Entenda o que muda e qual é o impacto do decreto sobre a Lei de Acesso à Informação

Transcrição

1 Entenda o que muda e qual é o impacto do decreto sobre a Lei de Acesso à Informação É necessário entender o que diz a LAI (lei , de 2011) sobre quem pode classificar documentos. Isso está na seção 4, no artigo 27 (grifos em vermelho do Poder360): Seção IV Dos Procedimentos de Classificação, Reclassificação e Desclassificação Art. 27. A classificação do sigilo de informações no âmbito da administração pública federal é de competência: I - no grau de ultrassecreto, das seguintes autoridades: a) Presidente da República; b) Vice-Presidente da República; c) Ministros de Estado e autoridades com as mesmas prerrogativas; d) Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica; e e) Chefes de Missões Diplomáticas e Consulares permanentes no exterior; II - no grau de secreto, das autoridades referidas no inciso I, dos titulares de autarquias, fundações ou empresas públicas e sociedades de economia mista; e III - no grau de reservado, das autoridades referidas nos incisos I e II e das que exerçam funções de direção, comando ou chefia, nível DAS 101.5, ou superior, do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores, ou de hierarquia equivalente, de acordo com regulamentação específica de cada órgão ou entidade, observado o disposto nesta Lei. 1 o A competência prevista nos incisos I e II, no que se refere à classificação como ultrassecreta e secreta, poderá ser delegada pela autoridade responsável a agente público, inclusive em missão no exterior, vedada a subdelegação. 2 o A classificação de informação no grau de sigilo ultrassecreto pelas autoridades previstas nas alíneas d e e do inciso I deverá ser ratificada pelos respectivos Ministros de Estado, no prazo previsto em regulamento. 3 o A autoridade ou outro agente público que classificar informação como ultrassecreta deverá encaminhar a decisão de que trata o art. 28 à Comissão Mista de Reavaliação de Informações, a que se refere o art. 35, no prazo previsto em regulamento.

2 = = = = = = = = = = = Depois da lei veio o decreto regulamentando a sua aplicação. Trata-se do decreto 7.724, de 16 de maio de Editada pela então presidente Dilma Rousseff, a norma restringia uma determinação expressa na lei, qual seja, a delegar a agente público (ou seja, a qualquer funcionário público) o poder de classificar documentos como secretos ou ultrassecretos. Embora a LAI fosse muito explícita a respeito de permitir amplamente a delegação de poderes de classificação, como está indicado no texto acima, o decreto de Dilma Rousseff restringiu essa norma. É o que está no parágrafo 30 do texto de 2012 (já tarjados pelas mudanças trazidas pelo decreto 9.690, de 23.jan.2019): Art. 30. A classificação de informação é de competência: I - no grau ultrassecreto, das seguintes autoridades: a) Presidente da República; b) Vice-Presidente da República; c) Ministros de Estado e autoridades com as mesmas prerrogativas; d) Comandantes da Marinha, do Exército, da Aeronáutica; e e) Chefes de Missões Diplomáticas e Consulares permanentes no exterior; II - no grau secreto, das autoridades referidas no inciso I do caput, dos titulares de autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista; e III - no grau reservado, das autoridades referidas nos incisos I e II do caput e das que exerçam funções de direção, comando ou chefia do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS, nível DAS ou superior, e seus equivalentes. 1 o É vedada a delegação da competência de classificação nos graus de sigilo ultrassecreto ou secreto. 1º É permitida a delegação da competência de classificação no grau ultrassecreto pelas autoridades a que se refere o inciso I do caput para ocupantes de cargos em comissão do - 2 -

3 Grupo-DAS de nível ou superior, ou de hierarquia equivalente, e para os dirigentes máximos de autarquias, de fundações, de empresas públicas e de sociedades de economia mista, vedada a subdelegação. (Redação dada pelo Decreto nº 9.690, de 2019) 2 o O dirigente máximo do órgão ou entidade poderá delegar a competência para classificação no grau reservado a agente público que exerça função de direção, comando ou chefia. 2º É permitida a delegação da competência de classificação no grau secreto pelas autoridades a que se referem os incisos I e II do caput para ocupantes de cargos em comissão do Grupo-DAS de nível ou superior, ou de hierarquia equivalente, vedada a subdelegação. (Redação dada pelo Decreto nº 9.690, de 2019) 3 o É vedada a subdelegação da competência de que trata o 2 o. 3º O dirigente máximo do órgão ou da entidade poderá delegar a competência para classificação no grau reservado a agente público que exerça função de direção, comando ou chefia, vedada a subdelegação. (Redação dada pelo Decreto nº 9.690, de 2019) 4 o Os agentes públicos referidos no 2 o deverão dar ciência do ato de classificação à autoridade delegante, no prazo de noventa dias. 4 o O agente público a que se refere o 3º dará ciência do ato de classificação à autoridade delegante, no prazo de noventa dias. (Redação dada pelo Decreto nº 9.690, de 2019) 5 o A classificação de informação no grau ultrassecreto pelas autoridades previstas nas alíneas d e e do inciso I do caput deverá ser ratificada pelo Ministro de Estado, no prazo de trinta dias. 6 o Enquanto não ratificada, a classificação de que trata o 5 o considera-se válida, para todos os efeitos legais. = = = = = = = = = = Qual o impacto terá o decreto 9.690, assinado pelo presidente interino, general Hamilton Mourão, e pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni? Será necessário primeiro interpretar de maneira mais detida quem exatamente terá poder de classificação de documentos e como isso será feito. Primeiro, é inegável que mais funcionários públicos poderão classificar documentos como secretos (15 anos de sigilo) e ultrassecretos (sigilo de 25 anos). Antes, só o altíssimo escalão da República classificava informações como ultrassecretas. Agora, é possível que funcionários do nível DAS-6, o mais alto cargo comissionado, - 3 -

4 também recebam essa delegação. Dados recentes indicam haver apenas 206 servidores de nível DAS-6 no Poder Executivo. No caso de documentos secretos, há servidores de nível DAS-5 que agora poderão receber a delegação para fazer tal classificação (há outras cifras sobre os DAS-5 e DAS-6, mas a ordem de grandeza é parecida). Não se sabe ainda quantos serão os funcionários DAS-6 e DAS-5 que, de fato, receberão a permissão para começar a classificar. POLÍCIA FEDERAL E COAF EMPODERADOS Mas o que parece ainda estar obscuro é a expressão de hierarquia equivalente quando o novo decreto estipula que altas autoridades podem delegar o poder de classificação. O presidente da República e ministros podem passar o poder de classificação de documentos como ultrassecretos para funcionários públicos da categoria nível DAS-6 ou superior, ou de hierarquia equivalente. O mesmo vale para a classificação de documentos como secretos, atribuição de titulares de autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista. Agentes públicos que têm equivalência aos DAS-6 ou DAS-5 ou que são titulares de autarquias são delegados da Polícia Federal que comandam o departamento nos Estados. Ou seja, a partir de agora, delegados da Polícia Federal que receberem documentos ou relatos sobre algum fato que possa ser considerado de segurança nacional ou algo que se enquadre nos incisos do artigo 23 da LAI poderão (se receberem delegação para isso) classificar as informações como secretas. Vale a pena revistar os incisos do artigo 23 da LAI: - 4 -

5 Art. 23. São consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado e, portanto, passíveis de classificação as informações cuja divulgação ou acesso irrestrito possam: I - pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional; II - prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais; III - pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população; IV - oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do País; V - prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicas das Forças Armadas; VI - prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional; VII - pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares; ou VIII - comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações. Vale ressaltar dessa lista o inciso 7º: Por em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares. Por essa lógica, toda a investigação sobre políticos como deputados ou senadores ( altas autoridades nacionais ) que estiverem sob investigação da PF pode ter todos os documentos de seus casos declarados secretos com sigilo de 15 anos. O Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), pela nova regra, também poderá ter seu titular recebendo a delegação para classificar documentos e informações como secretas. Quando isso acontece, os dados passam a ser muito restritos e menos vulneráveis a vazamentos. O Coaf nos últimos anos é uma grande peneira quando se trata de informações reservadas

6 Como se sabe, o senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho mais velho do presidente da República, tem sido investigado por movimentações financeiras consideradas atípicas pelo Coaf. LISTA DE DOCUMENTOS CLASSIFICADOS O Palácio do Planalto alega que decreto visa a desburocratiza o acesso a informações, garantindo transparência à administração pública. Na realidade, o maior problema de transparência na aplicação da Lei de Acesso se refere à total falta de controle público sobre o que já foi ou será classificado. O artigo 30 da LAI estipula que cada órgão da administração pública divulgue, anualmente, uma lista de documentos que tenham sido classificados com algum grau de sigilo ou desclassificados. Eis a determinação: Art. 30. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade publicará, anualmente, em sítio à disposição na internet e destinado à veiculação de dados e informações administrativas, nos termos de regulamento: I - rol das informações que tenham sido desclassificadas nos últimos 12 (doze) meses; II - rol de documentos classificados em cada grau de sigilo, com identificação para referência futura; III - relatório estatístico contendo a quantidade de pedidos de informação recebidos, atendidos e indeferidos, bem como informações genéricas sobre os solicitantes. 1 o Os órgãos e entidades deverão manter exemplar da publicação prevista no caput para consulta pública em suas sedes. 2 o Os órgãos e entidades manterão extrato com a lista de informações classificadas, acompanhadas da data, do grau de sigilo e dos fundamentos da classificação. Hoje é impossível ter acesso a essas listas de documentos classificados ou desclassificados. A forma com que os órgãos públicos divulgam esses dados é errática. Não existe muito menos uma compilação sobre essas informações algo que foi - 6 -

7 parcialmente realizado pela CGU (Controladoria Geral da União) por algum tempo. Se desejar aperfeiçoar a aplicação da LAI, mais do que aumentar o número de agentes que podem classificar documentos, o governo federal poderia estipular que a CGU (ou outro órgão federal) ficaria com o poder de exigir que todos os ministérios, departamentos e autarquias enviem anualmente suas listas de documentos classificados. Enquanto isso não acontecer não haverá transparência de fato dos dados públicos. Poder jan