COMPARADAS A SABEDORIA E A LOUCURA

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1 COMPARADAS A SABEDORIA E A LOUCURA Cristiane Maria Paiva de Melo Orientador: Professora Doutora Neusa M. Bastos Universidade Presbiteriana Mackenzie Mestrado em Letras Resumo O objetivo deste trabalho é mostrar o quanto o discurso religioso é importante para a Análise do Discurso, além da questão doutrinária é possível estudá-lo e analisá-lo de forma ricamente mais ampla. O texto bíblico escolhido para a análise é o capítulo sete, dos versículos um ao décimo quarto, do livro bíblico de Eclesiastes intitulado Comparadas a sabedoria e a loucura. Palavras-Chave: Sabedoria; Loucura; Análise; Discurso. O discurso religioso é aquele em que há uma relação espontânea com o sagrado sendo, portanto, mais informal ; enquanto o teológico é o tipo de discurso em que a mediação entre a alma religiosa e o sagrado se faz por uma sistematização dogmática das verdades religiosas, e onde o teólogo aparece como aquele que faz a relação entre os dois mundos: o mundo hebraico e o mundo cristão, sendo assim, mais formal. Desta forma, o discurso religioso é aquele que faz ouvir a voz de Deus ou de seus enviados (profeta, pastor, padre), essa é a principal característica desse discurso. O tema central é a busca da felicidade no confronto entre a vida, a morte e a eternidade. Para melhor entendimento do tema, analisaremos os principais tempos verbais presentes nos versículos, figuras de linguagem e as oposições de sentido entre os vocábulos sábio X insensato. A análise será desenvolvida tendo como base as obras: Linguagem e ideologia e Elementos de análise do discurso de José Luiz Fiorin e Gênese dos discursos de Dominique Maingueneau. O objetivo deste trabalho é mostrar o quanto o discurso religioso é importante para a Análise do Discurso, além da questão doutrinária é possível estudar e analisá-los de forma ricamente mais ampla. Como afirma Dominique Maingueneau:

2 Lamenta-se que o discurso religioso continue a ser o parente pobre da análise do discurso, ao mesmo tempo em que o fato religioso está particularmente presente no mundo contemporâneo. Mas, especialmente há poucos trabalhos que, como este, tenham procurado construir modelos semânticos que considerem conjuntos textuais tão vastos e que sejam capazes de integrar ao mesmo tempo a dimensão comunicacional, a dimensão doutrinal e a dimensão etnológica dos discursos. (MAINGUENEAU, 2008, p. 13) O tema central é a busca da felicidade no confronto entre a vida, a morte e a eternidade. Para melhor entendimento do tema, analisaremos os principais tempos verbais presentes no capítulo, figuras de linguagem e as oposições de sentido entre os vocábulos sábio X insensato. O texto bíblico escolhido para a análise é o capítulo sete do livro de Eclesiastes intitulado Comparadas a sabedoria e a loucura dos versículos 1 ao 14. De acordo com o dicionário bíblico-teológico, eclesiastes é aquele que tem a função de pregador ou de presidente da assembleia cultual. O texto grego traduziu o termo hebraico "Qohélet" por "Eclesiastes", que se transferiu para o latim e, depois, para as outras línguas. Daí o título do livro aparecer como ECLESIASTES (BÍBLIA, Ec 7:1-14 p. 462), por influência grega e latina. O livro de Eclesiastes foi escrito pelo Rei Salomão, filho de Davi, rei de Israel. Salomão foi o rei mais rico, sábio e famoso que Israel teve (I Reis 4:21,29-34). Durante o seu reinado, Israel se tornou um grande império. Em seus dias, devido à paz dominante, houve grande desenvolvimento da nação em vários setores, incluindo o comércio e a produção literária. Contudo, o autoritarismo e os altos impostos também marcaram esse período. Salomão escreveu Cantares, Provérbios, e Eclesiastes. Os salmos 72 e 127 também são atribuídos à sua autoria. (I Reis ; ). Há quem diga que o livro de Cantares tenha sido escrito no tempo da mocidade do rei; Provérbios seria obra dos tempos da maturidade e Eclesiastes seria a reflexão na velhice. Salomão era conhecido como o homem mais sábio da terra, por ter sido presenteado por Deus com o dom da sabedoria. (I Reis 3:11). O livro é como um guia para que o homem viva com sabedoria e não se deixe levar pelas coisas terrenas. Apesar das informações do autor do livro, o sujeito inscrito no discurso é um efeito de sentido produzido pelo próprio discurso, isto é, seus temas e figuras é que configuram a visão de mundo do sujeito. (FIORIN, 2007, p.49).

3 Durante todo o capítulo, o enunciador aconselha por meio de suas experiências o que seria ou não importante na vida do ser humano temente a Deus. De acordo com FIORIN (2013, p.19) no percurso gerativo de sentido, em um nível abstrato, temos uma oposição semântica: parcialidade versus totalidade. Ao longo da narrativa, há uma afirmação da parcialidade, quando o sujeito manifesta seu ponto de vista, sustenta-o e nega o saber do outro. Analisando semanticamente, ele utiliza nos versículos 1, 2, 3, 5 e 8 a figura de linguagem chamada anáfora para enfatizar como o homem sábio deve agir: 1. Melhor é a boa fama do que unguento precioso Melhor é ir à casa onde há luto do que Melhor é a mágoa do que o riso Melhor é ouvir a repressão do sábio do que Melhor é o fim das coisas do que o seu princípio... A comparação entre o bem e o mal acontece entre os substantivos: sábio e insensato. O sábio é aquele que não se preocupa com as coisas terrenas, com a alegria nas coisas tolas e entende que a morte eleva o espírito. Melhor é a boa fama do que o unguento precioso, e o dia da morte, melhor do que o dia do nascimento. Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete pois naquela se vê o fim de todos os homens; e os vivos que o tomem em consideração (versículos 1 e 2). O insensato importa-se apenas com as coisas fúteis, não dá ouvidos à sabedoria e por isso acaba por ser arrogante: Melhor é o fim das coisas do que seu princípio, melhor é o paciente do que o arrogante (versículo 8). No versículo 6 o enunciador utiliza uma outra figura, a metáfora, exemplificando o que acontece com o insensato: Pois qual o crepitar dos espinhos debaixo de uma panela, tal é a risada do insensato, também isto é vaidade. O crepitar dos espinhos só duram enquanto há fogo, assim que o fogo se extingue também se extingue a alegria do tolo. Porém o sábio alegra-se até no luto, pois sabe que a vida bem como o fogo é finita. Dentro da análise espaçotemporal temos os diferentes tempos verbais. Apesar de o livro ter sido escrito há mais de dois mil anos, traz passagens que remetem ao passado, ao presente (tempo narrativo) e ao futuro (atemporal por ser entendido como o fim da vida de cada indivíduo). Os verbos no tempo presente do indicativo: é, vê, está, faz e corrompe têm como objetivo afirmar que a vida deve ser vivida com sabedoria, todos os dias desde o nascimento

4 do homem até os dias de sua morte, trazem um sentido de rotina. Tais orações trazem ainda vocábulos referentes ao tempo: dia, princípio, fim, nascimento, morte e etc. Nos versículos 10 e 14 há dois verbos no tempo passado: foram e fez, ambos no pretérito perfeito do indicativo. O primeiro está dentro de uma oração que mostra a fragilidade do ser humano em nunca contentar-se com o que tem e sempre achar que o que foi era melhor do que o que temos agora: Jamais digas: Por que foram os dias passados melhores do que estes? Pois não é sábio perguntar assim (versículo 10). O segundo verbo reforça a ideia de que Deus ao dar vida ao homem amou a todos e não fez distinção entre sábios e insensatos no momento da criação, porém cabe a nós aceitarmos a grandeza de Deus:... considera que Deus fez tanto com este como com aquele... (versículo 14). Há ainda um verbo modal no futuro do presente do indicativo: poderá e outro verbo no presente no subjuntivo: para que o homem nada descubra. Entende-se que o uso destes verbos dá um sentido de incompletude do homem: se viver e for sábio poderá entender quem é Deus e que Ele é o único detentor do futuro: Atenta para as obras de Deus; poderá endireitar o que ele torceu? ;... para que o homem nada descubra do que há de vir depois dele ( versículos 13 e 14). A relação eu x tu se estabelece mais claramente no uso dos verbos imperativos: jamais digas, considera, não te apresses e atenta, presentes nos versículos 9, 10, 13 e 14. Estes verbos, em especial considerar e atentar têm um sentido de aconselhamento, de alguém que se preocupa com o outro e não deseja que o próximo cometa os mesmos erros dele ou de outras pessoas. Já os advérbios de negação jamais e não enfatizam que o eu sabe bem do que está falando e que o tu para atingir a sabedoria vinda de Deus deve ouvi-lo, gerando um jogo de persuasão. Nesse jogo de persuasão, o enunciador utiliza-se de certos procedimentos argumentativos visando a levar o enunciatário a admitir como certo, como válido o sentido produzido. A argumentação consiste no conjunto de procedimentos lingüísticos e lógicos usados pelo enunciador para convencer o enunciatário. (FIORIN, 2013, p.75) Conforme o enunciador expressa suas opiniões, percebe-se um sentido de gradação em seu discurso. Primeiramente ele diz que melhor é que se viva com sabedoria, desta forma entende-se que ele sugere que se viva assim, mais adiante ele passa a exemplificar a melhor forma de viver comparando o sábio e o insensato, por fim ele usa o tempo imperativo, forma de dominação para impor sua vontade. Observa-se uma interação não apenas de enunciador

5 e enunciatário, mas de rei para súditos, por se tratar de um livro escrito por um monarca. Segundo Maingueneau: Na elaboração do ethos, interagem fenômenos de ordens muito diversas: os índices sobre os quais se apoia o intérprete vão desde a escolha do registro da língua e das palavras até o planejamento textual, passando pelo ritmo e a modulação[...] O ethos se elabora, assim, por meio de uma percepção complexa, mobilizadora da afetividade do intérprete, que tira suas informações do material linguístico e do ambiente (MAINGUENEAU, 2008). Após a análise deste capítulo podemos concluir que o texto bíblico é de grande importância para o estudo na análise do discurso. Dentre os 14 versículos podemos perceber uma vasta quantidade de informações não apenas doutrinárias, mas culturais, sociais e ideológicas que podem ser estudadas, entendidas e levadas aos mais diversos campos de estudo da linguagem. ANEXO Comparadas a sabedoria e a loucura Livro de Eclesiates 7: Melhor é a boa fama do que unguento precioso, e o dia da morte, melhor do que o dia do nascimento. 2. Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, pois naquela que se vê o fim de todos os homens; e os vivos que o tomem em consideração. 3. Melhor é a mágoa do que o riso, por que com a tristeza do rosto se faz melhor o coração. 4. O coração dos sábios está na casa do luto, mas o dos insensatos está na casa da alegria. 5. Melhor é ouvir a repreensão do sábio do que ouvir a canção do insensato. 6. Pois, qual o crepitar dos espinhos debaixo de uma panela, tal é a risada do insensato; também isto é vaidade. 7. Verdadeiramente, a opressão faz endoidecer até o sábio, e o suborno corrompe o coração. 8. Melhor é o fim das coisas do que seu princípio; melhor é o paciente do que o arrogante. 9. Não te apresses em irar-te, por que a ira se abriga no íntimo dos insensatos. 10. Jamais digas: Porque foram os dias passados melhores do que estes? Pois não é sábio perguntar assim. 11. Boa é a sabedoria, havendo herança, e de proveito para os que vêem o sol.

6 12. A sabedoria protege como protege o dinheiro, mas o proveito da sabedoria é que ela da vida a seu possuidor. 13. Atenta para as obras de Deus, pois quem poderá endireitar o que ele torceu? 14. No dia da prosperidade, goza do bem; mas no dia da adversidade, considera em que Deus fez tanto este como aquele, para que o homem nada descubra do que há de vir depois dele. Referências bibliográficas BÍBLIA. Livro de Eclesiastes. Bíblia Sagrada. Tradução: João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada no Brasil. 2 ed. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, Ec 7: O primeiro livro dos Reis. Bíblia Sagrada. Tradução: João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada no Brasil. 2 ed. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, I Rs 3:11; 4:21, DICIONÁRIO Bíblico - Teológico. São Paulo: Loyola, FIORIN, José Luiz. Linguagem e ideologia. São Paulo: Ática, Elementos de análise do discurso. São Paulo: Contexto, MAINGUENEAU, Dominique. Gênese dos discursos. Tradução: Sírio Possenti. São Paulo: Parábola Editorial, ORLANDI, Enni Puccinelli. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Campinas: Pontes, 1996.

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