Universidade de São Paulo - Departamento de Geografia FLG 0355 CLIMATOLOGIA II Prof. Emerson Galvani
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- Eduarda Flores Ramires
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1 1 Universidade de São Paulo - Departamento de Geografia FLG 0355 CLIMATOLOGIA II Prof. Emerson Galvani Impacto urbano sobre o clima local. 1. Introdução No contexto do território brasileiro, em que a degradação ambiental ocorre de maneira diversa e em vários níveis espacial e temporal, é sem dúvida no meio urbano que se concentram as maiores transformações. Fenômenos como ilhas de calor, chuva ácida, poluição do ar, solo e ar, enchentes, entre outros, passam a fazer parte do dia-a-dia do ambiente urbano. De modo geral nas décadas dos 60/70 as áreas urbanas funcionaram como um atrativo para a população rural. As áreas urbanas experimentaram nesse período um elevado crescimento, que se procedeu na maioria das cidades de forma não planejada. Estimativas das Nações Unidas para 2025 indicam para a América Latina 84% da população residindo no meio urbano enquanto na década dos 50 esse percentual era de 41%. Não nos restam dúvidas que esse novo ambiente apresentará os mais diversos problemas: sociais, econômicos e ambientais. A explanação a seguir dará destaque a problemática ambiental, mais especificamente aqueles de conotação climática. 2. Ação antrópica e clima urbano Para compreendermos a dinâmica de impactos do ambiente urbano sobre o clima local, se faz necessário o entendimento de três processos que condicionam em grande parte o clima urbano de uma cidade. 2.1 Balanço de radiação: todo corpo disposto sobre a superfície terrestre apresenta uma característica física denominado de albedo. O albedo expressa o poder refletor daquele objeto ou superfície e é o obtido pela relação entre a energia refletida e o total incidente. O albedo varia de zero (corpo negro) a um (espelho, exemplo). Assim sendo imaginemos duas situações: uma anterior a implantação da cidade, ou quando ainda não se formava um núcleo urbano de grandes proporções e outra posterior. Na primeira a cobertura do solo num caso hipotético era constituído por vegetação de diversos portes predominando a cobertura do dossel como sendo o verde. O espectro da cor verde apresenta albedo de 25%, ou seja, de um total de 100% de energia incidente 25% é refletido, conferindo aquele meio um certo nível de energia e uma certa temperatura. Vejamos agora a segunda fase, a chamada segunda natureza, com a substituição quase total - ou total da cobertura vegetal e construção do espaço urbano. Uma mistura de prédios em vidro e concreto, residências, industrias margeados por uma manta asfáltica negra e monótona. Essa nova superfície passa a apresentar um albedo de apenas 5%, ou seja, daquele total de 100% de energia incidente apenas 5% foi refletido, resultado em uma energia disponível muito maior nesse meio, conferindo uma temperatura também diferente. A figura 1 mostra como se comporta os dois ambientes. Assim, uma análise teórica dos componentes do balanço de radiação nos leva a concluir que esse novo meio promoverá uma maior energia disponível e valores também mais elevados de temperatura do ar e do solo e implicações em outros elementos meteorológicos, como umidade relativa do ar, pressão atmosférica e campos de ventos.
2 2 (a) (b) 100% 100% Ex: Rs=1000 W/m 2 Rr= 250 w/m 2 Rs-Rr= 750 w/m 2 solar Ex: Rs=1000 W/m 2 Rr= 50 w/m 2 Rs-Rr= 950 w/m 2 solar 25% 5% refletida refletida Figura 1. Comparação da energia disponível antes (a) e após (b) a implantação de um núcleo urbano. 2.2 Campos de vento: A velocidade do vento em um ponto da superfície terrestre é resultado da variação da pressão atmosférica (gradiente entre dois pontos) e do atrito com a superfície (outras forças envolvidas no movimento não serão aqui tratados pois o exemplo é comparativo). Considerando um mesmo gradiente de pressão e duas superfícies; uma homogênea (floresta, por exemplo) e outra com variações no perfil (rugosa) com atrito elevado, teremos como resultado uma velocidade do vento maior naquela superfície homogênea. Isso implica que o aumento da rugosidade da superfície prédios, casas, industrias, por exemplo promovem uma diminuição do fluxo de vento e menor dispersão dos poluentes atmosféricos. Outro agravante é a formação de verdadeiros canyons urbanos (Oke, 1984, citado por Monteiro, 1990). Esses canyons é resultado do efeito protetor das construções ao deslocamento do ar (vento). Na direção predominante do vento um obstáculo protege uma área de 20 a 25 vezes a sua altura, diminuindo a dispersão de poluentes nessa área, denominada de área tampão. Direção do vento Área tampão Figura 2. Efeito protetor/redutor da velocidade do vento por um obstáculo. 2.3 Campos de pressão, temperatura e chuvas no meio urbano: Como já apresentado anteriormente, existem evidências de um possível acréscimo da temperatura no meio urbano. Estudos em metrópoles de clima temperado indicam acréscimos da ordem de 5 o C entre as áreas urbanas e rurais, configurando ilhas de calor nos núcleos urbanos. Já em países tropicais (Brasil, por exemplo) esse acréscimo pode ser muito mais elevado. Lombardo (1985) avaliando a formação de ilhas de calor na região
3 metropolitana da cidade de São Paulo (RMSP) obteve valores de ordem de 12 o C nos horários de máximo aquecimento. Mendonça (2000) em Londrina, norte do Paraná, encontrou nos horários de máximo aquecimento e no período de entresafras (solo desnudo no meio rural) valores da ordem de 13 o C. É de conhecimento que a pressão atmosférica tem variação inversa a temperatura do ar (por isso que o balão sobe ar quente mais leve). Assim a de se esperar que à medida que caminhamos em direção a área central do núcleo urbano, observa-se um acréscimo da temperatura e uma redução da pressão atmosférica (Patm). Esta condição vale para atmosfera estável. Tem-se então a convergência dos ventos para a área central. Essa convergência do fluxo de vento para o centro do núcleo urbano ocasionará, maior concentração de poluentes na área mais aquecida (central). A presença de núcleos de condensação (sais, partículas em suspensão e poluentes em geral) e a ascensão (subida) da parcela de ar resultará na formação de nuvens cumulus e cumulu-nimbus e ocorrência de chuvas de intensidades elevadas (Figura 03). 3 Figura 03: Isolinhas de temperatura e pressão em superfície (a) e corte vertical (b). Yonetani (1983) citado/a por Lombardo (1985) trabalhando com modelagem numérica conclui que aumento de 2 o C na ilha de calor pode explicar a ocorrência de nuvens do tipo cumulus e as anomalias de chuvas em centros urbanos. Diante do exposto nos itens 2.1 ao 2.3, pode se inferir que os centros urbanos de médio e grande porte ocasionam alterações no clima urbano e no micro-clima local, restanos saber até que ponto essa energia extra estaria influenciando o clima regional e global. Em princípio pode-se concluir que essa influência é muito pequena no âmbito regional/global, pois outros sistemas atmosféricos de grandezas escalares muito maiores e outros fenômenos climáticos (El Niño/La Niña, por exemplo), podem estar mascarando os efeitos do clima urbano em nível de meso e macro clima. 3. Exemplos de ilhas de calor A região metropolitana da cidade de São Paulo (RMSP) foi alvo de diversos estudos em sua climatologia urbana. Notadamente, a pessoa de Carlos Augusto Figueiredo
4 Monteiro conduziu e orientou numerosos trabalhos nessa linha, perseguindo a concepção de Sistema Clima Urbano (SCU) por ele apresentada na década dos 70. Podemos dizer que seus trabalhos acabaram por criar a chamada Escola Brasileira de Climatologia Urbana. Lombardo (1985), ao estudar as lhas de calor na metrópole paulistana observa que esta associa-se as perturbações de instabilidade localizada na mancha urbana, intensificando as precipitações de fim de tarde no período do verão. Mendonça (2000), estudando o SCU da cidade de Londrina, PR, observa diferenças de até 13 o C entre o ubano-rural e aponta a necessidade do mapeamento e caracterização da área rural que circunvizinha o núcleo urbano. A exposição das vertentes aliadas a sua declividade constituíram-se em importantes formadores de ilhas de calor. Ainda esse autor destaca a ocorrência de lhas de calor no período noturno pelo fato das áreas rurais se apresentarem no período de entresafra com solos desnudos e com baixa umidade, portanto, com baixa inércia térmica, perdendo calor rapidamente logo após o pôr do sol, enquanto o núcleo urbano, composto por uma aglomeração de concreto e intermediados por uma manta asfáltica, apresenta elevada inércia térmica (capacidade de reter calor), portanto, demorando mais para se resfriar. A Figura 04 mostra exemplo de formação de ilha de calor em Londrina, PR, as 21h com magnitude de 13,3 o C. 4 Figura 04: Ambiente atmosférico intra-urbano, setor II, Londrina, PR, as 21h local. Bascón (2000), em completo estudo sobre clima urbano em Córdoba, ES, obteve as maiores lhas de calor no período noturno com valores da ordem de 8,1 o C de intensidade. Segundo este autor o clima urbano e determinado por cinco fatores: em primeiro, a estrutura e morfologia urbana com sua aspereza na superfície influenciando o movimento do ar; em segundo, produção de calor por combustão nas atividades humanas e a gradual liberação de calor acumulado nos edifícios; em terceiro, presença de solo asfaltado, diminuindo a infiltração e facilitando o escoamento das precipitações; em quarto, a escassez de áreas verdes e; em quinto, a presença de partículas em suspensão resultado das atividades humanas. A Figura 05 mostra a formação de ilha de calor noturna em Córdoba, ES.
5 5 Figura 05: Formação de ilha de calor noturna em Córdoba, Espanha, em 05/08/1987. Ainda este autor cita trabalho de Oke & Hunnell (1974) que relacionaram a amplitude máxima da ilha de calor ( ( u r ) max ) com a população do núcleo urbano, no caso de clima temperado, como sendo: ( u r) max = 2,01* Log( P) 4, 06 Onde P é a população do núcleo urbano. A exemplo de Córdoba, ES, com habitantes em 1987 o valor máximo da ilha de calor seria da ordem de 7,0 o C próximo ao valor médio obtido que foi de 8,1 o C. Casseti (1995) em Goiânia obteve resultados que indicam a formação de ilha de calor nesta cidade e associado a elevadas temperaturas observou-se os menores valore de umidade relativa do ar conforme pode ser visualizado na figura 06. Cabe aqui um comentário de ordem teórica ao fato de se associar a formação de lhas de calor com baixos valores de umidade relativa do ar. Isso acontece naturalmente até mesmo no meio rural, ou seja, a máxima temperatura coincide com a mínima umidade relativa do ar, pois está expressa apenas uma relação e não conteúdo de água (gramas/m 3 ). Estudos futuros visando caracterizar o estado higrométrico das lhas de calor devem mensurar a umidade absoluta que expressa o verdadeiro conteúdo de vapor d água da atmosfera naquele momento. Figura 06: Ilhas de calor em Goiânia (a) associado a baixos valores de umidade relativa do ar (b). Cabe ainda destacar trabalhos relacionados a lhas de calor em outras localidades, como: Tarifa (1981) em São José dos Campos, Monteiro & Tarifa (1977) em Marabá, Danni (1987) em Porto Alegre, Brandão (2000) no Rio de Janeiro, entre outros.
6 6 5. Considerações Finais Não nos restam dúvidas que o ambiente urbano é palco de profundas alterações em alguns elementos meteorológicos, entre eles, temperatura e umidade relativa do ar, chuvas (total e intensidade), pressão atmosférica e ventos. Podemos dizer que o ambiente urbano passa por uma verdadeira contaminação climatológica. Ainda em tempo, cabe destacar dois outros fenômenos que podem se manifestar no ambiente urbano, a ocorrência de chuvas ácidas e a inversão térmica, sendo o segundo mais comum no inverno e que impede a dissipação dos poluentes atmosféricos. 6. Bibliografia BASCÓN, P. D. (1999) Clima, medio ambiente y urbanismo en Córdoba. Colección Estudios cordobeses. Córdoba. Casseti, V. Ambiente e apropriação do relevo. São Paulo: Contexto, 2 a ed., p. FORSDYKE, A. G. (1978) Previsão do tempo e clima. Prisma - O conhecimento em cores. São Paulo: Melhoramentos. Lombardo, M. A. Ilhas de calor na metrópoles: o exemplo de São Paulo. São Paulo: Hucitec, p. Mendonça, F. O clima urbano de cidades de porte médio e pequeno: aspectos teóricos metodológicos e estudo de caso. In: Sant Anna Neto, J. L., Zavatini, J.A. (org). Variabilidade e mudanças climáticas: implicações ambientais e socioeconômicas. Maringá: EDUEM, MONTEIRO, C. A. F. (1975) Teoria e Clima Urbano. Tese apresentada ao concurso de livre docência. São Paulo: USP/FFLCH/DG. Monteiro, C. A. F.; Tarifa, J. R. Contribuição ao estudo do clima de Marabá: uma abordagem de campo subsidiária ao planejamento urbano. São Paulo: USP, (Climatologia, 7). NETO, J. L. S. org. (2002) Os climas das cidades brasileiras. Presidente Prudente: UNESP/FCT/Pós-Graduação em Geografia/Laboratório de Climatologia. Oke, T. R. Boundary Layer Climate. London. Methuen, p. Tarifa, J. R. A análise topo e microclimática e o trabalho de campo: o caso de São José dos Campos. São Paulo: USP/Igeog, (Climatologia, 11) TARIFA, J. R. & AZEVEDO, T. R de org. (2001) Os climas na cidade de São Paulo: teoria e prática. GEOUSP - Coleção novos caminhos. São Paulo: USP/Laboratório de Climatologia/DG/FFLCH.
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