de sete dias, até a saída, momento em que se apresenta ao público, na festa do Xirê. 31 No Omolocô e Candomblés de Congo Angola, o mesmo que rundeme e camarinha. 32 Na Encantaria Brasileira, Umbanda, Omolocô o mesmo que rundeme e roncó 93

96 até associações civis e de ajuda mútua ou de interesse público. Essa passagem dinâmica de bens privados (legal) para bens públicos (moral) incide por dois filtros diferentes, os quais nem sempre são complementares em sua base: a herança e deveres que dão direitos aos bens materiais e sagrados. Essas dinâmicas do sagrado geram várias demandas, que quase sempre resultam em divisões históricas e geográficas, quando não na extinção da casa após a morte do (a) fundador (a). Os reclames quase sempre vêm em forma de demandas por partilhas, entendidas como legítimas por ambas as partes interessadas, ou seja, por parte da família de santo de um lado e da família biológica de outro. Ambos querem ter seus direitos preservados, porém em um espaço legal de culto comum. A referida lide envolve questões de responsabilidade na preservação do patrimônio cultural, simbólico e até material, cujo espaço material passaria do uso particular/familiar, para o coletivo/discipulado. O argumento estaria balizado pela preservação e permanência do patrimônio imaterial, ou seja, do espólio cultural, sacralizado pela materialidade no espaço local: o terreiro. A escritura, isto é, a legalização do terreno, torna-se o imbróglio que imobiliza o processo. Histórica e geograficamente essa questão marcou, e continua por marcar, todas as lides do Candomblé no Brasil. A referência mais antiga é a da Casa Branca do Engenho Velho e suas duas casas dissidentes: o Gantois e o Ilê Axé Opó Afonjá no estado da Bahia. A configuração histórica e geográfica das Casas na região metropolitana em Goiânia não foge a essa regra. No que se refere ao segundo objetivo do projeto Aberem, ainda de acordo com o relatório, buscava-se conhecer as dimensões políticas e religiosas no espaço público goiano e as formas de articulação e negociação territorial do sagrado entre a hierocracia católica, as comunidades evangélicas e as religiões de matriz africana (SCARAMAL, 2008, p. 02). Na sequência de fala dos entrevistados, um dos sujeitos enunciadores, o senhor Elmo Rocha, então presidente da FUCEGO comungava de um bom lócus de enunciação, tanto por sua articulação e conhecimento entre as várias casas de Umbanda, filiadas ou não à Federação, como algumas casas de 94

97 Candomblé, mas principalmente por seus contatos e relações políticas com pessoas que possuíam ou que alçavam postos no Governo do estado de Goiás. Essa mobilidade permitiu ao Senhor Elmo falar sobre políticas públicas com o segmento das religiões de matriz africana e afro-brasileiras em espaços do poder legislativo e executivo. Mas, se essa fala era reconhecida como representativa, expressiva e legítima na diversidade e autonomia que compõem os Candomblés e as Umbandas é outra geografia. Por conseguinte, no ano de 2006, pela fala do senhor Elmo Rocha e possíveis registros de eventos por ele narrados 33, essa dinâmica de interlocução era bastante profícua na Região Metropolitana de Goiânia, posto que além dos espaços legislativos incluiria também universidades, secretarias de educação do estado e dos municípios de Aparecida de Goiânia, Inhumas, Senador Canedo e da Capital, conforme observamos no diálogo abaixo: Elmo: quer ver o que acontece? Hoje nós saímos de uma discussão política [refere-se a uma reunião política que os entrevistados tiveram na Câmara Municipal de Goiânia, na parte da manhã, no dia da entrevista] 34 : porque a Umbanda e o Candomblé nunca se preocupou que haveria um momento onde a discussão político-religiosos teria prioridade. Léo: principalmente em Goiânia. Porque em outros lugares já estão muito avançados... Elmo: Exatamente. Principalmente em Goiânia. Porque nós estamos atrasados no mínimo quinze, vinte anos, certo? [...] Sabe, a realidade tem que ser dita. Cê atravessou o Triangulo Mineiro a religião Umbanda e Candomblé é outra realidade que eu conheço muito bem. Passou para o lado de Brasília é outro assunto. Chegou em São Paulo e Rio... Bahia é a matriz, entendeu? Lá hoje tem discussão... mas o que eles se preocuparam? Preocuparam em ter políticos... são vereadores. Cê vê! São Paulo é único estado que tem macumbódromo, dentro do cemitério, que a Erundina fez! 33 Um aprofundamento interessante para o estudo da temática da voz dos subalternos na referida fala, que não foi possível ser realizado no espaço de tempo proposto para esta pesquisa, seria empreender uma geografia das falas oriundas e por contraste - das etnohistórias e das geoetnografias. Seria importante compreender as relações de emissão e recepção das falas nesses espaços e seus impactos no âmbito das políticas públicas. Na presente tese de doutoramento não foi possível seguir e levantar esses registros e fazer esse exercício teórico. Tarefa que poderá ser empreendida em outro momento. 34 Explicação contextualizada na própria entrevista pelas transcritoras. 95

98 A fala acima compõe o conjunto de fontes que passou, na presente tese, por um exercício de teste por falseamento para se corroborar a hipótese de Popper (1972), de que o Candomblé, menos que unidades locais e autônomas, são espaços igualmente interconectivos dinâmicos e contíguos. A partir desse momento, ver-se-á como essas relações são estabelecidas tanto intra quanto extra egbés extrapolando o âmbito do sagrado/privado para o espaço profano/público. No caso do fragmento da entrevista acima, nota-se o quanto os partícipes têm conhecimento por vivência, contato e informação dos movimentos e meandros políticos que ocorrem em outros estados da federação, especialmente de São Paulo, Minas gerais incluindo suas subregiões Brasília, Rio de Janeiro e como não poderia deixar de ser, do estado da Bahia. Destaco ainda no diálogo um termo utilizado pelo sujeito/informante senhor Elmo Rocha para decompor em análise e tentar construir uma geografia das falas: o macumbódromo. Abordar essa questão aqui se faz importante ainda que aparentemente soe como uma digressão por coadunar com dois pontos centrais discutidos no presente capítulo. Em um primeiro momento refere-se ao desafio de construir e discutir o conceito de cosmolocalidade porém essa tarefa será enfrentada mais adiante, ainda no presente capítulo. Em segundo, trata-se dos interstícios nodais nas redes do Candomblé goiano e suas relações de fronteiras e contiguidades para com outros polos para além dos limites jurídicos e federativos. Essas fronteiras e limites dizem respeito tanto aos estados federados da União quanto às próprias Federações de Umbanda e Candomblé e os autorreclamados direitos de jurisdição junto às casas de Umbanda e Candomblé dentro das unidades federativas. Tanto no fragmento da entrevista acima exposto, quanto no trecho que abaixo se segue é possível notar o quanto essas relações são claras e inteligíveis paras os sujeitos informantes. Em especial no que concerne as relações de negociação e conflito que extrapolam as afinidades de afiliações entre egbés em relação às federações e confederações nos estados da União. Vejamos: 96

99 Ewane: Eu entrei agora essa semana... me ligou um senhor da federação na Bahia... a gente conversando e ele foi me... ele perguntou: quanto que vai ficar que vocês me forneçam sessenta Alvarás? como sessenta Alvarás?... é, porque tem casas daí que estão filiadas aqui... E eu falei: Opa! Porque se as casas aqui de Goiânia são filiadas com você em Salvador?... Ah, tão trazendo pra mim e filiando... Eu falei: Não tem como, juridicamente isso não existe... Porque eu vou... meu filiado tá aqui e eu tenho que tá trazendo ele aqui... eu tenho que trabalhar com ele aqui... eu tenho que orientá-lo aqui... a sua ação lá é uma, aqui é outra, né?... Mas aí aconteceu... depois... é... eu fui analisar com mais calma... existe sim pessoas... aqueles que a gente citou no início da... da... fala que eu vou lá... vou lá em Salvador, né?... bunitinho... tiro lá uns certificados, um Alvará... Francisco: o presidente da confederação lá nem me conhece aqui, nem sabe quê que eu toco aqui... Ewane: exatamente [...] aí eu trago pra cá, aquelas pessoas vão ver... vai estar escrito lá: confederação... não sei que, não sei que, não sei que... da Bahia... Ah... então esse moço aqui é da Bahia... ele sabe... ele é um bambã... isso aí nós... tá ocorrendo [final da fala incompreensivel]... Léo: O povo de Goiás, isso é um absurdo assim... Em um esforço de interpretação pluritópica contrastamos entrevistas e descrições densas da presente geoetnografia com os produtos do projeto ABEREM. Da análise resultante entre ambos foi possível identificar vários casos de dissensões oriundas das interconexões nodais entre as redes territoriais que compõem as casas dos eixos goiano, baiano, mineiro e carioca. Nessa configuração, a primeira interconexão territorial histórica entre estados federativos ocorreu com o caso João de Abuque (Pernambuco- Petrolina/Bahia-Juazeiro) e Djair de Logunedé (Rio de Janeiro/Uberaba - MG) 35 seguido por outros babalorixás, conforme se pode compreender no relato do sujeito/informante Juremeiro Neto: 35 Uma contextualização histórica mais pormenorizada do início do Candomblé em Goiânia, e ademais, do protagonismo desses dois personagens, está amplamente bem representado tanto na fala memorizada do sujeito/informante Juremeiro Neto e Babalorixá Marcos D Avila ti Oxalá quanto nas análises históricas de Clarissa Adjuto Ulhoa e Eliesse Scaramal. Ainda sobre esse histórico e sua memória, por sua importância e significado, para a sustentação da presente tese, ambos serão retomados sempre que se fizer necessário no decorrer de todo o texto, especialmente nos capítulos II e III. 97

100 Juremeiro Neto: É! Fui um dos iaôs dele [João de Abuque]. Ai eu baixei os sete anos com ele, que foi o deká 36 [...] aí depois dos sete anos, ai eu fui tomando todas as obrigações com ele. Quando eu fiz doze anos de santo, veio umas pessoas de São Paulo pra dar curso de yorubá e eu ouvi falar em odu 37 pela primeira vez. Então como eu era velho de santo eu não conhecia o que era, as coisas de que realmente tava rodando lá o... Então eu fiquei achando que, que me faltava conhecimento. Como é que eu falava que eu era um pai de santo sendo que eu não tinha o conhecimento dentro daquilo que, que eu estava, da minha religião? Então eu saí atrás procurando. Ai eu fui em Salvador, fui em Rio de Janeiro, fui em vários lugares para poder aprender. E fui convidado para uma saída de uma Iansã, inclusive, na casa de Renato de Logunedé, em Uberaba. E com o finado Domingos de Oxalá. E, chegando lá, no amanhecer do dia, a primeira pessoa que acordou na casa que saiu pra fora foi Djair. E ai eu procurei saber, fui apresentado a ele, ele morava no Rio de Janeiro, e um (...) ele era bem estabelecido lá, tinha loja lá no Mercado Modelo, em Madureira. [...] Logunedé mandou que ele saísse do Rio de Janeiro que ele tem um algo, um novo caminho. Ai chegamos lá, eu vi, ele estava insatisfeito com a cidade, porque lá ele tava dentro da casa do pai de santo, então quem, ele não podia levantar a bandeira dele dentro da casa desse pai de santo, do Renato de Logunedé que era amigo dele. Então ai eu peguei convidei ele pra ele poder vir a Goiânia, fazer algum jogo, aqui, e depois ele voltasse pro Rio que era a intenção dele retornar pro Rio. Ai eu convidei, e ele saiu de Uberaba e eu chamei ele, dei o dinheiro pra ele e falei: olha você vai, pra Goiânia. Ai ele ficou dentro da minha casa [...]. A minha intenção era que as pessoas de Goiânia vissem um pai de santo de verdade, que sabia o que que era o que que era odu, o que que era realmente o Candomblé, entendeu? Por que o seu João ele fazia, é, as coisas que ia dentro do santo, os orô e, as coisas que tinha era muito primitiva, entendeu? E ele não, ele tinha um todo um grande leque de um tudo. O que ele falava ele explicava sobre aquilo. Então a gente passou [...] a gente não tinha noção de qualidade do santo, porque ele falava: você é de Iansã, cabou! Não tinha qualidade de santo em Angola. Tinha uma ou outra coisa que falava que ali, quando a pessoa ficava mais velha de santo e pronto. E eu ficava, fiquei nessa curiosidade de conhecimento. Eliesse: E o senhor já tinha doze anos já. 36 O Candomblé, como uma religião iniciática, ritualística e hierocrática estabelece em sua liturgia datas períodos para se alçar graus e status. Essas são inúmeras, porém há três obrigações básicas que todo iniciado deve cumprir e pagar, ou seja, além dos rituais internos, deve fazer uma festa para publicizar o cumprimento da obrigação. Essas três obrigações são realizadas nos primeiros, terceiros e sétimos anos após a feitura do santo. Todas as obrigações recebem um nome. O Deká, ou seja, a obrigação de sete anos é o nome de uma delas. 37 Na cosmogonia yorubana: signos, forças criadoras. São dezesseis odus principais e 256 omo-odus, ou seja, odus complementares. 98

101 Juremeiro Neto: Já tinha doze anos já! Ai Djair veio pra Goiânia ficou dentro da minha casa e eu apresentei pessoas pra ele fazer o jogo. Dessas pessoas, trouxe uma outra pessoa que ele foi fazer o primeiro ebó, nessa pessoa. Quando ele foi fazer esse ebó, Logunedé roda na cabeça dele e manda trazer os trem pra Goiânia porque ali, aqui ia iniciar a casa dele. Ficou doido! Porque um carioca, no meio do centro-oeste, quilômetros do mar, ele num... sem família, sem ninguém... num têm ninguém, porque ele não me conhecia. Eu fiquei dois dias em Uberaba e ele me conhecia por dois dias, ele não sabia quem eu era. E dentro da casa de estranho, quer dizer, ele seguiu o que o Orixá dele mandou. Ai ele, desse, dessa pessoa, que foi o Pedro que ele fez o ebó, o Pedro tinha um lote com uma casa no fundo, ai já pegou, já construiu já dois cômodos que colocou o Logunedé e, ai quando foi na festa de Ogum, ai o Renato veio, que o pessoal veio, que ele mesmo tocou o primeiro candomblé... Eliesse: Que foi lá no Jardim América? Juremeiro Neto: É! Eliesse: Lá no... o Pedro era lá do Jardim América? Juremeiro Neto: Jardim América. Só que aí, que que acontece? Eu tinha treze anos de santo, não era doze, eu tinha treze anos de santo porque quando ele abriu... que ele foi fazer esse processo todo, eu inteirei quatorze, eu tinha que tomar a obrigação de quatorze. E eu ia tomar a, a, a obrigação com o Renato, ai o meu corpo, no mês de agosto, se encheu de feridas, o corpo inteirinho. Não tinha um lugar que eu colocava o dedo... Eliesse: E o senhor ia tomar a obrigação com o Renato de Logunedé lá em Uberaba? Juremeiro Neto: É! Em Uberaba. Por que foi aonde eu fui pra conhecer. Só que meu corpo encheu de ferida! E ele tava na minha casa e eu peguei e falei: olha, você é meu amigo! Me faça um ebó, me faça alguma coisa... e ele disse assim: eu não posso fazer isso por você porque seu pai de santo é Renato, você tem que ir. E eu falei assim: eu não tenho dinheiro pra um nada nessa vida! Eu não tinha dinheiro pra por uma pipoca. Tava assim, uma quizimba só! Ele foi, com as coisas que tinha sobrado de ebós de outras pessoas, jogou pra mim, fez e passou o ebó. Ai ele passou ebó hoje quando foi no outro dia meu corpo tava limpo. Sabe? Então eu pensei assim ah! Vou tomar a minha obrigação, ai foi quando eu dei os meus quatorze anos com ele. Eliesse: Ai o senhor foi, voltou lá no Renato... 99

102 Juremeiro Neto: Falei, expliquei tudo direitinho Eliesse: E ele não ficou chateado? Juremeiro Neto: Não porque, porque, na realidade eu não era filho dele, né? Eliesse: Uhum! Ainda, né? Juremeiro Neto: Do seu João, eu era filho do seu João! Eliesse: E ai? E o seu João nessa história? Juremeiro Neto: Ai que vem a história do seu João! Porque ai vem a história do seu João e aonde começou a guerra do Djair em Goiânia. Entendeu? Foi quando eu, eu estava recolhido dentro de quarto de santo que ai eles... trouxe as pessoas, e as outras, quer dizer, trouxe Moacir, o, o Alan, vários, várias pessoas do Rio de janeiro e de candomblé, que quando nos conhecemos candomblé pela primeira vez, aqui, foi com o Djair, ninguém sabia. Então, o que aconteceu? O Pai Djair, ele pegou e quando o seu João viu que tinha chegado uma pessoa que estava colocando a mão em cima de um filho de santo dele, ele pegou foi e denunciou, na federação, deu parte do Djair com polícia e tudo. Ai eu peguei, dentro do quarto de santo recolhido, peguei e falei olha eu tenho um documento assinado pelo seu João, que eu tinha na época eu tinha casa no Faiçalville, então, eu tenho o livre arbítrio de fazer o que quisesse, eu tinha já os meus direitos como babalorixá. Então eu não estava fazendo nada e a federação tinha esse documento. Então ai o pessoal da federação foi lá e falou, contou a história para eles, e a federação foi na festa, porque realmente tinha isso ai, e que não deu... ele abriu as portas no meio de ameaça, o primeiro candomblé daqui foi encima de ameaça, sobre a minha obrigação. Eliesse: Ameaça do seu João de Abuke e da federação... Juremeiro Neto: Ameaça dele, é porque ele fazia ebó na porta dele, jogava praga, mandava é, é, falou que ia mandar o pessoal dele pra bater nele. Essas coisas assim... Eliesse: Pra bater no baba Djair? Juremeiro Neto: É! Ele foi ameaçado aqui dentro. E ele, ele só pedindo aos orixás que protegesse ele numa terra distante. Entendeu? E, tomei minha obrigação, ai logo veio os primeiros iaôs e foi surgindo, né? Ai, com isso, é, é, com isso ai eu tinha... nós fizemos uma série de coisas e compramos uma chácara e dessa chácara ele, o Logunedé conversou, ele vendeu essa chácara e foi para Brasília e começou a história dele em Brasília. Foi quando ele pediu que tirasse as coisas 100

103 dele aqui porque lá ia ser a morada dele, onde que ele está morando hoje, né? O relato evidencia que uma casa de Candomblé que se forma está eminentemente ligada à outra, seja por meio de uma relação direta com o sacerdote que dá os fundamentos para a construção de um novo ilê, como de um efeito migratório de sujeitos que promovem uma pequena diáspora para o centro do Brasil, como no relato da vinda dos babalorixás João de Abuque e Djair. As relações conflituosas perpassam não só a dimensão humana e logística do processo, dada a dificuldade e os custos financeiros para montagem de um ilê, mas também a dimensão sagrada, em que são as próprias divindades que, por vezes, exigem a mudança do local do culto. Esse segundo caso, ilustrado pela ordenação do orixá Logunedé ao babalorixá Djair, que não cumpre uma vontade pessoal, mas divina na mudança para Goiânia. No que se refere às trilhas metodológicas para uma geografia das falas, especialmente no que concerne ao território mediado entre o privado legal e o público moral, a presente geoetnografia contribuiu para a abertura de entendimento, além de variantes outras, sobre o Candomblé na Região Metropolitana de Goiânia. Por ser o Candomblé uma religião iniciática, no qual o segredo de sua ritualística é um imperativo para a manutenção do poder de troca e sustentação, uma observação participante nos modelos clássicos, com um pesquisador não-iniciado é, por si só, um impeditivo basal para se adentrar nos espaços, falas e relações íntimas de cada casa. O resultado desse empreendimento metodológico, mediado por uma abordagem teórica a contrapelo da colonialidade do poder e valorizado pela fala dos sujeitos subalternos, contribuiu para responder às várias questões levantadas, especialmente no projeto ABEREM (SCARAMAL, 2005), além de corroborar a tese de que o Candomblé na Região Metropolitana de Goiânia é menos local, autocrático e isolado, tal como pretende e se apresentam as falas, tanto internas (egbés) quanto externas (academia) comumente conhecidas. Concomitante à descrição densa (GEERTZ, 2005) no trabalho de campo, assumi igualmente a metodologia de observação participante. Essa se realiza por meio de uma aplicação de procedimentos que pressupõem o 101

104 estabelecimento de um vínculo entre o objeto e o contexto ao qual ele está inserido. Para tanto, entende-se esse procedimento como uma metodologia que valoriza as interações sociais a partir do exercício do conhecimento que ocorre entre a concepção de totalidade e o local. Em outras palavras, o pesquisador, ao se inserir no grupo pesquisado, garante uma oportunidade de realizar uma leitura que liga o observador à observação e o praticante ao conhecimento praticado. Queirós et al. (2007, p. 278) aponta que a observação participante é uma das técnicas muito utilizadas pelos pesquisadores que adotam a abordagem qualitativa e consiste na inserção do pesquisador no interior do grupo observado, tornando-se parte dele, interagindo por longos períodos com os sujeitos, buscando partilhar o seu cotidiano para sentir o que significa estar naquela situação O exercício de observação participante possibilitou a apreensão dos signos evocativos da prática religiosa no âmbito do Candomblé e fez emergir a necessidade de traçar o perfil sociológico dos praticantes e dos visitantes. Pela observação participante levantaram-se informações sobre as experiências dos sujeitos no seio do grupo, como membros que partilham de uma identidade cultural. O trabalho de campo em que coletamos dados para o corpus dessa tese ocorreu em três casas de Candomblé entre os anos de 2009 a Adentrar nesses grupos pesquisados, utilizando a observação participante, exigiu, em primeiro lugar, o exercício da alteridade. Sair ao encontro do outro. Essa posição em relação a este outro, parcialmente, primou em romper com pré-conceitos de entendimentos dessa cultura que durante anos tem sido tratada pelos olhares do medo, do mal e do pecado. A pesquisa em Comunidades de Terreiros revela a diversidade e a fragmentação social de um ambiente recriado por conhecimentos que contrariam a racionalidade ocidental, sobretudo, por ser uma cultura construída numa dimensão pluri-hierofânica 38 assimilada pela oralidade hierocrática entre os adeptos. 38 Para o Candomblé, a manifestação do sagrado no contexto da diáspora africana no Brasil considera-se a presença de um panteão constituído por diversos orixás, em que cada um pode possuir diversas qualidades. Essas referem-se às invocações que se fazem as deidades 102

105 Ganhar a confiança do grupo e do líder religioso tornou-se condição sine qua non para a inserção do pesquisador. Para isso, a participação do babalorixá Marcos D Ávila ti Oxalá foi imprescindível. Ele foi o responsável por facilitar a interação entre pesquisadores da academia com os pertencentes às comunidades estudadas. Quanto às discussões sobre gênero, estudos sociológicos, antropológicos e historiográficos apontam que na organização das sociedades, o poder religioso está atrelado à figura masculina, porém nas Comunidades de Terreiro, o matriarcado sugere outras ilações que ora se ligam as desinências de gênero e sexualidades, ora, se relacionam aos postulados políticos e culturais, bem como a ascensão dos homossexuais ao poder com certa freqüência. Problematizaremos esse tema no decorrer da presente tese a partir das contribuições de Segato (2006, 2005, 2003), Landes (2002), Teixeira (2000) e Prandi (1996). Outro aspecto importante observado na pesquisa de campo é o sentido de tempo experienciado no Candomblé. No ilê o tempo não acontece numa visão ocidental de horas determinadas pelo relógio e pela necessidade de produção. Às vezes é necessário saber entender a lógica de outro tempo. É o tempo do zelador (a), é o tempo mítico é o tempo do orixá. Horas e horas de espera para uma conversa que em muitas visitas nem acontece. O território das religiões de matriz africana pode ser entendido, no seio da abordagem cultural, pela via do tratamento dos aspectos de sua formação ao nível do real, do pensamento, do simbólico-identitário. Esse território, então, abrange as dimensões sociais e sua efetivação econômica, política e cultural. No tocante às experiências diárias, o ilê é o território das tarefas inerentes à sua manutenção e organização, a exemplo da fabricação das comidas, dos ebós 39 de orixás, da arrumação das roupas dos líderes ou membros, acompanhamento espiritual e outras ações necessárias ao praticante em sua vida cotidiana individual e coletiva. Os estudos apontam que a prática do Candomblé só se realiza em plenitude quando são respeitadas as africanas. Cita-se o caso dos funfuns (orixás brancos ou do branco que ocupam as posições mais elevadas no panteão), outra designação refere-se aos Orixás Quentes e Orixás Frios, dentre outros. 39 Oferendas oferecidas aos orixás. 103

106 normas dos grupos, os princípios hierocráticos, os orôs 40, tradições repassadas pela oralidade e vivências de seus seguidores, numa prática consuetudinária; esse conjunto, diretamente relaciona-se aos entendimentos do que é a prática do Candomblé. Outro aspecto ligado aos territórios candomblecistas refere-se ao fato de que estes se localizam, majoritariamente, em espaços urbanos, porém o tempo ali vivenciado apresenta diferenciações ao próprio sentido do urbano. Para Muñoz (2006) a relação entre o território e o tempo subsidia-se por dois argumentos: a) os atributos do tempo na função de determinado espaço, b) os atributos do espaço em função do tempo. Nas palavras do autor é possível perceber a existência de uma série de tempos simultâneos que dão sentido ao próprio território. Acrescenta-se que os territórios do tempo são tratados pelas trocas naturais com o espaço urbano. Observa-se, então, que apesar do ilê estar inserido em espaço urbano, o qual é normatizado pelo tempo da produção, do trabalho regido pelo relógio e pelo capital, o seu funcionamento oblitera essa concepção de tempo ocidentalizado. Assim, no ilê, o tempo emerge regido por relações estabelecidas com o mundo sagrado, o tempo relaciona-se às necessidades da vivência mítica. A troca do tempo ocidentalizado pelo tempo mítico pode ser vivenciada nos festejos do Candomblé. A festa, no Candomblé, é regida por três principais instantes de tempo: o antes, o durante e o depois de sua vivência. No antes se vive o momento dos preparativos, por meio do jogo de búzios, quando o/a líder consulta os orixás que serão homenageados para saber o que deve ser feito, principalmente sobre os animais oferecidos, as comidas, os oboris e os ebós 41 a serem realizados. Acrescenta-se a este instante os cuidados com as roupas e paramentos dos orixás, dos filhos de santo e dos líderes. O instante seguinte, que envolve o acontecimento da festa relaciona-se ao sagrado, que durante a celebração fica determinado pela afirmação de que 40 Segredos das rezas feitas aos Orixás do candomblé. 41 Oboris e ebós são rituais de limpeza energética e fortificação das relações com o plano sagrado. Os ebós são limpezas mais corriqueiras, sem grandes implicações com o pertencimento do sujeito que passa pelo ritual com o egbé no qual este se realiza. Já o obori é um ritual pré-iniciático, descrito por Bastide (1985), bastante mais complexo que o ebó. 104

107 tudo começa quando tudo está pronto Prandi (2005). Ademais, ele é marcado pela chegada dos orixás no mundo material, neste caso no território-terreiro. Eles chegam para expressar, por meio de suas danças ritualísticas, seus feitos que são cantados em seus mitos e lendas, conhecidos pelo povo de santo como orikis. No pós-festa vivencia-se o instante da socialização entre os filhos da Casa e os convidados, sejam eles iniciados ou simplesmente visitantes. Em alguns momentos, as experiências em campo promoveram certo envolvimento emocional entre o pesquisador e seu objeto de pesquisa. Nesse contexto, as experiências envolvendo as subjetividades revelaram a não existência da neutralidade científica. Outra inferência da observação participante é relacionada às relações de poder. O ilê que tinha a presença de pesquisadores ficava em evidência positiva no circuito do Candomblé goiano. Os líderes passaram a considerar que estavam sendo prestigiados por fazer parte de um conjunto de pesquisas que buscava, entre outros, dar visibilidade à história do Candomblé em Goiás, à formação das Casas e às festividades. O presente estudo implicou o conhecimento de três casas de Candomblé. Porém, o movimento de transição de estar em um Terreiro e partir para outra Casa abalava as relações já formadas com os ilês anteriores, uma vez que o estabelecimento de laços de confiança deixava implícito um tratado de fidelidade com a comunidade em questão. A fidelidade emerge, aqui, no sentido de participação e pertencimento, como se o pesquisador passasse a fazer parte, no imaginário do grupo de cada ilê pesquisado, tornando-se um iniciante em potencial. Ali, nos ilês axés, é possível entremear os postulados de Bourdieu (1983) com a realidade vivenciada em campo. O sociólogo ressalta que não é possível na contemporaneidade, o uso generalizado do habitus. É importante ressaltar que em Bourdieu habitus é compreendido como [...] um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas [...]. (BOURDIEU, 1983, p. 65). 105

108 A ideia do sociólogo francês assegura o que poderia ser entendido por habitus no ilê. Porém numa perspectiva de macro-análise para o Candomblé, o habitus enquanto sistema durável e transponível rompeu-se pelas ressignificações, por relações impostas pela sociedade ocidental e na reconstrução do espaço diaspórico. O habitus, então, como princípio mediador e de ajustes entre práticas individuais e condições sociais de existência, explicitou situações de desmantelamento da prática. Não obstante, este assume um alcance universal. Como proposta de observação participante esse principio é negado. Para Bourdie o habitus é uma subjetividade socializada (1983, p. 101), daí decorre uma imbricação entre indivíduo e sociedade, um amálgama entre os elementos pessoal, individual e subjetivo ligados por relações sociais coletivas e harmonizadas. Em um terreiro de Candomblé, mesmo sendo um espaço restrito, se constrói um espaço de multiplicidades de habitus permitindo que, no mesmo locus, conviva e se forme uma rede composta por diferentes tipos, grupos de idade, étnicos, de gênero que professam representações de si (SPINHEIRA, 2008, p.13). Retomando a descrição do procedimento metodológico, nesse espaço de multiplicidades em dias de festa, o pesquisador tinha que driblar o tempo para garantir momentos em que alguém se dispusesse a falar sobre as perguntas contidas nos roteiros de pesquisa. O constrangimento surgia justamente na ação de desviar a atenção do nativo para os questionamentos, uma vez que os afazeres dos dias festivos e a preparação pessoal eram as ações priorizadas, situações que promoveram idas aos ilês em dias sem festas. Buscou-se direcionar os procedimentos (questionários e entrevistas) para perceber se esta identidade religiosa evoca conflitos com o contexto social goiano. Uma vez que os parâmetros hegemônicos da religiosidade cristã, presente do outro de lá dos portões dos ilês axés, promovem construções negativas aos praticantes e à própria religião. Os procedimentos de pesquisa de campo, de fato, forneceram informações para o conhecimento da história das casas, das filiações, dos sujeitos que compõem a rede, das narrativas de situações de intolerância e conflitos religiosos envolvendo as religiosidades 106

109 africanas e as cristãs. Enfim, em dois anos, uma quantidade significativa de informações e materiais foi obtida promovendo inúmeras possibilidades de análise e discussão. O percurso metodológico perpassa por etapas de elaboração e organização das informações, estas subdivididas em elaboração de cartogramas e plantas-baixas, levantamentos de dados frente aos órgãos de planejamento, pesquisa in loco, estruturação de bancos de dados, de acervos fotográficos e audiográficos. Nesse sentido, recorreu-se a fontes que permitissem a espacialização dos templos religiosos, como as secretarias de planejamento e os órgãos estatais responsáveis pelos registros imobiliários na cidade de Goiânia e entorno. É válido destacar a dificuldade de se encontrar dados referentes aos endereços dos terreiros. O processo histórico de invisibilidade dessas religiões é refletido também com a ausência de registros oficiais dessas comunidades tornando o mapeamento uma árdua tarefa. Imagina-se que o quantitativo de ilês seja consideravelmente maior do que foi registrado nesse estudo. Em Goiânia, os dados fornecidos pela SEPLAN foram cruzados com os registros obtidos em listas telefônicas, sites e redes sociais. Nas redes sociais lançou-se um modelo de questionário em blog, orkut e facebook, a fim de obter os endereços com certa precisão, bem como de checar e corrigir aqueles já registrados. Outra maneira de conferir os endereços foi o deslocamento do(a) pesquisador(a) aos locais levantados. Diante dessa incursão aos locais, várias situações foram vivenciadas: Em primeiro, alguns endereços não existiam ou os terreiros não eram encontrados. Em segundo, o desconhecimento da vizinhança quando interrogada sobre a existência dessas Casas. E por último, uma situação de invisibilidade foi comprovada em virtude de existir o Terreiro, mas na paisagem física (arquitetura) não havia nenhum indicador de sua presença (fachada, nomes expostos, símbolos e outros). É necessário, diante dessa dinâmica da territorialização dos espaços sagrados, demarcar os locus do levantamento bibliográfico e dos dados que constarão na tese. Para esse estudo realizou-se uma inserção direta em três 107

110 ilês, a saber: Ilê Axé Onilewá Azanadô, da yalorixá Teresa ti Omolu, no bairro Buriti Sereno em Aparecida de Goiânia, Ilê axé Oyá Igbem Bale, liderado pela yalorixá Jane ti Omolu, localizado no Bairro Cardoso em Aparecida de Goiânia e o Ilê Axé Canto de Oxum, da yalorixá Maria Luisa ti Oxum, situado no bairro Urias Magalhães em Goiânia (mapa 03). 108

111 MAPA 03 - COMUNIDADES DE TERREIRO: ÁREA DE ESTUDO FONTE: IBGE. Censo Demográfico, 2000 (METRODATA). ADAPTAÇÃO: Rodolfo Ferreira Alves Pena Jailson Silva de Sousa Goiânia ORGANIZAÇÃO: Mary Anne Vieira Silva LEGENDA Mãe Tereza Ti Omolú Mãe Maria Luiza Ti Oxum Mãe Jane Ti Omolú ESCALA 5 km km ESCALA GRÁFICA Projeção Universal Transversa de Mercator Fuso 22- Hemisferio Sul Aparecida de Goiânia

112 2.3. Ilê Axé Onilewá Azanadô 42 : imagens escondidas na paisagem da cidade O Ilê Axé Onilewá Azanadô localiza-se à Av. Maracanã, Qd. D Lt. 03 e 04 no Jardim Buriti Sereno, na cidade de Aparecida de Goiânia - Go. A líder do terreiro é a yalorixá Teresa Cleidecer Dias, natural da cidade Catanduva no estado de São Paulo, nascida no ano de Iniciada desde 29 de junho de 1973 feita no orixá Omolu 43. Segundo as narrativas da yalorixá sua iniciação ocorreu na primeira casa de Candomblé de Goiânia - Go, em um terreiro aberto no início da década de 1970 com a denominação de Ilê Axé Iba-Ibomim. O babalorixá responsável da casa era João Martins Alves, conhecido no meio do povo de Santo como João de Abuque. A história dessa casa, bem como a do seu líder, João de Abuque, foi apresentada na dissertação de mestrado do padre Célio de Pádua Garcia (2002) e nos estudos de Clarissa Adjunto Ulhôa, Ilê Axé Omi Gbagtô Gegedé: apontamentos preliminares sobre o processo de constituição do primeiro terreiro goiano de Ketu (2008), e na dissertação Essa terra aqui é de Oxum, Oxum, Xangô e Oxóssi : Um estudo sobre o Candomblé na cidade de Goiânia (2011), ambos oriundos das pesquisas citadas no âmbito do Projeto Aberem. O estudo de Garcia (2002) inaugura o discurso que empreende a João de Abuque o sentido de pioneirismo no que tange a formação do Candomblé 42 Os dados dessa re-construção da história da yalorixá Tereza ti Omolu insere nos procedimentos metodológicos de tratamentos de fontes orais. É válido ressaltar que o Candomblé insere-se no conjunto de religiões ágrafas. Parte dos construtos dos ensinamentos, das histórias, dos segredos são repassados por um sistema comunicativo transmitido oralmente. 43 Omolu: na forma etimológica do yourubá omo = filho + olu = senhor, significa filho do senhor. Senhor refere-se a Obaoluayê que na mesma etimologia significa Oba = rei + Olu = senhor + Ayê = terra, ou seja, senhor rei da terra. Originalmente obaoluayê está ligado a tradição do Vondum Sapatá, no antigo Dahomé atual Benim, no Golfo da África ocidental. Como pode-se perceber na cartografia política clássica, o atual Benim faz-se fronteira com a Nigéria. Essa fronteira política foi delimitada após a denominada Partilha da África ocorrida em 1985 com a Conferência de Berlim. Antes da delimitação contemporânea dessas fronteiras, esses povos, ou seja Jejê (Dahomé/Benim) e yourubás (Sul da Nigéria) vivenciavam relações de aproximação e conflitos. Daí a influência e troca tanto de rituais quanto de divindades. Esse é o caso de Omolú, que mesmo sendo cultuado no Candomblé de Ketu como orixá da terra, das doenças e da cura tem uma relação mítica e atávica com o vondum Sapatá do antigo Dahomé. Ambas as tradições, ou seja que Ketu e Jejê foram hibridizadas na diáspora africana no Brasil e recebeu a denominação genérica de Nagô. 110

113 Angola no estado de Goiás. Diante desse estudo trago a crítica que Scaramal (2011) faz a referida dissertação defendida na área de teologia. A historiadora ressalta que se trata de um study case sobre o ilê axé do segmento Angola/Ketu estabelecido na década de 1970 na cidade de Goiânia. A crítica recai na deficitária apresentação de dados basilares para quem se propõe um study case, falhas e incoerências históricas importantes como, por exemplo, a ausência no nome do ilê axé, que Garcia apenas cognominou de Terreiro do Pai João de Abuque, além de equívocos sobre sua filiação iniciática e à nação a que esse pertencia. (SCARAMAL, 2011, s/p). As críticas feitas foram consideradas em estudos posteriores. Assim, Ulhôa (2011; 2009; 2008) apresenta um trabalho hercúleo sobre o processo de formação da casa de João de Abuque e a trajetória de inserção do babalorixá como pioneiro 44 e responsável pelas iniciações em Goiás das principais lideranças. Porém, deve-se ressaltar que o relato trazido por Ulhôa é, em seu conteúdo, plenamente embasado na fala e na memória dos sujeitos/informantes do Projeto Aberem, especialmente dos babalorixás Marcos D Ávila ti Oxalá e Juremeiro Neto 45. Ademais, a historiadora realiza um intenso levantamento dos processos históricos que culminaram na estruturação das relações sociais presentes no intercruzamento dos Candomblés de Angola e Ketu. O intercruzamento é bem vivenciado por meio das obrigações que os praticantes realizam dentro da hierocracia dos cultos de matriz africana e afrobrasileiros. Segundo Ulhôa (2011) o Candomblé em Goiânia é marcado por um processo tardio de reconhecimento. Esse argumento é subsidiado em seus levantamentos históricos a partir do seguinte questionamento: o Candomblé realmente nunca marcou sua presença antes dos anos setenta ou teria sido escamoteado em Goiânia?. Desta sorte, a autora esclarece que o marco desse aparecimento necessitou aguardar pela inauguração e pelas influências 44 O termo pioneiro é empregado por considerar que na historiagrafia goiana até o momento não foi possível obter de forma sistematizada as histórias e os registros de candomblecistas antes a década de Nesse mesmo capítulo, a fala e o relato do sujeito/informante Juremeiro Neto foi aqui amplamente explicitada. 111

114 dos anos setenta [...] trazidas pelo movimento da contracultura e pela reorientação da política internacional brasileira, para que mudanças permitissem a chegada do Candomblé em Goiânia (ULHÔA, 2011, p.38). É válido ressaltar que as religiões de matriz africana e afro-brasileiras sofreram perseguições públicas de repressão desde os períodos de colonização e marcadamente sofreram perseguições policiais durante o governo varguista, intensificadas nos anos posteriores que envolveram o período da ditadura militar até a abertura política em Ainda que a promulgação da constituição de 1988 concorra para políticas de equidade de tratamento, reconhece-se que nos interstícios da sociedade as relações entre os credos religiosos hegemônicos com os adeptos dos segmentos de matriz africana e afro-brasileiros ocorreram por tensões e conflitos 46. A vida cotidiana dos sujeitos dessas religiões é submetida de um lado, a um controle cultural em que as condutas, os hábitos e as próprias falas sempre foram e são subjugadas a uma lógica que imputa, ainda que de forma velada, mecanismos de vigilância da ordem. Sabe-se que historicamente esse controle promoveu e promove um alinhamento dos valores desses praticantes com aqueles ditos modelos culturais e atitudes racionais do padrão colonizador. Mas, por outro lado, relaciona-se à questão apresentada a negação da identidade religiosa, uma vez que na história de formação do povo brasileiro a liberdade de culto sempre foi associada ao processo conhecido por sincretismo cultural. Este termo tem sido significativamente questionado por aqueles adeptos e críticos que demarcam sua identidade religiosa por meio da tradição de suas práticas e de seus cultos, bem como pelo resgate das origens territoriais e das teogonias e cosmogonias diretamente relacionadas. 46 Nas entrevistas estão registrados, segundos os sujeitos/informantes, casos de acusações de práticas criminosas como assassinatos em Goiânia, relacionando-as aos praticantes do Candomblé e outros segmentos afro-brasileiros. Esses foram acusados e alguns presos por crimes diretamente relacionados ao preconceito religioso. Na vasta literatura brasileira sobre essas religiões encontramos narrativas que mostram como a força policial sempre invadiu os terreiros com argumentos de que nesses locais se praticavam atos de magia negra, e em certos casos com mortes de seres humanos como parte dos sacrifícios. Para o assunto consultar os estudos de Edmar Ferreira dos Santos, O poder dos Candomblés, (2009) e de Vagner Gonçalves da Silva em Intolerância Religiosa: impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro. São Paulo (2007). 112

115 Na argumentação de Ulhôa (2011), o Candomblé goianiense guarda peculiaridades em termos de formação e organização. Essas se ligam com a presença de manifestações religiosas que mesmo sendo totalmente distintas do candomblé e das demais religiões tradicionais, e mesmo estando estreitamente relacionadas à instituição católica, podem ser consideradas afrobrasileiras, (p. 62). Isto posto é possível mencionar em concordância com a autora, às festas promovidas pelas irmandades de pretos católicos. Baseada no relatório de Raymundo José da Cunha (comandante militar da província goiana entre os anos de 1823 e 1826), a historiadora citada relata as relações que os praticantes de danças e de festas católicas em seus rituais promoviam alusões às culturas afro-brasileiras e ainda ressalta as relevantes associações com os candomblés, algumas senhoras cantam sofrivelmente e tocam saltério, citaras, guitarras e violas: poucas sabem dançar; as mulheres ordinárias também dançam boas coisas, mas a sua favorita paixão é pelos lundus, em que mostram destreza incomparável (CUNHA, 1979 apud Ulhôa, 2011, p.63). Fica posto no texto mencionado e nas interpretações da autora que as senhoras ditas ordinárias seriam relacionadas às negras, já que a dança em que se mostravam com destreza o lundu é uma prática presente no continente africano 47. Outras interpretações decorrem do trecho de Cunha, sobretudo quando ressalta que essas senhoras ordinárias tinham pelo o lundu sua paixão, suas palavras centram-se em uma questão discriminatória ao desejo dos envolvidos nesse ritmo. Em seu estudo Ulhôa explora a densa ligação dessas práticas (danças e cantos) com os prolegômenos dos Candomblés goianos que de forma escamoteada se inserem no estado por 47 No livro Festas e Batunques no Brasil, Virginia de Almeida (2009) detaca os estudos do pesquisador José Ramos Tinhorão, quando este refere-se ao Lundu associado ao Calundu, termo associado aos batuques dos negros, e compreendido inicialmente como dança: uma combinação entre a umbigada africana e o fandango europeu (p.45). De acordo com a historiografia essa dança faz reverência as senhoras que trazem cativos os seus amantes, possivelmente negros. Durante a encenação do lundu, percebe-se à desigualdade entre os amantes. O lundu é uma prática que envolve a música e a dança e que desafia a rigidez dos valores sociais vigentes [...] por meio de um discurso amoroso que ao desviar-se do discurso presente nas modinhas reelabora elementos advindos da própria cultura escravocrata (p.45). 113

116 meio de processos sincréticos 48. Em um contexto de invisibilidade e de discursos sincretizados têm-se a inserção dos(as) lideres candomblecistas que ainda se fazem presentes no território goianiense, retoma-se aqui o caso de Mãe Tereza ti Omolu. Sua trajetória é marcada por atitudes de irreverência e de enfretamentos com sujeitos sociais que demarcam tanto os espaços institucionais político-civis quanto os espaços religiosos. De professora universitária à yalorixá, de mãe de família convencional de segmento médio à líder de filhos e casa de santo. A mencionada yalorixá é atualmente, uma das principais responsáveis pela iniciação dos (as) lideres e filhos do Candomblé de Ketu em Goiânia e Região Metropolitana. De origem católica e moradora de uma cidade marcada pelo forte catolicismo, a yalorixá também se apresenta como professora de locus institucionais: Universidade Federal de Goiás, Universidade Católica de Brasília (local onde foi aposentada) e a Universidade Federal de Uberlândia. Graduada e mestre em matemática, a yalorixá relata sobre o processo de conciliação da vida religiosa com a profissional. Destaco algumas passagens dessa experiência narrada pela mãe de santo: Herta 49 : mãe, a senhora poderia falar sobre como conheceu o Candomblé? Yalorixá Tereza: bem, eu conheci o Candomblé em 72 porque, na verdade, eu fiquei virada no santo por seis meses. Uma senhora chamada dona Estela, passou pela minha casa e ela era filha de Omolu com Oxum, filha de João Abuque, João Martins Alves, de Angola. E ela viu que eu estava virada e me 48 Sobre o sincretismo nos candomblés goianos vale ressaltar que ele é pouco assumido pelas casas que os pratica. Ou seja, ainda de forma velada sempre há a mistura de ritos e procedimentos advindos de suas tradições originais. Uma exceção que confirma essa regra é o caso do Ilê Axé Omi Gbatô Jegedé do babalorixá Djair ti Logunedé, o primeiro candomblé de Ketu de Goiânia e o segundo a chegar no estado de Goiás. Nas incursões pelas casas que envolveram o levantamento de campo para a construção da presente tese de doutorado percebeu-se que tanto o Ilê Axé Gbalé de mãe Jane ti Omolu, quanto, Egbé Pelebé Dankó do babalorixá Marcos D àvila ti Oxalá seguem a tradição Ketu de não sincretismo independentes das origens de iniciação de seus sacerdotes ou sacerdotisas. 49 Entrevista realizada em 29 de outubro de 2010 pela pesquisadora de iniciação cientifica CieAA - Herta Camila Cordeiro Morato, graduada em história pela Universidade Estadual de Goiás. As entrevistas fazem parte do acervo documental do projeto Mães de Santo: Domínios territoriais, políticos e sociais do candomblé de Ketu, sob a coordenação profa. Mary Anne Vieira Silva. 114

117 levou pra lá. Nesse dia quando eu recebi o Orixá eu voltei em mim, foi então o primeiro dia que eu conheci o Candomblé: no início de Logo em seguida eu fiz um bori por sete dias e fui me preparar para a raspagem. O orunkó do meu santo foi dado em 29 de junho de A minha iniciação no Candomblé ocorreu exatamente na casa de seu João Abuque. Quando se refere a sua trajetória profissional a yaloriorixá anuncia vários locus de fala reiterando a tese de que o Candomblé goiano se constitui a partir de uma rede nodal e intersticial formada por territórios (casas), adeptos, ritos (obrigações) e espaços institucionais políticos. Herta: mãe Tereza fale como foi a vida profissional da senhora? Yalorixá Tereza: [...] sou mestre em matemática pela Universidade Católica de Brasília. Minha tese foi feita em um misto de psicogenética com a matemática, aplicando a teoria de Piaget. A minha trajetória profissional foi ótima, excelente, maravilhosa. Eu passei pela Universidade Federal de Goiás por 12 anos. Precisei passar para outra Universidade onde era autarquia, mas deixou de ser autarquia para ser Fundação e na época eu ganhava mais e na época estudava um irmão meu fora do Brasil. Eu tive que sair daqui, fui para Uberlândia, para a Universidade Federal de Uberlândia que na época ela era autarquia. Então eu fui pra lá transferida, mesmo assim a própria Universidade Federal (de Goiás) não quis dar a minha transferência definitiva e faço até hoje parte efetiva dos quadros de professores da UFG. Passando pela Universidade de Uberlândia fiquei por mais quase 12 anos, aposentei-me por lá. De lá eu fui para Brasília, na Universidade Católica de Brasília por quase 10 anos, cheguei a ser chefe do departamento de matemática e foi um trabalho maravilhoso que me deixa muita saudade. Herta: a senhora pode comentar sobre seu trabalho profissional e sua vida religiosa? Yalorixá Tereza: Desde que eu entrei no Candomblé, que eu me tornei uma yalorixá, eu estava nessa época em Uberlândia. Eu trabalhava de segunda a sexta, na sexta de tarde eu vinha. Passava sexta a noite, sábado e domingo eu ia embora de noite, muitas vezes de madrugada para dar aula de manhã na Universidade. 115

118 É um desafio também para os sacerdotes candomblecistas de Goiás manter as várias instâncias dessa prática sacerdotal com a profissional entre outros desafios contemporâneos das matriarcas que lideram os candomblés brasileiros. A mulher candomblecista constitui um cerne de situações históricas que foram primordiais na demarcação do poder da própria religião. No Candomblé, as mulheres representam a própria infraestrutura da organização social sagrada do culto. A hierocracia permite que as mulheres assumam o ápice do poder religioso, os conhecimentos do pai e/ou mãe de santo não são ultrapassados por nenhum partícipe, somente pelo orixá. Tereza de ti Omolu funda o Ilê Axé Onilewá Azanadô, em 14 de agosto de 1980, no axé da nação Angola. Sua primeira filha de santo foi uma yawô do orixá Nanã. A rede territorial do Candomblé conforme mencionado ao longo desse estudo relaciona-se também com as filiações que adeptos estabelecem com os zeladores de santo (figura 02). É possível apreender essa interconectividade entre as nações por meio das obrigações necessárias para ascensão na hierocracia do Candomblé. Para tanto será demonstrada essa rede através das entrevistas aplicadas no ilê de Tereza ti Omolu. De acordo com a figura apresentada, a referida yalorixá iniciase na nação Angola em 1972 e por volta da década de 2000 decide pagar sua obrigação com mudança para nação Ketu com o babalorixá conhecido por PC ti Oxumarê, o qual é atualmente o líder do Ilê Axé Oxumarê de Salvador - Ba. Tal configuração é corroborada na fala do sujeito/informante, Yalorixá Tereza: eu paguei todas as minhas obrigações, até os 21 anos com o meu pai João Abuque. A partir daí eu comecei a procurar outras casas, porque eu queria entrar na parte de Ketu, na parte Nagô, então eu procurei outras casas. Procurei a casa de seu Tito de Omolú (onde aperfeiçoou o jogo de búzios), em Brasília, procurei a casa de Babá PC (com quem mudei de Axé) em Salvador e procurei a casa de Mãe Dila em São Paulo, na época em que ela era viva. 116

119 A liderança dessa matriarca para o Candomblé goianiense é bem representada pelos números de iniciados registrados nas atas que a yalorixá organiza a cada barco de feitura 50. Nessas atas constam o nome do iniciado, o orixá, os ebós e outras informações que não foram autorizadas pela líder para o referido estudo. Baseada nos dados extraídos das atas é possível visualizar a representatividade do ilê estudado no que se refere às iniciações na cidade de Goiânia e Região Metropolitana (gráfico 01). 50 Esse termo corresponde ao conjunto de pessoas que se iniciam em um mesmo período e no mesmo axé. 117

120 Outro aspecto a ser explorado sobre o Ilê Axé Onilewá Azanadô diz respeito à localização: Aparecida de Goiânia. A cidade ainda apresenta precárias condições de infra-estrutura, situações bem marcadas pelas vias de acesso, serviços de transportes e saneamento. A questão do território ainda não alcançou de forma efetiva, para os segmentos da matriz africana, a agenda política do estado de Goiás, com ações públicas que valorizem o patrimônio cultural e os direitos de cultos que perpassam por políticas de reconhecimento identitário e preservação dos espaços de cultos. O referido terreiro localiza-se no bairro Buriti Sereno, bem distante da área central da cidade de Aparecida de Goiânia. As vias de acesso constituiu um dos pontos mais destacados nas entrevistas quando se questionou sobre os fatores que invisibilizam o ilê na paisagem da cidade de Goiânia e Região Metropolitana. Sua localização circunscreve-se entre uma área adensada com equipamentos urbanos e outra com forte presença de atividades ruralizadas (chácaras com cultivos de quintais e criação de animais). Trata-se de um setor localizado na periferia de Aparecida de Goiânia que agrega elementos característicos dos meios urbano e rural. O acesso ao ilê não é fácil, a rua principal ainda não está asfaltada, os índices de registros de violência na região são significativamente elevados. A 118

121 segurança do setor se apresenta deficiente, segundo os informantes, as vezes os mesmos consideram que a área é perigosa (figura 03). Figura 03 Rua que dá acesso ao Ilê Axé Onilewa Azanadô. Fonte: MORATO, H, O tamanho do terreno desse ilê axé torna-se um ponto importante para a prática do Candomblé. Ali, de fato, visualiza-se a configuração do adágio da roça na roça. A roça a que me refiro é a roça de santo. Compreende-se a verdadeira roça, o local constituído por amplos espaços para o cultivo de plantas que são fundamentais para as ritualísticas sagradas, uma vez que sem folhas não se tem Candomblé. As plantas para o Candomblé são sagradas por fazerem parte dos orôs e serem os próprios princípios da manipulação do sagrado. Algumas se constituem nos espaços traduzidos como cosmolocalidades, a saber: a jaqueira, a cajazeira, o dendezeiro. No ilê Azanadô liderado por Tereza ti Omolu encontram-se os espaços sagrados de todos os orixás necessários para o exercício da cosmogonia da religião (figura 04). 119

122 120

123 Ainda sobre a localização do terreiro, essa precária infra-estrutura do espaço em que o mesmo ocupa reflete diretamente as desigualdades da produção do espaço na cidade. Segundo Corrêa (1996) a integração do espaço rural pela cidade ocorre por meio de duas etapas distintas. Em um primeiro momento essas desigualdades decorrem do forte processo de crescimento e de adensamento de infra-estruturas. Tal processo promove a refuncionalização das áreas, sobretudo com os intensos investimentos no setor de serviços e moradia (shoppings, grandes supermercados, especulação imobiliária, condomínios fechados e outros). Esse processo se forma a partir da organização de anéis concêntricos, em que os agentes produtores do espaço promovem a invasão dos espaços mais próximos, integrando-os à economia urbana. Em segundo momento uma intensa urbanização de áreas periféricas que visivelmente se apresentam de forma desordenada e difusa. Esse processo de urbanização entre os setores periférico e central de uma cidade constitui-se por um espaço diferenciado, em que as atividades secundárias e terciárias são os vetores que promovem o movimento de conurbação. Esse movimento é vivenciado entre as cidades de Goiânia e Aparecida de Goiânia, por diversas atividades e por diversas formas de vida urbana. Em face desse desordenamento o terreiro é submetido às digressões espaciais, sobretudo, promovidas pela ausência do poder público. Posto Isto, urge as necessidades por uma efetiva ação da gestão pública Ilê Axé Oyá Igbem Bale: o espaço sagrado e os riscos da marginalidade espacial Cabe lembrar que no presente estudo, os terreiros representados pelas matriarcas goianas foram escolhidos como locus da pesquisa por reconhecer que a questão do Candomblé perpassa pelos reconhecimentos históricos e de gênero, pelos quais a mulher candomblecista assume papel central. O Ilê Axé Oyá Igbem Bale é um terreiro localizado no Bairro Cardoso, em uma zona 121

124 periférica da cidade de Aparecida de Goiânia, próximo ao Buriti Shopping, área bem representativa para os setores comerciais dos limites territoriais entre Goiânia e Aparecida de Goiânia. Ainda apoiada na orilatura dos(as) informantes apresentarei dados obtidos junto aos acervos audiográficos transcritos pela equipe do CieAA. Esse banco de dados foi constituído durante a execução dos projetos já mencionados ao longo da tese, atualizado durante o levantamento de campo do presente estudo. Depois dessa referência às fontes apresento a yalórixá Jane Arantes Camargo. Ela nasceu em Rio Verde no estado de Goiás, em 4 de fevereiro de Iniciou-se na religião do Candomblé, de tradição Angola, na cidade de Goiânia em 14 de fevereiro de Sua iniciação ocorreu com a yalorixá Estela Batista, filha do babalorixá João de Abuque. Consagrada ao orixá Omolu, Mãe Jane permaneceu aos cuidados de Mãe Estela por aproximadamente um ano após a sua iniciação. Trechos da entrevista reafirmam essa série de informações sobre sua trajetória, Mãe Jane: Estela Batista foi a minha navalha, quem me raspou, Mary Anne: Estela Batista? de onde que ela era? Mãe Jane: ela era daqui! [ refere-se a Goiânia] Mary Anne: e ela foi raspada por... Mãe Jane: ela foi raspada pelo João de Abuque! Entendeu? Ela foi primeira dentro de Goiânia que foi raspada por ele, entendeu? Então, eu já fui raspada no Candomblé dela ali no Papilon! Ela foi minha navalha, a minha primeira mãe de santo! Zeladora de Orixá foi ela! Mary Anne: lá, ela era... Angola...ela falava... Mãe Jane: ela falava que era ketu (nação), mas não era! Hoje que a gente já conhece, e sabe que era Angola (nação). Porque no João de Abuque também era Angola! Pai Marcos D Ávila:...para o resgate de sua história a gente quer saber, por exemplo, se a senhora nasceu em Goiânia? Mãe Jane: Não! nasci em Rio Verde! Pai Marcos D avila: depois deu obrigação, em uma época depois, não lembro quando, com o babá (pai de santo Djair) 122

125 Mãe Jane: Não! Ai, logo depois de mãe Estela foi o Lago (pai de santo), o Iago ficou treze anos comigo, seu era Carlos Roberto Scarandiu. Pai Marcos D avila: e o Lago é... de qual Axé? Mãe Jane: é... do Gantois (nação) ai, depois, dele eu fui pro Air José do Pilão de Prata! Mary Anne: em Salvador? Mãe Jane: em Salvador! Mãe Jane: do Air José, eu vim pra mão de... Djair! do Djair, eu fui pra mão, eu fui com a cabeça rodada! Mãe Jane: eu fui pra mão do... Júlio de Oxossi, (pai de santo) finado Júlio! Do finado, eu vim para... Ricardo (pai de santo)... Pai Marcos D avila: Ricardo de Omolu? Mãe Jane: de Omolu! Mary Anne: agora... a senhora não precisa de pagar essas obrigações, porque a senhora já é...yalorixá né... o axé da senhora é Oxumarê! [Esse axé refere-se ao de Salvador] Mãe Jane: é Oxumarê! Porque ele, foi assentado! A trajetória da iniciação e o ciclo que envolve as obrigações de Mãe Jane ti Omolu em Goiânia reforçam a estruturação da rede nodal desse Candomblé ramificado entre as cidades Rio de Janeiro/Salvador/São Paulo/Goiânia. O babalorixá Carlos Roberto Scarandiu conhecido nos candomblés por Carlos ti Oyá, sucede Mãe Estela na constituição do processo de feitura de Jane ti Omolu, recolocando o Candomblé Ketu em Goiânia, diretamente ligado a outra ramificação geográfica ligada a São Paulo. A referida yalorixá cumpre seu ciclo de obrigações até se tornar ebomi 51 com o babalorixá advindo do Ilê Axé Gantois de Salvador BA. O terreiro desse babalorixa encontra-se aberto em São José do Rio Preto no estado de São Paulo, conforme contido nos trechos seguintes, 51 Termo utilizado para se referir aos iniciados com sete anos, eminentemente para aqueles que cumpriram o ciclo obrigatório da feitura. É uma maioridade na religião. 123

126 Mary Anne. Pai Carlos, ago... quem raspou (iniciou) o senhor e onde? Babalorixa Carlos: aí então... tive problemas de saúde fui para a cidade de Londrina, aí cai nas mãos de uma mulher que chama-se Conchi que havia vindo de São Paulo e me raspou, mas me raspou com o Orixá trocado. Ao invés de me raspar para Iansã me raspou para Iemanjá. Ai eu fiquei mais louco ainda, resultado: eu tive que partir e nesse meio tempo eu conheci uma mulher chamada mãe Dora, que todo mundo conhece e que morava próximo da minha casa. E ela já do Candomblé me levou para o Pai de Santo dela para fazer algo por mim no interior da Bahia, entendeu? E ele como tava no final da vida, muito de idade, falou que não podia mexer muito com a minha cabeça, que eu procurasse Menininha do Gantois. Foi quando eu fui procurar Menininha do Gantois e lá me iniciei verdadeiramente com o meu Orixá que é Iansã. Agora eu tenho trinta e quatro anos de santo. Mary Anne: quantos filhos o senhor já raspou? Babalórixá Carlos: nossa, eu já raspei muitos filhos, tenho mais de quarenta filhos raspados por mim, fora os que vêm de obrigação de outras casas. Mary Anne: pai, o senhor tem casa? Babalórixa Carlos: tenho, em São José do Rio Preto- SP. Por volta dos anos de 2004 e 2006, Jane ti Omolu pagou sua obrigação de vinte e um anos com o babalorixá Ricardo ti Omolu, do Ilê Axé Oxumarê de Salvador-BA. Entre os períodos das obrigações oficiais, Mãe Jane estabeleceu contato direto com o Babalorixá Air José, do Ilê Axé Pilão de Prata de Salvador-BA, e Babá Djair ti Logun Edé, do axé Oxumarê do Rio de Janeiro/RJ, que atualmente é líder do Ilê Axé Omi Bagtô Jegedé localizado em Águas Lindas-GO. Atualmente, a yalórixa Jane ti Omolu está sob os cuidados de Carlos ti Oyá (figura 05). O Ilê Axé Oyá Gblem Bale foi aberto em 23 de outubro de 1996, no bairro Jardim América em Goiânia, atualmente, conforme mencionado, localizase no Bairro Cardoso em Aparecida de Goiânia- GO. A mudança do axé desse ilê para Oxumarê da nação Ketu ocorre quando essa yalorixá paga sua obrigação com o babalorixá Djair ti Logun Edé. 124

127 O terreiro em questão não apresenta, em sua composição espacial, uma separação entre a casa civil e os cômodos internos em que se encontram os assentamentos designados para o culto aos orixás. A questão de localização requer algumas considerações. No local, problemas de ordem estrutural se impõem. O terreno apresenta uma pequena declividade e, ao fundo, existe um córrego que se configura em um importante elemento da maioria dos rituais dessa religião. Porém, à beira do córrego, encontra-se a formação de alguns processos erosivos que se acentuam e avançam na área comprometendo as estruturas existentes. Perceptivelmente, o córrego apresenta bancos de areia formados por material sedimentar oriundo das erosões existentes ao longo de seu leito. Com isso, observa-se a ocorrência de processos de assoreamento e deposição (figura 06). Tal fenômeno é fruto da desordenada expansão urbana que marca a região de Aparecida de Goiânia, sobretudo aquela à qual o Ilê Axé se encontra. 125

128 Em virtude dessa expansão, toda a mata ciliar do rio é retirada. Outro problema é a pavimentação de ruas que propiciam o escoamento superficial das águas da chuva sem a realização de um planejamento que evite que esse escoamento acarrete o surgimento de novas erosões. Não há por parte do poder público nenhum tipo de planejamento em termos de infraestrutura que estabeleça melhores condições para a região e proteção ao espaço sagrado em questão. R, Figura 06 Córrego localizado ao fundo do Ilê-Axé Oya Igbem Bale. Autor: PENA, Diante dessa realidade é possível inferir que não apenas o espaço físico sofre com as agressões e falta de infraestrutura e planejamento, mas também o espaço simbólico e sagrado. Cabe lembrar que os orixás são as próprias forças da natureza e, à medida que os rios e as matas vão se esvaindo, a própria força da religião também se compromete. O Ilê Axé Igbem Bale, juntamente como os demais, não conta com incentivos fiscais, com isenções de impostos ou contribuições advindas de programas sociais e outros como acontecem com as religiões cristãs. 126

129 Com relação ao acesso das comunidades de terreiro, o caso Ilê Axé Oya Igbem Bale revela uma ausência de planejamento para com a região, sobretudo na construção de uma pavimentação asfáltica, observa-se que a última intervenção na via de acesso ao Ilê produziu um bloqueio na rua principal separando-o das residências e áreas comerciais ali instaladas (figura 07). Figura 07 Localização da entrada e via de acesso ao Ilê Axé Oya Igbem Bale. Autor: SOUZA, J. S Diante das análises estruturais relacionadas à área do terreiro, visualiza-se problemáticas que circunscrevem os processo de marginalização espacial, haja vista sua condição de área periférica com difícil acesso. Além disso, agravam-se problemas de ordem geomorfológica resultantes da 127

130 expansão urbana. Tais problemas são, sobretudo, resultantes da despreocupação do Estado para com a representatividade cultural das áreas periféricas da cidade, dentre as quais as religiões de matriz africana encontram-se inseridas. A yalorixá Mãe Jane ti Omolu revela que já consultou vários órgãos públicos, a exemplo da Secretaria do Meio Ambiente, porém relata não ter conseguido ser devidamente atendida. Ressalta também que já perdeu uma considerável porção do seu terreiro em consequência dos processos erosivos. Sobre esse último aspecto, ela conta que a prefeitura recomendou que plantasse mudas de bambu para frear o processo de erosão em seu terreiro. A yalorixá, então, adquiriu trezentas mudas e, ainda sim, não adiantou. Outro ponto problemático, segundo sua fala é a questão da insalubridade de sua casa, que com o passar do tempo vem se agravando. O caso do Ilê Axé Igbem Bale é emblemático e representativo do que acontece em muitos outros terreiros de Candomblé, que sofrem com o descaso e com a segregação sócio-espacial, isso em comparação ao espaço do sagrado de outras religiões, especialmente as cristãs Ilê Axé Canto de Oxum: normatização e ressignificação dos espaços religiosos no espaço da cidade. Para retratar o Ilê Axé Canto de Oxum liderado por Maria Luiza ti Oxum fez-se necessário refletir sobre o espaço urbano e a lógica de sua reprodução. A reprodução do espaço urbano é traduzida nas e pelas disputas de acesso e de direito à cidade. Essas disputas se fazem mediadas pelos poderes do Estado e do capital, diretamente relacionados ao controle normativo de especulação do espaço e ao controle disciplinador dos modos de vida e práticas sociais. As formas de controle do espaço compreendidas com base na leitura apontada no primeiro capítulo da referida tese referiram-se às ações de colonialidade de poder que a partir de planos teórico e prático, em que suas 128

131 concepções e execuções por parte de setores públicos e privados quase sempre resultaram em estratégias ora de exclusão, ora de inclusão normativa. Essas práticas de controle visualizam-se por meio das localizações dos ilês, sobretudo na periferia pobre e sem infraestrutura da cidade. Locais que são alijados das políticas públicas aplicadas no bojo do planejamento da cidade. O Ilê Axé Canto de Oxum é marcado por esses dispositivos que direcionam e regulam o funcionamento de terreiros urbanizados. O bairro Urias Magalhães em Goiânia se apresenta com altas taxas ocupacionais, setores de serviços e comércio bem concentrados, vias com tráfegos intensos de pessoas e automóveis, dentre outros. O ilê axé Canto de Oxum localiza-se no setor Urias Magalhães, bairro que em sua forma urbana passou por intervenções setorizadas. As alterações se revelam diretamente na paisagem. A presença dos conglomerados de supermercados de cadeia nacional e internacional, a construção do shopping que em seu slogan é o maior empreendimento no setor da América Latina, além do alargamento das vias de acesso se apresentar como fatores que explicam o forte adensamento dos atributos locacionais que normatizam o funcionamento do ilê em uma área urbanizada. A especulação imobiliária, no local, promoveu uma forte alta dos valores dos terrenos ocasionando forçosamente ressignificações do espaço sagrado e de sua ritualística. Nesse sentido, se estabelece um processo de negociação entre os praticantes e a sociedade a fim de garantir a permanência desse ilê no referido bairro. A peculiaridade desse terreiro pode estar centrada no fato de que o Candomblé articula uma rede de bens simbólicos que se difunde no cotidiano das pessoas. Nessa rede a oferta de serviços de tratamentos espirituais promove uma leitura de um terreiro que atende uma demanda ligada ao clientelismo, tanto quanto aos filhos que procuram a casa. Esses últimos buscam somente com a finalidade de efetuarem suas obrigações com o santo, mas sem vivenciarem a vida religiosa no que se refere os cuidados cotidianos de preparação dos alimentos dos orixás, preparativos dos xirês, participação nos ebós e boris dos adeptos e clientes. 129

132 Outra peculiaridade do Ilê Canto de Oxum refere-se à organização do espaço físico, quando se observou adequações dos locais internos. Nesse, as instalações internas se apresentam com pequenas áreas para garantir as principais territorializações do sagrado 52. O corredor que se inicia na porta principal da casa civil da zeladora, até o salão do pejim é bem estreito (figura 08). As moradas de Exu e Ogum também se apresentam com áreas bem pequenas (figura 09). No espaço interno percebe-se que a criação de animais e cultivo de determinadas plantas e árvores sagradas para a religião são incipientes no ilê (figura 10). Tais situações promovem o estreitamento com os estabelecimentos que fornecem as mercadorias sagradas para o culto do Candomblé. As plantas sagradas se localizam de formas ressignificadas. O ajuste espacial deu-se de devido à redução do lote, pois a líder vendeu uma porção da área. Dentre os vários dispositivos que se presenciam na trama que normatiza a convivência entre os praticantes de candomblés e os moradores em seu contexto cotidiano pode-se ressaltar o estudo de caso realizado nesse ilê apresentado. Ali de forma negociada novos padrões de comportamento se apresentam. Essas festas passam a ter horários definidos para sua realização, às vezes contrariando uma tradição em que o Candomblé começa quando tudo está pronto, sem diretamente considerar o tempo secular 52 O CieAA no bojo de suas pesquisas sobre o Candomblé promove uma descrição densa sobre esse Ilê- axé por meio de artigos e relatórios. Aqui destaco o estudo de Graziano Magalhães dos Reis(2012) no que se refere às situações de preconceito e intolerância que passam a ter suas ritualísticas, além do funcionamento do espaço interno, controlados diretamente por leis e por poderes disciplinadores impostos. Para o pesquisador, a localização do terreiro em uma área central urbanizada enfrenta fortes pressões providas por fatores como: preço do lote, tamanho da área, proximidade de setores com altos índices de ocupação populacional, acirramento de problemas com vizinhos, as vezes, esses geram penalidades trazidas com os códigos de segurança e postura que regulam as relações sociais de convivências no interior dos espaços da cidade, e ainda os restritos espaços internos para territorialização do sagrado em questão. 130

133 Figura 08. Entrada do Ilê Axé Canto de Oxum. Fonte: Acervo fotográfico do Centro Interdisciplinar de estudos África-Américas do projeto Mães de Santo. Goiânia, janeiro de Figura 09. Assentamento de Exú do Ilê Axé Canto de Oxum. Fonte: Acervo fotográfico do Centro Interdisciplinar de estudos África-Américas, Goiânia, janeiro de

134 Figura 10. Corredor da casa, animais criados em gaiolas. Fonte: Acervo fotográfico do Centro Interdisciplinar de estudos África-Américas, Goiânia, janeiro de Figura 11. Entrada do Ilê Axé Canto de Oxum. Fonte: Acervo fotográfico do Centro Interdisciplinar de estudos África-Américas, Goiânia, janeiro de

135 Nesse Ilê de acordo com os estudos de Reis (2012) e sobretudo, durante as visitas in loco, os xirês iniciavam entre as 18 e 19 horas, geralmente não ultrapassando às 23 horas. De acordo com a pesquisa de campo ocorrida nos terreiros afastados, ou melhor, localizados na periferia das cidades estudadas, seria no horário entre as 22 a 23 horas, que o xirê se iniciaria, sem horário definido para terminar. Nessas casas as festas se estendem por toda a madrugada. A partir disso, infere-se que os poderes normativos imperam no controle dos sons dos atabaques, das músicas e das relações comuns ao Candomblé. Esse, provavelmente, torna-se um exemplo de como a prática da religião tem de se adaptar aos padrões normativos da colonialidade de poder, marcados na vivência, conforme o diálogo com a yalorixá, Herta: e quando a senhora está de obrigação aqui, a gente sabe que tem que fazer determinados sacrifícios e pra fazer aqui a senhora não tem problemas? Na questão de estar muito próximo de casas... Maria Luiza: não, eu já não toco muito aqui justamente para não perturbar os vizinhos, né? Porque a gente também tem que saber que a gente ta num lugar que tem muitas casas, não é só a minha. Então eu tenho que olhar e pensar, se eu ficar tocando até meia-noite, duas horas, três horas da madrugada, cinco horas da manhã como as pessoas fazem é lógico que eu vou perturbar e isso aí vai causar incômodo pra todo mundo. Então, pra que que eu vou fazer isso? Se eu começo o Candomblé mais cedo eu termino mais cedo, sempre em dias que não seja meio de semana, né? Quando é saída de yawô eu faço uma coisa pequena, durante o dia mesmo, a tardezinha, à noitinha mesmo, uma coisa rápida. Nada que incomode os vizinhos, eu não gosto de incomodar ninguém. De acordo com a yalorixá a lógica que se estabelece com esse ajuste de conduta, ou melhor, acordo tácito de boa vizinhança, sugere outras inferências por ser o Candomblé uma prática que foge às regras desse tempo normatizado. A fala naturalizada da yalorixá concordando com as regras sociais, sem dúvida é garantida por meio de um intenso processo que impõe instrumentos sociais de controle, geralmente, constituídos nas relações de poder e saber dominantes. A vigilância estabelecida para um bom convívio social revela as práticas disciplinadoras que moralizam, limpam e controlam as 133

136 práticas culturais, até então, tratadas pelo o discurso da subalternidade e da negação. De acordo com as entrevistas concedidas nos âmbitos dos projetos Mãe de Santos e História do Candomblé, a yalorixá conta que nasceu em 1954 na fazenda Palmito, localizada na cidade de Córrego do Ouro/GO. Segundo sua fala 53, sua criação ocorreu dentro das tradições católicas, passando pelo espiritismo kardecista, e posteriormente com sua inserção na Umbanda. A entrevista aponta para o reconhecimento da existência da rede simbólica demarcada pela a inserção dos líderes em diversas nações, com ligações de sua casa com outras bases territoriais que organizam a rede intersticial a partir dos terreiros. Esses são vistos como eixos dinâmicos do Candomblé no Brasil, Herta: Mãe quando a senhora conheceu o Candomblé? Maria Luiza: foi uma história um pouco complicada filha. Na realidade toda a minha família é de origem católica, né. E devido às necessidades espiritual que eu tinha, muitos problemas: emocional, ansiedade, muitos problemas mesmo, eu comecei a procurar a espiritualidade. Primeiro eu fui kardecista, fui da Umbanda, fui kardecista muito tempo, depois fui umbandista, mas nada satisfez minha necessidade, né? Todas as religiões eu acredito que sejam boas, na medida em que satisfaça a ansiedade de cada um. O estar bem é uma coisa e o estar melhorado é outra coisa. E eu nunca estava bem, eu sentia que faltava alguma coisa. Até que um dia eu entrei num terreiro de Angola, ali no Setor Centro-Oeste, antiga Vila Operária, e conheci lá Celino Porfírio. E ele era Angola, apesar de que ele não fez grande coisa por mim, mas eu senti um certo alívio só de estar ali. E foi ali que começou a minha, como diz o outro, a minha peleja em relação ao santo, a buscar, a descobrir, a encontrar. Tive muita decepção, muita desilusão em relação às pessoas, mas lutei, busquei. Então quer dizer, foi ali que eu comecei a encontrar o caminho e vi que realmente eu tinha tudo pra ser feliz dentro do Orixá, que me satisfazia, as minhas respostas, todas as minhas perguntas tinha resposta. Herta: A senhora iniciou na Angola? Maria Luiza: não iniciei, na realidade não. Na realidade eu fiquei lá, mas nada foi feito, você entendeu? Eu só depois vim 53 Entrevista concedida a equipe do CieAA em janeiro de A transcrição foi realização pela bolsista de iniciação científica Herta Camila Cordeiro Morato. 134

137 fazer o meu santo, dentro da minha casa, que eu fiz nas águas de Jêje. Eu comecei, eu já iniciei dentro da minha própria casa. Meu pai de santo de São Paulo, Pedrinho de Iansã, veio e deu a minha obrigação aqui na minha casa. Então, meu Orixá nasceu aqui. Herta: Pedrinho de Iansã, de São Paulo. Qual que era o Axé dele, mãe? Maria Luiza: ele era da Mãe Menininha. Herta: é, então ele foi feito no Gantois? Maria Luiza: é no Gantois. Herta: mãe, então a senhora nasceu Jêje. Maria Luiza: nasci Jêje. Na realidade ele já havia saído da casa da Mãe Menininha e estava na raiz de Jêje, então por isso... porque lá é Ketu, mas ele estava na raiz de Jêje. O que eu não me lembro bem é qual que era a raiz dele, você entendeu? Eu não me lembro bem porque o nosso relacionamento, o nosso tempo que ele ficou na minha casa foi muito pouco nós tivemos desentendimentos, como sempre é muito difícil não ter. Herta: ai assim mãe, só para entender uma coisa, a senhora já tinha essa casa? Maria Luiza: eu tinha a minha casa, aqui onde eu moro e tinha um barracão aqui no fundo. Aí montou mais ou menos a casa para me recolher e eu tomei a minha obrigação aqui. Devagarzinho, porque esse pai de santo que eu estava na casa dele, ele veio a falecer, e ele veio a falecer e com certo tempo, depois de dois anos, Oxumarê, que era o santo dele, me cobrou que eu continuasse a casa, não tinha outra pessoa para continuar teria que ser eu como herdeira, fiquei de herdeira da casa. Só que ele desmontou tudo, acabou com tudo e eu... o Orixá praticamente me deixou numa situação muito difícil, o egum me deixou numa situação muito difícil, que eu tive que abrir, que eu tive que fazer meu santo pra dar continuidade daquele terreiro que eu estava. Aí, pra você ver, foi muito sofrido, foi muito difícil. Herta: e que ano que foi isso, mãe? Maria Luiza: ai, eu não lembro de datas. Só que eu estou aqui tem 32 anos. 135

138 Diante da narrativa, o primeiro contado que mãe Maria Luiza teve com o Candomblé foi em Goiânia, no setor Centro-Oeste, quando conheceu o babalorixá Celino Porfirio, quem lhe apresentou a religião. Porém somente em 1980 que efetivamente se iniciou com Pedrinho de Iansã de São Paulo e posteriormente, no início da década de 2000, passou a pagar suas obrigações com Babá PC ti Oxumarê de Salvador/BA (figura 12). Importante ressaltar a linhagem da referida yalorixá por meio das obrigações pagas para cumprir o processo hierocrático, conforme os trechos do diálogo que seguem Herta: Depois da sua iniciação, mãe, com quem a senhora foi pagando as suas obrigações. Maria Luiza: paguei obrigações com vários Babalorixás. Até que... não vou nem citar pra você porque foram vários, não vou 136

139 falar pra você que foi um ou dois, não. Porque é muito difícil, você conviver e dar certo com as pessoas, a maioria dos pais de santo eles acham que, eles querem mandar na sua vida e eu não aceito isso. Tipo assim: tem que ser do meu jeito. Eu acho que a espiritualidade está longe disso, ninguém grita comigo, eu não grito com ninguém, mas também não aceito ninguém gritar comigo. Eu sou uma pessoa que tem a minha direção própria, né? Eu tenho a minha capacidade, então eu não aceito subestimar, entendeu? Eu não aceito. Então eu tive os meus problemas. O dia que eu acertei com um Babalorixá que eu gostava muito dele ele faleceu também e aí eu procurei o Babá PC e que até hoje eu estou com o Babá PC da casa de Oxumarê em Slavador- BA. Herta: a senhora lembra mais ou menos qual foi o ano que a senhora entrou em contato com ele? Maria Luiza: com o Babá PC? Herta: é. Maria Luiza: olha, eu não me lembro... se eu falar pra você... eu acho que foi mais ou menos... não me lembro direito, mas acho que foi pelo ano de 2000, 2002/2003. É por ai. Eu não tenho muita certeza. Eu sou muito ruim de data, viu? Sou péssima de data. A forma elementar do Candomblé se define por uma estrutura hierarquizada e estratificada entre os praticantes e os(as) zeladores(as) de santo. Na casa mencionada percebe-se que ali se cumpre a concepção de território autônomo, em que o líder se torna o principal responsável pelo ordenamento e organização da prática religiosa. A rede do Candomblé no tocante as relações éticas e de solidariedade entre os ilês é narrada sob os seguintes aspectos, Herta: mãe como a senhora vê a rede de solidariedade entre as casas de candomblés? Maria Luiza: muito ruim... União não tem, não tem porque, veja bem, as pessoas vai na sua casa numa festa eles não vão para compartilhar, eles não vão pra participar. Eles vão pra xoxar, eles vão pra falar mal da vida dos outros. Eu deixei de dar minhas festas do jeito que eu dava por causa disso, porque é uma coisa que magoa muito. Não tem união, não saber compartilhar, não ter ética profissional, eu acho um absurdo. Eu acho que tem que haver irmandade, e não tem, não está 137

140 tendo. Ai como não tem como você vai fazer?eu fui e ai eu recuei. Herta: recuou como mãe? Maria Luiza: recuei no meu canto, faço do meu jeito, da minha maneira. Porque religião é assim, minha filha, deixa eu te explicar: cada um toca do seu jeito, do jeito que o coração pede, intuição é coisa que cada pessoa tem, visão também, não é? O que eu acho que pode ser certo na minha casa pode não ser certo em outras casas. Mas cada um tem seu livre arbítrio de agir. Eu não mudarei a cabeça de ninguém e ninguém vai mudar a minha cabeça. Muitas pessoas falam de mim que eu não me integro às pessoas, que eu fico distante, que eu sou isso, que eu sou aquilo. Não me considero melhor ou pior que ninguém, entendeu? Não me considero melhor nem pior que ninguém, é que eu sou voltada para a minha espiritualidade, pro meu eu, pra minha vida, pros meus Orixás, pros meus filhos, entendeu? Eu vivo, realmente, para o santo, eu vivo para o santo e sou muito feliz vivendo assim. Outro ponto perceptível da liderança da yalorixá para continuar garantindo a ritualística necessária do Candomblé refere-se a sua inserção, de forma estreita, na rede de serviços mágicos. O Ilê Axé Canto de Oxum por apresentar as características de um terreiro urbanizado, em outras palavras, espaço cimentado e compactado, boa parte dos produtos sagrados é garantida via as redes local, regional e nacional do comércio dos bens mágicos. Essa situação urbana/comercial que atualmente liga os egbés se apresenta como um forte atrativo para novos adeptos/clientes do Candomblé. Cada Candomblé na perspectiva da líder Maria Luiza ti; Oxum é uma casa isolada. Dentre os pontos organizacionais desse ilê ressalta-se a manutenção do egbé e as relações entre os filhos(as) de santo, conforme trechos da entrevista, no que diz respeito a frequentar outras casas Maria Luiza: freqüento [outras casas]. Quando eu tenho a oportunidade e eu posso ir eu vou. Agora é uma raridade porque geralmente quando as pessoas mandam um convite, eu já tenho compromisso naquele dia, como é que você vai? A vida do Candomblé é muito trabalhosa, é muito trabalho, é muita coisa, como é que você vai, né? Esses dias recebi um convite: ah, é minha saída gostaria muito que você viesse. Mas como que eu fui? Como que eu ia? Eu estava com a casa 138

141 cheia de gente de São Paulo, são pessoas que vem pra dar obrigação, aí você está com a casa cheia. É difícil. A minha equipe é uma equipe pequena para trabalhar, meus filhos de santo tudo trabalha fora, e aí como é que fica? É difícil... Pelo forte viés cientelista dos frequentadores do ilê Canto de Oxum e sua presença em um ambiente urbanizado, perguntamos à mão Maria Luiza sobre a classe socioeconômica das pessoas que a procuram: Maria Luiza: [...] As pessoas que freqüentam a minha casa não são pessoas carentes, são todas pessoas independentes, são pessoas que tem um nível de vida, um padrão de vida, não vamos dizer assim elevado, mas de classe média. Pessoas que estão bem, graças a Deus estão bem. Todo mundo tem seu emprego, às vezes sua empresa, estão trabalhando, estão na luta. Mas que também eu não recorro muito aos meus filhos de santo pra que me ajude, aqueles filhos que podem ajudar em alguma coisa eles ajudam. Sem pedir, sem que eu peça, entendeu? A ajuda tem que vir de acordo com a espontaneidade da pessoa, tem que ser de coração não porque está se sentindo obrigado. Não tem mensalidade na minha casa, uma coisa que não tem na minha casa e que em outras casas tem. Herta: então com filho ou sem filho, nesse aspecto, a senhora sempre mantém a sua casa? Maria Luiza: mantenho, sempre dei conta. Trabalho muito, as vezes vou para fora do Brasil, as vezes vou pra Portugal, ou pra Espanha, fico lá fora um tempo,trabalho e volto, entendeu? Mas, eu não sou uma pessoa que não conta com... eu não espero por ninguém. Eu sou uma pessoa que vou à luta. A partir da perspectiva assumida pela Mãe Maria Luiza podemos apontar que seu Terreiro é autossustentado e autônomo e que o mesmo segue um formato intercambiável de serviço e de comércio sagrados. Diante da narrativa, a líder se relaciona com vários outros egbés em diversas escalas. Essas interrelações paulatinamente concorrem para promover uma rede territorial do Candomblé que perpassa pelo processo de franqueamento dos serviços e dos bens simbólicos. A criação de filiais ou redes de franqueamento são situações comuns ligadas aos credos pentecostais e neopentecostais. O crescimento de um ilê 139

142 axé se faz em termos demográficos, com base na quantidade de fieis e de clientes inseridos na comunidade religiosa. Dessa sorte, uma casa cresce pelo fluxo de pessoas ali presenciado, fato que desencadeia um processo intensificado de rivalidade e isolamento entre os egbés. Diante dessa compreensão da religião, a partir da líder do terreiro Canto de Oxum, o objetivo da presente tese de apontar o Candomblé no formato de redes nodais, intersticiais e contíguas, em seus aspectos simbólicos e políticos, promove algumas apontamentos. Em primeiro, essa autocracia e autonomia presentes nos candomblés em decorrência da ampliação e da expansão das casas intensificaram uma rede de serviços que visivelmente passa a promover uma disputa entre as comunidades de terreiro, por membros e clientes, que visivelmente ocasiona a rivalidade natural entre os candomblecistas. Para Prandi, (2000, p.73), os diferentes terreiros, mesmo quando religiosamente aparentados, com procedência protocolar de uns em relação aos outros, vivem em permanente disputa e dificilmente se juntam em face de alguma causa de interesse comum A comercialização dos bens simbólicos da religião torna-se o principal mecanismo de propagação religiosa e de arrecadação financeira para o sustento das casas de Candomblé. Diante do exposto é notório que a rede de comércio e serviços mágicos constitui uma nova conjuntura religiosa que se estrutura a partir do mercado religioso, que segundo Prandi (1996, p.67) decorre pelo fato de que No fundo, ninguém está mais muito interessado em defender nenhum status quo religioso. Desde que a religião perdeu para o conhecimento laico-científico a prerrogativa de explicar e justificar a vida, nos seus mais variados aspectos, ela passou a interessar apenas em razão de seu alcance individual. Como a sociedade e a nação não precisam dela para nada essencial ao seu funcionamento, e a ela recorrem apenas festivamente, a religião foi passando pouco a pouco para o território do individuo. E deste para o do consumo, onde se vê agora obrigada a seguir as regras de mercado. Essa metamorfose pela qual vem passando rapidamente a religião nos obriga a pensar que, se a religião se transforma em consumo e o fiel em consumidor, numa relação de mercado que a sociedade está equiparada para regulamentar, como qualquer outro produto. 140

143 Essa mudança de conjuntura ressignifica diretamente as práticas da e na religião estudada. A expansão do consumo dos produtos e benefícios mágicos rege uma lógica constituída pela fluidez das forças de mercado, sobretudo pela oferta e consumo de mercadorias simbólicas que aumentam significativamente as relações, ainda que de forma contraditória, entre os égbes. A opinião de que os candomblés são autônomos e fechados em si é questionável, uma vez que, de uma forma corriqueira os ilês axés são hoje fundados por um processo já visto em outros segmentos religiosos que é o direito a franquia do axé. Pode-se aclarar essa posição quando se acompanha a abertura de um terreiro. A rede é articulada e combinada de forma que a nova casa, além de suas bases de indicação da nação e do orixá regente poderá se vincular a outras casas que geralmente são vistas como tradicionais e possuem lideres que marcam suas trajetórias em cenários que extrapolam o local. Para essa abertura do ilê, o responsável pela casa a ser assentada, geralmente, assume significativas despesas com aquele que foi convidado para plantar o axé. Atualmente, os nomes dos terreiros mais novos já recebem a extensão do nome daquele que toma para si o processo de assegurar todos os orôs necessários para os fundamentos de uma casa de Candomblé. Essa discussão é assumida nesse tópico da casa Canto de Oxum por considerar que o referido ilê realmente atende aos desígnios do isolamento, mas simultaneamente se coloca na rede por uma forte inserção no que diz respeito a comercialização de bens simbólico-religiosos, ajustes de espaços simbólicos e a inter-relação dos egbés na rede nacional, no caso a cidade de Salvador BA. Nessa perspectiva, os valores espirituais encontram-se em um apelo materialista [...] através de comunicação pessoal de um pai de santo ao afirmar que no Candomblé nada é de graça -, que a relação de serviços religiosos parece algo estabelecido e reconhecido com alguma naturalidade (BAPTISTA, 2005, p.70). 141

144 O processo de franqueamento do Candomblé é possível de ser estabelecido, por reconhecer que os custos e as despesas gastos e pagos com os bens simbólicos e com os axés tornam-se a força motriz para fazer fruir as energias mágicas. Como aponta Prandi (2005, p.152), a relação de interdependência entre religião, mercado consumidor e espetáculo limita cada vez mais a atenção, o interesse e a concepção de religião do devoto do Orixá, orientando foco de sua percepção para o rito, que aparece como sinônimo pleno de religião. A ideia de franqueamento da religião se encontra contrária à perspectiva de Prandi (2000, p.73) quando ressalta que o líder é a expressão máxima da autocracia afirmando que todo pai-de-santo é um empreendedor, e seu sucesso material é visto como prova de seu axé, seu poder religioso. Mas seu sucesso tem limite, pois um terreiro não pode se expandir além de seus limites, não pode ter filiais, nem associados. A configuração das redes simbólica e política que organizam os candomblés goianos seguem a concepção de Baptista (2005. p. 70) ao afirmar que [...] no Candomblé nada é de graça. A movimentação desse fluxo mantido entre filhos (as), clientes, serviços mágicos e outros geram trocas intensas de produtos que fazem com que as redes simbólicas e territoriais se estabeleçam entre os egbés. Essas criam novas espacialidades e novas territorialidades, tanto para as religiões de matriz africana quanto para as afrobrasileiras. Ademais, é passível de se perceber que o espaço religioso está em um constante dinamismo territorial, em que as funções se multiplicam e se desenvolvem pelo consumo de objetos religiosos e de cerimônias/ritos. Disto resulta a formação de uma teia de produtos materiais e imateriais, que se expandem de forma expressiva em níveis local, regional, nacional e internacional. Ainda no enfrentamento teórico-metodológico trato no próximo tópico o emprego do termo cosmolocalidades, empreendido na tese para designar os espaços sagrados dos terreiros e os espaços extra-egbés. O termo correlaciona-se a dimensão simbólica e liga-se ao reconhecimento de um local dominado por uma deidade e/ou energia designando o domínio espacial específico do sagrado. 142

145 CAPÍTULO 03 AS ESPACIALIDADES DO SAGRADO: COSMOLOCALIDADES YORUBANAS, FESTAS E ELEMENTOS SIMBÓLICOS DO CANDOMBLÉ. Um dos principais eixos em torno dos quais circundam a abordagem dos Estudos Pós-coloniais refere-se às posturas interpretativas aparentemente díspares entre hermenêutica e epistemologia. Nesse campo, reconheço a delicadeza de propor a introdução da palavra cosmolocalidade como possível contribuição nos cânones interpretativos de culturas e filosofias tão diversas e hibridizadas, tal como são as cosmogonias nas quais se fundam as religiões de matriz africanas na diáspora americana de forma geral, e mais especificamente, do Candomblé de Ketu no Brasil e sua dissidência em Goiás. A densa discussão de epistemólogos, fenomenólogos e hermeneutas sobre a localização de jargões ou termos e seus reflexos interpretativos da natureza e da abstração recoloca a centralidade da hermenêutica para se compreender as filosofias de comunidades tradicionais e, de forma concomitante, as epistemologias possíveis para traduzí-las em linguagem acadêmica. Segundo esse debate, ao contrário do epistemólogo, o hermeneuta dispõe-se a compreender como o outro se apresenta e não traduzí-lo para sua própria linguagem. O epistemólogo por sua vez se propõe igualmente a compreendê-los e, para além disso, codificar seus termos e jargões com a perspectiva de estendê-los, fortalecê-los e ainda ensiná-los ou embasá-los em um terreno comum, nesse caso, a academia. Sobre essas diferenças interpretativas fundantes entre a epistemologia e hermenêutica, Richard Rorty (1994) considera-se que: A epistemologia vê a esperança de concordância como um sinal da existência de um terreno comum que, talvez desconhecido para seus interlocutores, os une numa racionalidade comum. Para a hermenêutica, ser racional é estar disposto a abster-se da epistemologia de pensar que há um conjunto especial de termos nos quais todas as contribuições à conversação devem 143

146 ser colocadas e estar disposto antes a assimilar o jargão do interlocutor que traduzi-lo para o seu próprio. Para a epistemologia, ser racional é encontrar o conjunto apropriado dos termos para os quais todas as contribuições deveriam ser traduzidas, se for necessário que a concordância se torne possível. Para a epistemologia, a conversação é inquirição implícita. Para a hermenêutica, a inquirição é conversação rotineira. A epistemologia encara os participantes como unidos no que Oakeshott chama de universitas um grupo unido por interesses mútuos para alcançar um fim comum. A hermenêutica os encara como ele chama de societas pessoas cujos caminhos através da vida se reuniram, unidas antes pela civilidade que por uma meta comum, e muito menos por um terreno comum. (RORTY apud CHAMECKI, 2010, p. 95). No contexto que recoloca a importância interpretativa de jargões empregados na referida tese a visão hermeneutica possibilita operacionalizar com o sentido atribuído ao termo cosmolocalidade. Entende-se que esse promove uma compreensão, para além da espacialidade do sagrado, o termo promove incorporar o sentido hierofânico da ancestralidade que compõe a religião do Candomblé Cosmolocalidade: um termo e um conceito Ainda que a consideremos um território de ocorrência mítica e de domínio da representação sagrada de um orixá, a cosmolocalidade se constitui em bases que se ligam aos princípios de ancestralidade e senioridade, sendo ambas diretamente ligadas ao poder histórico e geográfico. Elas estão embasadas por uma cosmogonia e uma cosmovisão que não separam, de forma epistêmica, os campos de entendimento, de conhecimento e de práxis. Para Rosendhal (2005) o espaço sagrado se organiza com base nos fixos territoriais instituídos por símbolos que são materializados em ritos, tais como a cruz, a procissão, os templos. As ideias desenvolvidas pela autora permitem interpretar o fenômeno religioso e as interações estabelecidas entre o homem e o território a partir de dois focos de análise: o sagrado e o profano. Em seus estudos a geógrafa destaca que o território é dividido em lugares do cosmo que estão profundamente comprometidos com o domínio do sagrado 144

147 e, como tal, marcados por signos e significados e em lugares do caos que designam uma realidade não-divina (ROSENDHAL, 2005, p 33). Recupero essa discussão para o aprofundamento do termo por mim utilizado: a cosmolocalidade, que definirei mais adiante. Ainda segundo Rosendhal, o cosmo qualifica-se como território sagrado, enquanto o caos representa ausência de consagração, sendo um território profano, não religioso. Para uma aproximação desse entendimento com vista à aplicação do termo que ora empreendo recorro ao sentido conceitual de que o território pode ser constituído também por um sistema de signos religiosos. Para Geertz (1989, p.143), o sistema religioso é formado por um conjunto de símbolos sagrados ordenados entre si, numa ordem conhecida pelos seus adeptos. Ainda reitero essa concepção de território, apoiada nas contribuições de Rosendhal (2005, p.35) ao apontar que essa questão abrange o conhecimento da religião como um sistema de símbolos sagrados e seus valores, envolvendo a produção, o consumo, o poder, as localizações e fluxos e os agentes sociais em suas dimensões econômica, política e de lugar. Portanto, o território está presente em todas as dimensões, em particular ele circunscreve a cultura, logo pode ser demarcado por todo um sistema religioso. Na presente tese, a terminologia cosmolocalidade refere-se à vivência cultural que se apresenta numa multiplicidade simbólica. As cosmolocalidades são espaços demarcados por elementos simbólicos, imateriais e espirituais que perpassam os campos territoriais e identitários designando o local dos orixás e aqueles destinados a ritualística da religião. As cosmolocalidades emergem no bojo da tese com base em leituras que subsidiam os estudos das religiões. Os ilês, os assentamentos, os lugares qualificados aos ritos dos orixás constituem os territórios sagrados e são formadores de geossímbolos na perspectiva de Bonnemaison (2002). O termo está assente nas ideias desse autor, quando esse denomina o geossímbolo, o qual é marcadamente territorializado pelos mitos, poderes místicos que sopesam a organização social, como a religiosa. Nesse sentido infere-se que o espaço é pensado e demarcado simbolicamente. 145

148 Para Corrêa (2006) a organização social do espaço assume os sentidos de organização e produção de um campo de significação e relação simbólica. Para a referida autora, o Terreiro de Candomblé constitui-se por um arranjo espacial e o significado a ele atribuído pelo grupo social se constrói sobre uma imaginação geográfica pelo geossímbolo, territorializando-o, dessa forma, como um território-terreiro (p.53). Apoiada em Bonnemaison (2002), a autora ressalta que esse arranjo espacial é marcado por signos e seus significados e passa a semiografar no espaço os limites do território. Nesse caso é possível entender que na abordagem cultural em Geografia não consiste em apreender o fato cultural nele mesmo, mas em definir territórios reveladores de etnia e cultura (BONNEMAISON, 2002, p.112). Ainda com o respaldo em Corrêa (2006), é possível destacar que os africanos bantos, iorubanos, haussás, no espaço diaspórico, revivem seu território de origem por meio de uma imaginação geográfica associada à ação de simbolizar. Nesse sentido, o entendimento do espaço demarcado simbolicamente evoca a definição do que se concebe por geossímbolos. Conforme já dissemos, para Bonnemaison (2002, p.99), o geossímbolo pode ser um lugar, um itinerário, uma extensão que, por razões religiosas, políticas ou culturais, aos olhos de certas pessoas e grupos étnicos assumem uma dimensão simbólica que os fortalecem em sua identidade. Na esteira de exercitar essa produção social simbólica e semiografada, Homi Babha (2005) contribuem com a denominação de Terceiro Espaço ou espaço da tradução. Defendo aqui a pertinência do aporte geográfico para a compreensão do Candomblé, em especial de suas relações simbólicas e sagradas com o espaço. Para tal, empreendo a ferramenta conceitual denominada por cosmolocalidade. Ela se apresenta reveladora para a compreensão da geograficidade das ações humanas vinculadas às manifestações religiosas. Exemplifico: para a manifestação de cada orixá o ser humano realiza um conjunto de ritos e rituais que permite uma construção imbricada entre o princípio régio do sagrado (força da natureza orixá) e um local que posteriormente se torna seu território. 146

149 Nesses termos o orixá Oxum é, não só a senhora das águas doces como é o próprio rio. O mesmo ocorre com o orixá Oxóssi em relação às matas e domínio dos animais de caça. Ogum é o orixá dos caminhos, das estradas, dos trilhos, do ferro, da guerra. Oyá/Iansã tem sob seu controle os ventos e a tempestade, além do domínio de áreas como bambuzais e os cemitérios, dentre outros. Todos esses espaços específicos são regidos por um determinado orixá. Alguns desses lugares passam por liturgias específicas tornando-se território de domínio no qual manifesta-se o caráter arquetípico individualizado de cada divindade. Dessas equações formam-se as cosmolocalidades. Nessa seção, para análise e referência ao que denomino por cosmolocalidade, tomarei por exemplificação dessa paisagem dos terreiros os geossímbolos referendados nas plantas-baixas dos três ilês já mencionados, na forma de representações espaciais e simbólicas dessas Casas. Nas referidas plantas-baixas pode-se observar determinados elementos que são comuns a todas elas e outros assumem um caráter de particularidade, quando submetidos às ordens internas e litúrgicas de cada um dos ilês. De forma geral, em todo terreiro de tradição ketu/nagô há referenciais universais e estruturantes que necessária e obrigatoriamente devem compor sua fundação. Sobre o ebó ipilê, ou seja, os sacrifícios propiciatórios para a fundação de uma Casa de Candomblé, José Beniste (2006, p. 283) informa que Quando se desejar construir um Candomblé ou uma moradia, o jogo [de búzios] determinará se o local proposto é saudável e está em concordância com o òrìsà. Se houver algum mau espírito no local, será apaziguado mediante sacrifício. E parafraseando os conhecimentos narrados na orilatura pelos notórios-saber quanto às fundações das casas em relação ao solo ainda não sacralizado, Beniste (idem) informa que os antigos costumavam dizer que [...] quando o solo virgem for cavado, uma nova casa for erguida, as árvores abatidas, ou os produtos do solo forem colhidos, um novo fluxo de energias vital deverá ser liberado através de uma oferenda sacrificial, como proteção contra as 147

150 entidades espirituais ligadas ao local ou ao objeto de perturbação (ibidem, p. 283) Ainda segundo o autor, o ebó ipilê é recomendado igualmente para o começo de uma nova carreira profissional, para uma viagem ou para um próximo casamento. Nessas prescrições recebe o nome de ebó Ad ibodè 54, ou seja, aquele que fecha os portões, pois tem em vista evitar que o mal entre no local (ibidem, p. 283). Em seu importante livro Awô, o mistério dos orixás, Gisèle Omindarewá Cossard (2008) socializa sugestões e orientações sobre as formas e conteúdos que devem constar no espaço a ser plantado um novo terreiro. Vale ressaltar que awô, em yorubá significa segredo, um dos mais importantes princípios que regem as religiões de matriz africanas na diáspora. Nesse livro, a antropóloga, ex-embaixatriz da França no Brasil e yalorixá de Yemanjá, Cossard chega a publicizar fotos de rituais de bori e ebós e, para espanto dos iniciados no Candomblé ketu/nagô, fotografias até dos igbás e assentamentos de seus orixás, incluindo o arô de sua casa, ou seja, o assentamento que marca o importante fundamento de sacralização do solo na tradição ketu/nagô no Brasil. No terreiro, o arô (enquanto assentamento) tornou-se uma cosmolocalidade que liga a ancestralidade da antiga nação de Ketu na Nigéria aos terreiros no Brasil. O assentamento arô é a forma significada e hierofânica da dinastia dos Arô, cujo fundador, do segmento dos odés, ou seja, dos caçadores, fora representado no Brasil pelo orixá Oxóssi, também conhecido por Alaketu (senhor de Ketu), um Exu orixá que teria indicado à Oxóssi o lugar que este deveria fundar a cidade de Ketu na Nigéria (BARRETI FILHO, 2010; SILVEIRA, 2006). Daí a importância da boa escolha do local (especialmente do solo) e de esse ser validado pelos orixás, segundo as indicações do jogo de búzios, posto que é a terra, o chão, que vai estabelecer a primeira ligação com os ancestrais e os Orixás, pois será o lugar escolhido para ser sua morada (COSSARD, 54 Neste e no próximo capítulo aparecerão palavras que, por motivos fonéticos, não encontram adaptação na escrita do português brasileiro. Para essas exceções usaremos o itálico, para as demais formas do yorubá, conforme nota explicativa na introdução deste trabalho, dispensaremos esse destaque. 148

151 2008, p.186). E prossegue a autora sobre o que diz respeito ao espaço e paisagem ideal para a abertura de um terreiro, além de sua localização em referência aos espaços profanos e limites urbanos, Depois de escolhido, o espaço deve ser bem delimitado, separando-se os locais que devem ser sacralizados dos arredores profanos. O mais conveniente é que o terreiro se localize na periferia das cidades, onde ainda exista vegetação, árvores e ervas, para fornecer os elementos naturais indispensáveis aos rituais [...] Geralmente, os terreiros se situam em lugares isolados (idem, p.187) Vale ressaltar que essa indicação é uma nova releitura sobre a localização territorial dos terreiros contemporâneos, no qual os adensamentos urbanos e suas disposições estão agora longe da (necessária) vegetação e paisagem acima citada, posto que já não atendem mais aos imperativos das cosmolocalidades históricas presentes tanto na África Ocidental como nos terreiros históricos no Brasil. Hoje, o que se observa em termos de disposição das paisagens dos ilês é os denominados terreiros cimentados. Sobre tal fato Verger (2002, p ) comenta que na Bahia, no início do século os terreiros dedicados aos cultos dos orixás eram frequentemente instalados longe do centro da cidade e, conclui afirmando que com o crescimento e a extensão pelos novos bairros, eles progressivamente encontraram-se incluídos na zona urbana. Retomando a estrutura básica de um terreiro e suas cosmolocalidades foi Verger (2002, p. 71) um dos primeiros a registrar a formação dos edifícios que o compõe, esses terreiros são geralmente compostos de uma construção, denominada barracão, com grande sala para as danças e cerimônias públicas, de uma série de casas destinadas à residência das pessoas que fazem parte do Candomblé E é a partir dessa estrutura básica, que passo a detalhar as várias cosmolocalidades e suas hierofanias encontradas nos três ilês axés pesquisados. Vale ressaltar que há locais comuns e outros díspares ou diversificados, às quais apresento aqui, em um esforço de sistematização por 149

152 meio de quadros (quadro 01). As informações contidas nesses quadros são também representadas nas figuras 13, 14 e 15. Assim, conforme pode ser observado tanto no quadro quanto nas plantas-baixas, os assentamentos de Exu e Ogum sempre se encontram na entrada do Terreiro, e é necessário a fixação do poste central (chamado intotô) dentro do barracão (peji) para demarcar o local em que está plantado o axé (energia) da Casa. E, ainda, dentro do barracão, observa-se a territorialidade dos atabaques, do rundeme (quarto de recolhimento do neófito), dentre outros. No que tange as particularidades nota-se que em uma relação de ancestralidade algumas Casas territorializam os assentamentos das Iyá Mi Oxorongá (mães ancestrais), bem como os assentamentos de Babá Egum. Ademais, tem-se a presença dos jardins sagrados, a própria morada do orixá Ossaim 55. Os territórios são plurais em um ilê axé. Esses são determinados segundo as obrigações, as oferendas, a senioridade. Esse local é demarcado por vários assentamentos de orixás. Para obedecer a hierocracia cosmogônica do Candomblé, o território é ordenado pela distribuição dos ofícios que exclusivamente obedecem ao princípio de senioridade (yalorixá ou babalorixá, yalaxé, yakekere, egbomis, equedes, ogãs, iawôs e abiãs) 56 e de gênero. Estruturalmente, apresentam um salão apropriado, específico à prática do culto, em que se encontram instalados alguns dos principais assentamentos. Observa-se, ainda, o local dos atabaques, a cozinha, o rundeme e outras instalações que se traduzem em territórios sacralizados. 55 As plantas-baixas são apresentadas nesta tese de forma sequenciada, atendendo os propósitos de se promover observações dos espaços sagrados e dos símbolos territoriais registrados em cada egbé pesquisado. 56 Esses termos designam as posições hierocráticas que diretamente relaciona com o tempo de iniciação, número de adeptos raspados e o cumprimento de obrigações necessárias para transpor os estágios no Candomblé. 150

153 * A construção do presente quadro etnográficos e em especial, nos conteúdos indicativos, só foi possível com a generosa contribuição do Babalorixá Marcos D Avila ti Oxalá e da profa. Eliesse Scaramal QUADRO 01- COSMOLOCALIDADES COMUNS AOS ILÊ AXÉS * Localização/ Edifício Cosmolocalidade Observação Exu Entrada esquerda/ Casa Guarda e proteção do Ilê. Despacho espaço aberto. Encruzilhadas temporais e espaciais. Delimitação do território profano (rua) e sagrado (ilê) Ogum Entrada direita / Casa ou assentamento aberto Barracão (Xangô) Guarda e proteção de caminhos do Egbé. Caminhos e fluxos dinâmicos lineares do Ilê. A localização da casa de Ogum pode se alterar. Nesse sentido, não necessariamente se postará na entrada do Barracão. Área central do Terreno Local de realização das festas (xirês), residências dos Atabaques (Rum, Rumpi e Lé) - Planta do Inxé e do Intôto (hastes e postes que guardam fundamentos da Casa), entrada e saída para o Sabagí e segunda entrada principal. O Barracão ou Salão de festas é uma cosmolocalidade de Domínio de Xangô, o Senhor do Palácio, o Alafim de Oyó. Dentro do Barracão existe, igualmente, um assentamento importante de um tipo especial de Exu, de nome Akesã, o qual só aceita culto direto e unicamente dos homens. Sabagi Quarto adjacente ao Barracão Rundeme (ou Ronkó) Cozinha de Santo (Oxum) Ibó Orixá Jardim ou mata dos orixás (Ossaim) Quarto adjacente ou contíguo ao Barracão e ao Sabagi Cômodo adjacente ou próximo ao Barracão Adjacências externas ao Barracão Oxalá Quarto interno contíguo ao Barracão Yemanjá Casa própria ou Casa de Oxalá Oyá/Iansã Casa ou área externa bambuzais Local de recolhimento de Yawós, troca de roupas de Santos em dias de festas. Nesse local realizam-se muitos rituais que envolvem a iniciação do yawô. Local sagrado em que o yawô fica recolhido por sete dias. Domínio de Oxalá, pai da criação e de Oxum, o orixá feminino responsável pela iniciação de homens e mulheres. Local reservado para o preparo de alimentos rituais sejam comidas secas (cereais, frutas, etc) ou molhadas (animais). Seu domínio é reservado ao Orixá Oxum, senhora das iguarias e dos condimentos. Uma reserva especial de interditos de alimentos é feita quando de obrigações ritualísticas ao Orixá Oxalá, quando é proibido, de forma absoluta, o sal, o dendê e o café. Todo o preparo dos alimentos desse Orixá deve ser feito em silêncio absoluto. Local de domínio do Orixá (Vodum) Ossaim, onde são dispostas ervas e árvores sagradas de todos os orixás. Atualmente, nos denominados Terreiros cimentados é o local que substitui o antigo Ibó Orixá (Jardim Orixá). Uma cosmolocalidade fora do terreiro e que foi transposta de forma mediada para o ilê conhecido por ibó iku. Pela dificuldade de se ir à matas (ibó iku ou jardim dos mortos) para determinados rituais que antecedem à iniciação, nos dias atuais se faz no âmbito do ilê axé e, por meio de um cenário representativo do que se concebia como ibó iku, posteriormente, aos rituais de limpeza, todos os elementos usados são despachados na mata. Os assentamentos de Oxalá, por ser o pai da criação, de todos os humanos e de todos os orixás, são próximos ao rundeme em um local bastante reservado, interno e privilegiado. Yemanjá é a senhora dos mares e seu pai Olocum o senhor dos oceanos. Os elementos sob seus domínios, tais como búzios, conchas, areia, água salgada são transportados para os ildes axé e compõem, praticamente, quase todos os assentamentos. Yemanjá é também denominada de Yá Ori, ou seja, a senhora das cabeças. Nesse sentido, os Ibá Oris, ou seja, os vasilhames onde são guardados os assentamentos das cerimônias de Boris, acompanham esse orixá. Oyá/Yansã por ser um orixá feminino que domina os ventos e tempestades é cultuada especialmente em bambuzais. Oyá/Yansã é igualmente responsável pelo transporte dos eguns (espírito dos mortos) e, nesse sentido, é igualmente cultuada em cemitérios. Porém, como esse é um interdito que fere um dos princípios cosmogônicos da tradição Ketu/nagô, ou seja, à abjeção à morte, essa cosmolocalidade é referenciada fora dos candomblés. Os assentamentos de Oyá/Iansã devem ficar guardados em casas que devem estar especialmente separada de seu marido Xangô, posto que um dos alimentos preferidos de seu esposo é o carneiro e Oyá/ não suporta esse animal. Eguns Quarto externo Cosmolocalidade destinada ao assentamento e culto aos ancestrais. A esse espaço somente os homens com cargos ou responsabilidades para esses cultos, denominados Babáeguns é permitida a entrada. Exceção a essa regra é feita às yalorixás responsável por seus próprios terreiros. Oxum/Logunedé Casas, fontes e/ou riachos Os assentamentos, tanto de Oxum quanto de Logunedé, são guardados em casas especiais. Para além disso, nos terreiros encontram-se, mormente, um poço, uma fonte quando não um riacho onde esses orixás também são cultuados. A fonte de Oxum faz-se primordial para uma das importantes festas que se tem nos terreiros no início/fechamento de um ciclo de festas: As águas de Oxalá. É nessa fonte que se busca as águas para o abastecimento das quartinhas, em um ritual que dura em torno de três semanas. Xangô Casas e/ou pedreiras Nos ilês Axés, as cosmolocalidades do domínio de Xangô ocorrem entre os assentamentos ao ar livre, em pedreiras elevadas artificialmente ou em ocasiões especiais, em épocas da Festa denominada Fogueira de Xangô ou de Airá. Seus assentamentos podem também ficar em casas, sempre separadas de sua esposa Oyá/Iansã. Isso se deve por Xangô consumir carneiro e esse ser um interdito de Oyá. O barracão é também uma área de domínio de Xangô. O oxê de Xangô, um marchado de dois cortes fica disposto na parede frontal da entrada do barracão. Outro elemento simbólico de Xangô ou Ayrá é a chave, elemento que representa o Alafin, ou seja o senhor da cidade ou do palácio. Yamís Casas ou árvores da Jaqueira ou Cajazeira O culto das senhoras mães ancestrais, que pode ser realizado somente por mulheres. Seus assentamentos podem ficar em casas, porém essas devem ser próximas à uma das arvores de jaqueira ou cajazeira. Omolu Casa e Área externa O Orixá (Vodum) Omolu tem seus assentamentos em casas e é, igualmente cultuado em uma festa coletiva denominada Olubajé. Essa festa é realizada em área externa, ao ar livre. Oxossi/Odé Fundamento da Casa, Ar livre, Casa de Ogum Os elementos da cosmolocalidade de Oxossi, por ser o dono do Chão da tradição de Ketu é fundante no momento de plantar a casa. Porém, os demais assentamentos de Oxossi podem ficar ou em casas próprias ou em ambientes externos. Mas também presentes junto à casa de Ogum, seu irmão gêmeo e inseparável. Usualmente o Sabagi é reservado, em dias não-festivos é usado para jogos de Búzios em atendimento à clientes e pessoas do egbé. A cozinha é uma área de domínio eminentemente feminino. A responsável leva o título de Yabassê. Seu fluxo é altamente controlado, especialmente as tarefas por gênero. Em comum a todos os Ibó Orixá, ou jardins nos ilês axés de tradição ketu/nagô no Brasil há a árvore orixá Iroco (gameleira branca) e igualmente o Peregum, árvore indispensável à iniciação de yawós Esse padrão foi observado em todos os três ilês axés em estudo.. Em dois desses terreiros, Yemanjá, a segunda esposa de oxalá mora com esse orixá, ou seja, seus assentamentos estão presentes na casa de Oxalá. Porém, por ser a Yá Ori, em todo Ilê Axé é praticamente obrigatório ter assentamentos de Yemanjá. Caso não se tenha fonte (ainda que artificial) ou riachos, os ilês Axés buscam furar um poço (ou cisterna) para que possam dali retirar as águas sagradas para fins rituais específicos. O sistema básico de abastecimento de água, fornecido pelo estado ou prefeitura geralmente é destinado para as funções outras na casa.

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157 O processo de elaboração desses cartogramas constitui-se como um momento primordial no conjunto dos procedimentos metodológicos, uma vez que esse vislumbra a identificação espacial das comunidades religiosas. Além disso ele facilita a compreensão dos ambientes que compõem os valores do sistema do Candomblé. Essas representações gráficas garantiram interpretações das disposições espaciais inerentes aos elementos que compõem as cosmogonias da religião discutida na tese. Com essa representação dos espaços sagrados e civis de um ilê axé é possível identificar os elementos e as particularidades inerentes a cada casa, seguindo um dito comum entre os candomblecistas de que cada terreiro faz o seu próprio Candomblé. Esse conjunto de representação atende ao objetivo de oportunizar um nível de detalhamento visual das particularidades dos Ilê axés. Diante da necessidade de organização dos espaços e respeitando a organização do ilê, alguns problemas sugiram com a adoção desse procedimento de elaboração de plantas-baixas. O procedimento relaciona-se diretamente com a dinamicidade espacial dos terreiros, uma vez que a plantabaixa é um instrumento estático de representação e as Casas estão sempre se renovando, adequando-se e inserindo novos elementos de ordem religiosa ou não-religiosa, questões discutidas no estudo. Para o esclarecimento dessa situação cita-se a organização dos assentamentos de orixás que em determinadas Casas não existiam e foram incorporados posteriormente à inserção de novos elementos sagrados; a reorganização da infraestrutura que implica em constantes readequações do espaço físico (construção de quartos, banheiros, dentre outros). Assim, é importante considerar que as representações em plantas-baixas necessitam de um movimento de atualização. Essas mudanças no espaço promovem impactos na vivência dos sujeitos pertencentes ao culto e na realização do próprio culto, assim, é possível entender que o Candomblé modifica o espaço e é por ele modificado. A seguir o desenvolvimento do estudo pelos métodos da geoetnografia, na análise das festividades candomblecistas que são inerentes 155

158 e indissociáveis desta religião, tornaram-se essenciais para essa tese. As festas do Candomblé são aberturas públicas de participação e de conhecimento do sistema religioso, além de promoverem as articulações entre as casas. Assim, a festa no Candomblé goiano é uma dessas ricas possibilidades de análise do tema central desta pesquisa Narrativas das festas do Candomblé As festas do Candomblé articulam a rede territorial dessa religião promovendo disputas de ordem simbólica (o poder da casa, do líder e do axé), política (interação e disputa entre os lideres, filhos e clientes) e social. Não existe Candomblé sem festas. Elas são inerentes, indissociáveis da religião. Elas representam o momento em que essa religião se abre para o público possibilitando ao não praticante da religião a sua inserção neste espaço. As festas oportunizam aos sujeitos praticantes, aos visitantes, aos pais e mães de santo de diferentes Terreiros locais, regionais e nacionais e do exterior, a possibilidade de conhecerem o espaço sagrado e os sujeitos que ele comporta. Além de promover um conhecimento de práticas pouco propaladas no cotidiano. As festas foram visitadas durante o ciclo oficial de cada terreiro mencionado. Durante as visitas, procedimentos de campo que compõem a geoetnografia foram aplicados como métodos de pesquisa. Esses são os roteiros de observação e análise da cultura em estudo. O conjunto metodológico se apresenta como uma teia de significados que prima por uma sistematização de elementos de forma qualitativa por meio de fontes audiográficas e fotográficas. Esses procedimentos foram aplicados durante a observação dos momentos pré, durante e pós xirê. Outro procedimento metodológico importante se revela durante as visitas nas festas trata-se da aplicação da fotografia. Para Martins (2008) a fotografia, na perspectiva sociológica ou antropológica, sabemos, não esgota suas funções cognitivas nos temas cuja 156

159 visualização permite. Por trás da fotografia, mesmo aquela com intenção documental, ha uma perspectiva do fotógrafo, um modo de ver que está referido a situações e significados que não são diretamente próprios daquilo que é fotografado e daqueles que são fotografados. Mas referido a própria e peculiar inserção do fotógrafo no mundo social. (MARTINS, 2008, p.63-64). Nesse estudo, vislumbra-se um trabalho realizado com imagens em que se busca capturar as práticas cotidianas das vivências no ilê axé, bem como os elementos que compõem as ritualísticas candomblecistas. A partir de tais considerações, o procedimento fotográfico garantiu a captura de imagens que auxiliaram para o reconhecimento de alguns elementos sagrados que compõem a religião e no conhecimento das atividades praticadas e vivenciadas no terreiro por praticantes e/ou por outros sujeitos participantes. Para tanto, o espaço da festa candomblecista, o xirê, foi o locus privilegiado de investigação. A observação participante para apreensão do conjunto explicativo das festas candomblecistas foi realizada em dias com e sem obrigações ritualísticas e nos dias de festas. No contexto candomblecista registra-se que todo ilê axé cumpre um ciclo festivo anual composto por festas que, por obrigação, devem ser realizadas uma vez que fazem parte da sua identidade religiosa. Outras ocorrem atendendo à dinâmica interna de cada Casa, como é o caso das festas que demarcam o tempo de iniciação do praticante. O interesse em discutir a festa no Candomblé surge a partir de reflexões que consideram o momento festivo como algo elementar na experiência humana, agregador da multiplicidade cultural, expoente de relações sócio-culturais, históricas, que exprimem um modo de ver e sentir o mundo. Pensa-se a partir da perspectiva de que a festa é capaz de criar e recriar os campos de sentido individual e coletivo, bem como uma organização social capaz de influenciar as relações cotidianas. O momento das festividades contém a dimensão religiosa e social, para os que são iniciados e adeptos da religião, bem como para as demais pessoas que têm o interesse de adentrar o Terreiro. Ela oportuniza o encontro em diferenciadas instâncias, permitindo o exercício da alteridade. Essas promovem o encontro entre diversos eus : o candomblecista com 157

160 candomblecista, entre estes e os visitantes, e os visitantes entre si. Ademais, em uma relação transcendental e metafísica (para este contexto religioso), experiencia-se a manifestação das energias dos orixás, em momentos de transe. São acrescidas às relações de alteridade questões que perpassam pelas reflexões acerca das afirmações identitárias e territoriais. Neste contexto emergem as afirmações relacionadas ao gênero, à sexualidade e à própria condição de ser candomblecista. Para essa abordagem recorre-se aos estudos geográficos apresentados por Claval (2004), Cosgrove (1998) que corroboram o entendimento de que as festas relacionam-se ao território de identidade ou que a própria composição religiosa atribui uma identidade cultural, logo, territorial. Em referência aos autores supracitados Almeida (2011) menciona que os enraizamentos culturais estão impregnados de signos e referentes geográficos. Em Haesbaert (2004) e Almeida (2011), busca-se o conceito de território no sentido de evidenciar que essa categoria engloba dimensões plurais, sentidas nos âmbitos das relações materiais e espaciais, bem como no campo das dimensões socioculturais. As relações socioculturais manifestadas no território contribuem para formação de representações sobre a cultura numa perspectiva simbólica, a qual perpassa a construção de um imaginário geográfico. Estabelecido este imaginário geográfico organizam-se as materializações espaciais para a ocorrência das representações sócio-culturais coletivas e individuais. Individualmente essas relações podem ser analisadas à luz das considerações de Hall (1997) no que se refere à identidade cultural no contexto Pós-Moderno. O autor nos informa que [...] dentro de nós há identidades contraditórias empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. Se sentimos que temos uma identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda estória sobre nós mesmos ou uma confortadora narrativa do eu. A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. (HALL, 1997, p.13). 158

161 Considera-se, então, que as questões identitárias perpassam por um eterno conflito que é favorecido, ou desfavorecido, no tempo histórico. Aprofundando as reflexões acerca da identidade e relacionando-as ao território candomblecista, infere-se que a fragmentação do indivíduo e a diluição das identidades, fenômenos da pós-modernidade, garantem que no ilê axé, diversos sujeitos (que não herdaram tradicionalmente a cultura advinda do continente africano) frequentem, habitem e partilhem de uma mesma vivência religiosa. Sujeitos sociais, nascidos no seio do cristianismo encontram brechas e justificativas no mundo pós-moderno para adentrar este espaço. Mesmo que não estejam cientes dessa abertura, enquanto fruto da pós-modernidade, eles são afetados por ela quando os portões do Terreiro se abrem para que eles manifestem os seus desejos como indivíduos e não mais enquanto parte de uma estrutura solidificada. Assim, várias representações identitárias ligam-se diretamente aos sentimentos de pertença e numa relação diametralmente oposta se materializam. Retomando as festas de Candomblé, elas formam espaços de expressões de identidades descentradas, transitórias e negociadas. Nesses espaços de festas os indivíduos elaboram as tessituras das formas de organização do território e suas formas de se organizarem nele. Almeida (2003, p. 108) enfatiza que dessas ordens emerge outro sentido de território, aquele de [...] objeto de operações simbólicas e é nele que os atores projetam suas concepções de mundo. O xirê promove uma imbricada relação espaço-temporal em que as identidades emergem num contexto constante de moldagem e remoldagem, definição e redefinição. As identidades surgem de forma híbrida, contrariando os princípios de identidade homogênea. Essas sensibilidades e transformações são trazidas metodologicamente para o campo da geoetnografia. É no contexto da festa que o Candomblé surge como território articulador das formas heterogêneas que singularizam a religião, ou seja: ali se forma um território identitário cultural dos distintos sujeitos sociais, que dela participam direta ou indiretamente. Para formação desse território identitário sugere-se ainda, o 159

162 entendimento de Almeida (2003) de que a identidade quando reforçada pela naturalidade, aqui pelo sagrado, é constituída pela autodenominação e pela alteridade. As condições dessa identidade organizam-se por um modo de vida candomblecista dado interna e externamente ao Terreiro, que em muito se extrapola na vida cotidiana, o que permite a renovação de traços culturais de uma identidade territorial específica (idem, p.80). Com o acompanhamento da pesquisa em campo verificou-se que o xirê é o momento organizado para que os orixás desçam à Terra para celebrarem a vida junto aos seus filhos. Esta é a ocasião em que a festa se desvela publicamente. É ao toque dos atabaques (rum, rumpí e lê) que se estabelece a ligação entre o orum (morada dos orixás) e o ayê (a terra). Para tanto, a mãe ou o pai de santo utilizam-se de um instrumento chamado adjá (espécie de chocalho de cabo longo) para provocar a chegada dos orixás. As imagens contidas na figura 16 demonstram esses momentos e elementos simbólicos. Os orixás são energias da natureza. Ligam-se aos ventos, às águas salgada, doces e insalubres, ao fogo, às matas, às ervas sagradas, entre outros. Porém, estes assumem no imaginário social formas humanas, materializadas em seus princípios femininos e masculinos. Assim, por exemplo, a orixá Oxum é concebida como a deidade das águas doces, dona do amor, patronesse da fertilidade, é personificada numa mulher com seios fartos e possuidora de docilidade. Já o orixá Oxossi é concebido como o dono das matas, o caçador, aquele que torna possível que o alimento esteja à mesa, ele é representado por um homem forte e viril. Segundo dados obtidos tanto em campo, com os informantes nas Casas, quanto na literatura especializada, pode-se inferir que o xirê sempre se inicia com o padê (despacho) para Exu, orixá que na mitologia yorubana está mais próximo dos seres humanos, podendo levar seus pedidos para os demais orixás, ademais é um pedido de licença para que tudo ocorra bem, e se finaliza com cantigas para Oxalá. Nesse dentre esses dois momentos, se toca e se dança para os outros orixás do panteão africano, sendo eles: Ogum, Oxossi, Omolu, Ossaim, Oxumarê, Xangô, Logun Edé, Iansã, Obá, Nanã e Iemanjá. 160

163 (2006, p.57) A festa no Candomblé, na perspectiva da antropóloga Rita Amaral, 161

164 (...) é uma das mais expressivas instituições dessa religião e sua visão de mundo, pois é nela que se realiza, de modo paroxístico, toda a diversidade dos papéis, dos graus de poder e conhecimento a eles relacionados (...) Nela não encontramos apenas fiéis envolvidos na louvação aos deuses; muitas outras coisas acontecem na festa. Nela andam juntos a religião, a política, a economia, o prazer, o lazer, a estética, etc. Nessa concepção o espaço religioso do Candomblé extrapola a dimensão puramente sagrada e abarca, de modo universal, a sociabilidade para esse autor a vivência é privilegiada pelo entendimento de que: a vivência humana, sem negar o espaço sagrado, a vivência e a experiência. Ao contrário da religião e da festa é tão intensa que acaba marcando de modo profundo o gosto e a vida cotidiana do povo-de-santo. A religião passa a se confundir com a própria festa (idem, p 60). A chegada das deidades africanas no plano material dá sentido ao lugar preparado para suas manifestações, o xirê. Este passa, então, a ser um espaço mítico, propiciador de momentos de adorações e saudações que ligam o indivíduo praticante ao ser evemerizado. Para o entendimento deste espaço pode-se recorrer às inferências de Tuan (1983) sobre o espaço mítico, quando o autor observa que o espaço mítico é um construto intelectual. Pode ser muito sofisticado. O espaço mítico é uma resposta do sentimento e da imaginação às necessidades humanas fundamentais (p. 112). Ainda sobre a organização do xirê, Amaral (2005, p.51) descreve que, Desde a entrada da roda-de-santo no barracão, portanto, todos os papéis religiosos são vividos intensamente, numa atuação sincrônica, cujos elementos ordenadores são dados pelo Xirê [...] Assim que o orixá vira, outros papéis são acionados: a equede deve acompanhá-lo, vesti-lo, secar-lhe o suor do rosto e dançar com ele, a mãe ou o pai de santo que devem receber a reverência do orixá, os alabês que devem saber o quê e de que modo deve ser tocado para aquele orixá. A descrição desta ritualística revela a existência de uma identidade que se liga ao conjunto de experiências do praticante com sua religião, que o torna 162

165 candomblecista, além de evidenciar papéis exercidos por ele em funções designadas à prática do Candomblé. A vivência é condição sine qua non para a construção da identidade candomblecista. Identidade essa construída por uma teia de significados para os praticantes e adeptos, que mesmo cumprindo seus rituais individualmente, seguem uma lógica coletiva. Como instituição religiosa, o culto candomblecista atua diretamente na definição de papéis. Na concepção de Castells, (1999, p. 23) os papéis são definidos por normas estruturadas pelas instituições e organizações da sociedade. A importância relativa desses papéis no ato de influenciar no comportamento das pessoas depende de negociações e acordos entre os indivíduos e estas instituições e organizações. O Candomblé se caracteriza por uma densa organização hierocrática, visivelmente estabelecida pelos papéis desempenhados pelos iniciados. Para ampliar esse entendimento retoma-se a organização do xirê. A festa obedece às seguintes posições hierocráticas: os iniciados adentram o barracão compondo uma roda ordenada, sempre se iniciando pelo mais velho, pai/mãe de santo, entremeada pelos egbomis, equedes (mulheres que não entram em transe e que seu papel é auxiliar os orixás) e sendo finalizadas pelos(as) iawôs (praticantes com menos de sete anos de iniciação, alguns são responsáveis por atividades de manutenção dos assentamentos, arrumação do barracão e das roupas, confecções dos adereços, dentre outros) e abiãs (pessoas não iniciadas que participam do culto e de algumas funções na Casa). Para ilustrar a participação e os papéis de alguns iniciados, a figura 17 retrata cenas das atividades exercidas nos Egbés. O xirê ainda articula outros papéis além do sagrado na tessitura social. Tal posicionamento permite recorrer às idéias de Almeida (2011) ancoradas na concepção de Piette quando ressalta que, a festa se inscreve em vários interstícios. Primeiramente, em um interstício de sentido social, entre o significado e o significante de um fenômeno distinguido pelos contentamentos 163

166 164

167 que mascaram sua significação original como a natureza profunda da sociedade que o produz. Segundo, a festa imprime, também, um interstício específico e original no espaço-tempo do sistema social. Durante a festa os comportamentos humanos realizam inversões, adquirindo uma tessitura particular que, sem ser semelhantes àqueles da vida quotidiana, criam uma ruptura forçosa com aqueles comportamentos (PIETTE, 1988 apud ALMEIDA, 2011, S/P.). A possibilidade de inversão social promovida pela festa candomblecista é discutida pela geógrafa Aureanice de Mello Corrêa (2005) e pela antropóloga Rita Amaral (2005). Estas ressaltam essa característica ao observarem que os iniciados, quando manifestam seu orixá em transe, saem de sua condição humana e social e passam a ser um deus, visto que, por meio de si, baila uma divindade. No cotidiano do ilê esta inversão é vivenciada nas relações de poder que são estabelecidas obedecendo a um sentido hierocrático. Neste, o que vale não é a condição social do iniciado e sim o seu tempo de iniciação e as obrigações que já foram pagas. Outro aspecto que se infere ao xirê é a sua característica pública e publicizada. Nesse momento o Candomblé encontra a sua principal via de renovação porque é exatamente ali que é despertado o interesse dos futuros iniciantes no culto. Desta feita, o Candomblé não assume diretamente um caráter proselitista, mas seduz o observador, provocando o desejo de conhecer melhor sua realidade religiosa, seja ao fazer um jogo de búzios ou realizar limpezas espirituais, como, por exemplo, os ebós. A organização do xirê evoca a articulação de uma rede basilada em um mercado de bens simbólicos especializado, ou seja, os elementos necessários à ritualística, como os animais que serão oferecidos aos orixás, os adereços para a composição das paramentas e os utensílios que comportam as oferendas (Figura 18). Percebe-se então a rede de relações que a festa do Candomblé estabelece quando esta é analisada na formação de territorialidades. Há também o aspecto que vislumbra uma interposição de relações de domínio e liderança, sendo esta diretamente relacionada à questão de gênero. Observo que há no estado de Goiás, notadamente, uma forte liderança por parte dos homossexuais. 165

168 166

169 Estes encontram no Candomblé uma abertura para o exercício da religiosidade, e em virtude de uma adesão profícua adquirem elevada posição de poder, em virtude do sério exercício de senioridade que a religião requer (PRANDI, 1996). Este fato pode ser observado na configuração hierocrática que o Candomblé goiano vem assumindo nas últimas duas décadas ao incorporar como líderes um significativo número de partícipes de orientação homossexual. O segmento homossexual passa a ter garantia de autoafirmação em termos de orientação e inserção social/política, além de respeito junto a uma rede significativa de seguidores que obedecem a seus zeladores em decorrência do domínio exercido pelo cargo de babalorixá ou yalorixá formado por um sistema autocrático (Mapa 04). Durante o levantamento de campo essa questão de mudança no que se refere ao segmento de liderança em termos de flexão de gênero, obteve-se junto à líder Tereza ti Omolu, alguns dados para análise. Para corroborar essas afirmações recorreu-se aos dados obtidos, extraordinariamente, nos registros de iniciação organizados pela yalorixá Teresa ti Omolu líder do Ilê Axé Onilewá Azanadô. A referida líder iniciou seu egbé, conforme já mencionado, em 1981, ao cumprir a feitura de sua primeira filha de santo. Até fins da década de 1980, houve a predominância da iniciação de mulheres. Do total de 18 iniciados, 12 (67%) são do sexo feminino (gráfico 02). Gráfico 02 - Iawôs Iniciados no Ilê Axé Onilewá Azanadô- Década de % Feminino 67% Masculino Fonte: Dados do Projeto Mães de Santo. CieAA/2011 Total de iniciados: 18 pessoas 167

170 Projeção Universal Transversa de Mercator Fuso 22- Hemisferio Sul ESCALA Rodovia Estadual Rua e Avenidas Rodovia Federal Não Declarado Feminino Masculino LEGENDA FONTE: Secretaria de Planejamento de Goiás CARTOGRAFIA DIGITAL: Rodolfo F. Alves Pena / Jailson S. de Sousa BASE CARTOGRÁFICA: Loçandra Borges de Moraes ORGANIZAÇÃO: Mary Anne Vieira Silva MAPA 04 - COMUNIDADES DE TERREIRO EM GOIÂNIA: LIDERANÇAS RELIGIOSAS POR GÊNERO

171 Com base nessa fonte, na década de 2000 os números de inserção elevaram-se revelando que a iniciação masculina ultrapassou a feminina. Dos 76 iniciados, 43 (57%) são do sexo masculino (gráfico 03). Gráfico 03 - Iawôs Iniciados no Ilê Axé Onilewá Azanadô- Década de % 57% Masculino Feminino Fontes: Dados do Projeto Mães de Santo. CieAA/2011. Total de iniciados: 76 pessoas Na década de 2000 ocorre um crescimento de adeptos e abertura de Casas promovendo redefinições na ordem territorial relacionada com as questões referentes às desinências de gênero. Dentre as questões discutidas outra reflexão importante emerge: a da sucessão da direção da casa. Esta se coloca justamente como um dos pontos polêmicos do Candomblé. Percebe-se que localmente a supremacia de iniciados é masculina. Esse domínio abre possibilidades de outros estudos que façam inferências ao debate sobre gênero, uma vez que essa religião se origina no Brasil relacionada diretamente à mulher a Mãe de Santo. No caso do Ilê Azanadô, liderado por Tereza ti Omolu, assim como no ilê Gbem balé de mãe Jane ti Omolu, a sucessão dessas casas será transferida para o filho e o neto biológicos respectivamente. Para entender o que isso significa é necessário conhecer as opiniões sobre o que as referidas Mães pensam em relação à participação do homem na religião e é certo que nem sempre se tem a coerência entre discurso e prática. 169

172 Em ambos os casos os discursos favorecem a mulher candomblecista ressaltando a sua capacidade geradora materializada no útero feminino dizendo: como um homem pode gerar se ele não tem útero?, entretanto sua prática favorecerá ao homem. Por quê? Quais são as questões intrínsecas a isso? Essa questão abre a possibilidade de novas investiduras teóricas para de estudo do Candomblé em Goiás. Retomando a discussão das festas, em termos territoriais, estas promovem um ambiente diverso, uma vez que possibilitam ajustes sociais, laços de solidariedades, disputas por espaço, legitimidade e inversão social. A festa em seu processo de organização e realização aciona vetores midiáticos, políticos e místicos que promovem dinâmicas plurais e dissonantes. O Candomblé se compõe por um conjunto festivo que envolve festejos fixos e obrigatórios, em um entendimento de uma composição de um calendário universalizado, além das festas intrínsecas às realidades específicas de cada Ilê. Isto posto, adiciona-se as festividades fixas às festas de obrigação dos iniciados (marcos temporais que legitimam a ascendência do candomblecista na hierocracia da religião), bem como os festejos de aniversário do orixá da Casa e dos líderes religiosos. No que tange a existência e a organização desse calendário festivo, o assunto será tratado na próxima seção Calendário Festivo do Candomblé As festas que compõem o calendário fixo e universalizado do Candomblé são cinco, a saber: Padê de Exu, Feijoada de Ogum, Fogueira de Xangô, Olubajé e Águas de Oxalá. Estas estão colocadas de forma ordenada, entretanto não obedecem a fixidez de um calendário estático e relacionado ao tempo ocidentalizado. Todavia, não será realizada, por exemplo, a Fogueira de Xangô sem que antes tenha se cumprido a Feijoada de Ogum. Nesta disposição apresenta-se um esquema representativo para esse ciclo festivo candomblecista (figura 19). 170

173 Figura 19. Ciclo festivo do Candomblé. Org: VIEIRA SILVA, M.A Para um entendimento dos significados míticos desses festejos apresenta-se uma breve sinopse referente a cada uma dessas festas. Estas foram organizadas por meio de uma pesquisa realizada nos livros Igbadu a Cabaça da Existência (2006), de Adilson de Oxalá, Mitologia dos Orixás (2001), do sociólogo Reginaldo Prandi e Terra Céu e Aruanda (1994) do romancista Rodolfo Mota Rezende, bem como as narrativas dos informantes da pesquisa, a saber: babalorixá Marcos D Ávila ti Oxalá e as yalorixás Jane ti Omolu, Teresa ti Omolu e Maria Luisa ti Oxum. 171

174 3.3.1 Padê de Exu Exu, conforme já descrito no quadro das cosmolocalidades, é o mensageiro dos orixás e também guarda e protege a casa. Dada sua importância, este orixá tem uma ritualística própria a ser realizada antes das festas no Candomblé. No romance brasileiro Terra, Céu e Aruanda, escrito por Rodolfo Rezende Mota (1994, p.42), encontra-se a precisa referência a Exu: Exu mensageiro, Exu recadeiro, Exu intrigante. Sempre levando e trazendo recados entre orixás e humanos. Amado, temido, e necessário. Os orixás, muitas vezes, irritam-se com ele. Reconhecem, no entanto, sua importância. Sem Exu ficariam isolados. Melancólicas seriam suas vidas se dedicadas apenas à contemplação do eterno. Monótonas seriam suas existências, se afastassem das estripulias que recheiam as vidas dos terrenos. Eis aí algumas das razões para que antes de qualquer ritual no Candomblé seja Exu a ser o primeiro reverenciado: despacha-se Exu no intuito de que todos os pedidos sejam devidamente encaminhados. Despacha-se Exu com a finalidade de que os festejos ocorram de forma tranquila, sem brigas e desentendimentos. Contempla-se esse orixá para que seja estabelecida a ponte entre o orum e o ayê (Terra). Justamente por ser lembrado antes de qualquer ritual é a festa consagrada em sua homenagem que abre o ciclo festivo do Candomblé. Assim, Exu recebe os cumprimentos e menções de respeito em meio a danças, comidas e bebidas. Conforme a figura 20, o despacho no momento do barracão inicia-se com a dança em volta do poste central, depois os zeladores e os participantes dançarem e cantarem os orikis dessa ritualística, encaminham-se para a rua, quando ali depositam os elementos que finalizam o despacho final do Padê. Dessa forma, Laroiê Exu! 172

175 3.3.2 Feijoada de Ogum De ânimo exaltado e desafiador, transmitindo sua fúria para a ponta da espada, Ogum se faz orixá guerreiro e caçador. Dono do segredo do ferro: o forjador. Conta-se, em um itan, que Ogum confeccionou para Oxaguiã, o Orixá comedor de inhame pilado, instrumentos de ferro para melhoria e 173

176 intensificação das atividades agrícolas da cidade de Ejigbô. Assim, da forja de Ogum nasceram a pá, o enxadão, a enxada, a foice, o rastelo, o arado. Tornouse o patrono da agricultura e das artes manuais. Reinou em Irê e em vários corações. Orixá de muitos amores disputou com Xangô os encantos de Oyá, Obá e Oxum. Apesar de ter sido rei de Irê, fez das estradas sua verdadeira casa, estando sempre a caminhar. Desbravador, ele mantém o domínio dos caminhos sendo capaz de remover qualquer obstáculo, abençoar e guiar os viajantes. É a Feijoada de Ogum (figura 21) a festa que celebra a força deste orixá já descrito no quadro das cosmolocalidades. Nela tem-se a oportunidade de pedir sua proteção, abertura de caminhos, prosperidade. Do panteão yorubano vê-se, na Feijoada de Ogum, a presença de Iemanjá, Oxum, Oyá e Oxossi, seu irmão. Ogunhê, Patakori! 174

177 3.3.3 Fogueira de Xangô Raios, fogo e justiça. Estes são os principais domínios de Xangô, o orixá filho de Oraniã e quarto Alafim da cidade de Oyó. Os atributos de grande guerreiro também lhes são dedicados. Conquistou os corações de Obá e Oyá, mas foi por Oxum que verdadeiramente se encantou. Conquistou, também, a ira de Ogum em diversos momentos de desavenças e disputas. Na mitologia yorubana conta-se que disputaram amores e domínios territoriais. São antagonistas por excelência. Para Xangô se realiza a festa da fogueira. Nesta celebra-se o fogo selvagem, diferente daquele que forja os metais e transforma os alimentos crus em cozidos. Diante da fogueira é oportuno ao participante pedir a Xangô justiça e a resolução de demandas. Quando este orixá está em terra, no xirê, as pessoas presentes que conhecem a sua saudação exclamam na língua yorubá Kawòó Kabíyèesile!, isso significa: Meus cumprimentos à sua majestade! Durante a festa de Xangô é necessário a presença forte do fogo. Observa que nessa cerimônia ocorre a predominância de vestimentas brancas. Após a saudação do poste central, fixado no barracão, os visitantes levantamse, e os que dançam voltam-se para o centro, onde está erguido o referido poste central, conforme descreve Barros (2005). Durante rezas e cânticos dedicadas a Xangô aparecem alguns elementos importantes a este orixá, a saber: o pilão (instrumento que provoca muito barulho) e o xerê (instrumento que evoca o orixá). A roda de Xangô ou batá-de-xango começa com cânticos de saudações ao rei. Para o autor mencionado ressalta que a fogueira acesa informa ao Orixá do fogo que seus fiéis, em uníssono, relembrarão sua história, contarão seus feitos, inscritos na memória do povo de santo (Barros, 2005, p.110). Essa narrativa pode ser visualizada na figura

178 3.3.4 Olubajé Omolu é orixá da terra, dos mais profundos fundamentos. Conta-se em um itan que certa vez, quando a varíola assolava a Terra, Omolu para proteger os humanos e outros orixás, cavou rapidamente um buraco para resguardá-los e deitou-se por cima. Portanto, quando a varíola passou, ele foi o único a ser atingido. Algumas narrativas apontam que o conceito original dessa divindade se referia ao deus da varíola. Tal visão, porém, nos parece uma evidente limitação, pois a varíola não seria a única doença sob seu controle, foi considerada assim simplesmente por ser a epidemia mais devastadora e perigosa que conheciam o grupo étnico onde surgiu Omolu/Obaluayê: o Dahomé, hoje, Benin. Obaluayê quer dizer Rei e Senhor da terra. Sua veste é palha e esconde o segredo da vida e da morte. Sua vestimenta é feita de ikó, uma fibra de ráfia extraída do Igí-Ògòrò, elemento de grande significado ritualístico, principalmente em ritos ligados à morte e ao sobrenatural. Sua presença indica que algo deve ficar oculto. É composta de duas partes o filá e o azé. A primeira parte, a que cobre a cabeça, é uma espécie de capuz trançado de palha-da-costa, acrescido de palhas em toda sua volta, que passam da cintura. 176

179 O azé, segunda parte, seu asó-ìko (roupa de palha) é uma saia de palha-dacosta que vai até os pés em alguns casos, em outros, acima dos joelhos. Por baixo desta saia veste-se um xokotô, espécie de calça, também chamado cauçulú, em que se oculta o mistério da morte e do renascimento. Ao vestirse com ikó e cauris, revela sua importância e ligação com a morte (ikú). Na figura 23 é possível observar que a festa do Olubajé ocorre entre os espaços de dentro e de fora do peji. 177

180 O Olubajé é uma festa em comemoração ao orixá Omolu, que nas Casas tem a função de propiciar saúde para todos os que dela participam. Durante a festividade o iniciado em transe com Omolu dança trazendo em mãos o xaxará, instrumento feito de nervuras de palma decorado com búzios e cabaças. Narra-se que nestas cabaças Omolu carregue os remédios que utiliza para realizar curas. Saúda-se este orixá dizendo Atotó, o que significa: Silêncio. Por se tratar de uma festa em que orixás compartilham com os filhos e visitantes seus alimentos, essa se torna uma significativa prática social, portanto cultural e espacial Águas de Oxalá Oxalá é o orixá mais velho, filho de Olodumarê. Recebeu de seu pai a incumbência de criar o ayê. Por não prestar as devidas reverências a Exu foi ludibriado por sua irmã Odudua que, com a colaboração de Exu, conseguiu roubar de Oxalá o saco que continha os elementos para a criação da Terra. Odudua obteve êxito em seu propósito e criou o ayê. Oxalá, inconformado, ao contar a Olodumarê o seu fracasso e demonstrar grande vontade de participar da criação, obteve de seu pai uma segunda chance recebendo a tarefa de criar os seres humanos. Oxalá assim o fez recebendo de Nanã a lama do fundo dos rios, o material basilar para sua criação. Com o auxílio de Ajalá, o fabricante de cabeças, executou sua tarefa tornando-se o pai da humanidade. No Brasil Oxalá é cultuado sendo representado em duas principais formas. Como Oxalufã, que é o rei de Ifan. Orixá velho, curvado pelos anos, que anda com dificuldade e hesitação apoiado no seu Opaoxorô 57. Na forma de Oxaguiã é o jovem guerreiro e valente, rei de Ejigbô conhecido como o orixácomedor de inhame pilado. 57 O opaoxorô é um cajado com o qual Oxalá separou os dois mundos, o espiritual (orum) do material (ayê). Nesse cajado estão dependurados símbolos em metal que representam elementos cósmicos. O orixá se apóia no opaoxorô enquanto se apresenta aos fiéis no peji. 178

181 A festa que homenageia Oxalá está fundamentada no itan que começa contando as desventuras de Oxalufã quando este decidiu sair de Ifan para visitar seu amigo Xangô, no reino de Oyó. Conta-se que antes da viagem Oxalufã foi consultar o Babalawô, para saber se sua jornada ocorreria de forma tranquila. Porém foi alertado a não viajar, pois teria grandes infortúnios.oxalufã desconsiderou o aviso e de forma obstinada prosseguiu com seu projeto. Diante da decisão do orixá o Babalawô apenas lhe recomendou que levasse três mudas de roupas brancas e que não deveria, jamais, recusar fazer o que lhe fosse solicitado. Exu, escondido, ouviu tudo e resolveu dificultar a vigem. Durante o caminho, de Ejigbô a Oyó, Oxalufã foi vítima das armadilhas de Exu. Este, solicitando sua ajuda, fez com que Lufã sujasse todas as suas roupas e chegasse maltrapilho à fronteira de Oyó. Na fronteira o velho orixá encontrou o cavalo preferido de Xangô, que havia fugido, pois Exu o soltara de propósito. Decidiu, então, recuperar o animal e levá-lo para seu amigo. Entretanto foi confundido com um ladrão e os súditos de Xangô o levaram preso para Oyó. Por sete anos Oxalufã amargou os infortúnios da prisão e por sete anos o reino de Xangô esteve em desgraça, assolado pela miséria e infertilidade. Apavorado com a situação, Xangô, que de nada sabia, foi consultar um Babalawô. Descobriu que a causa da miséria de seu reino estava relacionada com a prisão de um inocente. Imediatamente foi a prisão e mal pode reconhecer o velho orixá, seu amigo. Prontamente pôs-se a reparar o equívoco começando pelo pedido de perdão. Ordenou que todos os seus súditos se vestissem de branco, para homenagear Lufã, e que buscassem por três vezes seguidas água para limpá-lo. Depois de receber os devidos cuidados Oxalufã partiu, mas antes de chegar a Ifan, sua casa, passou em Ejigbô para visitar seu filho, Oxaguiã, o qual realizou uma grande festa em sua homenagem. Este itan é rememorado nos rituais festivos da festa das Águas de Oxalá, esta tem duração de dezesseis dias. Seu início ocorre com a retirada dos Axés de Oxalá do peji, estes são levados em procissão para uma cabana, representando a viagem de Oxalufã e sua prisão. Neste percurso se estende o alá, pano branco que o protege. Na outra semana ocorre a troca das águas das quartinhas, ritual em que se guarda o mais profundo silêncio e que simboliza o 179

182 momento em que Oxalufã se limpa. Em seguida acontece o retorno dos Axés de Oxalá para o seu peji, ato que remete ao momento em que Oxalufã retorna para sua casa. Para finalizar o ciclo realiza-se a festa do Pilão de Oxaguiã. Nesta o orixá jovem e guerreiro homenageia seu pai em meio à distribuição de comidas de sua preferência. Dentre outras coisas, é servido obrigatoriamente aos participantes o inhame pilado. Quando Oxalá está em Terra é saudado com a expressão: Êpa Babá!, que quer dizer Viva o Pai!. Também se diz Exé eee, ou seja: Boa Atividade. As etapas que envolvem a festa descrita podem ser visualizadas na figura 24. De acordo com os dados da Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira (AGEPEL), levantou-se as festas que ocorrem no estado em seus duzentos e quarenta e seis municípios. Com esse levantamento registrouse 1048 ocorrências festivas sejam elas de referência (religiosas), de entorno e contemporâneas. Dessas, 534 que correspondem aos 51% do total, referemse às festas religiosas. Em seguida 514 (49%) são classificadas como festas não-religiosas. É válido ressaltar que desse montante, nenhuma se referia às festividades de matriz africana. Dentre os resultados que os dados possibilitam para a análise verificase que 508 ocorrências das festas religiosas são eminentemente cristãs. Fica posto com esse levantamento que ocorre uma predominância de festejos cristãos, fundamentalmente do credo católico, e ainda há uma expressiva divulgação e visibilidade, sejam com as festas de padroeiros das cidades, sejam com as festas cíclicas (juninas e natalinas), dentre outros. Ocorreu apenas um registro para as festas de matriz africana no estado de Goiás. As manifestações culturais de religiões de matriz africana passam, de fato, por um processo de encobrimento nesse estado. Dentre os vários processos históricos já mencionados no capítulo anterior, que explicam esse encobrimento conjectura-se que este esteja ligado ao fato de que em Goiás essas religiões não tenham suas formações e desenvolvimento relacionados a uma identidade étnicorracial, sobretudo, aquela circunscrita aos quilombolas e as irmandades negras. 180

183 181

184 Neste contexto verifica-se com relação aos demais estados brasileiros que, somente na década de 1970, o Candomblé se territorializa em solo goiano obedecendo ao processo de universalização discutido por Prandi (2005). Esse processo recai na afirmativa de que as RMA não se relacionam apenas aos africanos e seus descendentes, pois perceptivelmente o seu embranquecimento tornou-se evidenciado. O fato de estar universalizado, como se estabeleceu no contexto goiano, não garantiu sua aceitação, pois apesar deste processo de universalização o Candomblé em Goiás é visto a partir de sua formação étnica, sendo por vezes designado como: coisa de preto, religião de preto e magia negra. Essas visões são propaladas pelas representações simbólicas que se perpetuaram no imaginário social dos goianienses e que garante no cotidiano sua negativação, questões que serão discutidas no próximo ítem A cultura, as representações e os símbolos sagrados do Candomblé: nas trilhas metodológicas de observação A dimensão cultural constituída pelos símbolos e signos do Candomblé define as expressões culturais [que] se materializam no espaço e demonstram que a dimensão cultural [...] talha os indivíduos, define os meios de se relacionarem, de organizarem o espaço e de se organizarem nele. (ALMEIDA; VARGAS, 2011, p. 470). As autoras supracitadas enfatizam que a compreensão dessas relações permite afirmar que a apreensão dos vínculos entre território e cultura é de extrema importância para o olhar geográfico. Como, então, interpretar os símbolos que dão a essencialidade do Candomblé? A cosmogonia do Candomblé já apresentada é composta por elementos da natureza, na qual cada domínio torna-se um território demarcado ao orixá, designando aquilo que engloba o termo cosmolocalidade, já apresentado. Essa cosmolocalidade liga-se tanto aos ritos quanto às festas, 182

185 bem como aos elementos que os/as constituem. Tais símbolos são produtos e produtores da cultura e tornam-se imprescindíveis para o conhecimento e a compreensão da sistemática que envolve a religião. Esta relação constitui um processo comunicativo entre os objetos e os seus possíveis significados. Os objetos configuram uma instância diretamente ligada a uma consciência cultural. Quando fora do sistema religioso, alguns símbolos se tornam bens simbólicos, o que permite o consumo e a apropriação sem necessariamente haver a inserção na religião. No dia-a-dia vê-se o aumento do consumo de bens simbólicos inerentes ao Candomblé, pela gastronomia, moda, música, além dos serviços que alcançam uma rede mais subjetiva que dispõe de atendimento, tratamento e acompanhamento espiritual. O fato permite pensar que o Candomblé se incorpora gradativamente ao mercado e passa a compartilhar, com as demais religiões, produtos e espaços e ainda compete com elas por legitimidade, poder e fiéis. Essas relações de mercado (re)criam novos significados para os signos da religião, direcionando-os a reinterpretações das territorialidades criadas pelo sistema religioso. Ressalta-se, portanto, a crescente disponibilidade e acesso tanto para o praticante como para o não-praticante de elementos simbólicos que compõem esta religião. Observa-se, por exemplo, o significativo número de sites da internet que oferecem jogos de búzios e venda de kits para limpezas espirituais, com pagamentos facilitados via boleto bancário e cartão de crédito. Isso significa que, atualmente, não é condição sine qua non que o interessado nestes elementos esteja presente, ou seja um frequentador de ilês. Decorrente disso a compreende-se que estes elementos ora são decodificados exclusivamente pelo grupo dos praticantes, ora se incorporam no cotidiano de pessoas que não praticam tal religião e que passam a ressignificar a lógica de representação desses elementos, inclusive os paisagísticos, como por exemplo o fato de os bambuzais representarem o domínio de Iansã, ou as estradas de Ogum e Exu. Para Cosgrove (1998, p.108), em consonância com nosso entendimento, os múltiplos significados das paisagens simbólicas guardam decodificações geográficas. 183

186 É possível acrescentar que os símbolos demarcam territorialmente as representações sagradas e de poder. O instrumento adjá, citado anteriormente, é um destes símbolos que territorialmente demarcam o poder. Quem o tem nas mãos sempre ordena a roda do xirê, uma vez que é o som emitido por ele, provocado pelo babalorixá ou a iyalorixá, que conduz a dança dos orixás. Nesse sentido os signos que representam a religião são incorporados ao ideário semântico do maniqueísmo cristão e, historicamente, são negativizados e invisibilizados devido às práticas de intolerâncias (morais, religiosas, sociais e culturais) bem marcadas na vivência dos sujeitos sociais. Durante os xirês estes signos estão presentes nas cores das roupas utilizadas pelos praticantes da religião e nos colares, conhecidos como guias. Estes últimos são confeccionados com miçangas, pedras e corais que, por suas cores, identificam os orixás que marcam a vida religiosa do praticante. Ademais se destacam outros elementos, como os utensílios de barro, louças, ferro que representam os assentamentos dos orixás. A esta construção, deve-se acrescentar que o poder que uma cultura exerce sobre outra cria, em um espaço, outros espaços que expressam os conflitos que marcam as superposições culturais, e que ocasionam, geralmente, segregações em termos de espaços de culturas dominantes e culturas dominadas ou excluídas, conforme Cosgrove nos apresenta (1998). As imagens do Candomblé propagadas pelas culturas dominantes foram e são vinculadas aos constructos de uma linguagem que demoniza o panteão afro-brasileiro e as manifestações culturais. Tal fato pode ser exemplificado pela construção do orixá Exu, que na cosmovisão candomblecista refere-se à energia do universo que possibilita o movimento entre o orum e o ayê. Esse orixá passa a ser representado na linguagem cotidiana da cultura dominante sempre relacionado ao diabo cristão, aquele que domina os territórios daquilo que é pertencente ao mal. Ressalta-se ainda que essa concepção foi fortalecida no seio da Umbanda, que traz entre as suas entidades sagradas a manifestação de vários Exus responsáveis por práticas vistas como diabólicas, tais como: sacrifícios de animais e feitiçarias. 184

187 A Umbanda permitiu, em sua formação, a associação de suas entidades (Caboclos, Preto-Velhos, Marinheiros, Exus, dentre outros) com o panteão africano, que em suas diferentes nações se manifestam com Voduns, Inkices e Orixás e ainda aos elementos simbólicos da cultura cristã européia. Esses últimos foram associados aos santos católicos, como São Jorge/Ogum, Santa Bárbara/ Iansã, São Lázaro/Omolu, entre outros. Esse sincretismo fortaleceu essa associação com as construções do bem e do mal. A distinção entre estas culturas e o Candomblé centra-se na negação desta cosmovisão maniqueísta, por esta se tratar de uma religião que coaduna com a visão anamathesis 58 sobre os princípios universais que imputam os valores morais ao mundo. O maniqueísmo, de acordo com Silva (2001) parte de dois princípios ontológicos morais. Este se pauta em um sistema de pensamento e conhecimento do mundo, por meio de um modelo dicotômico da moral. Para Prandi (2005) a doutrina cristã, nesses termos, apregoa o caminho da perfeição ou a plenitude para o alcance da parusia 59, adotando dois princípios morais: um do bem ou princípio da luz, e outro do mal, princípio das trevas ou escuridão. Apoiada nesse sistema maniqueísta, a cultura dominante cristã propaga a lógica perversa de submissão ou aniquilamento das culturas que não seguem a doutrina moral desses valores. Contrárias a esse pensamento, as religiões de matriz africana baseiam-se em princípios ligados às explicações filosóficas do conhecimento que se fundamentam em princípios da mathesis 60 universalis. Para Leibniz (s/d) mathesis universalis é a arte combinatória ou característica universal que coaduna com o entendimento de que a ciência, aqui ligada ao conhecimento, pode ser constituída por verdades infinitamente múltiplas e, ainda, distribuída nas inúmeras disciplinas da mathesis. Ao trazer essa concepção de conhecimento para o estudo das RMA o termo 58 Visão que postula a negação da perspectiva dicotômica presente na moral cristã. Significa dizer que alguns sistemas religiosos não compatilham da crença na ideia de pecado. 59 Refere-se à busca da cristandade pela redenção no juízo final, ou seja, a volta de cristo. 60 Termo para designar a lógica formal ou pura como ciência eidética do objeto em geral, Abbagnano (2000). 185

188 anamathesis vincula-se ao princípio da diversidade e este passa a não coadunar com o princípio dicotômico moral do maniqueísmo. Este termo no seio desta prática religiosa se associa a concepção de ausência de pecado. A linguagem dominante que reproduz essas relações introduz uma semântica que oblitera o conhecimento e reifica cotidianamente uma concepção que se universaliza por meio de um conceito central sobre o Candomblé: a religião do mal. De acordo com Kashiwagi e Kozel (2005), as imagens do mundo vivido resultam das experiências vividas no cotidiano e das representações de ordem simbólica, em um plano prático, essas representam o próprio espaço social. Diante dessa afirmação, as imagens que se associam ao Candomblé foram representações construídas por experiências de cunho negativo e boa parte das informações é produzida por sujeitos sociais não pertencentes à prática religiosa. Exu sempre é associado aos modelos eurocêntricos de representações simbólicas do mal. As imagens a ele associadas exploram as cores (preta e vermelha) materializando sentidos do pecado, da escuridão, do inferno, dentre outras formas que se atribuem a Exu Orixá para o Candomblé, ou a Exu Entidade para Umbanda. Esses estão sempre ligados ao ideário do diabo cristão, representando-o com chifres, rabo e próximo ao bode (animal). O antropólogo Silva (2007, p. 10) afirma que Os ataques feitos no âmbito das práticas rituais das igrejas neopetencostais e de seus meios de divulgação e proselitismo tem como ponto de partida uma teologia assentada na idéia de que a causa de grande parte dos males deste mundo pode ser atribuída à presença do demônio (...). O Panteão afrobrasileiro é especialmente alvo desse ataque, sobretudo a linha ou a categoria de Exu, que foi associada inicialmente ao diabo cristão e posteriormente aceita nessa condição por uma boa parcela do povo-de-santo. Tais representações simbólicas ganham repercussão e notoriedade quando são propaladas frequentemente nos rituais neopetencostais. Ligadas às igrejas evangélicas, algumas práticas perpetuam as associações negativadas exercidas por atos de intolerância aos credos não-cristãos. Em 2003 o Episódio Vaca-Brava, apresentado por Ramos (2007), tornou-se 186

189 representativo dessa intolerância. Trata-se da realização de uma exposição denominada Orixás da Bahia, na qual estátuas de orixás em ferro, com aproximadamente 3 metros de altura, produzidas pelo artista plástico Tatti Moreno, foram exposta no Parque. Tal exposição encontrava-se de forma itinerante em cidades brasileiras como Rio de Janeiro, Salvador, Brasília e outras. Um grupo formado por evangélicos neopentecostais, liderado pelo então vereador Pastor Fábio Souza, da Igreja Fonte da Vida, e o então deputado estadual, hoje prefeito da cidade de Senador Canedo, Misael Oliveira, atiraram pedras mal-dizendo as estátuas dos orixás. É válido ressaltar que essas estátuas exerciam apenas a função de representação artística e não tinham nenhum caráter religioso ou mágico. Entretanto, a comunidade pentecostal goianiense, liderada pela Igreja Fonte da Vida, realizou uma onda de protestos contra a exposição, por meio de atos públicos e publicações de artigos de repúdio em jornais e revistas. Algumas narrativas citam templos alvejados com pedras, pregações nas portas dos ilês entre outros. Silva (2007) aponta que a Igreja Universal do Reino de Deus representa uma das principais divulgadoras dessa semântica negativa. Acrescentam-se, às práticas da Igreja, o poder da mídia que promove uma ampla campanha para promulgar a idéia de que as religiões de matriz africana são relacionadas ao mal cristão. Para elucidar, o autor cita os programas religiosos, a saber: Fala que eu te escuto, Ponto de Luz, Pare de Sofrer, Show da Fé e outros transmitidos pela Rede Record, que pertence à Igreja Universal. Durante esses programas, as mazelas e sofrimentos humanos são associados às ações dos demônios e diretamente esses últimos são construídos por esses agentes como sendo as próprias divindades de panteões africanos e das entidades afro-brasileiras. Estes discursos oriundos de grupos religiosos cristãos reiteram o sentido de que o dominante é quem tem o poder de fala. Nesse contexto, entre o sujeito dominante e o dominado, os fundamentalistas, sobretudo os neopentecostais, criam imagens de representações divulgadas amplamente pelos meios de comunicação em 187

190 massa, com uma clara intenção de inferiorizar a cultura do Outro e assume publicamente a prática proselitista de converter fiéis por meio de uma ação que nega as culturas diferenciadas daquelas hegemônicas. Desta sorte, essa negativação se amplia para cenários e esferas exógenas aos próprios Terreiros. Tal condição promove ainda acirrados ataques contra os praticantes das RMAs. Dentre os motivos desses ataques se destacam, a disputa por adeptos de uma mesma origem socioeconômica, o tipo de cruzada proselitista adotada pelas igrejas neopentencostais com grandes investimentos nos meios de comunicação de massa e o consequente crescimento dessas denominações, que arregimentam um número cada vez maior de soldados de Jesus, e do ponto de vista do sistema simbólico, o papel que as entidades afro-brasileiras e suas práticas desempenham na estrutura ritual dessas igrejas como afirmação de uma cosmologia maniqueísta. (SILVA, 2007, p. 9-10). Com em relação a intolerância religiosa, considero que fatos aparecem em cenários locais, regionais e nacionais por meio de ocorrências que extrapolam as relações cotidianas e intimistas estabelecidas pelos segmentos religiosos contrários. Essas ocorrências se estendem para dimensões públicas, em alguns casos resultam em significativos casos judiciais (Silva, 2007). Não obstante, em Goiânia e na Região Metropolitana são vivenciadas situações decorrentes da chamada prática de intolerância religiosa diretamente ligada à ausência de ações do poder público a favor desses segmentos religiosos como o caso Vaca Brava, já citado. As entrevistas concedidas pelas yalorixás Jane ti Omulú, Tereza ti Omulú, Maria Luiza ti Oxum e pelo Babalorixá Marcos Dávila ti Oxalá, expõem elementos para a discussão proposta. Em primeiro, as falas emergem por uma negociação, de um lado por espaços de visibilidade e, por outro lado, pela autoafirmação do locus de sentido promovido pelo apoderamento do saber religioso por partes dos praticantes. Vejamos o diálogo a seguir: Mary Anne: comecei a estudar sobre as questões de Religiões de Matriz Africana, sobretudo, o Candomblé, e o que a gente percebe é essa falta de política pública para o povo de santo. 188

191 Realizou-se um levantamento, em que o objetivo principal foi de gerar um banco de dados sobre a existência e os registros de terreiros, bem como, as concessões de áreas públicas. Essas ações foram mapeadas pela nossa equipe. Diante dos resultados chegamos a afirmar que os segmentos de matriz cristã tiveram, em boa parte dos governos, ações favoráveis aos diversos segmentos religiosos e que não se registrou nenhuma ação para as Comunidades de Terreiro. (entrevista realizada em 14 de março 2011) Mãe Jane: nenhum? Mary Anne: nada, nada. E como forma de exclusão o Candomblé não é conhecido por diversos segmentos educacionais, sociais e políticos, eles desconhecem a existência do Candomblé em Goiânia. Mãe Jane: você é igual a mim, quando eu fui buscar, sabia que existia alguma coisa, mas não sabia o que que era.. Mary Anne: pois é, nós não sabiam que existiam essas casas. E todo mundo na universidade, falava: não... em Goiânia não existe Candomblé! Aqui em Goiânia existe só Umbanda!... e eu (refere-se a professora Eliesse) fui conhecer Candomblé há dois anos atrás por causa do Professor e Babalorixá Marcos Torres, porque a gente trabalhava na mesma universidade, trabalhava com os mesmos projetos, e um dia ele falou: então vai na minha saída. Então falei: não Torres... eu estou falando de Candomblé... daquele que tem Iemanjá e tal... [e Torres fala]: é esse mesmo, minha filha! Mary Anne. Mãe ao chegar... eu não acreditei que era pertinho da minha casa! Ou seja, há uma invisibilidade, as pessoas não conhecem, não sabem que existe, pensam que só tem é... Umbanda, ou... kardecismo entendeu? Mas, não sabem que existe Candomblé. Mãe Jane: a divulgação é muito pouca. E a culpa é da Federação daqui! Mary Anne: não sabe o que é essa cultura...? há uma negação da nossa cultura, mas em Goiânia tem Candomblé. Mãe Jane: Maravilhosa nossa religião, uma divindade! Mary Anne: é linda, e ai, o que ta acontecendo? Tem dois anos que eu estou fazendo essa pesquisa, para mostrar isso aí. Então, dentro da universidade já tem dois anos que estamos mostrando... e é... toda história... essa... sobre o que é o Candomblé, em Goiás? A diferença entre Candomblé e Umbanda... as nações... o que é Ketu? O que é Angola? O que é Jêje? O que é Omolocô? Após as várias formas empregadas de apresentação, as pessoas ficam 189

192 impressionadas, por não saberem dessa existência. E o que acontece, ainda não existem políticas públicas para o povo de santo ações que promovam as visibilidades. Mãe Jane: não existe mesmo! A gente não tem uma interferência sadia para eles, não temos é... e essa ajuda de vocês é um incentivo e nós precisamos de um incentivo, a gente não tem! A discriminação é muito grande! Os políticos, os prefeitos, os secretários, quero dizer: todos eles não querem que sejamos vistos, porque nós não somos vistos, nós somos minorias, nós não somos enxergados! Nem a nossa existência pra muitas pessoas não existe!...e aí ao mesmo tempo, eu paro pra pensar nessa situação! Quando a gente às vezes está em alguma situação, é... diferente assim, eu paro pensar por quê? Se nós também temos políticos, que nos procuram as escondidas em horários, é bem diferenciados, em horários tardios, por quê? Para não serem vistos, que estão nos procurando pedindo ajuda e são beneficiados. Então quer dizer, eu acho que isso ai, por que essas pessoas nos procuram são bem sucedidos naquilo que faz parte dos nossos trabalhos. Naquilo que a gente trabalha com nossos orixás, com nossas divindades? Pai Marcos D avila: porque nos marginalizamos! Mãe Jane: Sabe, por quê? Porque nós temos vergonha de sermos macumbeiros! Dizer: eu fui no terreiro de candomblé de dizer: eu fui na iyá, lá procurar uma ajuda, e foi ajudado e foi beneficiado! tem vergonha! Por quê? Porque são falsos moralistas! [...] Aquilo que eu sinto, infelizmente, eu falo! Cê ta entendendo? Porque a gente é marginalizado! Eu aqui mesmo, eu tenho vários vizinhos que não vêm na minha casa, que não vêm na minha porta, porque me chamam de macumbeira. Por quê? Não! Porque não me cumprimentam, porque eu sempre fui uma boa vizinha! Nunca mexi com ninguém! Entendeu? Mas, é que quando eu tinha o candomblé e começava tocar, minha casa chovia de pedras, os crentes faziam isso! Os evangélicos faziam isso! E, no entanto, eles vêm na porta de minha casa, eu compro folhetos deles, eu compro, para ajudar a igreja! Porque eu ainda parabenizo aquelas meninas de quinze, dezesseis, dezessete anos que vem na minha casa! Porque eu acho bonito! Eles vêm trazer o nome de Deus, de Jesus aqui na porta de minha casa, enquanto eles poderiam ta procurando maconha, procurando outras coisas pra eles fazerem, roubando, eu falo: ô meu filho, que Jesus te abençoa, que vocês continua dessa forma. Então, quer dizer, eu acho assim, são muitas coisas que eles usam a gente. A gente faz é por amor! É porque nós amamos! As vezes eu não tenho dinheiro pra ajudar, agora, me procuram espiritualmente, eu tenho condição sim, de te ajudar! O seu pai tem condição de te ajudar! Porque, realmente como a gente diz: o axé é pago, mas nem sempre todos têm como pagar o 190

193 axé. Aí, você tem que tirar do seu axé, e dar para eles. Pra aquele necessitado! Então acho que a gente tem que ser olhados, eles têm que olharem por esse lado, das ações dos lideres de terreiros. Por exemplo, meu Candomblé, foi uma doação? Foi meu sobrinho que deu pra mim! Não foram os filhos de santo, ou melhor pessoas que se juntaram e compraram, não! Entendeu? Então, eu não tenho ninguém que me ajuda, não tenho! E o D avila sabe bem disso, não sabe D avila? Que eu não tenho, eu vivo por amor, para isso, eu estou aqui, para resgatar aquilo que o Orixá me proporcionou, e eu tenho que cumprir! Então estou cumprindo! A minha missão aqui na Terra! De ser Yalorixá, e... cheguei, não cheguei aqui pelo amor, eu nem conhecia Candomblé! Cheguei pela dor! Fui andando... caminhando...até que um dia, encontrei, e foi aonde eu fui, fui bem sucedida! Agora, eu não sei, como que vocês querem que eu faço para ajudar vocês nesse caminho. Destaco alguns aspectos desses trechos da entrevista: as ações de intolerância religiosa são fortalecidas pelas invisibilidades impostas pelos instrumentos estratégicos do Estado, pela ausência do órgão representativo a Federação de Candomblé e Umbanda de Goiás. E, por fim, a questão da autoafirmação do poder do sagrado. Na metrópole goiana percebe-se que os processos que promovem essas ações vão muito mais além do que a própria posição do Estado para com os grupos minoritários. De acordo com a pesquisa de campo, fica posto, a ausência de tratamento para esses segmentos culturais. Entende-se, então, que o Estado assume o papel de agente da dominação, o qual reproduz no espaço a lógica de valores coloniais e desconhece a diferença entre os grupos, negando a pluralidade das vivências socioculturais. Disso decorre a problemática apontada como central no presente estudo, que infere que as questões de invisibilidade e subalternidade dessas religiões em Goiás diretamente ligam-se à ausência de políticas públicas para tratamento de igualdade cultural no referido estado. Reforço nesse contexto a necessidade de aprovação de leis que garantam tratamentos de igualdade, em decorrência do longo histórico de negativação que sofreram e sofrem, os praticantes de cultos de matriz africana. Para Scaramal (2012), esse histórico de semântica negativo também se insere no bojo das interseccionalidades religiosas formadas no cenário 191

194 brasileiro. Essas foram promovidas por formas plausíveis e historicamente factíveis. A autora ressalta em entrevista concedida a revista Senso Comum da Universidade Federal de Goiás, que, se buscarmos uma hermenêutica pluritópica, ou seja, uma interpretação que parta de vários topoi (lugares) de enunciação, que ultrapasse o modelo de univocidade monocêntrica, pode-se perceber as inter-relações, os imbricamentos de vários signos e símbolos nas vivências religiosas no Brasil. Isso está presente em grande parte das religiões. Das que eu conheço mais de perto, poderia arriscar duas que menos sofrem com esse imbricamento: as Testemunhas de Jeová e os Adventistas do Sétimo Dia. Mesmo as vertentes mais ortodoxas do Candomblé de Ketu (ou Nagô) sofreram intersecções de religiões/religiosidades (ou influências cosmológicas, como queiram) de outras culturas africanas, como os Jêjes e Congo-Angola. No Brasil, essas intersecções são mais visíveis em religiões como a Umbanda e Encantaria brasileira (Jurema, Pajelança, etc.) que mantêm laços estreitos com o catolicismo. Há também uma presença incontestável dessas intersecções nas religiões neopentecostais, com destaque para a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Essa última promove um verdadeiro assalto às simbologias das religiões afro-brasileiras (como a Umbanda, Jurema e Pajelança). A IURD utiliza das bases e dos códigos das religiões afro-brasileiras e, de forma subreptícia, promove a intolerância e a violência simbólica contra as mesmas. (SCARAMAL, 2007, p ). Quando a autora refere-se a essas intersecções a mesma promove os argumentos centrais para a compreensão dos pontos nodais da rede candomblecista que esbarra na condição de acesso e direitos aos territórios (intolerância religiosa), identidade candomblecista (ritualista e reconhecimento cultural) e de gênero (poder inferido aos (as) babalorixás, yalorixás e outros que formam a religião). Os espaços que circundam essa rede são pontos que se destacam na análise. O Candomblé não possui escrituras sagradas, nem um corpo normativo sistematizado, o que ocasiona para essa intersecção apontada anteriormente, em que se percebe a variação de nações, ritos de casa para casa, migração tensionada dos filhos, do axé, enfim. Nesse sentido, o 192

195 Candomblé é esse sistema autocrático, uma vez que no terreiro, a lei do pai ou da mãe de santo só não suplanta a ordem do orixá. É comum ocorrer um suposto isolamento das casas e dos adeptos, bem como um fortalecimento identitário da cultura que se faz por segredos e conhecimentos orais. No espaço das disputas essas situações se imbricam promovendo outros movimentos territoriais, que reconfiguram a rede candomblecista. Nesse sentido, tem-se presente uma faceta do processo denominado por Bourdieu (2010) como poder simbólico. Para esse autor, esse poder é embasado por sistemas simbólicos que partem de uma imposição gnoseológica, diretamente responsável pelas estruturas que sustentam a expressão de uma ideologia dominante. Essa ideologia junto aos demais sistemas simbólicos não-dominantes promovem, forçosamente, a violência simbólica. Os sistemas simbólicos se perpetuam pelas formas refinadas de comunicação que não se separam das relações de poder estabelecidas pelos agentes hegemônicos. Essa discussão recupera o sentido da dominação exercida pelos representantes do poder de estado, em suas diversas fragmentações (entidades, instituições e outros) no seio da sociedade, que cotidianamente passa a inculcar os valores que esses representam. Tais valores são visíveis nas organizações sociais, e se revelam por conflitos de intolerâncias, preconceitos e violências. Essa violência imposta pelos sistemas simbólicos para Bourdieu (2010, p.11) se apresentam enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e conhecimento [...], que cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação que contribui para assegurar a dominação de uma classe sobre a outra (violência simbólica) dando o reforço da sua própria força às relações de força que as fundamentam e contribuindo assim, segundo a expressão de Weber, para a domesticação dos dominados. Relaciona-se essa construção teórica com a situação vivenciada por candomblecistas no espaço metropolitano de Goiânia. Tais sistemas impõem 193

196 os imperativos de normatizações sociais, culturais e religiosas que reforçam os processos de invisibilidades. Não obstante, a essa condição de invisibilidade, dos territórios, dos elementos sagrados e das festas das Comunidades de Terreiro, decorre a necessidade de se discutir a ausência de uma perspectiva multidimensional que intersecciona o local, o sujeito/agente e as políticas públicas para esse segmento cultural/religioso. A realidade dos candomblecistas em Goiânia e Região Metropolitana suscita uma nova visão de tratamento para o campo conceitual das RMA. Esta caminha no sentido de negar o modelo que oblitera as multiplicidades e as heterogeneidades contemporâneas do espaço. Abrem-se, neste entendimento, outras interpretações para se discutir as representações espaciais. A perspectiva teórico-prática desse estudo sobre os territórios e as manifestações religiosas perpassa pela descolonização das paisagens mentais que não reconhecem a presença e as práticas desses segmentos religiosos, e por uma discussão política sobre a cultura e o espaço no estado de Goiás, questões centrais no próximo capítulo. 194

197 CAPÍTULO 04 O PROCESSO DE ESPACIALIZAÇÃO E REORGANIZAÇÃO TERRITORIAL DAS COMUNIDADES DE TERREIRO EM GOIÂNIA E REGIÃO METROPOLITANA Nesse capítulo pretendo analisar a localização dos Candomblés em Goiânia e Região Metropolitana, a partir da formação da rede candomblecista que articula os egbés e o poder público com as solicitações de políticas de reconhecimentos e a sociedade civil. Inicialmente recorro aos debates sobre a produção do espaço urbano e a égide do processo que invisibiliza e nega a presença das comunidades de terreiros a partir do encobrimento promovido pelo Estado. É preciso partir destas considerações para que se possa apreender a atuação do setor público na concessão de terrenos para os diversos segmentos religiosos. Não é fortuito o fato de que às religiões de matriz africana sejam destinados terrenos em áreas periféricas da metrópole. Há que se perscrutar os elementos que compõem o caldo de cultura de uma determinada sociedade numa perspectiva, ademais das outras, política. Para esse estudo a região metropolitana de Goiânia emerge como um espaço que agrega os dispositivos de marginalização e periferização das práticas religiosas de matriz africana. Depreende-se dessa situação o entendimento de que a fragmentação do espaço reforça os efeitos da segregação socioeconômica no interior das metrópoles. Dai, surge a necessidade de compreender essa espacialização dos terreiros circunscritos, sobretudo, na região metropolitana. 195

198 4.1. Goiânia e Entorno no contexto da expansão urbana e as Religiões de Matriz Africana na Metrópole A origem das regiões metropolitanas no Brasil vincula-se ao início dos anos de 1970, quando foram definidas por legislação federal. Dentre os critérios determinantes para defini-las são: a) número da população; b) densidade demográfica; c) conurbação com outros municípios e d) diversificação de funções do núcleo central ( ARRAIS, 2004). A criação das chamadas regiões metropolitanas ocorre em função do planejamento que busca soluções para grandes problemas urbanos. Esses foram agravados em razão de intensos processos migratórios do Nordeste para o Sudeste e pelo fenômeno do êxodo rural, esses relacionados à ineficiência da intervenção do Estado na proposição de políticas públicas que pudessem resolver ou minimizar tal situação. A Região Metropolitana de Goiânia criada pela Lei complementar nº 27 de 30/12/1999, art. 1º, recebeu nova redação dada pelas Leis Complementares nº54, de 23 de maio de 2005 e nº78 de 25 de março de Atualmente ela é composta por 20 municípios, a saber: Goiânia, Abadia de Goiás, Aparecida de Goiânia, Aragoiânia, Bela Vista de Goiás, Bonfinópolis, Brazabrantes, Caldazinha, Caturaí, Goianápolis, Goianira, Hidrolândia, Inhumas, Guapó, Nerópolis, Nova Veneza, Santo Antônio de Goiás, Senador Canedo, Teresópolis e Trindade (mapa 05). Essa região reflete, sem dúvida, o desordenado crescimento urbano, além da necessidade de políticas públicas para o planejamento e organização do espaço urbano da Metrópole. Atualmente a Grande Goiânia agrega um percentual de 36% da população do estado. Dos critérios antes mencionados para a criação de uma região metropolitana, a cidade mencionada agrega todos. Destaca-se, assim, o processo de conurbação evidenciado em alguns dos municípios como Aparecida de Goiânia, Senado Canedo e Trindade, fator esse produzido pela ampliação horizontal decorrente do intenso processo de expansão urbana. 196

199 MAPA 05 - REGIÃO METROPOLITANA DE GOIÂNIA (2013) 49º00 W Piracanjuba Cristianópolis Santa Cruz FONTE: Departamento de Estradas de Rodagem - DER-GO. Mapa Rodoviário Estadual, 1999 (Base cartográfica). GOIÁS. Lei Complementar Nº 027 de 30/12/1999. CARTOGRAFIA DIGITAL: Loçandra Borges De Moraes LEGENDA Municípios da Região Metropolitana de Goiânia Área urbana Rodovias federais Rodovias estaduais Ruas e avenidas Ferrovia Centro-Atlântica Sede municipal Itauçu 49º30 W 080 Verde Damolândia de Goiás Ouro 49º00 W Terezópolis Gameleira Goianápolis 010 Leopoldo de Bulhões Silvânia Canedo 330 Araçu 070 Veneza Brazabrantes Nerópolis 16º30 S Caturaí S. Antônio Goianira de Goiás Avelinópolis de Goiás 16º30 S 060 Bonfinópolis Nazário Sta. Bárbara de Goiás Trindade Goiânia Senador 019 Palmeiras de Goiás Campestre de Goiás Guapó Inhumas Abadia de Goiás Nova Aparecida de Goiânia Campo Limpo 153 Anápolis Caldazinha 060 Abadiânia ESCALA GRÁFICA km Projeção Policônica 060 Bela Vista Cezarina Aragoiânia de Goiás São Miguel do Hidrolândia 17º00 S 17º00 S Indiara Varjão Passa Quatro Mairipotaba 49º30 W Professor Jamil

200 Conforme Arrais (2004) e Estevam (2004) uma das razões da rápida conurbação foi a questão habitacional, uma vez que a alternativa de moradia para o migrante era buscar áreas urbanas onde o preço fosse acessível e atrativo. Para Estevam (2004) a adoção de formas captalistas na agricultura, a concentração fundiária e a expulsão do homem do campo foram fatores fundamentais para o acelerado processo de urbanização de Goiás. Ainda de acordo com Estevam (2004, p.185) o êxodo rural em Goiás foi espantoso na década de 1980 [...] e sua urbanização embora em ritmo acelerado, refletiu a tendência constatada no país. O fenômeno da metropolização ocorrido após o processo de transferência da capital goiana também foi abordado por Almeida (2002, pp ): A mesorregião de Goiânia e, sobretudo os municípios mais próximos (Aparecida, Senador Canedo, Trindade, etc) veem sua população se adensar ano a ano, com a multiplicação de bairros e favelas, [...] Migrantes pobres e pouco esclarecidos demandam Goiânia, em busca de lotes, casa, emprego... e vão parar não em Goiânia, mas nas cidades periféricas. Dessa situação decorre um crescimento descontrolado de loteamentos sem nenhuma infraestrutura urbana. Dessa forma pode-se afirmar que Goiânia, ao se transformar em metrópole, intensificou a ocorrência de problemas em diversos setores, sobretudo os de transportes, saúde, desemprego e violência urbana. A cidade foi pensada e construída nos padrões da modernidade e com base no planejamento racionalista na qual se prima pelas funções básicas da cidade: morar, trabalhar, circular e recrear. Tais funções são ajustadas ao mundo da máquina e da automação no auge do modo de produção fordista. Assim, Goiânia ao longo de poucas décadas, perde a originalidade de um zoneamento planejado e novas centralidades vão surgindo na medida em que a cidade cresce e se expande para além de seu sítio original. Pode-se perceber que o acelerado processo de urbanização e a transformação de Goiânia em metrópole resultam da combinação de fatores 198

201 diversos como a modernização da agricultura, o êxodo rural, associados aos investimentos de infraestrutura nos transportes e energia, tão necessários ao processo de desenvolvimento e modernização do estado. Diante dessa configuração, na metrópole goianiense, as práticas das Religiões de Matriz Africana se espacializam obedecendo a lógica de segregação, (in)visibilidade e negação, passando a atender as designações hegemônicas de colonialidade que imprimem mecanismos de subalternidades aos grupos e aos espaços dominados. Para Silva (2009, p.83) o processo de seletividade socioespacial tende a eliminar as ocupações populares. Sendo a cidade fundamentalmente um espaço de expressão e conflito onde se manifestam os diversos conteúdos sociais, nela os grupos delimitam seus espaços definindo seus territórios e suas formas particulares de habitação, de relação com os recursos naturais e com o patrimônio construído, ocasionando, assim, um complexo processo de apropriação e controle. Antes de prosseguir em qualquer esforço de explicação parte-se do entendimento de que a metrópole é o resultado da produção social de seus habitantes. Nela ocorre a interação das relações imediatas que se desenvolvem em seu seio, com as relações mais amplas constituindo, assim, a sociedade urbana, a que Lefebvre (2000) nomeia de ordem próxima e ordem distante respectivamente. Em um determinado tempo histórico as transformações ocorridas no conjunto da sociedade se projetam enquanto mudanças no modo de produzir a metrópole. Entre essas duas ordens sua produção social urbana se converte no próprio modo de produção e reprodução do sistema vigente. A metrópole, nesse processo, se revela como um locus de coexistência da pluralidade, da simultaneidade de acontecimentos e de relações produzidas em temporalidades e espacialidades distintas. Ela ainda adquiriu, ao longo da história, um caráter de totalidade, tornando-se produto e produtora de um espaço carregado de representações simbólicas. Essas representações se 199

202 manifestam como possibilidades de resistências ao modelo homogêneo imposto pelo sistema hegemônico. Essa problemática inserida na ordem local passa a representar a realidade da metrópole goianiense. A metrópole vivencia um intenso processo de adensamento urbano, visto por meio da verticalização, aglomeração e ampliação de serviços e comércio, além da formação de novas centralidades, espraiamento das áreas periféricas, dentre outras materializações que constituem a própria organização espacial urbana. Para Cavalcanti (2001, p.15), esse processo de produção do espaço urbano está intimamente ligado à produção em geral [...] componente da produção social, que tem uma lógica, uma dinâmica que é própria dessa produção geral, de um modo de produção da sociedade. A autora ainda ressalta que a produção racional/técnica do espaço urbano produz a segregação socioespacial. A esse respeito Cavalcanti (2001, p.17) apresenta a produção de periferia, de favelas, de bairros operários, de bairros de auto segregação da burguesia, de centros deteriorados. Na esteira desse entendimento, abre-se a problematização do tratamento espacial, em que pese a lógica perversa de segregação vivenciada em Goiânia. Nessa metrópole, os agentes sociais produzem no espaço urbano as localizações e relocalizações das atividades produtivas e da população. Em ações conflituosas, essa produção do espaço urbano é designada por diversos agentes. Assim, os processos espaciais, nessa lógica, são entendidos como forças que modificam a estrutura social. Tais processos se efetivam essencialmente, refazendo a espacialidade desta sociedade. É válido ressaltar que o próprio Candomblé na sua essência constitui-se como resistência cultural e ainda se reproduz sob os imperativos da marginalização de cultura segregada, proibida e escondida na metrópole goianiense. Em Goiânia e na Região metropolitana, as ações de colonialidade de poder resultaram em estratégias de exclusão e segregação. Essa lógica que imputa os mecanismos de segregação no interior dos espaços da metrópole relaciona-se diretamente com o tratamento dado às manifestações culturais, aqui em especial, as religiosas. Nesse espaço plural, disforme e desigual como 200

203 é o caso do metropolitano, a cultura em suas diversas fragmentações se insere espacialmente, constituindo, segundo Costa (2005, p.99) um mosaico de modalidades de relacionamento social, de expressões artísticas, de formas de comunicação e de ações políticas. Na metrópole, essa multiplicidade atende às normativas do consumo, do valor e da própria segregação urbana. que Diante dessa compreensão da cultura no espaço urbano Costa infere a espacialização da cultura observando esse processo como condicionado e condicionador de formas de comportamento, expressividades corporais, recursos linguísticos e referenciais simbólicos compõe diversificados e cada vez mais próximos processos de apropriações espaciais (territorializações), produzindo uma cidade fragmentada e feita por microenclaves culturais e paisagísticos. (idem). Diante do processo de produção do espaço e dos agentes que representam o modo de produção vigente, a cultura torna-se mais um dos instrumentos de disputa, em que seus valores normativos de representação se impõem. Costa (ibidem) argumenta que há um intenso movimento de privatização e comercialização das atividades culturais, uma vez que na cidade pós-industrial, a cultura, o lazer e a diversão constituem atividades altamente lucrativas e se tornam fatores essenciais aos projetos de renovação urbana. O processo de espacialização dos fragmentos da cultura na metrópole é dado por assimetrias sociais. No caso do candomblé, sua inserção é garantida em uma lógica marginal e periférica dos padrões culturais promovidos comercialmente pelos agentes da cultura e pelos dispositivos do Estado. Reforça-se aqui o tratamento dado às manifestações culturais representadas pelos xirês em Goiânia e entorno discutido no terceiro capítulo. Os candomblés estão em uma posição de subalternidade, suas atividades cotidianas e o próprio espaço interno dos terreiros são normatizados diretamente por leis e por poderes disciplinadores impostos pela sociedade. Para Foucault, o poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior adestrar ; ou sem dúvida 201

204 adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor (FOUCAULT, 1987, p.195). Inseridos nessa lógica, os terreiros de Candomblé também são organizados no espaço urbano via instrumentos de controle e vigilância. Porém, esse processo acontece concomitante à normatização desses espaços, tanto pela malha de preconceitos que invisibilizam os praticantes das religiões de matriz africana, quanto pela própria lógica do mercado imobiliário. Soma-se a estes, o modo de produção econômico vigente, que supervaloriza as áreas com forte adensamento ou formata o tamanho dessas propriedades, e, por conseguinte, os próprios territórios e os rituais inerentes a essa cultura religiosa. Diante do exposto é possível afirmar que não só os mecanismos legais incidem sobre os terreiros, mas também a pressão social dos agentes circunvizinhos a estes espaços, que configuram os poderes microfísicos de disciplina e ordenamento do mesmo. Tais poderes disciplinadores subalternizam os praticantes dessa religião. No entanto, esses poderes operam diferentemente em cada um desses espaços. O reconhecimento da presença e da existência de terreiros e a legitimidade das práticas candomblecistas no território goiano encontram no ideário do pensamento de Bhabha (2005), anteriormente discutido, a explicação do entremeio dos entre-lugares. O autor possibilita pensar que esses entre-lugares dão início a novos signos de identidade e são postos inovadores de colaboração e contestação, no ato de definir a própria ideia de sociedade (p.20). Na metrópole, as práticas do Candomblé se espacializam em uma estrutura de negociação entre o uso do espaço público e a necessidade de realização dos ritos da religião. O Candomblé se forma em uma relação ininterrupta com a cidade em sua forma expandida. Em seus espaços (praças, cemitérios, cadeia pública, igreja, encruzilhadas e outros) seus valores, seus símbolos, seus signos se apresentam ora de forma naturalizada, ora de forma conflituosa. Destarte, o Candomblé em Goiânia e entorno é praticado, em determinados casos, em conformidade com situações vivenciadas em outras 202

205 cidades brasileiras. Cita-se o caso da metrópole de São Paulo apresentado por Silva (2000). De acordo com o autor, essa prática na metrópole paulista resulta de um árduo processo, em que o uso dos espaços públicos urbanos também se conforma por uma apropriação simbólica bem demarcada. A relação que daí se estabelece garante um diálogo constante com diversos agentes e instituições sociais. Nas casas de Candomblé visitadas em Goiânia e Região Metropolitana, sobretudo, aquelas localizadas no centro e áreas com altas densidades de equipamentos urbanos, só foi possível o reconhecimento devido à presença de determinados marcos simbólicos, quase que obrigatórios nas entradas dos ilê axés. Cita-se a bandeira do Inquice Tempo (um pedaço de pano branco), as folhas de mariô (palmeira), as quartinhas, dentre outros. Ainda ao transitar pelos espaços urbanos da metrópole goianiense e seu entorno, visualiza-se que o uso e a ocupação dessas comunidades são resultantes diretamente da negociação e luta dos diferentes grupos sociais pela hegemonia e pelo controle das formas que possibilitam sua apropriação material e ideológica conforme aponta Silva (op.cit). Na área estudada, o acesso aos terreiros se faz por uma rede de comunicação que se apresenta de forma dicotômica. Os endereços não são publicizados e há uma ausência de registros oficiais dessas casas. O conhecimento dos locais dessas práticas religiosas se faz quando divulgado nas redes sociais e ainda quando os visitantes levam até os ilês os conhecidos ou adeptos do culto de outros egbés. Nos meios de divulgação em massa, os terreiros de Candomblés goianos faço essa menção para diferenciá-los das casas de rito correlacionado a Umbanda são pouco propalados em jornais e panfletos. Reconheço, portanto, que nessa rede comercial, os pais e mães de santo que praticam os ritos hibridizados (Candomblé e Umbanda) divulgam os serviços mágicos sempre ligados, em sua maioria, às entidades afro-brasileiras e não aos orixás africanos. Isto posto reafirma-se que nessa metrópole ocorre um forte processo de periferização do Candomblé, diferenciando do fenômeno que acontece em 203

206 Salvador e São Paulo quando se observa um movimento de centralização do mesmo. Nessas cidades, os terreiros não guardam relações com aqueles antigos casebres disformes. Eles se espacializam de forma bem dispersa por toda a metrópole. que Sobre essa questão, o antropólogo Silva (1995, p ) acrescenta os terreiros paulistas, hoje, multiplicam-se em quase todas as direções; são encontrados em bairros de classe média e alta como Pinheiros, Vila Mariana e Jardins, ao redor das estações do metrô, nos bairros étnicos Liberdade e Bom Retiro (respectivamente formados por colônias de migrantes japoneses e judeus), cuja cultura religiosa a principio nada teria a ver com a afro-brasileira,[...] o candomblé está, hoje, no centro da cidade. Ao lado muitas vezes de lojas e outros estabelecimentos comerciais, perto de hospitais, vizinho de templos pentecostais ou mesquitas, [...] encontramos terreiros localizados em antigos sobrados no bairro italiano do Bexiga, minúsculas casas e apartamentos populares nos conjuntos habitacionais ou em grandes edifícios, ou ainda em instalações improvisadas em cortiços, garagens ou puxados construídos em fundos de quintal, nos fins-de-semana com a ajuda de fiéis e amigos. Ao observar o caso de Goiânia e Região Metropolitana, observa-se que os terreiros não se apresentam dispostos no território com essas diversidades de ocupações e formas urbanas. Ao contrário, boa parte das casas vivenciam a questão de conflito de posse de terreno. Vem se tornando comum a ocorrência de casos de espólio e herança entre aqueles que se reconhecem por direito (ligados a família biológica) e aqueles herdeiros da família de santo, como já discutido no capítulo 2 desta tese. A disposição espacial dos ilês axé em território goiano relaciona-se com fatores históricos e geográficos que explicam a lógica de ocupação e desenvolvimento de Goiás. Para uma melhor compreensão dessa espacialização dos candomblés na área estudada, remontarei aos dados de campo com o propósito de explanar e compreender a formação, a consolidação e a expansão dos terreiros para além da capital estendendo-se para o estado. 204

207 goiano 4.2 A espacialização das religiões de matriz africana em território Os dados que compõe parte do corpus para as análises a seguir foram coletados entre 2004 e 2006, junto à Federação de Umbanda e Candomblé do Estado de Goiás (FUCEGO) e à Secretaria Municipal de Planejamento, Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico SEPLAM 61. No que se refere aos municípios da Região Metropolitana ainda existem lacunas nesse mapeamento, uma vez que as secretarias responsáveis não possuem dados referentes a tais religiosidades. Ademais, com a metodologia de campo, foram levantados junto aos órgãos de planejamento urbano e de execução de políticas culturais, os registros das concessões e das doações de terrenos públicos a denominações religiosas em Goiânia. A maior dificuldade da obtenção de tais dados refere-se à desarticulação que esses órgãos possuem no sentido de sistematizarem as informações sobre a cultura, uma vez que ocorre uma dispersão de documentos ou a não existência dos mesmos. Nesse sentido, para a tese, esses dados possibilitaram fontes de análises sobre os processos: de encobrimento das RMA, de periferização espacial, dos impactos dos processos hegemônicos de ocupação das religiões judaico-cristã e da iminente segregação espacial que afeta as denominações religiosas subalternizadas. Os registros obtidos nas atas da FUCEGO, sobre a localização das Comunidades de Terreiro no estado, nos anos de 1969 a 1973 (mapa 06), apresentam a visualização dessas comunidades de Terreiro no território analisado. Vale ressaltar que, por uma ausência nos órgãos e instâncias 61 Esses dados se distribuem por um intervalo temporal, visto como descontínuo, já que são apresentados mediante seqüências interruptas de anos: a primeira de 1963 a 1973 e a segunda de 2004 a De um lado, no que concerne à pesquisa, junto à FUCEGO, os dados não foram registrados anualmente, devido às vicissitudes administrativas da instituição. Por outro, nos registros da SEPLAN, que antecedem os anos de 1980, estes dados não foram assinalados. Desnecessário discorrer sobre a lacuna metodológica que tal fato gera para uma análise seqüencial e cronológica do processo. Porém, as inserções de outros métodos e cruzamentos de dados poderão, em parte, minimizar os resultados que subsidiam essa tese de doutorado. 205

208 i u g MAPA 06 - REGISTROS DE COMUNIDADES DE TERREIRO NO ESTADO DE GOIÁS (1969) 52ºOeste 48ºOeste 6ºSul MARANHÃO 6ºSul GRÃO - PARÁ Rio Tocantins 10ºSul Rio do Sono PIAUÍ 10ºSul a a 14ºSul GROSSO a r A Br. Menor do Araguaia Rio Crixés Rio Formosa Rio Maranhão Rio Salvador BAHIA 14ºSul Tocanti ns Cuiabá MATO Rio Vermelho das Itapuranga 1 Rio Almas Rio Maranhão 18ºSul R o i MATO GROSSO DO SUL R i o Rio Claro Rio Verde 1 Aporé Inhumas 1 R i o Aragoiânia 1 Rio Meia Ponte Paranaíba MINAS Rio Pires do Rio 1 Veríssimo São Rio Marcos GERAIS 18ºSul 52ºOeste 48ºOeste FONTE: CHAUL, Nasr F. Caminhos de Goiás. Goiânia: Editora UFG, CARTOGRAFIA DIGITAL Jailson Silva de Sousa Rodolfo F. Alves Pena 1 LEGENDA Cidade / Comunidades de Terreiro Limite da Capitania Hidrografia ESCALA GRÁFICA km

209 delimitadas para pesquisa de campo, os registros anteriores a essas datas não foram coletados. Essa espacialização ganha relevância considerando que o estado de Goiás, durante as décadas de 1960 e 1970, passou por consideráveis mudanças decorrentes de processos imputados pelas dinâmicas econômicas, políticas e culturais, com a formação das estruturas que passam a caracterizar Goiás, nesse período. Cita-se, dentre essas estruturas, a (mono) atividade, o latifúndio-minifúndio e o trabalho compulsório, que foram as bases estruturais dos sistemas organizativos do território goiano, nos últimos três séculos no estado (Silva e Xavier, 1997). Diante do acirramento de tais estruturas, foram registradas várias lutas que visavam o acesso à terra, além de lutas de resistências por afirmação de identidades. Ressaltam-se os casos de remanescentes de quilombos, grupos urbanos sem-terra (originários do êxodo rural) e os ciganos. O Candomblé, nesse ínterim, passa a se configurar no aparecimento de práticas ritualísticas e na formação de Terreiros que foram distribuídos de forma irregular no estado de Goiás. Os dados da pesquisa indicam que no período que inicia a década 1970, ocorreu uma distribuição dispersa e pouco expressiva das Casas de Terreiros 62, porém elas se espacializaram em áreas classificadas como urbanas e/ou cidades que apresentaram para esse período os maiores contingentes populacionais, segundo dados do IBGE. As casas-terreiros no estado de Goiás distribuíam-se, em boa parte, em áreas de concentração populacional, sobretudo, aquelas que apresentavam significativos índices de urbanização e desenvolvimento econômico. O espaço urbano é intrínseco à prática da religião, uma vez que essa necessita de vários outros locais para a sua realização, a respeito menciona-se: as matas, os trilhos, os cemitérios, os mercados, as praças, as encruzilhadas, dentre outros. 62 Ao tratar de registros contidos nas atas da FUCEGO, os números não performatam a totalidade das Casas de Terreiro no Estado, já que os dados correspondem somente aos federados. 207

210 Ainda nesse entendimento, no ano de 1972 as Comunidades de Terreiro apresentaram um crescimento representativo no que tange sua espacialização em Goiás (Mapa 07). Diante da representação gráfica dessa distribuição das casas nota-se um destaque para a cidade de Anápolis que aumenta o número de casas (de 5 para 10) e Rio Verde (de 4 para 8). Nesse ano ocorrem registros de cidades até então não citadas, a exemplo de Ceres (2), Itumbiara (11), Santa Helena (7), Gurupi (4), Araguaína (12). As duas últimas pertenciam ao antigo território goiano, atualmente inseridas no Estado de Tocantins. Observações devem ser feitas para as cidades diretamente localizadas no corredor da Rodovia Nacional (BR 153), a exemplo de Araguaína (TO) com 12 registros. Nesse período (1972), ela era anexada ao antigo território político de Goiás, e esse significativo número de casas pode estar relacionado com sua posição geográfica. A referida cidade fica próximo às regiões norte e nordeste, áreas de forte inserção religiosa de matriz africana representada pela Encantaria Brasileira (Pajelança, Catimbó, Jurema e outros). Essas são consideradas como variações da religião em questão. Essas migraram para a região Centro-Oeste, em especial, para o estado de Goiás na década de A forte migração de pessoas advindas, sobretudo de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia para Estado acarretou para a expansão e desenvolvimento de Goiânia, como também para o aparecimento dos primeiros Candomblés nesse território. Muitos migrantes foram atraídos pelos postos de trabalho promovidos pelas aberturas das fronteiras agrícolas e pelo desenvolvimento das áreas urbanas, com a ampliação do comércio e setor de serviços. Mesmo considerando proeminentes esses fatores, para o caso dos líderes dos (as) candomblés que migraram para Goiás no período mencionado, considero importante destacar que boa parte reorganizou sua prática religiosa com a finalidade de promulgar o saber e garantir estratégias de sobrevivência, sob novas condições de vida e de trabalho na área desse estudo. A década de 1970 é reveladora, pois nesse período as taxas populacionais são elevadas e concentradas nas áreas urbanas, além de se tornar um marco temporal na formação e expansão da Região Metropolitana de Goiânia. 208

211 MAPA 10 - REGISTROS DE COMUNIDADES DE TERREIRO NO ESTADO DE GOIÁS (1972) 52ºOeste 48ºOeste 6ºSul 6ºSul Wanderlândia 1 Carmolândia 1 Araguaina 12 Arapoema 1 1 Filadélfia MARANHÃO 10ºSul GRÃO - PARÁ Miracema do Norte 1 Rio Tocantins Rio do Sono PIAUÍ 10ºSul a 14ºSul 18ºSul R o i MATO GROSSO DO SUL Cuiabá MATO R i o GROSSO i a u g a r A Rio Rio Claro Aporé Vermelho R Br. Menor do Araguaia i o Rio Crixés Rio Formosa Itapaci Rubiataba 1 1 Itapuranga Rialma 2 1 Ceres 1 das Rio Gurupi 4 Almas Rio Meia Ponte MINAS Rio Paranaíba Porto Nacional 1 Rio Maranhão Rio Rio Maranhão Veríssimo Tocanti Itaguaru Cidade de Goiás 1 Jaraguá Jussara Santa Rosa Inhumas Iporá 1 Anápolis São Luis dos 2 Cristalina 1 Montes Belos Anicuns 10 1 Aurilândia Nazário Trindade 1 1 Palmeiras 1 Caiapônia Morrinhos 2 1 Goiatuba Goiandira Rio Verde Santa Helena Jataí 5 Quirinópolis Itumbiara 11 5 São Rio ns Marcos GERAIS Salvador BAHIA ESCALA GRÁFICA km 14ºSul 18ºSul 52ºOeste 48ºOeste FONTE: CHAUL, Nasr F. Caminhos de Goiás. Goiânia: Editora UFG, CARTOGRAFIA DIGITAL Jailson Silva de Sousa Rodolfo F. Alves Pena 1 LEGENDA Cidade / Comunidades de Terreiro Limite da Capitania Hidrografia ESCALA GRÁFICA km

212 Segundo os registros, no ano de 1973, ocorre uma sequência no crescimento das comunidades já apresentado no ano anterior (mapa 08). De acordo com o mapa, na cidade de Anápolis foram registrados 13 (treze) terreiros, este fato instiga algumas considerações. Nesse período, mudanças significativas de ordenamento territorial ocorriam na cidade. Destaca-se as instalações do Distrito Agro-Industrial (DAIA), a reorganização do eixo de distribuição comercial, a construção da base da Aeronaútica, ampliação das rodovias estaduais e federais, entre outros fatores. Esses acarretaram para uma significativa migração de grupos sociais para essa cidade (FREITAS, 1995). No tocante a questão religiosa, a primeira Federação de Umbanda do Estado localizava-se em Anápolis (NOGUEIRA, 2009). Outras inferências também fundamentam essa distribuição espacial visualizada no mapa. O processo de ocupação do território promoveu a ocorrência das inserções de práticas culturais distintas daquelas predominantes no estado. Para essa afirmativa algumas ponderações devem ser apontadas. A ocupação do território goiano e seu gradual processo de expansão econômica foram cruciais como elementos complementares à crescente atividade agro-industrial do sul do país. Essa ocupação se deu por meio das políticas integracionistas que dinamizaram o Centro-oeste brasileiro entre as décadas de 1950 a Em primeira instância, a intensa ocupação imprimiu no território espaços desiguais visivelmente distintos pela densidade técnica disposta nele, como exemplo, áreas agricultáveis com forte mecanização e implementos orgânicos, cidades especializadas para atender esse dinâmico espaço agrícola (CHAVEIRO, 2004; CALAÇA, 2004). Não obstante a esses exemplos, acrescentam-se as alterações no emprego da força de trabalho. Em segundo, diante da presença desses fatores dinâmicos da economia, a migração concorreu para significativas mudanças na base cultural do estado (ESTEVAM, 1998; FREITAS, 1995). 210

213 i u g MAPA 08 - REGISTROS DE COMUNIDADES DE TERREIRO NO ESTADO DE GOIÁS (1973) 52ºOeste 48ºOeste 6ºSul 6ºSul 1 Xambioá Arapoema 1 Araguaina 2 10ºSul GRÃO - PARÁ Guaraí 2 Rio Tocantins Paraíso do Norte 2 MARANHÃO Rio do Sono PIAUÍ 10ºSul a a 14ºSul 18ºSul R o i MATO GROSSO DO SUL Cuiabá MATO R i o GROSSO a r A Rio Rio Claro Aporé Vermelho R Br. Menor do Araguaia i o Rio Crixés Rio Formosa das Rio Itapaci 1 Almas Rio Meia Ponte MINAS Rio Paranaíba Rio Maranhão Rio Rio Maranhão Colinas Uruaçu 1 1 Crixás 1 Rialma 1 Ceres 5 5 Rianápolis Jaraguá 1 Jussara 1 Inhumas Anápolis 2 13 Caturai 2 Veríssimo Tocanti Nazário Trindade 2 1 Jandaia Pires do Rio 1 1 Santo Antônio Morrinhos 1 da Barra 1 Rio Verde Santa Helena 2 3 Jataí 1 Quirinópolis 1 Cachoeira Dourado 2 São Rio ns Luziânia 3 1 Bonfinópolis 2 Leopoldo de Bulhões 3 Cristalina Marcos GERAIS Salvador BAHIA 14ºSul 18ºSul 52ºOeste 48ºOeste FONTE: CHAUL, Nasr F. Caminhos de Goiás. Goiânia: Editora UFG, CARTOGRAFIA DIGITAL Jailson Silva de Sousa Rodolfo F. Alves Pena 1 LEGENDA Cidade / Comunidades de Terreiro Limite da Capitania Hidrografia ESCALA GRÁFICA km

214 O território brasileiro imprimiu no espaço as marcas dos vetores da mundialização, que se intensificaram, criando e recriando territórios pela técnica/informação/ciência. Para o estudo de Goiás e, em especial, de sua capital e seu entorno, as contribuições teóricas de Santos (1996) possibilitam analisar a formação do território de forma geral, a partir das formas e dos conteúdos, aliados ao conjunto de objetos/ações disposto sobre o espaço. Nesse sentido, as mudanças na base territorial e cultural passam a constituir as estruturas explicativas que dão sentido à noção de espacialidade, sobretudo aquela ligada ao espaço humano e habitado. Da emergência desse espaço ressaltam-se as práticas culturais advindas de lutas de resistências por afirmação de identidades, ainda que de certa forma pouco propaladas. Para Santos (1994), a questão do território se apresenta como produto de uma relação de forças, envolvendo o domínio ou o controle políticoeconômico do espaço e a sua apropriação simbólica. Essa relação é construída de acordo com segmentos sociais, grupos culturais e os interesses dominantes. É comum o surgimento de novos territórios baseados na dinâmica das redes necessárias ao desenvolvimento dos lugares e ao pertencimento dos grupos. Em decorrência desses processos, um par dialético sobressai: o binômio industrialização-urbanização/campo-cidade. Quando se observa os efeitos das transformações espaciais e econômicas que são resultados desse par dialético, as regiões dinâmicas e luminosas do país se tornam as áreas concentradas discutidas por Santos (idem). O binômio mencionado emerge como vetor responsável pela projeção dos espaços na sociedade contemporânea que projeta, sobre o território, os seus efeitos, incorporando um modo de organização próprio (ainda que por imposição), designando a cidade enquanto locus da reprodução do capital e das relações sociais estabelecidas por seus moradores e outros sujeitos sociais. Essas relações, enquanto conteúdos sociais criam as representações do espaço e os espaços de representação discutidos por Lefebvre (1974), por meio de teias heterogêneas de usos, forças e ações que se expressam nas formas de dominação, apropriação e resistências. O binômio, ainda, impôs uma 212

215 dinâmica de produção espacial em que a cidade foi em sua composição histórica, principalmente a partir da década de 1960, agigantando-se e formando as metrópoles, fenômeno ocorrido nos países da América Latina, especialmente, no Brasil. Os espaços da metrópole se apresentam como forma urbana que define a atual sociedade generalizada em tempos e espaços modernos conectados. Com essa visão de tempos e espaços interconectados é possível afirmar que a metrópole envolve a esfera do cotidiano. Nela, as práticas humanas reais e valorizadas ressignificam o lugar de ações políticas que são cada vez mais poderosas e alienantes. Resultante de processos históricos essas ações políticas, na metrópole, se traduzem por meio de um mosaico de construções socioculturais que se combinam de forma dialética, em que as experiências dos grupos passam a designar as novas concepções de espacialidade. As assimetrias do tempo e do espaço envolvendo as práticas culturais, no presente do estudo, foram tratadas pelas questões que envolvem a formação do próprio espaço diaspórico e seus efeitos na contemporaneidade. Nos capítulos anteriores, esse espaço foi tratado por debates sobre as questões de religião, de gênero, de política e outros. Dessa sorte, para relacionar a produção social da metrópole goianiense com a prática do Candomblé, se faz necessário correlacionar em outros termos a experiência da diáspora. Na metrópole, tal experiência promoveu e promove um fecundo debate, uma vez que envolve as experiências intersubjetivas individual e coletiva das nações que compõem as identidades candomblecistas. Essas perpassam por processos que designam a necessidade de negociações entre os segmentos subalternos com aqueles que constituem as representações de poderes hegemônicos. Sabe-se que os confrontos oriundos dessas negociações resultam em disputas de poder. Dessas, geralmente, surgem as crises que evocam as histórias locais, as ações de sobrevivências, as condições de permanências dos grupos envolvidos. Perceptivelmente, essas perpassam pela necessidade direta da promulgação de um plano político de reconhecimento das diferenças culturais. 213

216 Na estrutura hegemônica do pensamento ocidental/europeu/cristão, a semântica atribuída às religiões de matriz africana visam o desrespeito e a ilegitimação, ações que obliteram as questões étnicas e simultaneamente provocam violências racializadas em um tenso processo de vitimização social (SILVA, 2005; AMARAL, 2005; PRANDI, 2005). No bojo dessa questão percebe-se que a espacialização das comunidades de terreiros no território goiano permite remontar as ideias iniciais do presente estudo quando afirmo que as concepções do Candomblé, no espaço diaspórico, constituíram-se na necessidade direta da posse de um território próprio, em que sua prática não seja segregada. Sua organização, fixação e delimitação, decorrem por várias ações de permanência/resistência. Outro efeito da diáspora, no que tange à constituição e ressignificação contínua do Candomblé, se apresenta pela composição das redes que fomentam o processo de resistência cultural. Essas redes articulam mecanismos que permitem que numa nova realidade seja contemplada: a heterogeneidade de culturas de matriz africana. Nesse espaço, posto como diaspórico, as práticas culturais tal como vindas do continente africano, são recriadas, porém conservando traços de uma essencialidade. É no seio desse entendimento que as Religiões de Matriz Africana surgem como possibilidades de recriação dos elementos que se concebe por africanização. Esses elementos se formam nos entre-lugares em decorrência do processo de hibridação e na conformação daquilo que se compreende como terceiro-espaço (BHABHA, 1994; CAPONE, 2008). Os Candomblés no espaço diaspórico brasileiro se localizaram e se localizam em áreas urbanizadas, sobretudo nas cidades. Tal afirmativa tornase evidenciada para o recorte espacial da presente tese, ou seja, Goiânia e Região Metropolitana. Para o caso da metrópole em questão, visualiza-se o fato de que as Comunidades de Terreiro, atualmente, se localizam em antigas centralidades como os setores de Campinas, Centro, Macambira e Sul. Para áreas como Campinas e Centro esses espaços sagrados promovem uma articulação das casas com a rede de serviços e comércio de produtos mágicos, conforme analisado por Ulhôa (2012). Ainda ressalta-se as novas centralidades 214

217 para o Candomblé decorrentes da transferência dos ilês urbanizados, para as regiões Sudoeste, sobretudo em direção a cidade de Aparecida Goiânia, marcadamente ocorrida no final de 1980 e início Essa transferência também promove a presença da rede de serviços e comércio, fenômeno bem visualizado na avenida Rio Verde, corredor que é marcado pelo forte adensamento de equipamentos urbanos e populacional entre Goiânia e Aparecida. Os setores que são limítrofes da cidade de Senador Canedo também são representativos das Comunidades a partir de 1990, sobretudo por essas áreas ainda apresentarem possibilidades de terrenos com amplos espaços. Outra observação dessa espacialização é a presença de ilês nas regiões que ligam a cidade de Trindade. É importante ressaltar que essa última é conhecida nacionalmente como cidade-santuário da fé católica ligada a fé ao Divino Pai Eterno. Essa informação é trazida, pois percebeu-se nos trabalhos de campo, que outras segmentos religiosos se territorializam nessas áreas (Mapa 09). 4.3 O Candomblé e a formação da rede territorial identitária: entre as nações de Angola e Ketu em Goiânia e entorno A chegada do Candomblé no território goiano liga-se ao processo de universalização dessa religião. Ressalta-se que são ausentes os registros que se referem a formação da mesma em Goiás ligada as relações etnicorraciais negras. A crescente inserção de adeptos de outras etnias contribuiu tanto para sua popularização quanto para a sua expansão territorial e seu embranquecimento. De sua configuração histórica observa-se que a organização do Candomblé goiano não se relaciona diretamente à presença dos africanos que aqui chegaram na condição de escravos para trabalhar nas minas de ouro e nas atividades complementares. Contudo, têm-se registros da presença em Goiás de manifestações religiosas e culturais com características africanas ou africanizadas, tais como o Calundu e as Irmandades Negras (Nossa Senhora do Rosário). Porém, esse modelo não se repetiu nas províncias e interiores extra 215

218 MAPA 09 - DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DAS COMUNIDADES DE TERREIRO EM GOIÂNIA ZONA RURAL ZONA RURAL BR 352/GO020 SAÍDA P/BELA VISTA FONTE: IBGE. Censo Demográfico, 2000 (METRODATA). SEPLAM BASE CARTOGRÁFICA: Loçandra Borges de Moraes ADAPTAÇÃO: Jailson Silva de Sousa Rodolfo F. Alves Pena LEGENDA Quantidade de templos de 23 a 31 de 10 a 17 de 6 a7 de 4 a 5-49º27'10' 16º27'15' km km - GO 070 SAÍDA P/ INHUMAS GO 060 TRINDADE OESTE MENDANHA CAMPINAS GO 462 SAÍDA P/ NOVA VENEZA CENTRO GO 080 NERÓPOLIS LESTE BR 163 SAÍDA P/ BRASÍLIA GO 403 SENADOR CANEDO GO 010 BONFINÓPOLIS ESCALA Projeção Universal Transversa de Mercator Hemisferio Sul ZONA RURAL 670km 680km 690km 700km 49º04'15' NOROESTE ZONA RURAL VALE DO MEIA PONTE NORTE ZONA RURAL ZONA RURAL 2,5 km 0 2, km km km - 16º51'40' - BR 060 SAÍDA P/RIO VERDE SUDOESTE 040 GOIÂNIA/APARECIDA MACAMBIRA E CASCAVEL ANEL VIARIO SUL SUL BR 153 SAÍDA P/SÃO PAULO SUDESTE

219 litorâneos. Para Goiás a presença do Calundu não remete à influência para a formação do Candomblé. Compreende-se aqui que sua gênese nesse território, não se deu de forma linear em que, necessariamente, o Calundu viesse a fornecer os elementos basais para sua constituição. De acordo com Parés (2006, p.101) a dinâmica dialógica de diferenciação étnica entre as diversas nações [...] encontrou desde o princípio um contexto privilegiado de expressão nos ajuntamentos festivos dos grupos negros e nas práticas religiosas de origem africana, e desta inserção acontece a formação dos diversos candomblés que se faz por meio da língua, cantos, danças e instrumentos, especialmente, os tambores (idem). Baseada nessa obra é possível remontar aos princípios geradores dessa religião, por meio dos vínculos culturais, ou melhor, fragmentos das culturas africanas ou de instituições religiosas que se amalgamaram dando um sentido identitário a prática do candomblé na diáspora. Nos capítulos anteriores foram feitas discussões sobre a chegada dos povos negros no espaço diaspórico brasileiro. Retomo aqui, em consonância com Bastide (1985), que essa inserção promoveu a constituição de um espaço social plural em termos de valores étnicos e práticas culturais, civilizações ou superestruturas. Acrescenta-se nesse espaço as representações coletivas. Parés (2006, p. 109) destaca que o candomblé é resultado do processo de reconstrução de novas instituições religiosas por essa pluralidade de fragmentos culturais. O autor continua sua problematização considerando que o Candomblé, em sua formação, atendeu aos princípios e aos estágios de adaptações. O primeiro estágio dessa organização religiosa ocorre ao arredor dos batuques, cantos e irmandades católicas (p.109). Ainda o autor ressalta que o segundo estágio é aquele designado por criação. Na realidade esse corresponde a formação de estruturas complexas como calundus e candomblés (idem). Diante dessa visão, que em certa medida é basilada pelo entendimento de um processo linear que explica a estrutura formativa do Candomblé, é possível inferir que a constituição do Candomblé goiano não obedece a esse pensamento. Ele é constituído de forma cadenciada e disforme permitindo 217

220 relações plurais e rizomáticas para a sua explicação. O fato é que os registros das manifestações religiosas de matriz africana, já na configuração de Candomblé, só ocorrem de forma institucionalizada em Goiás, a partir da década de Entre as décadas de 1970 a 1980 data o início, para o Candomblé, da chegada de babalorixás advindos das várias frentes abaixo enumeradas: a) De Pernambuco com o Sr. João de Abuque, responsável pela formação do primeiro andomblé goiano, o qual fora constituído na ascendência da nação Angola; b) Da Bahia com Sr. PC do Ilê Axé Oxumarê, de Salvador; c) Do Rio de Janeiro com o Sr. Djair e o Sr. Ricardo, do Ilê Axé Oxumarê; d) De São Paulo, Sr. Carlos Scarandiu, do Ilê Axé do Gantois, de Salvador. Esses babalorixás contribuíram diretamente para a configuração da rede do Candomblé goiano, (SCARAMAL, 2011; ULHÔA, 2009). Segundo pesquisa realizada por Garcia (2002) o Candomblé chega a Goiás por meio do Babalorixá João de Abuque. O autor afirma que na experiência vivida por várias pessoas consagradas ao candomblé em Goiânia, encontramos Pai João de Abuque. Seu terreiro no Setor Pedro Ludovico, fundado em 1973, é, segundo ele, o primeiro da cidade. A cidade de Goiânia é ainda jovem, muito diferente de Salvador, Recife, São Luis, onde a tradição dos Orixás se confunde com a chegada dos primeiros africanos no Brasil (...) João de Abuque veio para Goiânia, enviado pelos Orixás para resguardar a tradição neste solo do Centro- Oeste. Foi iniciado no Candomblé, na Bahia, aos 8 anos, devido a problemas de saúde. Segue a tradição de seus ancestrais e dá continuidade ao trabalho da mãe que era filha de Oxalá. (GARCIA, 2002, p. 101). Tais informações estão contidas em sua dissertação citada anteriormente nesse estudo. Em sua investigação, o autor analisa o sincretismo religioso como forma de resgate da identidade étnicorreligiosa. 218

221 Para tanto, ele utiliza como locus de análise o Terreiro de João de Abuque. O local em questão chama-se Ilê Axé Ibá Ibomin, e se faz presente em território goiano, desde a década de Para Garcia (2002), João de Abuque promoveu a composição territorial do Candomblé de Angola e tornou-se responsável por uma linhagem de matriarcas e patriarcas que são reconhecidas (os) na rede territorial dessa religião. A espacialização e a expansão do Candomblé em Goiás são reconstituídas segundo as informações fornecidas pelo Babalorixá Marcos D Ávila ti Oxalá. Ele infere que, no momento de constituição dessa religião em Goiânia preponderou duas bases territoriais diferenciadas ritualisticamente, a saber: o Candomblé da nação Angola e o Omolocô. Ambos se organizaram ao final da década de 1960 e início da década de Segundo o zelador de santo da jurema, senhor Neto juremeiro, os fatos são assim descritos: Juremeiro Neto: (...) João de Abuque. (...) Ele era de Angola, a nação dele é de Angola. Então entrei, ele foi de junho de 1980 e saí no dia 18 de julho de 1980, né? Que é vinte e um dias no (...) vinte e um dias dentro do quarto de santo. Cumpri os três meses de quelê, que é a... que é o compromisso que é feito, o ato dentro do quarto de santo, que eu saí para trabalhar com quelê. Então, o João de Abuque, ele era filho de Zequinha Gongonbira e Dona Inês... e ele era de Petrolina. Então Petrolina de um lado, Juazeiro do outro, né? Pernambuco. E Oxóssi mandou que ele viesse para o centro do país. Ele saiu... é, muito pobre, chegou aqui mais pobre ainda. Então ele fazia banho, fazia garrafada, fazia banho de descarrego para as prostitutas, né? E começou a atender o povo. Ele trabalhava na num dado córrego, lá perto da rodoviária que era setor norte ferroviário. Ai, criou-se o Setor Pedro Ludovico, que a cidade só ia até o setor Sul, daí pra frente num tinha mais nada, era só... que era o macambira. E lá ele fez uma, uma lona e foi ele... abriu o primeiro candomblé, que foi feito lá. O Ilê Axé Ibá Ibomin, liderado por João de Abuque, tornou-se o centro difusor do Candomblé goiano. Das mãos desse zelador, foram iniciados as primeiras iyalorixás e babalorixás que lideram as principais Casas de Santo em Goiás. Observa-se que, para este momento inicial, a mulher teve um destaque notório na liderança das comunidades, uma vez que muitas das iniciadas 219

222 abriram seus próprios Ilês, como é o caso de Teresa ti Omolu, Jane ti Omulu, Lourdes ti Iansã e Estela (sem informação do orixá pertencente). É importante destacar o marco de 1970 a 1980 tendo em vista o período de 1990 a 2010, sendo que esse segundo momento foi marcado pela inserção e liderança masculina e, numa desinência de gênero, do grupo homossexual (masculino), informações contidas nas fontes orais e no mapeamento dos terreiros desse estudo. Para esse debate, visito o texto de Lima (1977) pelo fato do autor demonstrar que. no estado da Bahia ocorre um aumento do número de homens iniciados na religião, porém o número de mulheres é proporcionalmente mais alto. Ainda acrescento que nesse estado, as mulheres permanecem em maior número como líderes desse sistema religioso. O autor pontua que as solicitações econômicas resultantes do crescente processo de urbanização e industrialização impossibilitam a inserção em maior número de homens no Candomblé. Segundo mãe Stela do ilê axé Apô Afonjá da cidade Salvador, Na Bahia existem mais mães do que pais de santo por que existem casas, como no axé Opô Afonjá, que não pode haver pai de santo, mas somente mãe. Acredito que este fato é algo inteligente, por que para manter uma casa é sempre melhor ser mãe. Em determinados aspectos, a mãe de santo tem mais carinho para tratar com homens, mulheres e crianças. [...] no Brasil existe mais mães do que pais de santo porque na tradição yorubá, a mãe de santo foi politicamente mais forte, e considero no sentido humano da palavra porque é mãe [...] a mãe de santo marca o descompasso com a sociedade brasileira que é machista, considera a figura da mãe maravilhosa, que sintetiza o tipo de fé para se falar em relação a mulher. O Candomblé também ressalta o papel da mãe porque as mulheres são mais maleáveis do que os homens, tanto que grandes pais de santo são gays. Tal situação ocorre de forma inversa no território goiano, marcadamente a rede territorial é liderada pelo sexo masculino, conforme demonstrado no capitulo três, nos gráficos que representam o processo de iniciação realizado na Casa da Mãe Tereza ti Omolu. 220

223 Ao remontar as bases do estado Goiás, o Omolocô também se forma na figura do pai-de-santo, quando os sujeitos/informantes destacam a representação do zelador Ironi como o responsável pelo estabelecimento dessa linhagem ritualística das Religiões de Matriz Africana. Contudo se observa que esse zelador marca a primeira fase (1970 a 1980), iniciando um maior número de mulheres, como exemplos Zélia e Iraci, essa última mantém seu terreiro no setor Urias Magalhães, em Goiânia. As principais lideranças dessas duas bases territoriais e ritualísticas são explicitadas na figura 25. A reconfiguração territorial do Candomblé por volta do final dos anos de 1980 e inicio de 1990 é marcada por uma significativa mudança em termos de nação. As bases territoriais se redefinem pela transferência de axé, sobretudo da ritualística da nação Angola para a de Ketu. Tal passagem marca uma posição política de reconhecimento da prática em território goiano que, ao ser assumida pelos líderes do Candomblé, configura uma outra perspectiva identitária nos Ilês. É valido ressaltar que para o Candomblé a concepção de nação ganha interpretações complexas, ora ligadas ao sentido teológico, ora como demarcação da identidade religiosa. Desta sorte, o conceito de nação vincula-se às linhagens ou genealogias da família de santo. Sabe-se que cada linhagem articula e combina um conjunto simbólico de ritos e rituais vivenciado pelos praticantes, segundo regras de controle estabelecidas tanto pela cosmogonia quanto pelas próprias estruturas que constituem o sistema religioso. Diante desta observação reforço que o Candomblé, de acordo com os relatos contidos na bibliografia especializada, é representado por um conjunto de comportamentos regidos por leis próprias ao mundo sagrado. Para tanto, recorro às contribuições de Heller (1997, apud, JOAQUIM, 2001, p.163) referindo-se a Weber ao mencionar que atuamos livremente no âmbito de possibilidades estabelecidas na transcendência. Somos livres, mas as potências divinas obstaculizam nossas ações, intervêm, podendo transformálas em seu contrário. 221

224 Fonte: Santos, M.F (notório saber babalorixá Marcos Dávila ti Oxalá), dezembro de

225 Nesse caso, o Candomblé é vivenciado por uma hierocracia obedecendo sempre o principio de senioridade. Nos estudos sobre os Candomblés paulistas, o antropólogo Vagner Silva (1995) relata que o culto de nação Angola, popularizou o Candomblé, pois atraiu os umbandistas interessados nos ritos que permitiam a presença dos caboclos afro-ameríndios. Desta feita, o Candomblé de ketu para o referido autor seria aquele que se distanciava da Umbanda, posto como puro ritualmente, e que o controle legítimo dos orixás era garantido. Isto posto, retomo a questão da reconfiguração simbólica da rede territorial goiana dos Candomblés quando da passagem da maioria das casas de nação Angola para a nação Ketu em Goiânia. Marcadamente, essa mudança promoveu conflitos e ajustes políticos e culturais entre os líderes e os filhos de santo na área estudada. Tal situação é analisada sob um olhar que postula reconhecer que nesse processo sobressaem os interesses de legitimação social garantindo alianças com casas situadas em outras regiões do país. É mister destacar que no tópico geografia das falas essa rede intra e inter egbés nacionais foi bem evidenciada. Reconheço que essa legitimidade social da nação Ketu em Goiás perpassa também por valores e prestígios relacionados à tradição de determinadas nações que impõem para as casas e os líderes concepções centristas, que ainda buscam evidenciar a pureza teológica africana 63. Para o caso da rede goiana sopesa, ainda, o fato da ocorrência de um significativo modelo organizacional do Candomblé que é dado por meio de dinâmicas de concorrências entre os ilês. Notadamente, essas concorrências se estabelecem com a vinda dos babalorixás e das yalorixas que são hoje reconhecidos como principais lideranças nacionais, sobretudo do eixo Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador. Compreendo que esses mantém com os(as) líderes goianos relações estreitas em termos de realização das obrigações necessárias ao Candomblé (rito de feitura, assentamento de ilê, cuidados dos/das líderes), consumo de produtos mágicos e outros. 63 Para esse assunto consultar Stefania Capone em A busca da África no candomblé, (2009). 223

226 O marco dessa mudança de axé na cidade de Goiânia, segundo os iniciados da religião, dá-se com a chegada do Babalorixá Djair ti Logunedé na década de 1990, quando se territorializa o rito Ketu., diferentemente do que até então predominava com a tradição e liderança trazidas por João de Abuque, pertencente a nação Angola. Babá Djair promove a abertura e a publicitação dessa religião tanto pela ritualística espetacularizada, ou seja, com festas ricamente ornamentadas, quanto pelas articulações estabelecidas entre outras Casas (anteriormente isoladas) e com outros líderes advindos dos principais centros nacionais candomblecistas, como é o caso de Salvador e Rio de Janeiro. Ocorre que, dessa abertura, uma considerável parte dos iniciados com João de Abuque, nas décadas de 1970 e 1980, passou a dar suas obrigações com babá Djair ti Logunedé. Essa situação implicou diretamente numa mudança de nação, ou axé, e em um processo de reterritorialização do Candomblé em termos sociais, políticos e identitários. Nesse contexto emerge uma mobilidade dos iniciados intra e inter egbés. Essa situação favoreceu a uma crescente disputa por filhos-de-santo e acesso aos conhecimentos intrínsecos ao poder da religião em tela: os orôs. Trechos da entrevista com o Babalorixá Marcos Dávila ti Oxalá, essa questão é esclarecida. Mary Anne: Pai o primeiro formato territorial data com as Casas de João de Abuque e Ironi. E a segunda fase territorial do candomblé, como ocorre? Pode-se fazer uma periodização, uma estrutura temporal... Marcos Dávila: Eu não conseguiria agora, imediatamente, precisar as datas. Mas ocorre com a chegada, com a vinda de seu Djair para Goiânia. Seu Djair vem de uma história mais popular no Rio de Janeiro, onde ele foi iniciado. E ele vem para Goiânia a convite de alguns amigos para passar um tempo e aí ele decide mudar da cidade do Rio de Janeiro, onde ele morava e vem. E como as relações vão se dando, as pessoas vão começando a perceber nesse período que existia muito mais do que só aquela tradição de João de Abuque. Elas começam a vislumbrar uma perspectiva nova, de muito mais orôs. Na verdade o fato é que as coisas ficaram mais claras, porque com a chegada de Djair a noção da lógica do Candomblé acaba ficando mais clara numa perspectiva de ritualística, de culto. Mais elaborada, com maior profundidade do rito, do segredo, da tradição. E ainda nesta perspectiva foi 224

227 devagar, isso não foi uma coisa forçosa e as relações dele vão num crescente. As pessoas vão se encantando com o que ele vai apresentando, porque havia muito mais lógica no fazer, na ritualística quando Djair apresenta Ketu. Enquanto que com João de Abuque e Ironi a coisa era muito guardada, era fechada, pouco explicada. Algumas questões ficavam pouco claras para o sacerdote e com a chegada de Djair vai se descortinando várias possibilidades do rito. Numa perspectiva mais simplista é o seguinte: cai a máscara e essas pessoas acabam, é a máscara do segredo, e esses sacerdotes têm acesso pela primeira vez a muito mais conhecimento a respeito da ritualística e isso encanta as pessoas. Você aprendeu, você viveu a vida inteira falando um único idioma sem saber que existia outro e quando chega um novo você aprende que tem muito mais coisas a se falar em outros idiomas do que naquele que você viveu a vida inteira. E aí isso vai causar um rompimento, aí causa uma ruptura nas relações. Com João de Abuque... e que fique claro que esse momento é marcado unicamente, mais especificamente, com João de Abuque. Ironi, com Zélia e com Iraci, e eu vou me lembrar ainda o nome da terceira Mãe de Santo, eles são abalados porque eles não estão nesse circuito, não se coloca nesse circuito de disputa. Que aí você não me pergunte porque, porque eu não vou saber responder. Porque fica e até hoje não é abalada essa estrutura na tradição da casa que tem origem em Ironi. Essa estrutura é basicamente abalada na estrutura, na descendência, da casa de João de Abuque especialmente aí com Lourdes, Teresa, Ênio, Kerley, entendeu? Que eram... Neto de Iansã. Então há esse rompimento, nesse período, com a chegada de Djair. Uma coisa que é importante lembrar: quando Djair chega, ele não re-inicia as pessoas, ele acaba por completar o ciclo de algumas pessoas dando as obrigações, que a gente entende que são de idade para o Candomblé e iniciando novos adeptos para a religião. Então é marcado por esses momentos. Ele inicia muitas pessoas e nessa disputa territorial, desse espaço que se configura com a chegada do Djair as principais cabeças da casa de João de Abuque dão as obrigações de tempo com Djair. Então não há uma refeitura e reiniciação e a chegada de Djair se dá mais importantemente aí: na tomada desse espaço completando o ciclo dessas pessoas (Entrevista realizada em 16 de novembro de 2011 por Vieira Silva, M.A) Percebe-se, então, que os conflitos que marcaram a rede candomblecista goiana se deram muito mais numa relação de necessidade de acesso aos conhecimentos por parte daqueles que já haviam alcançado a maioridade na hierocracia do Candomblé (marcada pelo cumprimento do ciclo obrigatório de sete anos) do que por uma relação de iniciação de novos 225

228 adeptos. Essa reconfiguração ocasionou em uma autonomia das Casas, anteriormente dada por uma forte endogenia ligada ao Axé de João Abuque. A respeito dessa autonomia, os Candomblés em Goiânia e Região Metropolitana na década de 1980 ficaram submetidos à uma estrutura tradicional em que cada ilê é um governo e cada líder um governante soberano. Desta feita percebe-se que o principio da senioridade torna-se o noema primordial desse sistema religioso. Ele garante a permanência e a estabilidade entre as Casas e seus respectivos líderes. O tempo de feitura é uma lei soberana para o adepto da religião. A partir desse princípio, os Candomblés estabelecem uma rede de relações vista por meio de códigos hierárquicos. Essa situação é visivelmente posta na realização das cerimônias ritualísticas, sobretudo, nos xirês. Durante o trabalho de campo, os sujeitos/informantes asseveraram que, em Goiás, o Candomblé é isolado e que não há uma rede de solidariedade fortalecida entre as pessoas e, especialmente, entre os Ilê axés. Ao retomar a questão da reconfiguração, essa observação é falseada nos argumentos da presente tese. Considero que a mudança de nação promoveu e promove ainda nos dias atuais uma intensa articulação entre as Casas e os adeptos, ora de forma harmoniosa, ora de forma conflituosa desvelando suas características de interseccionalidade territorial e identitária. Para ilustrar essa reconfiguração (figura 26). Ressalta-se que, na atualidade, a rede do Candomblé goiano perpassa por uma configuração em que as primeiras bases (Omolocô e Angola) apesar dos conflitos e disputas territoriais entre Angola e Ketu são preservadas e que ocorre uma crescente expansão da nação Ketu. Desta feita, outras configurações despontaram em um contexto de conflitos e mediações, sentidos tanto no âmbito do povo-de-santo, o qual se via também na perspectiva trazida pela tradição Ketu, como de forma mais generalizada pelos intensos processos de realização das obrigações. 226

229 Tais configurações das árvores genealógicas dos Candomblés goianos favorecem para o entendimento de que essa mudança promoveu no seio da rede representada pelos líderes mencionados, a recomposição dos elementos que traduzem o sentido da formação do espaço diaspórico. Outra perspectiva dessa rede ocorre atualmente em Goiânia e no entorno quando se discute sobre as políticas de reconhecimento e legitimidade dos territórios sagrados para o culto de Matriz Africana, uma vez que se percebem os feitos do Estado com as ações de encobrimento do outro, assunto tratado na próxima seção. 227

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