Excelentíssimo Senhor Desembargador IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
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- Miguel Fagundes
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1 Excelentíssimo Senhor Desembargador IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, Seção de São Paulo, e a ASSOCIAÇÃO DOS ADVOGADOS DE SÃO PAULO, representadas pelos seus Presidentes e por seu advogado infra-assinados vêm, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência para expor e requerer o quanto segue deduzido, no sentido de preservar o Regimento Interno desta Corte, a Constituição da República e as leis federais. 1. A Corregedoria Geral da Justiça deste Colendo Tribunal editou o Provimento 17/2013, por meio do qual autorizou notários e registradores a realizar mediação e conciliação (art. 1º), estabelecendo para tanto um procedimento que se inicia com a provocação do interessado (arts. 6º e segs.) e se conclui, em caso de êxito, pela lavratura de Termo de Mediação (art. 13), ao qual o 1
2 Provimento atribui a natureza de título executivo extrajudicial (art. 585, II, do CPC), hábil, portanto, para desencadear processo de execução. As disposições constantes do Provimento em tela, como se constata do resumo antes apresentado, contêm regras de registro público, de processo e de procedimento, com o que enseja vários e relevantes questionamentos, que cumpre sejam devidamente avaliados pelo Órgão Especial deste Tribunal, uma vez que transparecer avançar sobre o que não lhe seria permitido. 2. Por primeiro, é de se destacar a competência do Órgão Especial deste Tribunal de Justiça para a apreciação da matéria que se põe nesta petição, dado ser o Órgão que concentra os poderes maiores da Justiça de São Paulo, tendo, além do mais, competência natural para avaliar e determinar o cumprimento de seu próprio Regimento Interno, preservando-o. Ademais, o quanto se coloca aponta para o desrespeito à Constituição e à legislação federal, com o que surgiu disposição viciada pela inconstitucionalidade e ilegalidade, de modo a se fazer possível que o ente maior e superior, como é este Órgão Especial, a afaste do universo jurídico, resguardando o Tribunal e a higidez das regras por ele e seus membros editadas. 2
3 É de rigor, desse modo, deter-se sobre o assunto, levando-o ao conhecimento dos demais integrantes do Órgão Especial deste Tribunal. 3. Como sabido, o Regimento Interno deste Tribunal atribui ao Corregedor Geral da Justiça, relativamente às atividades notariais e de registro (art. 28), as funções de fiscalizar, orientar, disciplinar e aprimorar esses serviços. São poderes cujo núcleo do conceito os explica de modo bastante claro, sem necessidade de se decompor o enunciado para buscar o quanto os mesmos permitem. Certo é, até em razão desta clareza, que o Regimento não enseja ao Corregedor a ampliação das atividades acometidas aos registradores, ampliação que se realizaria com a criação de qualquer outra sorte de serviço, de vez que a nova competência nada tem com fiscalização, orientação, disciplinamento e aprimoramento. Para tanto, destarte, o Corregedor não tem competência regimental, de modo que, concedendo novas atribuições aos registradores pela via do Provimento exorbitou do quanto lhe foi conferido pelo Regimento Interno desta Corte, descumprindo-o. Não só o Regimento, porém, foi descumprido, mas também a Lei Federal, de vez que os arts. 37 e 38 da Lei n /1994, que disciplinou os serviços de notários e registradores, regulamentando o art. 236 da Constituição Federal, enfatizou a competência do Judiciário para a fiscalização desta atividade, não 3
4 prevendo poderes para a definição ou ampliação das atribuições outorgadas aos registradores e notários. 4. A par disso, o Corregedor, ao criar a conciliação perante os notários e ao disciplinar o procedimento para sua realização e, por fim, ao criar um novo título executivo extrajudicial, legislou por Provimento sobre registros públicos e também sobre processo, para o que não tem competência, aliás, como nem o Estado a tem. O art. 22 da Constituição Federal prevê em seus incisos que compete privativamente à União legislar sobre Direito Processual e Registros Públicos. Há, pois, sobre isso reserva legal, de modo a exigir o tratamento da matéria exclusivamente pelo Legislativo (cf. ALEXANDRE DE MORAES, Direito Constitucional, Atlas, 22ª edição, 2007, n. 7.1, pág. 37). A matéria versada no Provimento só poderia ser, portanto, objeto de norma editada pela União, observando o procedimento legislativo constitucional e que implicaria a edição de Lei aprovada pelo Congresso Nacional e com sanção da Presidência da República. 5. A atribuição de novas competências aos notários e registradores é, como transparece elementar, preceito atinente a registros públicos, relativamente aos quais a Constituição definiu competência exclusivamente para a União. 4
5 Nessa linha, não bastasse o rol da divisão da competência legislativa (art. 22), por si só de clareza solar, há também o 1º, do art. 236, da Constituição Federal, que prevê lei para regular as atividades, definir responsabilidades, mas restringe o âmbito da lei disciplinadora, em relação ao Judiciário, à fiscalização, colocando a verdadeira pá-de-cal, no quanto o Judiciário poderia supor realizar. É certo que o texto constitucional de 1969 admitia a possibilidade de, supletivamente, o Estado legislar sobre o assunto (art. 8º, inciso XVII, e, combinado com o seu parágrafo único), de modo que, àquele tempo, a União dispunha apenas sobre as normas gerais de registro público. Atualmente, porém, nem a legislação estadual suplementar é prevista, ensinando com precisão MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, que a matéria é privativa da União, o que exclui a complementação pelo direito estadual (Comentários à Constituição Brasileira de 1988, Saraiva, 1990, 1º vol., 1ª edição, pág. 182). comprometê-lo. Portanto, há no Provimento vício de competência a 6. O normativo advindo com o Provimento n. 17, no entanto, não se esgota, como antes dito, em preceitos de registro público, contendo disposições processuais e procedimentais. 5
6 Nesse sentido, a partir de seu art. 6º o Provimento demarca uma série de atos a serem praticados para que se desenvolva o autêntico procedimento conciliatório, referindo-se a comunicação ao requerido, a modos de se fazer esta comunicação, prevendo sessões de conciliação, até o ato final exitoso, que seria a realização da conciliação entre as partes interessadas, quando, então, seria lavrado o Termo de Mediação, a ser registrado em livro próprio. Apesar de haver quem não admita distinção entre regras procedimentais e de processo, como é o caso de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO (Instituições de Direito Processual Civil, Malheiros, 2002, 2ª edição, 1º, vol., pág. 37), o fato é que a Constituição da República exige que se faça essa dicotomia, na medida em que atribuiu para os preceitos de processo competência exclusiva da União, mas admitiu que sobre procedimentos o Estado também pudesse legislar (art. 24, inciso XI). Nem assim, porém, o Corregedor Geral poderia disciplinar o assunto, de vez que a competência para legislar sobre procedimento é também exercida por meio de lei, no caso, estadual, devendo observar-se, então, o procedimento legislativo disciplinado pela Constituição do Estado. Há, por fim, a parte que no Provimento trata de Direito Processual. Tal se verifica na previsão de um documento novo, o tal Termo de Mediação, como título executivo extrajudicial, 6
7 inserindo-o no inciso II, do art. 585, do Código de Processo Civil. Considerando que o Direito Processual, como coloca LENT, também há de disciplinar os efeitos do procedimento (Diritto Processuale Civile Tedesco, tradução de EDOARDO F. RICCI, Morano, 1962, pág. 17), devendo assim se entender o que decorre dos atos praticados, ou seja, da dotação de eficácia executiva ao documento que é resultado da atividade exitosa do notário. Evidente que, quanto a este aspecto, afronta o regramento a previsão da Constituição, que reserva a competência para legislar sobre processo à União, por meio, portanto, do Congresso Nacional, com a sanção da Presidência da República, de modo que a legislação processual tem caráter nacional, não se concebendo imagine um Estado um documento que os demais Estados não teriam, ferindo, assim, a unidade do sistema de processo. 7. A par do quanto antes exposto, tem-se que a novel atividade deferida aos cartórios extrajudiciais transborda da própria razão de ser e finalidade dos mesmos, representando atividade totalmente anômala, com o que são eles descaracterizados, de vez que concebidos como órgãos voltados a dar qualidade àquilo que passa para o seu registro ou autenticação. WALTER CENEVIVA define como fins do registro público a autenticidade, a segurança e a eficácia. Com a autenticidade se tem a confirmação da autoridade de coisa, 7
8 documento ou declaração; com a segurança dá-se a libertação do risco; e com a eficácia se produz efeitos jurídicos com a segurança de seus assentos (Lei dos Registros Públicos Comentada, Saraiva, 1997, 12ª edição, n. 2, págs. 4 e 5). Essas finalidades e ainda a publicidade são também assim consideradas pelo art. 1º da Lei n /1994. Em todas as atividades, portanto, que se põem como sua finalidade, os cartorários e registradores não trabalham para a formação da vontade dos interessados, mas simplesmente a autenticam e lhe dão segurança e eficácia. Sequer podem mesmo avaliar a higidez e a legalidade dos atos que lhe são submetidos para registro, autenticação ou lavratura. Com a nova função, eles participarão da formação do documento e, dessa forma, terão que perquirir sobre a legalidade do que está sendo resolvido, desvirtuando sua razão de ser e quiçá comprometendo a qualidade que se lhes exige para as atividades que lhe são próprias. 8. Por fim, a Resolução n. 125 do CNJ, que instituiu a Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses, tendente a assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade, impôs que os órgãos do Judiciário colocassem à disposição dos jurisdicionados meios de solucionar amigavelmente os conflitos. Todavia, não chegou ao ponto de permitir-lhes exceder os limites da atividade de outros entes, atribuindo semelhantes poderes a quem não é integrante do Judiciário, mas tão-só está sujeito à sua fiscalização. 8
9 A conciliação e a mediação têm papel fundamental na solução dos conflitos exatamente porque realizada pelo Judiciário, com a participação das partes e seus representantes. Certamente muito perderá se passar a se banalizar, vindo a ser realizada por órgãos que, na sua essência, não tem igual conhecimento de conflitos e de modos de solucioná-los. Logo, além de destoar com a Política Judiciária Nacional, o próprio Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo fomenta a formação de conciliadores e a atividade de Centros de Conciliação, com exitosa atuação no atendimento do cidadão a partir de rotinas especializadas, sendo certo que o desenvolvimento da mesma atividade por outros entes causaria verdadeira assimetria no atendimento, e possíveis conflitos em absoluto prejuízo da segurança jurídica. 9. Assim sendo, invoca-se a interferência do Órgão Especial deste Tribunal, após a necessária autuação e o devido processamento, a fim de revogar definitivamente o Provimento 17/2013 do Corregedor Geral da Justiça, em vista dos vícios de que padece. Pede e espera Deferimento. São Paulo, 30 de julho de
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