É muito interessante como escrevendo a própria história, paramos para analisar fatos, pessoas que vamos conhecendo ao longo da vida e como essas

Transcrição

1 É muito interessante como escrevendo a própria história, paramos para analisar fatos, pessoas que vamos conhecendo ao longo da vida e como essas pessoas vão, muitas vezes sem querer, nos mostrando aspectos de nós mesmos ou nos fazendo parar para pensar em nossas escolhas. Escrevendo sobre minha história pude perceber o quanto minha escolha por Engenharia Florestal e minha paixão por botânica estavam inseridos na minha alma sem que me desse por conta disso. Venho de uma família do litoral de Santa Catarina. Minha mãe, Maria como tantas que existem, que são batalhadoras, mulheres guerreiras que não desistem do que querem. Mas essa Maria é especial, para mim a mais especial das Marias. Trouxe-me ao mundo e me deu todos os cuidados e amor. Essa é a minha Maria, meu referencial de vida, a Maria que eu amo. Ela vem de uma família de agricultores. Não completou a escola primária, aprendeu a falar português aos 18 anos de idade quando veio morar em Imaruí, cidade em que nasci e cresci. Em Vargem do Cedro, cidade catarinense onde ela nasceu e morava com meus avós até vir para Imaruí, a grande maioria das pessoas inclusive a família da minha mãe eram de descendência alemã e por tradição falavam apenas esse idioma. Meu pai trabalhava na construção civil, conforme contava pra gente quando éramos crianças. Trabalhou em diversas cidades de Santa Catarina e de outros estados, isso enquanto solteiro, porque depois de casado com minha mãe ele se estabeleceu em Criciúma/SC, onde viveram por alguns anos e tiveram minha irmã mais velha. Certo dia, meu pai sofreu um acidente no trabalho, devido a esse acidente ficou de licença médica por vários anos. Mudaram-se então, de Criciúma/SC para Imaruí/SC. Em abril de 1980, com meus pais e minha irmã mais velha, Regina, já estabelecidos em Imaruí, eu nasci. Durante a minha infância, lembro do meu pai de licença, devido ao acidente, e trabalhando com pesca. Nós tínhamos um pequeno barco e meu pai nos levava para passear nele, geralmente passávamos o domingo em alguma ilha não muito afastada da praia na Lagoa Mirim, lagoa que banha Imaruí. Minha mãe voltou a trabalhar, contrariando a vontade do meu pai, quando eu tinha uns 11 anos. Nessa época minha irmã mais nova, Daiane, já estava grandinha, com 5 anos, minha irmã mais velha tinha 14 anos. Quando não estávamos na escola, ficávamos em casa e cuidávamos uma da outra enquanto minha mãe trabalhava. A partir daí as coisas começaram a melhorar um pouco, pois até então

2 meu pai não conseguia prover para nossa família muito além das necessidades básicas da casa. Na minha família em geral, menos por parte da minha mãe, nunca houve muitas perspectivas para que eu ou minhas irmãs freqüentássemos uma universidade. No histórico familiar, na geração dos meus pais ou dos meus avós não há ninguém com formação superior, e bem poucos com formação secundária. Embora com pouca instrução acadêmica, minha mãe sempre nos incentivou a estudar. Ela sempre deixou claro que só estudando é que nós teríamos oportunidade de uma vida melhor, que só estudando é nós alcançaríamos independência intelectual e financeira. Minha mãe sempre gostou muito de plantas. Em nossa casa, ela cultivava muitas espécies de plantas ornamentais, e plantas fitoterápicas com as quais fazia chás e compressas para nós de casa ou para quem mais viesse pedir a ela. Acho que em meio a tantos vegetais cresci com a alma verde. Comecei a trabalhar muito cedo, por volta dos 13 anos, como babá. Em janeiro de 1996, quase completando 16 anos, comecei a fazer estágio no BESC - Banco Estadual de Santa Catarina. Estágio que me trouxe muito aprendizado, não só para o trabalho no banco, mas também para a vida. Nessa época eu estava no 2º ano do Ensino Médio, época em que o governo de Santa Catarina havia implantado um projeto para polarizá-lo. Como minha escola estava em uma cidade muito pequena, não foi escolhida para continuar oferecendo Ensino Médio. Dessa forma, todos os estudantes secundaristas da minha escola foram transferidos para a escola de uma cidade vizinha, Imbituba. Devido à involuntária mudança de escola, meu estágio no banco não foi renovado, pois uma das cláusulas era a não mudança de escola. Assim fiquei apenas um ano no BESC. Nessa mesma época do estágio eu havia começado um curso de informática básica. E fui convidada pela escola para fazer treinamento de preparação para instrutores. Em julho de 1997, depois de um ano de treinamento fui contratada e convidada para dar aula de informática básica em Santa Maria/RS, uma filial da escola de informática. Fiquei lá por 1 mês substituindo outro professor, depois fui para Pelotas/RS, onde morei e trabalhei até o ano de Acredito que ter ido morar em Pelotas tenha sido meu grande contato com o mundo real. Imaruí por ser uma cidade muito pequena, com aproximadamente habitantes, não tinha grandes empresas ou uma faculdade. É uma cidade tranqüila do interior e foi nesse ambiente que cresci.

3 Em Pelotas eu estava sozinha, com 17 anos e toda família em Santa Catarina. Lá eu morei em pensionato, em república, dividi apartamento com amigas. Aprendi muito sobre o mundo, sobre a vida e sobre as pessoas. Foi uma grande experiência de vida, que levou ao meu amadurecimento como profissional e como pessoa. Estava no meio do 3º ano do Ensino Médio quando, por motivos financeiros, aceitei o convite para ir trabalhar em Pelotas. Devido aos horários de trabalho tive que parar de estudar. Depois de algum tempo morando em Pelotas, fiz um supletivo para terminar o Colegial, mas não pude concluir uma matéria devido ao horário de trabalho. Reprovei nessa matéria por faltas. Nessa época eu voltei a sentir vontade e necessidade de cursar uma faculdade. Voltei a sentir, porque durante o Ensino Médio eu quis muito ir para a Escola Agrícola de Jaraguá do Sul/SC, e queria também prestar vestibular enquanto estava estudando, porém as condições financeiras da família não permitiam. Em 2000 a escola que eu trabalhava em Pelotas fechou, conversando com alguns amigos resolvi vir para Curitiba/PR. Logo que cheguei, comecei a trabalhar e assim que me estabeleci fiz um supletivo para terminar a matéria que faltava para concluir o Ensino Médio. Em 2002 prestei vestibular na UFPR para Ciências Sociais, queria me especializar em Etnobotânica, mas estava sem estudar fazia algum tempo, então acabei não passando. Também em 2002 meus pais se divorciaram e minha mãe com minhas duas irmãs e meu sobrinho, Gabriel, filho da minha irmã mais velha vieram morar em Curitiba. Fiquei muito feliz com isso, pois há muito tempo não morava perto da minha família. No ano seguinte, 2003, ainda trabalhando com informática, com computação gráfica, dando aula no SESC da Esquina aqui em Curitiba, conheci uma pessoa muito importante na minha vida. Ela ajudou muito no meu crescimento pessoal, na escolha da minha profissão, esteve presente em muitas horas boas e em muitos momentos difíceis. Nós construímos uma amizade muito forte e maternal. Lembro das muitas vezes que fui até ela buscar apoio, e ela me dava o apoio que eu procurava e muito carinho. Esse anjinho que anda aqui pelo mundo se chama Denise, é bioquímica de formação, porém trabalha como professora de inglês. Dotada de muito amor, doçura e sabedoria. Ela me orientou bastante no caminho pessoal.

4 Foi a Denise também que me apresentou a Rita. Nessa época a menina que dividia apartamento comigo casou e foi embora. Eu estava procurando alguém para ficar no lugar dela, foi quando a Denise, que dava aulas de inglês para a Rita, nos apresentou. Nesse mesmo ano em que conheci a Rita, fiz um cursinho de 4 meses de preparação para o vestibular, com dificuldades porque eu não sabia da existência de cursinhos gratuitos feitos por ONGs. Escolhi prestar vestibular para Desenho Industrial Programação Visual, por influência do meu trabalho com computação gráfica. Decidi que deveria fazer algo relacionado com a minha experiência profissional. Porém, mais uma vez não me preparei o suficiente e não passei. No ano seguinte, 2004, fui conhecendo melhor a Rita e seu trabalho. Ela é advogada e trabalha com direitos humanos. Com o trabalho dela, fui conhecendo melhor a história, a ideologia do movimento social pela reforma agrária. Fui conhecendo pessoas do movimento e outras pessoas que lutam por uma sociedade mais justa e fui me encontrando nesse meio, fui me identificando com essa luta que busca fazer com que todos possam exercer e conhecer seu direito à cidadania, seu direito de alimentar-se, de viver com algum conforto. No ano seguinte fiz cursinho o ano todo. Durante o ano, minha paixão por botânica foi aflorando e junto com ela uma grande vontade de também fazer algo para buscar uma sociedade mais justa e mais humanizada. Ainda neste ano participei do Festival Latinho Americano de Música Camponesa e pude verificar nas exposições o cuidado que as pessoas do movimento têm com as sementes, com a educação das crianças e adolescentes, para que cresçam ligados à terra, à cidadania e respeitando a natureza. Quase no final do ano, conheci um acampamento do movimento pela reforma agrária em Antonina/PR. Fiquei comovida com a interação entre eles, com sua força de vontade. Com os pequenos pedaços de terra na beira da estrada que eles aproveitaram para plantar alimentos. A persistência daquela gente, mesmo sendo humilhados, oprimidos, ameaçados por pessoas de maior poder aquisitivo, em não desistir de lutar pelo direito de ter moradia. Fiquei realmente encantada com tamanha força e generosidade entre eles e conosco, que estávamos visitando. No inicio de 2005, ganhei dois maravilhosos presentes que mudaram minha vida, passei no vestibular e conheci meu namorado, uma pessoa muito especial, que eu amo e que trouxe muita luz para minha vida.

5 Adoro meu curso, e mais ainda a idéia de conhecer muito mais sobre botânica. Continuo gostando de computação gráfica, continuo apaixonada por fotografia, por imagens e não quero abandonar isso nunca. Acredito que ser de origem popular está relacionado com o modo de vida que se tem, com o lugar onde se vive e com o quanto se precisa da assistência pública. Por exemplo, quando se tenta uma universidade pública, não por opção, mas por não ter condições financeiras de pagar uma universidade particular. Sou de origem popular e tive dificuldades para chegar até a universidade, porém, acredito que minha origem não me impediu ou impedirá de alcançar nenhum dos meus objetivos acadêmicos, sociais ou pessoais. Quando vi o folder falando sobre a seleção para o projeto Conexão de Saberes, e o tipo de trabalho que seria desenvolvido me interessei de imediato. Um dos meus objetivos, não só no tempo em que estarei cursando a faculdade, mas para a vida toda, é o trabalho social. Estou bastante feliz por estar aqui, na universidade. Por estar fazendo um curso que me realiza profissionalmente e pessoalmente. Por participar de um trabalho social e certamente acrescentar muito a minha vida pessoal e profissional.