Direito do Consumo. Decisão de 30 de Julho de 2003 do Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Lisboa

Transcrição

1 Direito do Consumo Decisão de 30 de Julho de 2003 do Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Lisboa Direito de Arrependimento

2 I Factos Provados 1. Em Março de 2003, por anúncio publicitado na televisão, o reclamante encomendou a uma empresa duas panelas com diversos acessórios (tampa, grelhador, grelha de metal, panela de convecção e pega) destinados a culinária, no valor de acrescidos de IVA e dos respectivos portes; 2. A 09 de Abril de 2003, o reclamante recebeu em sua casa os produtos encomendados e as respectivas instruções de utilização, pelos quais pagou o valor total de , verificando nesta data que uma das panelas apresentava «uma pequena amolgadela na parte inferior e uma zona com riscos na parede lateral»; 3. Ao utilizar pela primeira vez a panela que não apresentava danos, a 20/04/03, verificou o reclamante que o grelhador tinha perdido parcialmente a cor antracite característica do material antiaderente e que a chama do fogão se tinha apagado várias vezes devido ao vapor de água decorrente da utilização da panela em questão; 4. A 21/04/03, o reclamante contactou telefonicamente a assistência pós-venda da empresa reclamada solicitando a devolução das panelas e a resolução do negócio tendo sido informado que a empresa admitia «substituir o grelhador, pois alguns tinham saído com qualidade inferior», mas que não aceitava a devolução dos produtos, tendo o reclamante solicitado contacto com um responsável da empresa, o que não foi possível naquele momento, ficando acordada comunicação posterior da empresa;

3 5. Na mesma data, o reclamante solicitou à empresa reclamada através de carta registada com aviso de recepção, a rescisão do contrato, considerando estar «dentro do prazo legal de devolução» dos bens e que os mesmos apresentavam «defeitos e vícios inaceitáveis», informando que, dada a recusa da empresa em aceitar a devolução das panelas, as mesmas podiam ser levantadas na sua residência, «no prazo de 30 dias contra a devolução do montante pago»; 6. Posteriormente, a empresa reclamada contactou telefonicamente o reclamante propondo a substituição das panelas adquiridas, o que não foi aceite pelo reclamante que pretendia sim a resolução do negócio; 7. De acordo com a proposta de contrato feita pela empresa reclamada através da televisão, ficou provado que: - «Utilize durante15 dias e, se não gostar, devolva»; «Não há qualquer risco»; - «Pode experimentar por um período de 15 dias, se não»; «Simplesmente devolva para ser reembolsado»; - «Pode devolver no prazo de 15 dias»; «Por isso não há risco». II Pedido do Reclamante Resolução do Contrato, com reembolso da quantia paga pela aquisição dos produtos, no valor de 106,80.

4 III Questões suscitadas no caso Poderá o reclamante exercer o direito de arrependimento de acordo com o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 143/2001? Será admissível o reclamante querer utilizar o bem tanto antes como depois de exercido o direito de arrependimento, face ao que dispõe o artigo 8.º n.º 3 do Decreto-Lei n.º 143/2001? Não será preferível aceitar a substituição das peças com defeito, ao invés de querer resolver totalmente o contrato?

5 Artigo 8.º n.º3 Decreto-Lei n.º 143/2001 «Em caso de resolução, o consumidor deve conservar os bens de modo a poder restituí-los, ao fornecedor ou à pessoa para tal designada no contrato, em devidas condições de utilização, no prazo de 30 dias a contar da data da sua recepção». [sublinhado nosso] Nota: Este artigo não faz qualquer referência ao momento temporal em que deve o bem ser utilizado, apenas indica que o consumidor deve ser diligente e não abusar da utilização do bem

6 IV Decisão do Juiz-Árbitro Não obstante o artigo 8.º, n.º 3 do DL 143/2001 de 26 de Abril dispor no sentido de que, em caso de resolução do contrato, os produtos adquiridos não devem ser utilizados, o princípio da autonomia da vontade das partes sobrepõe-se ao legalmente estipulado, caso o acordo estabelecido seja mais favorável ao consumidor. Dispõe também a Lei da Cláusulas Contratuais Gerais neste sentido, no artigo 11.º n.º2: «Na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente». O bem apenas pode ser utilizado antes de exercido o direito de arrependimento. O direito de arrependimento é condição resolutiva do contrato e quando exercido destrói os efeitos do mesmo. Permitir uma situação de utilização do bem posterior ao exercício do direito de arrependimento seria permitir uma situação abusiva que vai contra os bons costumes e é contrária à boa fé, pois o bem já não está na esfera do consumidor, já não é propriedade sua. No nosso entendimento esta justificação é dúbia porque não se entende qual é o momento temporal a que o juiz-árbitro se refere, porque é claro que, no caso em apreço o bem foi utilizado antes de ser exercido o direito de arrependimento. Entendemos por isto ser este o sentido da norma do artigo 8.º n.º 3 do Diploma.

7 O reclamante adquiriu os produtos em Março de 2003 e foram entregues a 9 de Abril de A partir desta data dispõe o reclamante de 14 dias seguidos para resolver o contrato (Artigo 6.º n.º1 DL 143/2001), sem pagar nenhuma indemnização e sem indicação de motivo. Note-se que o início da contagem do prazo é feito com a entrega do bem. Visto o pedido de comunicação ter sido efectuado a 21/04/03 (doze dias passados), ou seja, antes do decurso legal permitido por lei, tem o reclamante o direito a ver resolvido o contrato. Deverá ter sido cumprido o dever contratual da confirmação das informações (Artigo 5.º DL 143/2001). O reclamante exerce o direito de arrependimento através de carta registada com aviso de recepção como é exigido neste tipo de contratos (Artigo 6.º n.º 5 DL 143/2001). Será assim o reembolso efectuado por todas as despesas no prazo máximo de 30 dias (Artigo 8.º n.º 1 DL 143/2001) no montante de 106,80 pela empresa reclamada. O consumidor tem o dever de devolver o bem à empresa reclamada «em devidas condições de utilização» (Artigo 8.º n.º 3 DL 143/2001).

8 Obrigada Patrícia Pacheco Tomé (n.º )