Transmissão urbana da esquistossomose: novo cenário epidemiológico na Zona da Mata de Pernambuco
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1 DOI: / artigo original / original article Transmissão urbana da esquistossomose: novo cenário epidemiológico na Zona da Mata de Pernambuco Urban transmission of schistosomiasis: new epidemiological situation in the forest area of Pernambuco Elainne Christine de Souza Gomes I, Millena Carla da Silva Mesquita II, Vitorina Nerivânia Covello Rehn II, Wheverton Ricardo Correia do Nascimento I, Rodrigo Loyo I, Constança Simões Barbosa I RESUMO: Introdução: A esquistossomose é considerada uma endemia em Vitória de Santo Antão, Pernambuco, o qual apresenta há décadas altas incidências e prevalências para essa doença. Nesse município ocorre a transmissão clássica da doença por meio do contato da população de áreas rurais com águas contaminadas durante o desenvolvimento de suas atividades de vida diárias. Recentemente surgiram indícios da presença do caramujo vetor na área urbana da cidade, o que pode configurar um novo modelo de transmissão para esquistossomose nesse município. Objetivo: Identificar novo cenário epidemiológico para ocorrência da transmissão urbana da esquistossomose em Vitória de Santo Antão, Pernambuco. Métodos: Foi conduzido um inquérito malacológico, investigando-se todas as coleções hídricas do perímetro urbano quanto à presença do caramujo vetor da esquistossomose (Biomphalaria spp.). Os caramujos coletados foram examinados para identificação taxonômica e de infecção pelo Schistosoma mansoni. Todos os criadouros (CRs) foram georreferenciados para construção de mapas de risco por meio dos software TrackMaker-Pro e ArcGIS. Resultados: Foram identificados 22 CRs da espécie Biomphalaria straminea, nos quais foram coletados caramujos. Desses CRs, um foi identificado como foco de transmissão da doença e sete como focos potenciais para transmissão. Os mapas construídos identificaram duas áreas de risco para transmissão urbana da esquistossomose, bem como áreas de expansão dos CRs, configurando um aumento no risco de transmissão para a população. Conclusão: Os resultados constatam a existência de um novo cenário epidemiológico, no qual a possibilidade de transmissão urbana dessa doença foi confirmada. Palavras-chave: Esquistossomose. Transmissão. Biomphalaria. Schistosoma mansoni. Saneamento urbano. Perfil epidemiológico. I Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz Recife (PE), Brasil. II Centro Acadêmico de Vitória, Universidade Federal de Pernambuco Vitória de Santo Antão (PE), Brasil. Autor correspondente: Elainne Christine de Souza Gomes. Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães da Fundação Oswaldo Cruz. Departamento de Parasitologia. Laboratório e Serviço de Referência em Esquistossomose (Ministério da Saúde). Avenida Professor Moraes Rego, s/n, Campus da Universidade Federal de Pernambuco, Cidade Universitária, CEP: , Recife, PE, Brasil. elainne.gomes@cpqam.fiocruz.br Conflito de interesses: nada a declarar Fonte de financiamento: Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco, processo BIC /
2 Transmissão urbana da esquistossomose: novo cenário epidemiológico na Zona da Mata de Pernambuco ABSTRACT: Introduction: Schistosomiasis is considered an endemic disease in Vitória de Santo Antão, Pernambuco, a district which has presented both high incidence and prevalence of it for decades. Poor environmental conditions lead to contamination of water sources in rural areas, which are used by the population during daily activities, resulting in typical transmission. Recently, there has been evidence of vector snails in urban areas, which could set a new model for schistosomiasis transmission in this district. Objective: To identify the new epidemiological situation for the urban transmission of schistosomiasis in Vitória de Santo Antão, Pernambuco. Methods: A malacological survey was conducted in all water sources in the city limits to investigate schistosomiasis vector snails (Biomphalaria spp.). The collected snails were examined for taxonomic identification and Schistosoma mansoni infection. All breeding sites were georeferenced to build risk maps through the TrackMaker PRO program and ArcGIS software. Results: We identified 22 Biomphalaria straminea breeding sites and collected 1,704 snails. One of these breeding sites was identified as a source of transmission and seven as potential sources of transmission. The designed maps identified two risk areas of urban transmission of schistosomiasis and expansion areas for breeding sites, establishing an increased risk of transmission to the population. Conclusion: This study verified the existence of a new epidemiological situation in which the possibility of the urban transmission of the disease was confirmed. Keywords: Schistosomiasis. Transmission. Biomphalaria. Schistosoma mansoni. Urban sanitation. Epidemiological profile. INTRODUÇÃO A esquistossomose ocupa o segundo lugar dentre as doenças infecto-parasitárias de maior prevalência no mundo, afetando cerca de 240 milhões de indivíduos em 76 países 1. No Brasil, a esquistossomose continua sendo um problema de saúde pública, no qual se estima que sete a oito milhões de pessoas estejam infectadas pelo Schistosoma mansoni (S. mansoni) 1-3. Trata-se de uma doença negligenciada que há décadas vem sendo combatida pelos serviços de saúde em todas as esferas do governo, principalmente por meio do Programa de Controle da Esquistossomose (PCE). No entanto, apesar de as estratégias de controle terem surtido efeito positivo no que diz respeito à redução da prevalência em muitas regiões do país 4,5, seu controle e sua eliminação ainda parecem uma realidade distante, tendo em vista o surgimento de novas áreas de transmissão da doença. Em Pernambuco, a esquistossomose é considerada endêmica na Zona da Mata do estado, estando presente nos 43 municípios que compõem essa região 6. Dentre esses, se destaca o município de Vitória de Santo Antão, que há anos registra altas incidências e prevalências para essa doença, sendo considerado município prioritário para ações de vigilância epidemiológica e controle da parasitose pela Secretaria Estadual de Saúde 7,8. Um estudo realizado com uma comunidade de pequenos agricultores rurais desse município constatou uma prevalência para esquistossomose de 35,1% 9, considerada alta segundo parâmetros do Ministério da Saúde. A ocorrência da esquistossomose nessa região está intimamente relacionada às precárias condições socioambientais nas zonas rurais
3 Gomes, E.C.S. et al. A ausência de saneamento é um fator apontado como determinante para ocorrência da esquistossomose, visto que propicia a contaminação fecal de coleções hídricas criadouros (CRs) naturais do caramujo vetor, dando início ao ciclo de transmissão da doença 7,10. Aliado a isso, a migração de pessoas parasitadas tem promovido a expansão da esquistossomose para áreas indenes, como os centros urbanos de cidades do interior e localidades litorâneas do estado de Pernambuco 11,12. Nesse contexto, vem se observando nas periferias das cidades um processo de ocupação urbana desordenado, que é caracterizado pela inexistência de infraestrutura sanitária, onde os sedimentos orgânicos provenientes de águas servidas e esgotos a céu aberto, além de fonte alimentar para o molusco, promovem a manutenção de focos peridomiciliares de transmissão e, consequentemente, a manutenção da esquistossomose 11,13. As variações climáticas sazonais também influenciam o processo de expansão da doença, uma vez que os períodos de fortes chuvas propiciam o alastramento dos CRs temporários e permanentes de Biomphalaria ssp., aumentando as chances de contato com o homem e, consequentemente, a transmissão da doença 14. Tais condições ambientais já foram implicadas no surgimento de uma epidemia dessa parasitose na população da localidade de Porto de Galinhas/Ipojuca, Pernambuco 15, promovendo o surgimento de uma nova área endêmica para a transmissão da esquistossomose no litoral desse estado 16. Na Zona da Mata de Pernambuco, esse cenário ambiental e epidemiológico pode ocorrer nas sedes urbanas dos municípios, tendo em vista a crescente expansão das cidades e as inundações sazonais provocadas pelo transbordamento dos rios que as cortam, deixando submersa grande parte de suas áreas urbanas. Dessa maneira, os caramujos vetores podem ser carregados para essas localidades, estabelecendo novos CRs de Biomphalaria ssp. ou de focos de transmissão da esquistossomose. Diante disso, o objetivo deste trabalho é identificar a presença peridomiciliar desses focos, comprovando o risco para transmissão urbana dessa parasitose. MÉTODOS Trata-se de um estudo epidemiológico com base num ensaio malacológico, realizado entre setembro de 2014 e agosto de 2015 no município de Vitória de Santo Antão, Pernambuco, situado a 53 km da capital, Recife. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esse município tem uma área territorial de km². A população municipal para 2014 foi estimada em habitantes, ocupando a décima colocação entre os municípios mais populosos do estado. Inicialmente, foi realizado o reconhecimento geográfico da localidade para determinar o perímetro urbano, a partir da identificação da mancha urbana do município, com base em imagem de satélite. Nesse reconhecimento foram identificadas as principais vias de acesso e foi realizado o mapeamento das principais coleções hídricas encontradas. Posteriormente, foi conduzido um inquérito malacológico por meio de busca ativa dos CRs de caramujos do gênero Biomphalaria spp. em todas as coleções hídricas naturais ou artificiais, permanentes ou 824
4 Transmissão urbana da esquistossomose: novo cenário epidemiológico na Zona da Mata de Pernambuco temporárias dentro do perímetro urbano, tais como: valas, córregos, riachos, canaletas para drenagem de chuvas e esgotos. Todos os CRs encontrados foram georreferenciados e demarcados como estação de coleta. Esses CRs foram subclassificados como: foco de transmissão quando os caramujos coletados liberaram cercaria de S. mansoni por meio da técnica de exposição à luz ; e foco potencial quando detectado DNA de S. mansoni nos caramujos coletados por meio de técnica de biologia molecular. Foram realizadas duas coletas em cada CR: a primeira no período de seca (setembro fevereiro) e a segunda no período de chuva (março agosto), na perspectiva de se avaliar a influência das chuvas sobre a densidade de caramujos. Os caramujos foram coletados com conchas e pinças durante 15 minutos em cada CR selecionado e devidamente acondicionados em potes plásticos umedecidos com papel toalha, ventilados e com identificação 17 para o transporte ao Laboratório e Serviço de Referência em Esquistossomose do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães da Fundação Oswaldo Cruz (CPqAM/Fiocruz). Aproximadamente 5% dos caramujos coletados em cada CR foram aleatoriamente selecionados para identificação taxonômica por meio da técnica de dissecção do aparelho genital para determinação da espécie 18. Para o diagnóstico da infecção pelo S. mansoni e a identificação dos focos de transmissão, os caramujos foram expostos à iluminação artificial durante 1 2 horas para a emissão de cercarias 19. Os caramujos que se mostraram negativos à infecção por essa técnica foram submetidos à técnica de extração de DNA em pool de caramujos por CR por meio da técnica de extração com fenol-clorofórmio-alcool isoamílico e em seguida foi realizada a técnica de biologia molecular Nested-PCR Reação em Cadeia da Polimerase, específica e eficiente para identificação do DNA do S. mansoni 20. A densidade de caramujos por CR foi definida como o número total de caramujos coletados por local durante o período do estudo. Nos CRs foram coletados dados relacionados à contaminação fecal, tanto por constatação visual de esgotos lançados diretamente na coleção hídrica quanto pela presença de coliformes totais, fecais e Escherichia coli (E. coli), por meio do kit diagnóstico Colitag. Para utilização desse kit foram obtidas amostras de água nas mesmas estações de coleta dos moluscos, em recipientes estéreis de 100 ml. O reagente cromogênico foi adicionado ao frasco da água coletada, homogeneizado para posterior incubação por 24 horas a uma temperatura de 35 ºC. A primeira leitura foi realizada por método direto, no qual as amostras que migraram da coloração natural para um amarelo vibrante passaram para a fase dois. A segunda leitura foi feita com auxílio de um fotodocumentador da Loccus biotecnologia (L-Pix), que irradiou as amostras com um feixe de luz ultravioleta para determinar a presença de E. coli. Para a construção de mapas temáticos e de risco para transmissão da esquistossomose, todos os CRs foram georeferrenciados com o auxílio de um receptor de GPS modelo Garmin etrex. Para análise espacial dos dados foram utilizados os programas TrackMaker-Pro e ArcGIS Foi utilizado o estimador de intensidade de kernel para identificar as áreas de maior risco para transmissão da esquistossomose, com base na geolocalização e no número de caramujos por CR. O estimador de intensidade de kernel é uma alternativa simples para analisar o comportamento de padrões de pontos em toda a região de estudo. Para tanto, foram considerados os seguintes parâmetros: 825
5 Gomes, E.C.S. et al. 1. Estratificação dos dados em quantil. 2. Largura de banda definida com raio adaptativo estabelecido em 230 m por ser mais adequado para análise de estudos focalizados. Também foi construído um mapa de buffer com raio de 50 m a partir da localização de cada CR e/ou foco de transmissão para simulação da expansão de áreas de risco, representando as inundações ocorridas na cidade. O presente projeto não necessitou da aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), visto que não teve seres humanos como objeto de estudo. RESULTADOS Durante o período de estudo foram identificados 22 CRs no perímetro urbano de Vitória de Santo Antão, nos quais foram coletados caramujos da espécie Biomphalaria straminea (B. straminea) (Tabela 1). A Figura 1 apresenta um mapa temático com a delimitação da área de estudo, na qual se observa a distribuição dos CRs de B. straminea, dos focos potenciais e do foco de transmissão da esquistossomose. A maioria dos CRs estava situada às margens da PE-60 rodovia que passa dentro da cidade, sendo essa uma área comercial com intenso trânsito de pessoas. Dentre os 22 CRs, 7 foram classificados como focos potenciais CRs 1, 5, 7, 10, 13, 18 e 20 e 1 como foco de transmissão CR 15, comprovando o risco real da transmissão urbana da esquistossomose (Figura 1). Vale ressaltar que o CR 20 foco potencial foi o que apresentou o maior número de caramujos nas duas coletas realizadas (n = 323). Já o CR 14 foi o que apresentou a menor densidade (Tabela 1). Pode-se observar a caracterização dos CRs na Tabela 2, que os quantifica pelo tipo 8 naturais e 14 artificiais, pela periodicidade 14 permanentes e 8 temporários e por tipo de contato com o homem 8 como desenvolvimento de atividades laborais e de lazer e 15 como contato acidental. Nota-se que para esta última, um mesmo CR foi classificado nas duas categorias (CR 2). Quanto aos focos, observa-se que 75% são CRs artificiais e permanentes, e 62,5% expõem o homem ao contato acidental com o S. mansoni. Vale ressaltar que o foco de transmissão (CR 15) foi classificado como artificial, permanente e com tipo de contato acidental. O maior número de caramujos foi coletado no período de seca (setembro fevereiro). Durante o período de chuva (março agosto), em alguns CRs anteriormente identificados, não foi possível encontrar caramujos. No entanto, esse foi o período no qual foi identificado o único foco ativo para transmissão da doença o CR 15 (Tabela 1). Todas as amostras de água coletadas foram positivas para presença de coliformes totais, fecais e E. coli, o que demonstra a contaminação dos CRs por esgoto e águas servidas. Na Figura 2, pode-se observar os mapas de riscos que representam o número total de caramujos por CRs e focos (Figura 2(A)). É possível constatar a presença de uma mancha mais intensa que engloba os CRs de 6 a 10 e o 19. Um menor potencial para transmissão pode ser identificado nas áreas que circundam os CRs 11 e 12, os de 15 a 18, o 21 e o
6 Transmissão urbana da esquistossomose: novo cenário epidemiológico na Zona da Mata de Pernambuco A ausência de mancha de risco para alguns CRs e focos é explicada pelo baixo número de caramujos ali detectados. Ao analisarmos o potencial de transmissão da esquistossomose, considerando apenas o número de caramujos por foco (Figura 2(B)), observa-se que: Tabela 1. Densidade de caramujos (B. straminea) por criadouros e focos de transmissão da esquistossomose. Vitória de Santo Antão, PE, CR Número de caramujos (1ª coleta setembro a fevereiro) 827 Número de caramujos (2ª coleta março a agosto) 1* 20 3* * 70 6* * 68 82* * * * 3* ** 41 60** * 45 8* * 200* Total Total CR: criadouro; *potenciais focos de transmissão caramujos com DNA de S. mansoni; **foco de transmissão caramujos positivos para infecção pelo S. mansoni pela técnica de exposição à luz (liberando cercarias).
7 Gomes, E.C.S. et al. 1. a mancha de risco se intensificou sobre o foco potencial 20; 2. o foco de transmissão da doença (CR 15) apresentou um pequeno aumento na mancha de risco; e 3. os CRs de 5 a 10 passaram a apresentar um risco moderado. A Figura 3 mostra a expansão dos CRs na estação das chuvas, quando suas áreas entram em confluência e alguns deles podem ser contaminados por águas provenientes de focos, a exemplo dos CRs de 6 a 10, 19 e 20, que sofreram expansão de até 100 m, entrando em contato entre si. DISCUSSÃO A identificação de apenas um foco de transmissão (CR 15) por meio da técnica de exposição à luz (Tabela 1) é o esperado em CRs de B. straminea, tendo em vista a resistência dessa espécie para liberar cercarias, mesmo quando infectada 19. Vale ressaltar que esse foco de transmissão consiste em um canal de esgoto a céu aberto que expõe a população ao risco de infectar-se acidentalmente ao transitarem pela rua. A utilização da técnica molecular Nested-PCR 20 na identificação dos sete focos potenciais na localidade foi determinante para Legenda Brasil Criadouro Foco potencial Foco de transmissão PE-60 Sistema viário Perímetro urbano Pernambuco Vitória de Santo Antão Perímetro urbano Limite municipal 1 cm= 304 m Figura 1. Mapa da distribuição dos criadouros de B. straminea e dos focos de transmissão da esquistossomose em Vitória de Santo Antão, PE. 828
8 Transmissão urbana da esquistossomose: novo cenário epidemiológico na Zona da Mata de Pernambuco se mapear o risco de transmissão urbana da doença, que afeta a população que reside e transita diariamente nessa área, expondo-se a esses focos. Tais resultados confirmam a hipótese de que essa população está sob forte risco de infectar-se pelo S. mansoni, tendo em vista a Tabela 2. Caracterização dos criadouros e focos de transmissão da esquistossomose. Vitória de Santo Antão, PE, Caracterização dos criadouros CR Total de caramujos Tipo Periodicidade Contato com o homem Natural Artificial Permanente Temporário Lazer, laboral Acidental 1* 23 x x x 2 20 x x x x 3 5 x x x 4 11 x x x 5* 76 x x x x x x 7* 150 x x x x x x x x x 10* 197 x x x x x x x x x 13* 3 x x x 14 1 x x x 15** 101 x x x 16 2 x x x x x x 18* 53 x x x x x x 20* 323 x x x x x x x x x CR: criadouro; *potenciais focos de transmissão caramujos com DNA de S. mansoni; **foco de transmissão caramujos positivos para infecção pelo S. mansoni pela técnica de exposição à luz (liberando cercarias). 829
9 gomes, e.c.s. et al. Legenda Criadouro Foco potencial Foco de transmissão PE-60 Sistema viário Perímetro urbano Kernel m Risco máximo Risco mínimo A 1 cm= 205 m Legenda Criadouro Foco potencial Foco de transmissão PE-60 Sistema viário Perímetro urbano Kernel m Risco máximo Risco mínimo B 1 cm = 206 m Figura 2. Mapa de kernel da densidade de caramujos (B. straminea) por criadouros (A) e focos de transmissão da esquistossomose (B).Vitória de Santo Antão, PE. 830 Rev BRas epidemiol out-dez 2016; 19(4):
10 Transmissão urbana da esquistossomose: novo cenário epidemiológico na Zona da Mata de Pernambuco possibilidade de esses focos potenciais se transformarem em focos ativos, uma vez que já foi comprovada a presença do DNA do parasita nos caramujos. Vale ressaltar que o fato de todos os CRs terem sido positivos para presença de coliformes totais, fecais e E. coli maximizam os resultados anteriores, indicando que a tríade de transmissão da esquistossomose tem todos os requisitos para se estabelecer nessa área urbana indivíduos infectados oriundos da zona rural vs. ausência de saneamento básico e ambiente contaminado vs. hospedeiro definitivo e intermediário expostos a infecção. Além disso, a maioria dos CRs (Tabela 2) são artificiais e permanentes, o que demonstra uma ocupação desordenada do espaço urbano, resultando em áreas de exposição ideais para o contato do homem com focos de transmissão da doença. A ausência de caramujos em seis CRs e a sua menor densidade registrada durante o período de chuva (Tabela 1) podem ser explicadas pelo aumento do fluxo da água, que promove a varredura desses vetores para outros locais 21,22. Já a maior densidade de caramujos encontrada nos períodos de pós-chuva e seca corrobora o tropismo desses animais por ecótopos aquáticos com baixa correnteza ou de águas paradas 21,22. Os dados encontrados neste trabalho configuram um novo cenário epidemiológico de transmissão urbana da doença. Um município no qual havia apenas a transmissão clássica rural vinculada à presença do caramujo infectado nos rios utilizados pelo homem durante suas atividades laborais e de lazer 9,23 agora conta com CRs encontrados nas ruas e alagados dentro do Legenda Criadouro Foco potencial Foco de transmissão PE-60 Sistema viário Perímetro urbano cm= 240 m Figura 3. Mapa de risco da expansão de criadouros de B. straminea e focos de transmissão da esquistossomose em Vitória de Santo Antão, PE. 831
11 Gomes, E.C.S. et al. perímetro urbano fato esse que pode provocar a infecção humana por meio do contato acidental com os focos peridomiciliares 14,15,24 durante o deslocamento dos indivíduos dentro da cidade. Cenário epidemiológico semelhante a esse já foi descrito em várias localidades urbanas no Brasil 12, 25,26 e no mundo 27,28. Em Pernambuco, as áreas litorâneas vêm sendo alvo do fluxo migratório de indivíduos parasitados pelo S. mansoni há décadas, que, em busca de melhores condições de vida, se instalam nas periferias urbanas das cidades, nas quais a ausência de saneamento básico se perpetua. Somado a isso, a presença do hospedeiro intermediário nessas regiões costeiras faz com que o ciclo de transmissão se complete, possibilitando a ocorrência de casos da doença 12,13,17,24. Nesse contexto, pode-se citar a localidade de Porto de Galinhas como modelo para compreensão desse cenário epidemiológico, no qual em uma década a doença instalou-se e tornou-se endêmica 11, Partindo desse exemplo, o cenário para transmissão da esquistossomose em Vitória de Santo Antão pode estar entrando numa nova fase, na qual a doença deixa de ser uma enfermidade unicamente rural e passa a ser uma endemia também urbana, o que coloca uma enorme parcela da população sob o risco de infectar-se. A identificação da mancha de risco apresentada na Figura 2 (A)/(B) (CR 6 a10) aponta uma maior concentração de CRs e caramujos nas áreas de trânsito de pedestres. A identificação de locais de baixo risco ao redor do CR 15 (Figura 2(B)) merece especial atenção por parte da vigilância epidemiológica pelo fato de ser um foco de transmissão, configurando alto risco real para transmissão da esquistossomose. A estação das chuvas tem forte influência na transmissão urbana da esquistossomose ao provocar o transbordamento e a dispersão dos CRs urbanos de Biomphalaria 29. Em Vitoria de Santo Antão, as enchentes vivenciadas sazonalmente pela população promoveram o carreamento dos caramujos para o perímetro urbano da cidade, no qual se encontram ecótopos propícios para sua fixação e manutenção no ambiente, expondo os residentes ao risco de infectar-se. CONCLUSÃO Com este trabalho foi possível constatar a existência do risco da transmissão urbana da esquistossomose em Vitória de Santo Antão. Tal cenário epidemiológico, apesar de novo para a localidade, pode estar se repetindo em outros municípios endêmicos da Zona da Mata, que apresentam condições de risco semelhantes às apresentadas neste estudo. Faz-se necessário aprofundar os estudos malacológicos e epidemiológicos na localidade, bem como é fundamental que os serviços de saúde locais criem novos protocolos de investigação para o diagnóstico precoce de novos casos. Para tanto, é necessária uma nova concepção sobre a doença, na qual a procedência e o comportamento de risco não estejam apenas relacionados a populações oriundas da zona rural e que tiveram contato com águas de rio, mas também a populações de áreas urbanas da cidade, que podem ser expor ao contato involuntário com focos de transmissão dessa parasitose. Diante dos resultados aqui apresentados, pretende-se ampliar a investigação sobre a transmissão urbana da esquistossomose em Vitória de Santo Antão, em busca de casos autóctones da doença, por meio de inquéritos de prevalência em escolares 832
12 Transmissão urbana da esquistossomose: novo cenário epidemiológico na Zona da Mata de Pernambuco REFERÊNCIAS 1. Useh MF. Control of Shistosomiasis. In: Rokni MB. Shistosomiasis. Croatia: Rijeka; cap. 4, p Katz N, Peixoto SV. Análise crítica da estimativa do número de portadores de esquistossomose mansoni no Brasil. Rev Soc Bras Med Trop 2000; 33: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Esquistossomose Mansônica. In: Guia de Vigilância Epidemiológica. 6 ed. Brasília: Ministério da Saúde; p Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância em Doenças Transmissíveis. Plano integrado de ações estratégicas de eliminação da hanseníase, filariose, esquistossomose e oncocercose como problema de saúde pública, tracoma como causa de cegueira e controle das geohelmintíases: plano de ação ed., 1 reimpr. Brasília: Ministério da Saúde; p. 5. Barbosa CS, Favre TC, Amaral RS, Pieri OS. Epidemiologia e Controle da Esquistossomose Mansoni. In: Carvalho OS, Coelho PMZ, Lenzi HL. Schistosoma mansoni e esquistossomose: uma visão multidisciplinar. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; p Favre TC, Ximenes RAA, Galvão AF, Pereira APB, Wanderley TN, Barbosa CS, et al. Reliability of current estimates of schistosomiasis prevalence in the Rainforest Zone of the state of Pernambuco, Northeastern Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz 2006; 101(Suppl 1): Pernambuco. Secretaria Estadual de Saúde. Secretaria Executiva de Vigilância em Saúde. Esquistossomose e geo-helmintíases: relatório das condições de saneamento das áreas/localidades hiperendêmicas em Pernambuco. Recife: Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco; p. 8. Pernambuco. Secretaria Estadual de Saúde. Secretaria Executiva de Vigilância em Saúde. Programa de Enfretamento das Doenças Negligenciadas no Estado de Pernambuco SANAR 2011/2014. Recife: Secretaria Estadual de Saúde; p. 9. Barbosa CS, Barbosa FS. Padrão epidemiológico da esquistossomose em comunidade de pequenos produtores rurais de Pernambuco, Brasil. Cad Saúde Públ 1998; 14(1): Ximenes R, Southgate B, Smith PG, Guimarães Neto L. Socioeconomic determinants of schistosomiasis in an urban area in the Northeast of Brazil. Rev Panam Salud Publica 2003; 14(6): Gomes ECS, Leal-Neto OB, Albuquerque J, Silva HP, Barbosa CS. Schistosomiasis transmission and environmental change: a spatio-temporal analysis in Porto de Galinhas, Pernambuco Brazil. Int J Health Geogr 2012; 11: Barbosa CS, Pieri OS, Silva CB, Barbosa FS. Ecoepidemiologia da esquistossomose urbana na ilha de Itamaracá, Estado de Pernambuco. Rev Saúde Públ 2000; 34(4): Silva PB, Barbosa CS, Pieri OS, Travassos A, Florencio L. Aspectos físico-químicos e biológicos relacionados à ocorrência de Biomphalariaglabrata em focos litorâneos de esquistossomose em Pernambuco. Quím Nova 2006; 29(5): Gomes ECS, Leal-Neto OB, Oliveira FJ, Campos JV, Souza-Santos R, Barbosa CS. Risk analysis for occurrences of schistosomiasis in the coastal area of Porto de Galinhas, Pernambuco, Brazil. BMC Infect Dis. 2014; 14: Barbosa CS, Abath F, Montenegro SML, Domingues ALC, Spinelli V, Guida U, et al. Epidemia de esquistossomose aguda na praia de Porto de Galinhas, Pernambuco, Brasil. Cad Saúde Pública 2001; 17(3): Barbosa CS, Araujo K, Leal-Neto OB, Gomes ECS, Domingues AL. The endemisation of schistosomiasis in Porto de Galinhas, Pernambuco, Brazil: 10 years after the first epidemic outbreak. Mem Inst Oswaldo Cruz 2011; 106(7): Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Vigilância e controle de moluscos de importância epidemiológica diretrizes técnicas: Programa de Vigilância e Controle da Esquistossomose (PCE). 2 ed. Brasília: Ministério da Saúde; p. 18. Deslandes N. Técnicas de dissecção e exame de planorbídeos. Rev Serv Espec Saude Publica 1951; 4: Kuntz ER. Effect of light and temperature on shedding of Schistosoma mansoni cercarie. Nav Med Res Inst 1946: Melo FL, Gomes AL, Barbosa CS, Werkhauser RP, Abath FG. Development of molecular approaches for the identification of transmission sites of Schistosomiasis. Trans R Soc Trop Med Hyg 2006; 100(11): Giovanelli A, Soares MS, D Andréa PS, Gonçalves MML, Rey L. Abundância e infecção do molusco Biomphalaria glabrata pelo Schistosoma mansoni no Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Rev Saúde Pública 2001; 35(6):
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