UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES DEPARTAMENTO DE JORNALISMO E EDITORAÇÃO

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Theodoro Martini César
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1 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES DEPARTAMENTO DE JORNALISMO E EDITORAÇÃO Culpando a vítima A perpetuação de um discurso que estigmatiza as mulheres vítimas de violência sexual Projeto de Iniciação Científica Ana Helena Baptista Rodrigues Orientadora: Prof. Dra. Rosana de Lima Soares Abril de 2014

2 1. Introdução Em um país como o Brasil, em que quase 80% da população tem a televisão como principal meio de informação', é crucial que se avalie o modo com que as mídias audiovisuais noticiam casos de violência sexual sofridos por mulheres e sua influência na formação de uma opinião pública que responsabiliza a vítima pela agressão. Este será o objeto desta pesquisa que está inserida no contexto do trabalho desenvolvido desde 2003 pela Profa. Dra. Rosana de Lima Soares, Mídias Audiovisuais e Estigmas Sociais Sutileza e Grosseria da Exclusão. Estima-se que a cada ano no Brasil 0,26% da população sofra violência sexual, o que indica que haja anualmente 527 mil tentativas ou casos de estupros consumados no país, dos quais somente 10% são reportados à polícia 2. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão do governo federal, 26% dos brasileiros concordam inteira ou parcialmente com a frase Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas e 58% concordam com a ideia de que se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros 3. Apesar de os dados numéricos corrigidos serem menores do que os divulgados pelo Ipea anteriormente, em que 65% dos entrevistados concordavam que a mulher que usa determinado tipo de roupa merece ser estuprada, é preciso notar que os índices corretos indicam que 1 em cada 4 brasileiros acredita que a mulher deva ser punida por usar roupas provocantes e que mais da metade da população acredita, sim, que o estupro é estimulado pela vítima. Um agravante à leitura desses dados é o fato de que a maioria dos entrevistados era composta por mulheres. O mesmo instituto também divulgou, paralelamente, estudo baseado principalmente nos microdados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), órgão vinculado ao Ministério da Saúde (MS), que demonstra que mais de 70% das vítimas de estupro são crianças e adolescentes e que a maioria desses crimes é cometida por agressores próximos à vítima, sejam familiares ou conhecidos, e dentro de casa 4. 1.Pesquisa de Hábitos de Consumo de Mídia dos Brasileiros, feita pelo IBOPE, coletada em 2013 e encomendada pela SECOM - Secretaria de Comunicação da Presidência da República. 2. Segundo Faúndes et al. (1998), menos de 10% dos estupros chegam ao conhecimento da polícia. 3.Tolerância Social à Violência Contra as Mulheres, publicada em 27/03/14 e retificada em 04/04/14. 4.Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde, publicada em 03/2014.

3 Outro fato perturbador é a repercussão que teve a divulgação desta pesquisa. Pelas redes sociais grupos se organizaram em protesto contra esse pensamento e imediatamente surgiram grupos de repressão, muitas vezes violenta, materializando e reafirmando os resultados divulgados pelo Ipea. Comparando os dados referentes à pesquisa de opinião com os disponibilizados pelo Ministério da Saúde, fica evidente que o que a maioria acredita como sendo as causas do estupro em muito se afasta do real cenário brasileiro. Dessa maneira, é crucial que se entenda como essa ideia se perpetua no imaginário coletivo e o papel das mídias audiovisuais nesse processo. 2. Objetivos Esta pesquisa pretende analisar a maneira como a mulher, quando vítima de violência sexual, é representada pelas reportagens televisivas com o objetivo de entender como o real influencia ou não na propagação do discurso que responsabiliza a vítima pela agressão. A análise será guiada por algumas questões fundamentais: Quais são as bases do discurso que responsabiliza a vítima pela agressão sexual e por que ele continua a ser aceito e expresso? Qual é o enfoque dado às reportagens que denunciam abusos sexuais e de que maneira elas reforçam ou combatem esse discurso? 3. Metodologia A primeira parte da pesquisa terá como enfoque principal a leitura da bibliografia aqui estabelecida, bem como de textos adicionais que se façam necessários para melhor compreensão das teorias na área da comunicação e análise do discurso. Também serão estudadas obras de antropologia, sociologia e psicanálise em busca de entendimento aprofundado das questões de gênero e suas representações estigmatizadas no imaginário coletivo. Em um segundo momento reportagens televisivas e publicações em redes sociais, que tratem de abusos sexuais sofridos por mulheres, serão analisadas. Será então feita uma análise de como a vítima é representada pelas reportagens em contraposição aos movimentos online e será avaliada a influência que essa representação tem nos discursos estigmatizantes. Também terá enfoque a cobertura de

4 manifestações decorrentes da tentativa de mudar esse discurso, como a Marcha das Vadias e a campanha #EuNaoMerecoSerEstuprada. Como objeto de estudo serão analisadas as matérias veiculadas pelo Jornal Nacional, transmitido de segunda a sábado pela Rede Globo de Televisão e o Jornal da Record, transmitido de segunda a sábado pela Rede Record de Televisão, ambos com arquivos disponível na internet. Também será feito acompanhamento regular de publicações no Facebook que interessem à pesquisa. As análises serão feitas a partir de material publicado no período de um ano, a contar da divulgação das pesquisas produzidas pelo IPEA, ou seja, serão consideradas as matérias jornalísticas e publicações veiculadas entre abril de 2014 e abril de Referências Bibliográficas ABRANTES, D.; CAMPOS, B. M.; SCHAUN, A. (org.). Gênero, mídia, sociedade. São Paulo: Expressão e Arte, BARTHES, R. O efeito de realidade. In: O rumor da língua. São Paulo: Brasiliense, BOURDIEU, P. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, BUITONI, D. H. S. Mulher de papel: a representação da mulher pela imprensa feminina brasileira. São Paulo: Summus, CHARAUDEAU, P. O discurso das mídias. São Paulo: Contexto, CHARAUDEAU, P.; MAINGUENEAU, D. Dicionário de análise do discurso. São Paulo: Contexto, FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília: UnB, 2008, c2001. FAÚNDES, A., ROSAS, C., BEDONE, A. & OROZCO, L. Violência sexual: procedimentos indicados e seus resultados no atendimento de urgência de mulheres vítimas de estupro. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, 2006; 28(2): FOUCAULT, M. A história da sexualidade: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar, GOMES, M. R. Comunicação e identificação: ressonâncias no jornalismo. São Paulo: Ateliê, Jornalismo e ciências da linguagem. São Paulo: Edusp/Hacker, INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde (versão preliminar). Disponível em: diest11.pdf. Acesso em: 20 mai INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Tolerância social à violência contra as mulheres. Disponível em: heres.pdf. Acesso em: 20 mai

5 JENKINS, H. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, MACHADO, A. A televisão levada a sério. São Paulo: Senac, MAINGUENEAU, D. Cenas da enunciação. São Paulo: Parábola Editorial, MAINGUENEAU, D. Novas tendências em análise do discurso. Campinas: Pontes, MORENO, R. A imagem da mulher na mídia. São Paulo: Publisher Brasil, MOSCOVICI, S. Representações sociais. Investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes, ORLANDI, E. P. Análise de discurso. Campinas: Pontes, As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. Campinas: Unicamp, PEREIRA JR., L. C. (org.). A vida com a TV. São Paulo: Senac, SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Hábitos de Consumo de Mídia pela População Brasileira. Disponível em: Acesso em: 20 mai SOARES, R. L. Margens da comunicação: discursos e mídias. São Paulo: Annablume, 2009.

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