Vladimir, monarca da Rus de Kiev e a santidade

Transcrição

1 Vladimir, monarca da Rus de Kiev e a santidade Certas circunstâncias históricas digamos assim seriam essenciais para a definição de santidade. Pelo menos, para os ortodoxos... (Note-se que o grande cisma ocorreu em 1054, quando houve excomunhão mútua pelos pontífices de ambas as igrejas). O Compêndio do Catecismo da Igreja Católica traz, sob n. 428, a seguinte definição: A santidade cristã é a plenitude da vida cristã e perfeição da caridade. Realizase na união íntima com Cristo e, Nele, com a Santíssima Trindade. Leio no artigo Vladimir I, o rei que uniu a Rússia à Cristandade, de Enrique Santos Marinas, da Universidade Complutense de Madrid (in Revista História National Geografic, n. 139, pp. 8 a 12) os fatos que busco resumir, em seguida. O monarca, nascido em 955 e falecido em 15 de julho de 1015, foi um polígamo inveterado. Teve cinco filhos com diversas mulheres. Tinha trezentas concubinas em Vyshgorod, trezentas em Biélgorod e duzentas e Berestovo. Levava à sua residência mulheres casadas e (...) donzelas. Nisso equipara-se ao rei Salomão, o mais sábios dos homens. Tudo foi perdoado em virtude de seu batismo e a cristianização forçada de seu reino. Como dizia a Crônica Primária ou relato dos tempos passados, ainda que sendo ignorante, ao final chegou à salvação eterna e, séculos mais tarde, alcançou inclusive a santidade. Antes de se fazer batizar, recebeu representantes de diversas religiões, para optar entre uma ou outra.

2 Quando se apresentaram os emissários da fé muçulmana, tentaram atraí-lo com a promessa das relações com as virgens, na outra vida, porém mantiveram a proibição sobre o álcool e a carne de porco. Vladimir afirmou: Na Rus existe a alegria de beber e não podemos viver sem isso. Como príncipe de Nóvgorodov, nomeado por seu pai Svistoslav, pretendia casar-se com Rogneda, herdeira da dinastia varega da cidade de Polotsk. A proposta foi recusada sob alegação da baixa condição social da mãe de Vladimir: Não quero descalçar o filho de uma serva, porém quero casar-me com Yaropolk, disse Rogneda. A mãe de Vladimir, Malusha, fora criada de sua avó, a princesa Olga. Yaropolk era um dos dois meio-irmãos de Vladimir, que o pai Sviatoslav designara com seu sucessor no trono de Rus de Kiev. O outro, mais novo, era Oleg. Vladimir não aceitou a recusa. Reuniu um contingente de guerreiros eslavos, escandinavos e urálicos. Atacou Polotsk, matou o pai de Rogneda, o príncipe Régvolod, e os dois irmãos dela, tomando-a pela força como esposa. Três anos antes, Vladimir atacou seu irmão, Oleg, provocando sua morte. Assim, foi obrigado a fugiu de Nóvgorod refugiando-se na Escandinávia, donde retornou com reforços, disposto a vingar-se. Para apossar-se de Kiev, usou de astúcia. Convenceu Blud, conselheiro e mão direita de Yaropov a orientar este último a fugir de Kiev. Então Vladimir ocupou seu lugar. Depois, Yaropov foi atraído para Kiev, para discutir um acordo. Mas ao entrar na cidade foi assassinado por dois sicários.

3 Vladimir violentou a mulher de Yaropov, que era monja grega. A viúva deu à luz Sviatopolk. Ao subir ao trono de Kiev, restaurou o paganismo. Este fora repelido, anteriormente, pela avó Olga, que adotou o cristianismo, pelas mãos do imperador Constantino VII, numa viagem a Constantinopla. Renovou o panteão dos deuses pagãos venerados na colina próxima do palácio. Oferecia sacrifícios humanos de jovens de ambos os sexos. Tudo mudou quanto arrebatou, ao império bizantino, a cidade de Quersoneso, na Criméia. Depois, ofereceu a devolução aos co-imperadores de Constantinopla, Basílio II e Constantino VII, em troca da concessão em matrimonio a sua irmã Ana. Os imperadores concordaram, porém, com a condição de que Vladimir abraçasse o cristianismo. Fez-se batizar em cerimônia solene, destruindo os ídolos pagãos e determinando que todos os kievenitas fossem batizados nas aguar do rio Dniéper. Para convencer os cidadãos, afirmou: Caso alguém não vier amanhã ao rio, seja rico, ou pobre, ou indigente, ou escravo, será, para mim, um inimigo. Razão extremamente convincente, convenha-se... Promoveu a construção de igrejas em Kiev e por todo o reino e a fundação de escolas para instruir as crianças nas Escrituras. Vladimir de Kiev, às vezes era chamado de Sol Resplandecente. O estado de Kiev era cortado pela rota comercial que ligava o mar Báltico ao mar Negro. Sua

4 conversão representou uma vitória para o cristianismo. Ele havia cogitado tornar-se judeu, mas foi conquistado pela beleza e grandiosidade dos serviços religiosos da Igreja Ortodoxa. (Tudo, segundo escreveu Geoffrey Blainey em Uma breve história do Cristianismo, Editora Fundamento Educacional Ltda. São Paulo 2012 tradução de Capelo Traduções e Versões Ltda., p. 96). Depois de cinco décadas, Kiev passou a contar com a catedral de Santa Sofia. Foi mais importante que qualquer igreja de Moscou, por séculos. A expansão da Igreja Ortodoxa foi vigorosa. E a Igreja de Roma foi a mais fraca. Narra Geoffrey que: A cidade de Constantinopla era palco de elaboradas cerimônias religiosas, mais esplendorosas do que as de Roma. O imperador e o patriarca se postavam juntos diante do altar, sentados ou de pé sob a cúpula da basílica de Santa Sofia, uma igreja grandiosa dedicada à Sagrada Sabedoria de Deus. O imperador indicava o patriarca,a quem era superior. A referência à mulher do co-irmão de Vladimir, Yaropov, que ele violou e que era monja grega, enseja a mencionar, novamente, Geoffrey. Em cada quatro mosteiros ortodoxos, um estava sob o comando de mulheres. E o convento que recebesse necessitados tinha de permitir que as monjas se misturassem ao povo, às vezes homens e mulheres. O conhecimento da história é imprescindível, ao que me parece, para visão mais clara das instituições humanas (e divinas).

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