SATIAGRAHA: A ANÁLISE DE UMA FOLHA DANTESCA

Transcrição

1 SATIAGRAHA: A ANÁLISE DE UMA FOLHA DANTESCA Bruno Zani

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3 Dedico este trabalho ao meu pai e minha mãe que nunca desistiram de apoiar os meus sonhos

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5 SUMÁRIO INTRODUÇÃO - 7 SATIAGRAHA: A FIRMEZA NA VERDADE - 11 O QUARTO PODER - 21 O QUARTO PODER DA FOLHA NA SATIAGRAHA - 29 A FOLHA NA SATIAGRAHA - 39 INVESTIGAÇÕES OU EXCESSOS: NO QUE ACREDITAR? - 47 ESTADO POLICIALESCO? - 63 ACUSAÇÕES SEM PROVAS - 71 CONSIDERAÇÕES FINAIS - 79 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS - 83 CAPAS FOLHA DE S. PAULO - 89

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7 INTRODUÇÃO Hoje, mais que nunca, os meios de comunicação desenvolvem técnicas (em permanente expansão) de apresentação da notícia como espetáculo. As regras do espetáculo, quase sempre nutridas na experiência da ficção, transmitem-se à informação, modelando-lhe o resultado através de uma intervenção na sua forma e a manipulação de seu conteúdo. (ARTUR DA TÁVOLA) 7

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9 Uma operação policial que mexeu com o Brasil. Uma pessoa presa que pode saber muito mais do que imaginamos sobre possíveis falcatruas da política brasileira. Um pedido de prisão feito a uma jornalista. Um dos braços direitos do presidente da República pode estar envolvido. Um delegado acusado de abusar do seu poder. Um Estado acusado de não respeitar os direitos garantidos na Constituição. Esses são alguns dos ingredientes proporcionados depois da prisão do banqueiro Daniel Dantas, do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta e do megainvestidor Nahi Najas, na Operação Satiagraha, que influenciaram as notícias sobre o tema na imprensa brasileira. Este trabalho analisará como foi a cobertura do jornal Folha de São Paulo nas duas semanas depois que a operação policial foi deflagrada e os principais envolvidos foram presos. Além de divulgar o que foi descoberto nas investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, Folha também ouviu fontes que criticaram a operação, principalmente no que diz respeito à atuação do delegado responsável pelo caso, ao pedido de prisão feito a uma jornalista contratada pela Folha e à espetacularização das prisões, além de dar espaço para acusações sem provas ao delegado, ao juiz e ao presidente da República. O trabalho foi dividido em sete capítulos. O primeiro apresenta a história da operação, relatando desde quando a jornalista Andrea Michael publica a primeira reportagem sobre o tema, passando pelo dia da prisão dos envolvidos e como o delegado responsável pela operação foi afastado, até chegar nas últimas novidades do caso, quando este trabalho foi finalizado. O segundo capítulo é uma revisão da literatura sobre como o 9

10 jornalismo exerce e deveria exercer o quarto poder, ou seja, como a mídia fiscaliza os três poderes democráticos (legislativo, executivo e judiciário). O terceiro utiliza o que foi abordado nos capítulos anteriores para observar o quarto poder exercido pela Folha durante as duas semanas depois da deflagração da Satiagraha. As análises sobre a cobertura da Folha começam a partir do quarto capítulo. O objetivo das análises foi descobrir se o jornal perdeu o foco no que realmente deveria ser principal alvo das notícias: as investigações contra Dantas, Pitta e Nahas. Para observar se isso ocorreu, foram analisadas todas as notícias publicadas de 09 a 22 de julho de 2008, período posterior a deflagração da Operação Satiagraha. Foram observadas a quantidade e quais os temas principais das manchetes, o conteúdo das notícias e os discursos produzidos pelas fontes ouvidas pela Folha. Depois disso, foi realizado um cruzamento das informações obtidas por cada observação para saber como foi a cobertura da Folha nas duas semanas que sucederam as prisões de Dantas, Pitta e Nahas. 10

11 SATIAGRAHA: A FIRMEZA NA VERDADE Operação da PF prende Pitta, Daniel Dantas e Naji Nahas (FOLHA DE S.PAULO, DIA 09/08/08).

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13 Com o rosto surpreso, semblante de quem teria acabado de acordar e ainda de pijamas, o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta foi surpreendido em sua residência por agentes da Polícia Federal, acompanhados por câmeras da TV Globo, que anunciaram a sua prisão. No mesmo horário, por volta das 6h, policiais tiveram que escalar o muro da casa do empresário Nahi Najas para dar a ordem de prisão a ele. Os seguranças da casa se recusaram a abrir o portão para os agentes. O banqueiro Daniel Dantas foi o último dos três a ser preso. Era quase 12h quando ele saiu de seu apartamento, no Rio de Janeiro, acompanhado por policiais. Além dos três, mais 21 pessoas tiveram a prisão decretada no dia 8 de julho de 2008, quando foi realizada a Operação batizada de Satiagraha, termo usado pelo pacifista indiano Mahatma Gandhi durante sua campanha pela independência da Índia, que significa firmeza na verdade. As prisões foram decretadas pelo juiz Fausto Martin de Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, especializada em crimes financeiros e de lavagem de dinheiro, a pedido do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, que suspeitavam que os envolvidos teriam cometido crimes como gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, uso de informação privilegiada no mercado de capitais, evasão de divisas (dinheiro enviado para fora do país ilegalmente), formação de quadrilha, entre outros. A investigação começou depois que Supremo Tribunal Federal enviou ao Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo informações do processo do mensalão de que o Grupo Opportunity, no qual Daniel Dantas é um dos sócios, teria sido um dos maiores depositantes de 13

14 dinheiro na conta de Marcos Valério, responsável, segundo a PF, por alimentar o esquema de pagamento ilegal a parlamentares. As investigações da polícia identificaram que as empresas de telefonia Telemig e Amazonia Celular, da Brasil Telecom, controlada pelo Grupo Opportunity, teriam depositado mais de R$120 milhões na conta da DNA Propaganda, administrada por Valério. Foi a partir dessas informações que a PF começou a realizar a investigação, realizando uma série de diligências com autorização judicial, como escutas telefônicas e interceptação de dados. Apesar de presos na mesma operação, Dantas e Nahas atuavam em grupos diferentes. Enquanto o de Dantas teria cometido os crimes de evasão de divisas, gestão fraudulenta, corrupção ativa e de lavagem de dinheiro, o de Nahas teria cometido os crimes de quadrilha, operar instituição financeira sem autorização do Banco Central, uso indevido de informação privilegiada (insider trading) e lavagem de dinheiro. No mesmo dia em que Dantas foi preso, foram decretadas as prisões temporárias de 10 pessoas ligadas a ele: Verônica Dantas (irmã e diretora do banco Opportunity), Carlos Rodemburg (sócio e vicepresidente do banco Opportunity), Dorio Ferman (presidente do banco Opportunity) Daniele Ninio, Arthur Joaquim de Carvalho, Eduardo Penido Monteiro, Itamar Benigno Filho, Norberto Aguiar Tomaz, Maria Amália Delfim de Melo Coutrin e Rodrigo Bhering de Andrade Do grupo de Naji Nahas, além dele, foram decretadas a prisão de mais dez pessoas: Fernando Nahas, Maria do Carmo Antunes Jannini, Antonio Moreira Dias Filho, Roberto Sande Caldeira Bastos, os doleiros Carmine Enrique, Carmine Enrique Filho, Miguel Jurno Neto, Lúcio Bolonha Funaro e Marco Ernest Matalon e o ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta, cliente dos doleiros, que teve operações financeiras ilegais interceptadas pela PF. 14

15 O juiz Fausto de Sanctis não autorizou a prisão do ex-deputado Federal Luiz Eduardo Greenhalgh, do PT, e da jornalista da Folha de São Paulo Andrea Michael. O pedido de prisão da jornalista foi feito pela polícia, que acreditava que Michael teria passado informações sigilosas sobre a investigação para o banqueiro Daniel Dantas, antes da operação ser deflagrada. O Ministério Público Federal foi contra o pedido de prisão de Michael. Segundo o MPF e a polícia, o ex-deputado era suspeito de atuar como um braço político de Dantas, fazendo contratos com o Governo Federal e com o Congresso Nacional. Em um dos diálogos telefônicos, interceptado durante as investigações, Greenhalgh pergunta ao chefe-de-gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho, se ele tem conhecimento de alguma operação na Polícia Federal contra Daniel Dantas. Carvalho se compromete a levantar isso daí com o diretor-geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Correa. >>>O FURO DA FOLHA E A 1ª LIBERTAÇÃO Antes mesmo de a operação vir à tona, a Folha de São Paulo foi o primeiro veículo a relatar que uma nova investigação contra Daniel Dantas estava em curso. A autora da reportagem publicada em 26 de abril de 2008, três meses antes das prisões, foi, justamente, Andrea Michael. Depois dessa reportagem publicada pela Folha, os advogados de Dantas começaram tentar ter acesso aos inquéritos, que estavam em segredo de justiça. Eles entraram com dois habeas corpus (HC) preventivos, pedido quando um cidadão desconfia que pode ser preso. O primeiro, requisitado no Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi negado. O outro, pedido no STF, ainda estava sob análise quando foi deflagrada a Satiagraha. Foi com esse HC que o presidente do STF, ministro Gilmar 15

16 Mendes, declarou-se competente para julgar os pedidos de prisões realizados e o processo não passou pela 2ª instância da Justiça, como seria o procedimento normal. Na decisão, Mendes libertou Dantas e outros dez investigados que atuariam com ele. >>>A SEGUNDA PRISÃO Apenas 11 horas depois de ser libertado pelo ministro Gilmar Mendes, Dantas teve mais um pedido de prisão decretada. O juiz Fausto de Sanctis voltou a determinar a prisão do banqueiro por um novo fato: ele teria pedido a Humberto Braz, ex-presidente da Brasil Telecom, e Hugo Chicaroni, professor universitário, que tentassem comprar um policial federal para que os nomes dele e de sua irmã, Verônica, fossem excluídos da investigação. A mando de Dantas, Braz e Chicaroni teriam oferecido R$ 1 milhão a um delegado federal, o que configura o crime de corrupção ativa. O ministro Gilmar Mendes considerou um desrespeito ao STF a nova decretação da prisão de Dantas, mandou soltá-lo novamente, e ainda chamou a atitude de Fausto de Sanctis de inaceitável e absurda. O procurador Rodrigo de Grandis, responsável pelo inquérito da Sagtiagraha, considerou o fato ilegal. Para ele, a 2ª libertação concedeu a Dantas um foro privilegiado no STF, que só é permitido ao presidente e vice-presidente da República, senadores e deputados Federais. Para o procurador, antes da decisão do STF, o Tribunal Regional Federal e o Superior Tribunal de Justiça deveriam analisar o pedido de soltura. >>>PROTÓGENES: DE INVESTIGADOR A INVESTIGADO 16