A passagem ao ato do analista

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1 A passagem ao ato do analista Flavia Pinhal de Carlos e Marta Regina de Leão D Agord O termo passagem ao ato foi utilizado, assim como o termo acting out, como tradução do termo alemão agieren usado por Freud, que designaria ações, quase sempre, de caráter impulsivo que rompem com os sistemas habituais de motivação do sujeito e que toma muitas vezes uma forma de auto ou hetero-agressão (LAPLANCHE, 1992). O termo em inglês, acting out, traz consigo as ideias de representação, de desempenho de um papel, de exteriorizar algo. Já a expressão em francês passage à l acte, o termo equivalente mais utilizado, tem o inconveniente de já ter sido adotado pela clínica psiquiátrica. Para esta, passagem ao ato é um termo utilizado exclusivamente para atos impulsivos violentos, agressivos e delituosos, trata-se da violência de uma conduta que ultrapassa o sujeito em sua ação (LAPLANCHE, 1992 e ROUDINESCO, 1998). Essa utilização do termo passagem ao ato pela psiquiatria não tem relação com o conceito psicanalítico de passagem ao ato, que foi inventado por Lacan e desenvolvido ao longo de seu ensino, porém ele não dedicou nenhuma obra específica sobre o tema (MUÑOZ, 2009). Vale ressaltar que a psiquiatria observa sintomas com o objetivo de decifrá-los, ao passo que para a psicanálise um sintoma está relacionado com uma mensagem. Um ato, em psicanálise, não corresponde a uma resposta do organismo, logo não tem relação com a motricidade, uma vez que, para Lacan (apud GUIMARÃES, 2009), por sua própria dimensão, o ato é um dizer. O ato está no lugar da palavra. Um dos primeiros usos de Lacan do termo passagem ao ato está relacionado com o modo de resolução da construção delirante, logo a passagem ao ato coloraria fim ao delírio. No caso Aimée, Lacan coloca que o delírio era uma defesa contra a passagem ao ato, e quando ele não mais adia a pressão de fazer algo, ela passa ao ato. É importante pontuar que esta utilização do termo passagem ao ato por Lacan está relacionada com a concepção psiquiátrica do termo, visto que Aimée passa ao ato quando ela agride a atriz. Nesse momento de seu ensino, Lacan dialogava com a concepção psiquiátrica do termo. Nesse período, a passagem ao ato é pensada como a forma de eliminar uma sensação invasiva, um mal insuportável. Portanto, a passagem ao ato seria uma tentativa de limitar o gozo insuportável que se identifica no Outro enquanto tal, intervindo sobre o outro que o encarna (MUÑOZ, 2009, p. 85). É no Seminário 10 (LACAN, 2008) que Lacan vai relacionar a passagem ao ato com o fantasma e, assim, introduzir a dimensão do sujeito, e é também nesta etapa de seu ensino que ele diferencia passagem ao ato de acting out. O fantasma é uma defesa contra a angústia, uma vez que possibilita ao sujeito um marco para se relacionar de modo sossegado com o real. Para Lacan, a angústia está relacionada com a falta da falta, por conseguinte não se trata do temor da perda do objeto, mas sim do encontro catastrófico com ele. Dessa forma, a angústia emerge quando o encontro com o real se produz. É ao relacionar a passagem ao ato com o fantasma que Lacan extrai do termo a relação psiquiátrica que o vinculava apenas à psicose e à delinquência, passa-se, então, a pensar a passagem ao ato tanto na neurose, quanto na psicose e na perversão. A cena fantasmática funciona como uma defesa contra a angústia, já que tratase de um espaço virtual marcado, enquanto que o mundo é um espaço real além desse marco (MUÑOZ, 2009). Lacan faz esta distinção da seguinte forma:

2 por uma parte, o mundo, o lugar onde o real se precipita e, por outra parte, a cena do Outro, onde o homem como sujeito tem que constituir-se, ocupar seu lugar como portador da palavra, porém não pode ser seu portador senão em uma estrutura que, por mais verídica que se apresente, é estrutura de ficção (2008, p. 129). Com relação à cena, Lacan coloca: a dimensão da cena, em sua divisão a respeito do lugar, mundano ou não, cômico ou não, onde se encontra o espectador, está aí certamente para ilustrar ante nossos olhos a distinção radical entre o mundo e aquele lugar onde as coisas, mesmo as coisas do mundo, acodem a dizerem-se. Todas as coisas do mundo entram em cena de acordo com as leis do significante, leis que não podemos de modo algum considerar em princípio homogêneas às do mundo (2008, p. 43). Dessa forma, Lacan (2008) afirma que, no primeiro tempo, está o mundo; no segundo, a cena ou o palco em que fazemos a montagem desse mundo. Logo, a cena é a dimensão da história. Há, portanto, o mundo, no qual o real se precipita e é de onde o sujeito cai. A cena do mundo é onde se habita, onde o sujeito se sustenta com o fantasma, é o registro onde se pode enganar. Na passagem ao ato, há o abandono do significante, o sujeito objetaliza-se e então sai de cena. Muñoz coloca que a passagem ao ato é uma saída impulsiva da cena ao mundo (...) trata-se da queda desde a cena ao real do mundo (2009, p ). Lacan coloca que o acting out é algo, na conduta do sujeito, que se mostra. O acento demonstrativo de todo acting out, sua orientação até o Outro, deve ser destacado. Ele, então, diferencia passagem ao ato de acting out quando coloca que o primeiro é a saída do sujeito de cena, enquanto que o último é uma saída do sujeito à cena, que é uma demonstração, uma mostração velada, mas não velada em si, do que cai enquanto resto. Assim, poder-se-ia relacionar o dizer atuado com a passagem ao ato, e o dizer encenado, com o acting out. Lacan relaciona passagem ao ato e angústia quando diz que esta não engana, está fora de dúvida. A angústia não engana, uma vez que supõe certeza, certeza esta que não engana porque é real, portanto não se deixa enganar pelo equívoco do significante. Quando o sujeito se orienta a partir do simbólico é enganado pois o significante remete a outro, o qual lhe distancia do real e lhe extravia a respeito de seu desejo (MUÑOZ, 2009, p. 121). Se a ação é a referência primordial da certeza, a passagem ao ato, enquanto variedade da ação também é (MUÑOZ, 2009, p.123). É da ação que a angústia toma emprestada sua certeza, e atuar é arrancar da angústia sua certeza, é operar uma transferência de angústia (LACAN, 2008). O atuar que é a passagem ao ato, rouba da angústia sua certeza, mas a direção que lhe imprime é descontrolada, imprevisível, incalculável (MUÑOZ, 2009, p. 123). A passagem ao ato está relacionada com a impossibilidade da posta em relação do sujeito com o que ele é como objeto (MUÑOZ, 2009, p. 137). Trata-se, por conseguinte, da brusca divisão do sujeito no fantasma, como se sua barra fosse reforçada. Assim, a posta em ato da divisão fundamental do sujeito não responde à lógica das formações do inconsciente. Lacan (2008) fala que não é sem razão que o melancólico tem propensão a se defenestrar, já que a janela, em tanto que nos recorda o limite entre a cena e o mundo, nos indica o que significa tal ato de algum modo, o sujeito retorna àquela exclusão fundamental na qual se sente. O salto produz-se no momento em que se cumpre, no absoluto de um sujeito que só nós, analistas, podemos conceber, a conjunção do desejo e da lei (2008, p. 123).

3 Muñoz acrescenta que neste sentido, a passagem ao ato é uma ruptura da cena do fantasma, um salto ao vazio pela janela fantasmática através da qual o sujeito até esse instante concebia o mundo (2009, p. 138). A passagem ao ato é um momento de supremo embaraço embaraço entendido como atravessamento pela barra. O embaraço é um momento de máxima plenitude pulsional e, ao mesmo tempo, de uma enorme dificuldade corporal. Esse é um momento no qual a divisão do sujeito é uma divisão contra ele mesmo. O sujeito não encontra com o que se proteger, seja com a defesa narcísica, seja com o significante fálico. Diante da perda da proteção, ocorre a situação embaraçosa de um sujeito a ponto de cair, enfraquecido. A passagem ao ato, pensando-se no fantasma, está do lado do sujeito, visto que o sujeito aparece borrado ao máximo pela barra. Trata-se de um momento de maior embaraço para o sujeito, da emoção como desordem do movimento. É então quando, desde ali onde se encontra [ ] se precipita e balança fora da cena (LACAN, 2008, p. 128). Por conseguinte, reconhece-se uma passagem ao ato quando o sujeito se move para evadir-se da cena. A outra coordenada relacionada com a passagem ao ato é a da emoção, que, segundo Muñoz (2009), é um estado de agitação da motilidade que não se sabe até onde vai. O sujeito é invadido pela pulsão. Não sabe aonde vai (não tem uma direção precisa), contudo governa suas ações. Um sujeito emocionado perde a coordenação de seus movimentos, que se apresentam desordenados, ao modo de impulsos (MUÑOZ, 2009, p.141). Quando ocorre o rechaço do Outro na passagem ao ato, costuma-se dizer que o analista fica inerme, sem saber o que fazer, impotente, uma vez que a passagem ao ato não é um fenômeno que se estrutura como formação do inconsciente, não é acessível por meio da interpretação, a saber, pelo deciframento e pela tradução. Logo, se trata de encontrar em um ato seu sentido de palavra, pois ele está no lugar dela (MUÑOZ, 2009, p. 193). a passagem ao ato é uma ação não simbolizável que não demanda nada ao Outro, pelo contrário indica seu rechaço (MUÑOZ, 2009, p. 194). Esse deixar cair ou, nos termos de Freud, niederkommt lassen, está ligado à função de resto. O sujeito sai de cena, se vê rechaçado, quando se identifica com o objeto a enquanto resto. O objeto a é equiparado ao resto a partir do cociente da divisão subjetiva. Este a como resto representa o que a estrutura da linguagem não recobre com o significante. A passagem ao ato é o sujeito com o objeto fora de cena, nela ele se identifica com o objeto e cai do Outro, trata-se de uma exclusão impulsiva. Logo, é uma saída impulsiva da cena em direção ao mundo. Nela, o sujeito se vê confrontado radicalmente com o que é como objeto para o Outro, logo tem uma reação impulsiva, com angústia incontrolável e, ao identificar-se com esse objeto, se deixa cair. No seminário 10, Lacan (2008) constroi o conceito de passagem ao ato sobre a relação entre sujeito e objeto que se expressa na estrutura do fantasma. O objeto a é um efeito da estrutura da linguagem, assim como o sujeito, contudo de outra maneira. O objeto a é o resto irredutível aos significantes do Outro. Na passagem ao ato, o objeto é mostrado em sua cara real, a saber, a, não delimitado pela cena. O sujeito cai do Outro enquanto objeto da demanda, como objeto anal. A demanda do Outro é o que o Outro pede com palavras, seus significantes, enquanto que o desejo do Outro é o que escapa da cadeia significante mesmo que se encontre articulado com a demanda. O desejo é entendido como o que não pode ser alcançado pelo significante, há uma incompatibilidade entre o desejo e a palavra. É por isso, portanto, que o desejo do Outro se apresenta como enigma, contudo a

4 demanda não, já que pode ser identificada com certos significantes que o Outro usa (MUÑOZ, 2009). Relaciona-se os objetos das pulsões parciais de Freud (oral, anal e genital) com as diversas formas do objeto a que Lacan (2008) trabalha, aos quais ele acrescenta o olhar e a voz. Os objetos oral e anal são pensados como objetos da demanda e o olhar e a voz como objetos do desejo. O objeto oral é o da demanda ao Outro, é o objeto que está implicado no pedido do sujeito ao Outro. O objeto anal, o da demanda do Outro, pois é o objeto que o Outro pede ao sujeito. O objeto voz é o objeto do desejo do Outro, o objeto olhar, o do desejo ao Outro. (MUÑOZ, 2009, p. 192) Na passagem ao ato, quando ocorre identificação e queda do sujeito enquanto objeto, o que cai é o olhar que sustenta o desejo. Quando o sujeito cai, ele o cai como objeto da demanda, como o objeto anal, como merda. Ao sair de cena, o sujeito, enquanto objeto, se arranca do Outro e encarna o objeto da demanda do Outro. Tratase, por conseguinte, da brusca redução do desejo ao dejeto do Outro (MUÑOZ, 2009). O termo deixar cair (laisser tomber) dá a ideia de deixar-se cair do Outro, logo há queda do sujeito do campo do Outro e queda do Outro, sua divisão. O sujeito destitui ao Outro, contudo ele paga com sua identificação ao objeto e também destituindo-se de si mesmo. É por isso, portanto, que a passagem ao ato é um modo de alcançar o real sem a mediação do simbólico, alcança o real, contudo sem nenhuma proteção da queda do Outro (MUÑOZ, 2009). Na passagem ao ato, a função do Outro simbólico deixa de ser eficaz e o sujeito está jogado ao vazio. Em seu texto A psicogênese de um caso de homossexualismo numa mulher, Freud (1920/1996) fala de uma jovem que vem consultar com ele após uma tentativa de suicídio. A jovem mantinha relações com uma dama de reputação duvidosa. Ela a cortejava como um cavalheiro. Ademais, a jovem não escondia seus encontros com a dama. Num dia em que estava com ela, perto do escritório de seu pai, ele passou por ela e pela dama com um olhar furioso para ambas. Ela confessa à dama que o homem que as olhara era seu pai, com isso a dama coloca para a jovem que não mais poderiam se encontrar. Desesperada, ela tenta por fim a sua vida. Neste caso, Freud (1920/1996) refere que o momento de sua tentativa de suicídio é do niederkommt, do deixar cair. Esse niederkommt é toda súbita posta em relação do sujeito com o que ele é como a. Pensando-se nas coordenadas da passagem ao ato, a emoção está vinculada ao rechaço da dama, que nega voltar a ver a jovem diante do olhar do pai. Nesse caso, então, o embaraço e a emoção determinam a passagem ao ato como uma saída abrupta de cena. Ela cai do Outro quando já não é mais causa para o Outro, quando o outro a deixa cair. Toda a cena da jovem homossexual apresenta-se ao olhar de seu pai no encontro na ponte e perde seu valor pela desaprovação que ela percebe no olhar dele. Ocorre, então, um momento de supremo embaraço. Com relação às condições para que ocorra uma passagem ao ato, pensando no caso da jovem homossexual, Lacan coloca: A primeira é a identificação absoluta do sujeito com o a ao qual se reduz. Isso é certamente o que ocorre à moça no momento do encontro. A segunda é a confrontação do desejo e a lei. Aqui, trata-se da confrontação do desejo do pai, com base no qual se constitui toda a conduta, com a lei que se presentifica no olhar do pai. Isto é o que a faz sentir-se definitivamente identificada com a e, ao mesmo tempo, rechaçada, expulsada, fora da cena. E isto, só pode realizar o deixar cair, o deixar-se cair (2008, p ). O olhar do pai da jovem homossexual desencadeia a passagem ao ato, visto que coloca em jogo a lei, que a rechaça da cena, que a impulsiona a se deixar cair

5 identificada com o objeto a. Contudo, a jovem apenas caiu quando se jogou na linha férrea? Neste caso clínico, foi apenas ela quem passou ao ato? Em seu texto, Freud (1920/1996) fala de aspectos desfavoráveis do caso, a saber, que ela não chegou à psicanálise por sua própria vontade, mas que foi levada a ela, que a jovem não estava de modo algum doente (não sofria em si de nada, não se queixava de sua condição) e que a tarefa a ser cumprida não era solucionar um conflito neurótico, mas sim transformar determinada variedade da organização genital da sexualidade em outra. Ademais, ele acrescenta: a jovem nunca fora neurótica e chegara à análise sem um único sintoma histérico, de modo que as oportunidades para investigar a história de sua infância não se apresentaram tão prontamente quanto de hábito (FREUD, 1920/1996, p. 167). Freud (1920/1996) fala que a jovem transferia a ele o repúdio dos homens que a dominava desde o desapontamento sofrido com o pai. Ele acrescenta: O azedume contra os homens, via de regra, é fácil de ser gratificado com o médico; não precisa evocar quaisquer manifestações emocionais violentas, simplesmente expressa-se pelo tornar fúteis todos os esforços dele e pelo aferrar-se à doença. Sei por experiência quão difícil é fazer um paciente entender precisamente esse tipo silencioso de comportamento sintomático e torna-lo ciente dessa hostilidade latente e excessivamente forte, amiúde, sem por em perigo o tratamento. Assim, logo que identifiquei a atitude da jovem para com o pai, interrompi o tratamento e aconselhei aos genitores que, se davam valor ao procedimento terapêutico, este deveria ser continuado por uma médica. (FREUD, 1920/1996, p. 175) Durante seu tratamento, a jovem trouxe sonhos que expressavam seu anseio pelo amor de um homem, por filhos e a cura da inversão pelo tratamento. Ela falava a Freud que pretendia se casar, contudo como forma de fugir da tirania do pai e que podia ter relações tanto com homens quanto com mulheres, assim como a dama. Freud (1920/1996) coloca: advertido por uma ou outra ligeira impressão, disse-lhe certo dia que não acreditava naqueles sonhos, que os encarava como falsos ou hipócritas e que ela pretendia enganar-me, tal como habitualmente enganava seu pai. Eu estava certo; após havê-lo esclarecido, esse tipo de sonhos cessou. (p. 176) Freud (1920/1996) achava que os sonhos tinham a intenção de desorienta-lo ou de conquistar seu favor, seu interesse, sua boa opinião para depois desapontá-lo mais completamente ainda. Freud não toma o texto do sonho ao pé da letra, ele o toma como algo que se dirige contra ele, não o pensa como desejo, mas sim como intenção de enganá-lo. Ele desliza a análise ao imaginário, ao invés de revelar o discurso mentiroso que estava no inconsciente. Ele toma os sonhos mentirosos como um assunto do eu, ao invés de ler ali a incidência do sujeito enquanto que simbólico (MUÑOZ, 2009). Uma vez que Freud estava mais preocupado em não se deixar enganar, ele atua, ele corta a transferência imaginária. Com isso, Freud mais uma vez se coloca numa posição semelhante a do pai, a saber, ele lhe propõe uma cena com outra mulher, já que aconselha que o tratamento seja seguido com uma médica. Freud, com receio de ser abandonado, deixa a jovem cair da cena analítica, ele passa ao ato. Lacan (2008) coloca que Freud, comovido diante da ameaça à fidelidade do inconsciente, no ponto em que ele se nega a ver na verdade a estrutura de ficção que está em sua origem, ele passa ao ato. Parece que Freud não pode conceber que o sonho pode ser algo mentiroso, que o desejo ao qual ele remete é desejo de outra coisa. Lacan (2008) acrescenta que lhe escapa o que falta em seu discurso, o que para ele permaneceu como uma questão, a saber, o que quer uma mulher?, trata-se do ponto onde o pensamento de Freud tropeça.

6 Freud passa ao ato com a jovem homossexual quando ele a deixa cair da cena analítica. Se o lugar do analista é o de semblante do objeto a, enquanto causa do desejo, logo, ao passar ao ato, o analista estaria ocupando qual lugar? É possível se pensar que Freud está no lugar do Outro que demanda da paciente que ela se comporte como as demais histéricas que atendeu? Ela não se queixa, não permite que ele investigue a história de sua infância como as demais, traz sonhos que a princípio não apontam para o desejo, ela tem intenção de ludibriar o analista. Freud passa ao ato quando rechaça o discurso de sua paciente. Referências: FREUD, Sigmund. (1920) A psicogênese de um caso de homossexualismo numa mulher. Rio de Janeiro: Imago, GUIMARÃES, Maria Celina Pinheiro. O estatuto renovado da passagem ao ato. Ágora, Rio de Janeiro, v. XII, n. 2, p , jul./dez LACAN, Jacques. El seminario de Jacques Lacan: libro 10: la angustia. Buenos Aires: Paidós, LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da Psicanálise: Laplanche e Pontalis. São Paulo: Martins Fontes, MUÑOZ, Pablo D. La invención lacaniana del pasaje al acto: de la psiquiatría al psicoanálisis. Buenos Aires: Manantial, ROUDINESCO, Elisabeth. Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

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