CANTO I 1. 1 As armas e os barões 2 assinalados. 2 E também as memórias gloriosas
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- Lavínia Guimarães Affonso
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1 CANTO I 1 1 As armas e os barões 2 assinalados Que, da Ocidental praia Lusitana, Por mares nunca de antes navegados Passaram ainda além da Taprobana 3, Em perigos e guerras esforçados, 4 Mais do que prometia a força humana, E entre gente remota edificaram Novo Reino 5, que tanto sublimaram; INTRODUÇÃO: PROPOSIÇÃO TRAZ O ASSUNTO DO POEMA 2 E também as memórias gloriosas Daqueles Reis que foram dilatando A Fé, o Império, e as terras viciosas 6 De África e de Ásia andaram devastando, E aqueles que por obras 7 valorosas Se vão da lei da Morte 8 libertando: Cantando espalharei por toda parte, Se a tanto me ajudar o engenho 9 e arte Neste primeiro canto, Camões faz a introdução do poema épico, seguindo o modelo greco-romano: revela o assunto que vai tratar (os feitos gloriosos dos portugueses), pede ajuda e inspiração às musas do Tejo e dedica o poema a D. Sebastião, rei de Portugal à época. A narrativa inicia com o concílio dos deuses, no Olimpo, onde Júpiter faz um discurso em favor dos portugueses, Baco se opõe e Vênus, com o apoio de Marte, passa a defender os lusos. A partir daí, começa a narrativa de viagem, mostrando como Vasco da Gama consegue vencer o governador de Moçambique, que tem planos de destruir a armada pelo fato de os portugueses serem cristãos. Em Mombaça, Baco continua tramando contra os lusos. No final, o poeta comenta os perigos da vida. 2. Homens ilustres. 3. Ilha ao sul da Índia, no Ceilão. 4. Leia-se nestes primeiros versos: os feitos militares e os homens ilustres (aguerridos), que de Portugal (Da Ocidental praia Lusitana, por se achar mais a Ocidente da Europa), por mares que não haviam sido navegados antes dos portugueses, foram além da Taprobana, enfrentando perigos e guerras com uma força sobre-humana, e fundaram um novo reino. 5. O império português na Ásia. 6. Terras em que não havia chegado a religião cristã. 7. Feitos. 8. A lei da Morte é o esquecimento. 9. Talento. 10. Nesta segunda estrofe, o poeta fala das grandes memórias daqueles reis como Afonso Henriques que foram expandindo a fé e o império, devastando as terras não-habitadas por cristãos, da África e da Ásia, e aqueles que, por grandes obras, ultrapassam a morte. Diz o poeta que cantando vai espalhar por toda parte esses feitos, se tiver técnica e talento.
2 18 OS LUSÍADAS 3 Cessem do sábio Grego 11 e do Troiano 12 As navegações grandes que fizeram; Cale-se de Alexandre 13 e de Trajano 14 A fama das vitórias que tiveram; Que eu canto o peito ilustre Lusitano 15, A quem Netuno 16 e Marte 17 obedeceram. Cesse tudo o que a Musa antiga 18 canta, 19, 20 Que outro valor mais alto se levanta. 4 E vós, Tágides 21 minhas, pois criado Tendes em mim um novo engenho ardente, Se sempre, em verso humilde, celebrado Foi de mim vosso rio alegremente, Dai-me agora um som alto e sublimado, Um estilo grandíloco 22 e corrente 23, Por que de vossas águas Febo 24 ordene Que não tenham inveja às de Hipocrene. 25,26 INTRODUÇÃO: INVOCAÇÃO ÀS NINFAS DO TEJO 11. Referência a Ulisses (cantado por Homero na Odisséia). 12. Referência a Enéias (cantado por Virgílio na Eneida). 13. Alexandre Magno, rei da Macedônia, que conquistou a Grécia, a Pérsia e o Egito. 14. Imperador romano de origem espanhola, que estendeu o império com suas conquistas. 15. O valor português. 16. Deus do mar. 17. Deus da guerra. 18. Calíope, musa da epopéia. 19. Até aqui, temos a proposição. Em síntese: cantar o peito ilustre lusitano, ou seja, os feitos portugueses. 20. Nesta estrofe, o poeta manda que tudo cesse, mesmo o canto dos grandes feitos passados, como os dos gregos e os dos romanos, porque um valor maior se coloca acima deles. 21. Ninfas do Tejo. 22. Eloqüente. 23. Elevado e sem rodeios. 24. O mesmo que Apolo, deus do sol e chefe das musas. 25. Fonte que Pégaso o cavalo alado fez brotar. Quem bebesse nela se tornava poeta. 26. Aqui, o poeta pede às filhas do Tejo, que criaram nele uma técnica ardente, quando sempre se expressara em verso simples, um som alto e sublime, o estilo eloqüente das epopéias, porque Apolo (Febo), deus da inspiração poética e profética, ordena que o Tejo não tenha inveja das águas como de Hipocrene, a fonte aberta por Pégaso que inspiraram as epopéias clássicas.
3 CANTO I 19 5 Dai-me uma fúria 27 grande e sonorosa, E não de agreste avena 28 ou flauta rude 29, Mas de tuba canora e belicosa 30, Que o peito acende 31 e a cor ao gesto muda; Dai-me igual canto aos feitos da famosa Gente vossa, que a Marte tanto ajuda; Que se espalhe e se cante no Universo, Se tão sublime preço cabe em verso. 32,33 6 E vós, ó bem nascida segurança 34 Da Lusitana antiga liberdade, E não menos certíssima esperança De aumento da pequena Cristandade; Vós, ó novo temor da Moura lança 35, Maravilha fatal da nossa idade, Dada ao mundo por Deus (que todo o mande, Para do mundo a Deus dar parte grande); 36 7 Vós, tenro e novo ramo florescente De uma árvore 37, de Cristo mais amada Que nenhuma nascida no Ocidente, Cesárea 38 ou Cristianíssima 39 chamada, (Vede-o no vosso escudo, que presente Vos amostra a vitória já passada 40, Na qual vos deu por armas e deixou As que Ele para Si na Cruz tomou); 41 INTRODUÇÃO: OFERTÓRIO. O POEMA É DEDICADO AO REI D. SEBASTIÃO 27. Delírio poético, inspiração. 28. Flauta do pastor. 29. Idem. 30. Tuba canora e belicosa : Trombeta guerreira. 31. Inflama o ânimo. 32. Estas duas estrofes formam a invocação. Observe-se que Camões pede força e inspiração às ninfas do Tejo para construir seu poema. 33. O poeta pede uma inspiração forte, em fúria, não como a flauta, mas como a trombeta estridente, que faz vibrar toda a alma. Os versos deverão estar à altura do povo que neles se canta. 34. Penhor da independência de Portugal. 35. Moura lança : Exército de mouros. 36. Aqui, entra-se na dedicatória. O poeta o dedica a D. Sebastião, o rei da pequena cristandade, que é Portugal, o terror dos exércitos mouros, o maravilhosamente predestinado, para que reine em todo o mundo, dando-o, assim, a Deus através do Cristianismo. 37. Representa a linhagem dos reis cristãos de Portugal. 38. [Árvore] Cesárea: dos imperadores da Alemanha. 39. [Árvore] Cristianíssima: dos reis da França. 40. Vitória que se seguiu à Batalha de Ourique, marca a independência a Portugal (1139). 41. Os quatro primeiros versos indicam que nenhum rei daqueles países seria mais amado do que D. Sebastião. Em seguida, evoca a Batalha de Ourique.
4 20 OS LUSÍADAS 8 Vós, poderoso Rei, cujo alto Império O Sol, logo em nascendo, vê primeiro; Vê-o também no meio do Hemisfério, E, quando desce, o deixa derradeiro; Vós, que esperamos jugo 42 e vitupério 43 Do torpe Ismaelita 44 cavaleiro, Do Turco Oriental e do Gentio Que ainda bebe o licor do santo Rio 45 : 9 Inclinai por um pouco a majestade, Que nesse tenro gesto vos contemplo, Que já se mostra qual na inteira idade, Quando subindo ireis ao eterno Templo 46 ; Os olhos da real benignidade: Ponde no chão: vereis um novo exemplo De amor dos pátrios feitos valorosos, Em versos devulgado numerosos Vereis amor da pátria, não movido De prêmio vil, mas alto e quase eterno; Que não é prêmio vil ser conhecido Por um pregão do ninho meu paterno. 48 Ouvi: vereis o nome engrandecido Daqueles de quem sois senhor superno 49, E julgareis qual é mais excelente, Se ser do mundo Rei, se de tal gente Ouvi: que não vereis com vãs façanhas, Fantásticas, fingidas, mentirosas, Louvar os vossos, como nas estranhas Musas, de engrandecer-se desejosas: As verdadeiras vossas são tamanhas, Que excedem as sonhadas, fabulosas, Que excedem Rodamonte 51 e o vão Rugeiro 52 E Orlando 53, ainda que fora verdadeiro Sujeição imposta pelo mais forte. 43. Afronta, insulto à honra, injúria. 44. Descendente de Israel. 45. Rio Ganges. 46. Templo da fama eterna. 47. Harmoniosos, com ritmo. 48. Ninho meu paterno significa minha pátria. 49. Superior. 50. Nesta estrofe, o poeta diz que não canta por bem material, que se dará por bem pago se tiver seu patriotismo reconhecido e, ao final, que D. Sebastião julgará se é melhor ser rei dos portugueses do que do resto do mundo. 51. Personagem criado por Boiardo, poeta do século XV, em Orlando Innamorato. 52. Personagem criado por Ariosto, poeta do século XVI, em Orlando Furioso. 53. Palavra italiana correspondente à francesa Roland, herói da famosa Chanson de Roland (poema do fim do séc. XI). 54. Aqui, o poeta mostra que as façanhas dos portugueses são reais, e não ficcionais, como Rodamonte, Rugeiro e Orlando (ver as notas anteriores).
5 CANTO I Por estes vos darei um Nuno 55 fero 56, Que fez ao Rei e ao Reino tal serviço, Um Egas 57 e um Dom Fuas 58, que de Homero 59 A cítara para eles só cobiço; Pois pelos Doze Pares 60 dar-vos quero Os Doze de Inglaterra 61 e o seu Magriço 62 ; Dou-vos também aquele ilustre Gama 63, Que para si de Enéias toma a fama Pois, se a troco de Carlos 65, Rei de França, Ou de César 66, quereis igual memória, Vede o primeiro Afonso 67, cuja lança Escura faz qualquer estranha glória; E aquele 68 que a seu Reino a segurança Deixou, com a grande e próspera vitória; Outro Joanne 69, invicto cavaleiro; O quarto e quinto Afonsos e o terceiro. 14 Nem deixarão meus versos esquecidos Aqueles que, nos Reinos lá da Aurora 70, Se fizeram por armas tão subidos, Vossa bandeira sempre vencedora: Um Pacheco 71 fortíssimo e os temidos Almeidas 72, por quem sempre o Tejo chora, Albuquerque terrível 73, Castro forte 74, E outros em quem poder não teve a morte. 55. Nuno Álvares Pereira, também conhecido como o Santo Condestável ou Beato Nuno de Santa Maria, foi um general português do século XIV que desempenhou um papel fundamental na crise de , em que Portugal jogou a sua independência contra Castela. 56. Sanguinário, violento, a quem apraz derramar o sangue inimigo. 57. Egas Moniz, personagem lendário da história portuguesa, ligado ao reinado de Afonso VII. 58. Fuas Roupinho: nobre português do século XII, ligado ao processo de reconquista cristã da península Ibérica. 59. Poeta épico grego, autor da Odisséia, que serve de padrão para Camões. 60. Doze companheiros de Carlos Magno. 61. Doze cavaleiros portugueses que, no reinado de D. João I, teriam ido à Inglaterra combater doze cortesãos ingleses que haviam ofendido damas do seu país. 62. Um dos doze cavaleiros. 63. Vasco da Gama. 64. O poeta propõe, em lugar dos personagens fictícios da estrofe anterior, colocar os verdadeiros heróis portugueses, os homens ilustres que, de fato, serão cantados daqui para frente. 65. Carlos Magno. 66. Caio Júlio César, general e político romano. 67. D. Afonso Henriques. 68. D. João I. 69. D. João II. 70. Reinos do Oriente. 71. Duarte Pacheco Pereira, defensor de Cochim. 72. D. Francisco de Almeida e seu filho D. Lourenço, mortos enquanto lutavam por Portugal. 73. D. Albuquerque, nobre defensor de Portugal. 74. D. João de Castro, nobre defensor de Portugal.
6 22 OS LUSÍADAS 15 E, enquanto eu estes canto, e a vós não posso, Sublime Rei, que não me atrevo a tanto, Tomai as rédeas vós do Reino vosso: Dareis matéria a nunca ouvido canto. Comecem a sentir o peso grosso (Que pelo mundo todo faça espanto) De exércitos e feitos singulares De África as terras e do Oriente os mares Em vós os olhos tem o Mouro frio 76, Em quem vê seu exício 77 afigurado; Só com vos ver o bárbaro Gentio Mostra o pescoço ao jugo já inclinado; Tétis 78 todo o cerúleo 79 senhorio 80 Tem para vós por dote aparelhado, Que, afeiçoada ao gesto 81 belo e tenro, Deseja de comprar-vos para genro Em vós se vêem, da Olímpica morada 83, Dos dois avós 84 as almas cá famosas; Uma na paz angélica dourada, Outra, pelas batalhas sanguinosas. Em vós esperam ver-se renovada Sua memória e obras valorosas; E lá vos tem lugar, no fim da idade, No templo da suprema Eternidade Nesta estrofe, Camões proclama que D. Sebastião celebrará feitos ainda maiores no seu reinado, como as terras da África e os mares do Oriente. 76. Com este verso, o poeta quer dizer que o Mouro esta em estado de pavor. 77. Extermínio. 78. Deusa do mar, esposa de Oceano. 79. Azul. 80. Refere-se ao Império. 81. Rosto. 82. Camões afirma que o os mouros temem o rei e que Tétis o quer para genro. 83. O céu. 84. Os dois avós de D. Sebastião, a quem se refere o poeta: D. João III e Carlos V. 85. O rei não vale por si só, ele traz consigo todos os seus antepassados.
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