Cristiane Corrêa Borges Elael O FENÔMENO PSICOSSOMÁTICO A FALTA DE SENTIDO QUE FERE O CORPO

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1 Cristiane Corrêa Borges Elael O FENÔMENO PSICOSSOMÁTICO A FALTA DE SENTIDO QUE FERE O CORPO 2008

2 UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA Cristiane Corrêa Borges Elael O FENÔMENO PSICOSSOMÁTICO: A FALTA DE SENTIDO QUE FERE O CORPO RIO DE JANEIRO 2008

3 CRISTIANE CORRÊA BORGES ELAEL O FENÔMENO PSICOSSOMÁTICO: A FALTA DE SENTIDO QUE FERE O CORPO Dissertação apresentada ao curso de pósgraduação em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre. Área de concentração: Psicanálise e Saúde. Orientadora: Prof. Dra. Maria Anita Carneiro Ribeiro RIO DE JANEIRO 2008

4 E37f Elael, Cristiane Corrêa Borges, O fenômeno psicossomático : a falta de sentido que fere o corpo / Cristiane Corrêa Borges Elael f. : il. ; 30 cm. Digitado (original) Dissertação (Mestrado em Psicanálise, Saúde e Sociedade) Universidade Veiga de Almeida, Rio de Janeiro, Orientação: Prof. Dra. Maria Anita Carneiro Ribeiro, curso de Psicanálise e Saúde 1. Fenômeno Psicossomático. 2. Psicanálise. 3. Corpo. 4. ; Holófrase. I. Ribeiro, Maria Anita Carneiro (orientadora). II. Universidade Veiga de Almeida. III. Título. CDD

5 CRISTIANE CORRÊA BORGES ELAEL O FENÔMENO PSICOSSOMÁTICO: A FALTA DE SENTIDO QUE FERE O CORPO Dissertação apresentada ao curso de pós-graduação em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre. Área de concentração: Psicanálise e Saúde. Aprovada em 16 de Outubro de 2008 BANCA EXAMINADORA Prof. Maria Anita Carneiro Ribeiro - Doutora Universidade Veiga de Almeida UVA-RJ Prof. Luciano Elia Doutor Universidade Estadual do Rio de Janeiro UERJ Prof. Betty Bernardo Fuks Universidade Veiga de Almeida UVA-RJ

6 Ao meu grande amor Luiz Eduardo, minhas lindas filhas: Luana e Larissa, familiares e amigos.

7 Ao departamento de mestrado em psicanálise da Universidade Veiga de Almeida que, possibilitaram que meu projeto de pesquisa tornasse uma dissertação de mestrado. Maria Anita Carneiro Ribeiro, pelas orientações e pelas observações quanto à elaboração final do texto. Professores Antônio Quinet, Vera Pollo, Sônia Borges, Luiz Veríssimo com quem tive o prazer de conviver no período discente. Beth Fuks e Luciano Elia pelas observções quanto a execução do desenvolvimento do trabalho. Glória Sadala, analista, mestre, por nunca me fazer arredar pé do meu desejo, minha afetuosa gratidão. Colegas de turma e grupo de orientação momentos prazerosos de aprendizagem e descontração. A todos os pacientes, que foram e sempre serão meus verdadeiros professores. RESUMO Diferentemente do sintoma psicanalítico, o Fenômeno Psicossomático não possui caráter de representação. O objetivo de pensar psicanaliticamente tal fenômeno implica em levarmos em consideração a existência de um sujeito do inconsciente. No Fenômeno Psicossomático o corpo se deixa escrever algo que não consegue ser dialetizável, algo imprime uma marca. Esta falta de sentido do Fenômeno Psicossomático será abordada neste trabalho através da teoria da holófrase. A holófrase da primeira dupla significante, S1-S2=S1, faz com que no Fenômeno psicossomático o sujeito esteja colado a o S1 enigmático, colado em uma erupção de gozo que, consequentemente, fere o corpo.

8 Palavras-chave: Fenômeno Psicossomático; Psicanálise ; Corpo; Holófrase.

9 RÉSUMÉ Le phénomène psychosomatique, à la différence du symptôme psychanalytique, ne présente pas un caractère de la représentation. Penser ce phénomène psychoanalitiquement, a pour objectif de nous conduire à penser qu'il existe un sujet de l'inconscient. Dans le phénomène psychosomatique, le corps est laissé à écrire quelque chose qui ne réussit pas capturé dans la chaine significant, quelque chose lequel imprime une marque dans corps. Cette absence de sens du phénomène psychosomatique sera abordé dans cette recherche par la théorie de l'holophrase. L`holophrase de première paire significant, S1-S2=S1, fait avec que le dans le Phénomène psychosomatique le sujet soit collé au S1 énigmatique, fixé dans une éruption de jouissance qui, en conséquence, blesse le corps. Mots-clés: phénomène psychosomatique; psychanalyse; corps; holophrase.

10 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO DOENÇA E SAÚDE: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA O NASCIMENTO DA CLÍNICA O NASCIMENTO DA MEDICINA SOCIAL O NASCIMENTO DO HOSPITAL: PASSAGEM DA CONCEPÇÃO ABSTRATA À CONCEPÇÃO ENCARNADA DA DOENÇA CLÍNICA DA ESCUTA X CLÍNICA DO OLHAR Psicanálise e Medicina: uma introdução ao Fenômeno psicossomático OS REGISTROS IMAGINÁRIO, SIMBÓLICO E REAL E SUAS RELAÇÕES COM O EU E O CORPO O IMAGINÁRIO E O CORPO O SIMBÓLICO E O CORPO O REAL E O CORPO FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO FENÔMENO PSICOSSOMÁTICO HOLÓFRASE O Seminário 1 e a Holófrase O seminário 6 e a Holófrase O seminário 11 e a Holófrase alienação separação Corpo e Organismo Lalangue O FPS, DEBILIDADE MENTAL, PSICOSE (PARANÓIA) E A 51

11 HOLÓFRASE HOLÓFRASE E DEBILIDADE MENTAL HOLÓFRASE E PARANÓIA HOLÓFRASE E FENÔMENO PSICOSSOMÁTICO CONCLUSÃO REFERÊNCIAS APÊNDICE A Curso sobre o Fenômeno Psicossomático direcionados aos Hospitais Gerais... 74

12 9 1 INTRODUÇÃO Certas afecções somáticas respondem mal aos critérios exigidos pelo saber médico. Quando o caso é rebelde à etiologia, quando a lesão é inexplicável, quando desconcerta tal saber, elas são consideradas pela medicina como psicossomáticas. Sua causa é desconhecida, seus sintomas, de graduação variável, sua evolução, imprevisível, entretanto todas têm a característica de serem lesões orgânicas. Há sempre um dano histológico objetivável. As lesões podem se agravar com complicações que colocam em perigo a vida do paciente, como podem, também, simplesmente desaparecer, sem nenhuma razão plausível. O desenrolar desta doença se caracteriza, mais freqüentemente, pela existência de crises sucessivas, fazendo da vida uma alternância entre o aparecimento e o desaparecimento da lesão. Pretendemos com este trabalho responder a uma pergunta que é essencial para a fundamentação de nossa pesquisa. Esta é antiga, porém muito atual feita em 1905, por Freud a respeito da conversão histérica, no texto Tratamento Psíquico ou Mental : Quais são as causas pela qual o psíquico é afetado causando uma ação perturbadora sobre o físico? Utilizamos desta pergunta de Freud para pensarmos sobre quais seriam as causas pela qual o psíquico seria afetado causando o Fenômeno psicossomático. Sabemos que o campo humano vem sendo significado de maneira diferente ao longo da história da humanidade. E estas várias interpretações que o homem faz de sua relação com o corpo introduzem um aspecto ainda mais delicado a abordagem dos Fenômenos Psicossomáticos. Assim sendo este trabalho pretende analisar o Fenômeno Psicossomático pela égide histórica e científica com objetivo de fornecer um maior entendimento do profissional de saúde a respeito do posicionamento subjetivo destes pacientes perante a doença. Todavia para atingirmos este objetivo analisaremos historicamente o nascimento da clínica, o nascimento da medicina social, o nascimento do hospital no ocidente com objetivo de percebemos a relação entre corpo-mente e a doença e pontuaremos a diferença entre a medicina como clínica do olhar e a psicanálise com clínica da escuta; abordaremos as implicações dos registros Imaginário, Simbólico e Real com o corpo; focalizaremos o tema Fenômeno

13 10 Psicossomático em Lacan pela vertente da Holófrase com objetivo de percebemos o posicionamento subjetivo do paciente em relação a este e Pensaremos em direções clínicas para o tratamento do Fenômeno psicossomático. O interesse por este assunto foi mobilizado desde a passagem pela disciplina: Psicossomática, no curso de Especialização em Psicologia Clínica da PUC-RJ em 1996, onde o enfoque teórico era baseado na teoria Lacaniana. O caráter enigmático dessas afecções somáticas, referidas acima, incentivaram pesquisas. Assim sendo, fizemos uma monografia de final do curso de Pós-graduação sobre O Fenômeno Psicossomático onde contextualizamos teoricamente a formação do FPS em Lacan. Através de um estudo de caso, recortado do livro Marte, que narra a história de um paciente com câncer, tentamos abordar tal doença como um FPS, correlacionando pontos chaves da teoria Psicossomática com o posicionamento subjetivo do sujeito diante do câncer. Posteriormente à especialização começamos a freqüentar o Núcleo de Pesquisa em Psicanálise e Medicina da Escola Brasileira de Psicanálise - RJ. Com objetivo de nos aprofundar, cada vez mais, nos enigmas da teoria psicossomática. Acreditando que a prática clínica contextualiza o conhecimento teórico, sentimos necessidade de ampliar nosso conhecimento sobre como o sujeito lida com as implicações das doenças somáticas dentro do ambiente hospitalar com objetivo de relacionar as diferenças do posicionamento do sujeito, frente à doença orgânica, que procura o consultório particular e àqueles que estão internados no hospital geral. Trabalhando no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, Setor de Psicologia Médica, percorremos várias enfermarias de especialidades diversas, dentre elas as de doenças auto-imunes e oncologia. Foi na experiência clínica em consultório e em hospital geral que o caráter enigmático destas afecções corporais, que parecem não serem intermediadas pela estrutura da linguagem, não permitindo ao sujeito que as signifique confrontando-se com o Real do sofrimento, se tornaram evidentes. No consultório, quando o paciente procura Psicoterapia, ele tem uma demanda direcionada a conflitos emocionais, por mais que traga queixa orgânica, porém não consegue significar psiquicamente (discorrer a cadeia significante) tal queixa. No hospital, porém, existe uma demanda essencialmente orgânica que esbarra no psíquico, a meu ver, na medida em que o desespero pelo sofrimento da dor toma o sujeito, e este, também, não consegue significar psiquicamente sua dor.

14 11 É exatamente por causa deste ponto limite, onde a falta de significação do sujeito perante a doença parece tomar o sujeito sem oferecer-lhe questão, resultando numa marca, lesão somática, que pretendemos desenvolver nossa pesquisa de mestrado percorrendo novos caminhos que nos leve a uma melhor compreensão do enigma inerente a este Fenômeno. Salientamos que este trabalho não segue uma ordem cronológica em relação aos respaldos teóricos, principalmente, aos Lacanianos, priorizamos a inteligibilidade do tema. Com isso, por vezes, nos adiantamos trazendo conceitos do final da obra de Lacan. Nosso trabalho será divido nos seguintes capítulos: DOENÇA E SAÚDE: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA; OS REGISTROS IMAGINÁRIO, SIMBÓLICO E REAL E SUAS RELAÇOES COM O EU E O CORPO; FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO FENÔMENO PSICOSSOMÁTICO; O FPS; DEBILIDADE MENTAL E PSICOSE (PARANÓIA) E A HOLÓFRASE; CONCLUSÃO. No capítulo DOENÇA E SAÚDE: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA, pretendemos utilizar Foucault com sua análise arqueológica sobre a clínica, a medicina e o hospital com objetivo de percorrermos uma evolução histórica a respeito desses temas. Exploraremos sua visão a respeito da emergência da clínica através das articulações entre o ver e o dizer; o seu estudo histórico a respeito da medicina social em resposta a questão de que a medicina seria individualista ou socializada e o seu desenvolvimento de que com o nascimento do hospital, a medicina passa de uma concepção abstrata da doença para uma concepção mais encarnada da doença. O objeto de estudo da medicina passa da doença para o conjunto de sintomas que se referem à doença. Enfatizaremos sobre a diferença de uma clínica do olhar, medicina, onde os fatores fenomenológicos são prioritários excluindo o sujeito e valorizando o avanço científico e a clínica da escuta, psicanálise, que considera o inconsciente do sujeito. Ainda Neste capítulo faremos uma pequena introdução ao Fenômeno Psicossomático. Falaremos de Freud, por mais que não tenha contribuído de maneira tão consistente em relação a este tema,

15 12 lançou uma poderosa semente através das neuroses atuais e de re-leitores de Freud, que nos foram de grande valia para o desenvolvimento deste assunto. O capítulo, OS REGISTROS IMAGINÁRIO, SIMBÓLICO E REAL E SUAS RELAÇOES COM O EU E O CORPO, objetiva a reflexão sobre o corpo e a psicanálise. Faremos um percurso na teoria de Lacan sobre a relação que o Eu e o Corpo estabelece em cada registro. No capítulo FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO FENÔMENO PSICOSSOMÁTICO desenvolveremos dentro da vertente simbólica a fundamentação para o Fenômeno Psicossomático. Deste modo abordaremos a holófrase e suas implicações. É a partir da holófrase que tentaremos responder a questão a respeito do que faz o psíquico ser afetado causando uma ação perturbadora sobre o físico? O capítulo O FPS; DEBILIDADE MENTAL E PSICOSE (PARANÓIA) E A HOLÓFRASE é baseado na afirmativa de Lacan, 1964, no Seminário, livro 11 de que quando a primeira dupla de significantes se solidifica, se holofraseia, temos o modelo de uma série de casos ainda que, em cada um, o sujeito não ocupe o mesmo lugar (LACAN, 1964, p. 225). Pretenderá traçar a diferença entre o posicionamento do sujeito frente a holófrase em cada item designado a cima, utilizando-se para isso de análises de casos clínicos, com objetivo de percebermos o que atinge o corpo no FPS. Por fim, no último capítulo, encaminharemos as possibilidades de direção clínica que si delineiam a partir das conclusões obtidas ao longo deste percurso.

16 13 2 DOENÇA E SAÚDE: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA 2.1 O NASCIMENTO DA CLÍNICA Segundo Foucault (1963) no texto O nascimento da clínica, o discurso médico possui três fases: a medicina classificatória, onde as doenças são organizadas em gênero, família e espécie; a medicina clínica, proveniente de uma experiência pedagógica, a clínica propicia a regulamentação da profissão e seu ensino e a medicina anátomo patológica, que abre espaço para localização da doença no corpo. Dessas fases do discurso médico, será abordado neste trabalho as condições de emergência da medicina clínica. A Clínica surge através das articulações entre ver e dizer (percepção e enunciação) com as seguintes características: uma nova distribuição dos elementos discretos do espaço corporal; reorganização dos elementos que constituem o fenômeno patológico; definição das séries lineares de acontecimentos mórbidos em oposição ao emaranhado das espécies nosológicas e articulação da doença com o organismo. A referência às práticas sociais, ou, como é denominada por Foucault (1963), estruturas terciárias da medicina, remetem à solução de compromisso entre as forças presentes no período da revolução francesa: entre o corporativismo dos médicos, buscando codificar o ensino profissional para controle dos charlatães; o liberalismo empírico, associado ao fim dos privilégios, associando qualquer conhecimento ao olhar livre; e o assistencialismo, presente na instituição hospitalar, enquanto depósito de doentes pobres, com fim de isolá-los do convívio com outras classes. A clínica costura estas demandas enquanto ensino empírico-prático que distingue os médicos dos oficiais de saúde em sua formação, os primeiros sobre os pobres depositados nos hospitais, que pagariam a sua assistência com a exposição para uma pedagogia clínica a ser revertida mais tarde em tratamento seguro para as classes mais altas. Ainda que marcada por esta associação com o estruturalismo, mantém-se a mesma lógica de gênese pelo avesso das práticas inaugurada pelo primeiro Foucault e perseguida na História da Loucura, conforme atesta Frederic Gros (1997, p ). Da mesma maneira que se devem buscar as origens da

17 14 psicologia na loucura, a da clínica deve ser buscada na morte: isto que estabelece a rigidez de um cadáver é o frio rigor que comanda a vida (GROS, 1997, p. 80). De toda maneira esta é a lógica que permite que, pela primeira vez, se estabeleça no ocidente uma ciência do indivíduo, tomando o homem como objeto: a velha lei aristotélica que interditava sobre o indivíduo o discurso científico foi levantada quando, na linguagem, a morte encontrou o lugar de seu conceito (FOUCAULT, 1963-A, p ). Na década seguinte, genealógica, caberá à prática do exame e não mais à morte ou à loucura a gênese do indivíduo. Ainda que o entorno de seu pensamento se modifique, as palavras do jovem Foucault ecoam: O homem ocidental não pôde se constituir aos seus próprios olhos à luz da ciência, ele não se toma no interior de sua linguagem, nem si dá a si senão na abertura de sua própria supressão: da experiência da Desrazão, nascem todas as psicologias e a possibilidade mesma da psicologia; da integração da morte no pensamento médico nasce uma medicina que se constitui como ciência do indivíduo (FOUCAULT, 1963-A, p. 227). Outra passagem relevante se dá quando Foucault relaciona o surgimento das Ciências Humanas à passagem de uma medicina regulada pela noção de saúde para uma mais recente redigida pelo conceito de normalidade: Se as ciências do homem apareceram no prolongamento das ciências da vida, é talvez porque estavam biologicamente fundadas, mas é também porque o estavam medicamente; sem dúvida por transferência, importação e, muitas vezes, por metáfora, as ciências do homem utilizaram conceitos formados pelos biólogos; mas o objeto que eles se davam (o homem suas condutas, suas realizações individuais e sociais) constituía, portanto, um campo dividido segundo o princípio do normal e do patológico. Daí o caráter singular das ciências do homem, impossíveis de separar da negatividade em que apareceram, mas ligadas à positividade que situam implicitamente como norma (FOUCAULT, 1963-A, p. 40) 2.2 O NASCIMENTO DA MEDICINA SOCIAL Foucault (1974) no texto O nascimento da medicina social, nos apresenta um estudo histórico do surgimento da medicina social em resposta a pergunta de que a medicina seria individualista ou socializada. Segundo Foucault, a Idade Média teve uma prática médica totalmente individualizada enquanto que a prática da Idade Moderna caminha para uma socialização. Isso se dá como um importante instrumento de controle social e vai ter como o objeto o corpo, sendo este de valor fundamental para o sistema econômico que acaba de surgir O Capitalismo, que surge através do Mercantilismo. A medicalização autoritária atuará como forma de controle dos corpos produtivos. Dessa forma, o corpo é considerado uma realidade

18 15 bio-política e a medicina uma estratégia bio-política (FOUCAULT, 1974, p. 117). Para fundamentar esta sua conclusão, Foucault nos remete à realidade sóciopolítica-econômica da Europa nos séculos XVIII e XIX, onde nos mostra a relação desta com o surgimento da medicina social. Faz uma reconstituição das três etapas de sua formação: a medicina do estado, a medicina urbana e a medicina da força de trabalho. A preocupação com a saúde e com o corpo só se dará efetivamente nesta última fase. Foucault aponta que, no que concerne ao desenvolvimento da medicina social, há um interesse gradual pelo meio, pela influência do meio sobre o organismo e pelo organismo em si. A medicina do estado é interpretada consensualmente como sendo produto da política econômica mercantilista e cujo conceito de polícia médica é central, é uma prática característica do emergente estado alemão a partir do século XVII. Postulava medidas que vinham efetivar um ideal de prosperidade, bem estar, disciplina, integridade e boa moral, no caso de sua acepção mais vaga e primitiva. Medidas que se referiam desde propostas de estabelecimento de estatísticas que envolvam o número de cidades, vilas, nascimentos e mortes e suas causas até, mais especificamente, a cristalização de medidas efetivas que zelem para ausência de doenças contagiosas, limpeza, qualidade da comida, pureza do ar e etc. No caso de uma acepção mais precisa, a noção de política médica vem ser proposta por Wolfgang Thomas Rau, que apresenta prerrogativas de interesse pela saúde pública, bem delimitadas através das atribuições do médico que, além de prestar cuidados aos doentes, também é responsável por medidas que visam a saúde da população de uma maneira geral. Todos estes esforços e discussões em torno das questões da saúde pública tiveram como subproduto a normalização da medicina enquanto disciplina. Como extensão das preocupações com a saúde e com o bem estar coletivo, teremos a proposta de regulamentação estatal da medicina como algo indispensável com a finalidade de evitar o charlatanismo e os abusos. Outro importante subproduto a respeito da saúde pública foi o indício de sistematização das doenças quanto as suas causas (causas naturais X produzidas pelo homem). Medicina urbana: a França, no século XVIII, vê-se envolvida com as questões da urbanização. Com a urbanização do território em cidades, começaram a surgir os problemas sanitários. Começou-se a perceber a relação com os locais insalubres (cemitérios, matadouros) e focos epidêmicos. Dessa forma, montou-se um programa

19 16 de urbanização que delimitasse as regiões das cidades, fazendo com que os locais propagadores de doenças ficassem instalados na periferia. Desse programa, faz parte um programa controlador de águas e esgotos. Dá-se, também, a importância da circulação do ar. Essa medicina urbana implicava uma série de medidas vigilantes rígidas herdadas da prática político-médica da quarentena da Idade Média. Nessa época, entretanto, somente as propriedades estatais e não as propriedades privadas eram visadas pelas políticas de saúde. A plebe não era considerada elemento de perigo à saúde da população. Entretanto em meados do século XIX esta situação é modificada em consonância à Saúde Pública. A medicina da força de trabalho: em meados do século XIX, constata-se um grande aumento do número de proletariados. Esses passam a ser vistos como perigo à medida que participam de rebeliões sociais e marcam, durante a Revolução Francesa, seu poder revolucionário. O surgimento da cólera, em 1932, cristalizou-se em torno da população proletária, criando uma série de temores políticos e sanitários. Foi necessário, portanto, a implantação de uma prática clínica referente à população de baixa renda, na Inglaterra, onde em sua ambigüidade, o pobre tinha direito à saúde, mas, por outro lado, o dever de submeter-se ao controle médico. A medicina, neste momento, se apossa do indivíduo e exerce um controle sobre ele. O sistema de health service, health officers tinha como objetivo o controle das doenças transmissíveis e obrigatoriedade de comunicação de casos de contração da doença e localização dos locais insalubres. 2.3 O NASCIMENTO DO HOSPITAL: PASSAGEM DA CONCEPÇÃO ABSTRATA À CONCEPÇÃO ENCARNADA DA DOENÇA. Foucault (1974) no texto O nascimento do hospital, aborda que antes do século XVIII, o hospital era essencialmente uma instituição de assistência aos pobres e protetor das pessoas sadias contra os doentes, ou seja, era uma instituição não só de assistência, como também de separação e exclusão. O objeto de interesse até o século XVIII, no hospital, não é o doente que precisa de cura, mas o pobre que está morrendo e precisa ser assistido material e espiritualmente. Nesta época, era o pessoal caritativo-religioso ou leigo que cuidava

20 17 dos doentes, com o objetivo de assegurar sua salvação eterna. A medicina dos séculos XVII e XVIII era profundamente individualista. A experiência hospitalar estava excluída da formação ritual do médico. O que o qualificava como médico era a transmissão de receitas e não o campo das experiências que ele teria atravessado, assimilado e integrado. Quanto à intervenção do médico na doença, ela era organizada em torno da noção de crise. A crise era o momento que se afrontavam, no doente, a natureza sadia do indivíduo e o mal que o atacava. O médico, naquele momento, desempenhava um papel de prognosticador, árbitro e aliado da natureza contra a doença. Vê-se, assim, que nada, na prática médica daquela época, permitia a organização de um saber hospitalar, como também nada, na organização hospitalar, permitia a intervenção da medicina. As instituições hospital e medicina permaneceram independentes até meados do século XVIII. Dessa época em diante, observa-se o início da transformação do hospital que passa a ser medicalizado, tratado para atingir seu objetivo de cuidar efetivamente o doente e a medicina pôde se tornar hospitalar. A partir do momento que o hospital é concebido como um instrumento de cura e, a distribuição do espaço torna-se um instrumento terapêutico, o médico passa a ser o principal responsável pela organização hospitalar. O controle do regime dos doentes pelo médico faz com que este assuma, até certo ponto, o funcionamento econômico do hospital que, até então, era privilégio das ordens religiosas. Ao mesmo tempo, a presença do médico se afirma e se multiplica no interior do hospital. Até o século XVIII, o grande médico era o de consulta privada e o médico que as comunidades religiosas chamavam para fazer visitas aos hospitais era, geralmente, o pior dos médicos. Já no final do século XVIII, o hospital era referência de excelentes médicos. Nessa época, não era somente um lugar de cura, mas de registro, acúmulo e formação de saber, ou seja, a clínica aparece como dimensão essencial do hospital. É, então, através dela, que o saber médico começa a ter seu lugar, não mais no livro (tratados clássicos da medicina onde confiam as grades taxonômicas da doença), mas no hospital, onde a práxis médica revela a doença como um operador importante, onde, a partir do atendimento dos pobres, pode-se produzir saber sobre a doença e transmitir saber.

21 18 A formação de uma medicina hospitalar deve-se, por um lado, à disciplinarização do espaço hospitalar e médico que objetivavam chegar a uma medicina individualizante e, por outro, à transformação, nessa época, do saber e das práticas médicas que viabilizaram que o indivíduo emergisse como objeto do saber e da prática dos médicos. A medicina que se forma no século XVIII é tanto uma medicina do indivíduo quanto da população e é ela que articulará a reforma urbana. A redistribuição dessas duas medicinas será um fenômeno próprio do século XIX. Ou seja, a reorganização hospitalar será feita a partir do poder disciplinar. Tal poder produz um saber que está ligado ao poder disciplinar de organização dos corpos no tempo e no espaço que são submetidos a registros contínuos, exames. É a partir dessa concepção de controle da doença que a clínica se instaura, trazendo com ela o saber sobre a doença, o saber sobre o sintoma que o indivíduo expressa em relação à doença. O hospital, no final do século XVIII, não era só um lugar de cura, mas de formação de saber, de aprendizagem. É a clínica que faz a articulação entre espaço de cura e saber. O hospital será um dos vetores, até o século XIX, que fará surgir o indivíduo e a população como objetos de conhecimento. Estas duas instâncias ditas acima não existiam como objeto de saber. Nos séculos XVI e XVII o indivíduo era considerado como o sujeito na base do poder do estado. Já no século XVIII, o poder gerado no hospital vem individualizar este sujeito. Com o nascimento do hospital, a medicina passa de uma concepção abstrata da doença para uma concepção mais encarnada da doença. O objeto de estudo da medicina passa da doença para o conjunto de sintomas que se referem à doença. Todos estes textos de Foucault abordam a crença de que o conhecimento científico porta um supremo poder de resolução dos males do mundo. Apesar destes textos referenciarem os séculos XVIII, XIX, XX, servem, também, ao século XXI, considerado por muitos autores como século das ciências biológicas que alia ciência e tecnologia. A partir da intercessão de ciências como biologia, química, física, tecnologia da informação, nanotecnologia, biotecnologia e genética, abre-se a possibilidade de não só destrinchar a herança genética de um indivíduo, como também de usá-la a favor da saúde humana, aliada à esperança de cura de doenças e disfunções até então causadoras de grandes males à humanidade.

22 19 O avanço científico que traz a possibilidade de inovações na área da saúde traz também preocupações sobre a sua utilização porque considera o corpo como uma máquina, onde a tecnologia pode interferir à vontade, negligenciando a subjetividade do indivíduo que porta aquele corpo em questão. 2.4 CLÍNICA DA ESCUTA X CLÍNICA DO OLHAR Se para medicina o corpo é uma máquina, um organismo que pode ser abordado, manipulado, dissecado pelo olhar da ciência, para psicanálise ele é um organismo erogenizado, marcado pela pulsão e pela linguagem, ambas inseparáveis. Lacan (1964) no capítulo XV do seminário XI, subverte a noção corriqueira de exterioridade do corpo que comporta o organismo alegando que no ser falante, ser inserido na linguagem, o organismo vai além dos limites do corpo, inclui a libido e os objetos-a que são extra-corpo. Mesmo antes do nascimento, o ser vivente já está inserido no simbólico, ou seja, na linguagem. Ele já existe no imaginário dos pais, que lhe atribuem significantes e significados, que interferirão na sua constituição futura. Nos primeiros anos, esse corpo é marcado libidinalmente pelos cuidados maternos e pelo desejo parental; só aos poucos o indivíduo vai dele se apropriando. Dessa forma, o adoecer aos olhos da psicanálise é diferente que aos olhos da medicina por manifestar-se não apenas no órgão de um corpo, mas num corpo marcado pela pulsão e pela linguagem. Carneiro Ribeiro (2005) no texto Psicanálise e Ciência comenta a observação de Benedikt sobre uma das grandes questões da psicanálise: a de que a clínica da escuta rompe com a clínica do olhar. A invenção da escuta do inconsciente, proposta pela psicanálise, insere, na área clínica, uma mudança radical na concepção de como lidar com os pacientes. Há um rompimento com a medicina fenomenológica da época, séc. XIX, que propunha uma correspondência exata do corpo da doença com o corpo do homem doente (RIBEIRO, 2005, p. 61). Freud trata de seus pacientes não pela investigação fenomenológica de seus sintomas, mas através da livre associação que os pacientes faziam a respeito de seus sintomas. Portanto, quando Freud propôs a associação livre a seus pacientes, ele introduziu um novo método de investigação. Freud apresenta uma ciência singular que considera o sujeito individualmente e não genericamente como faz a

23 20 ciência cartesiana. Desta maneira, reportando-nos aos fenômenos corporais, tanto o da histeria quanto ao do FPS, o que para medicina pode ser considerado como um piti ou algo sem sentido e por ela desconsiderado, para psicanálise é escutado como murmúrio de desejo e gozo advindos de uma instância desconhecida do eu - o inconsciente Psicanálise e Medicina: uma introdução ao Fenômeno Psicossomático (FPS) Lacan (1966) já nos advertia, em um colóquio O lugar da psicanálise na medicina, organizado por Jenny Aubry, realizado no colégio de medicina, na Salpêtrière, que o progresso da ciência sobre a relação da medicina com o corpo parece levar a uma falha epistemo-somática. O corpo, em relação à medicina, é considerado um sistema homeostático, em sua pura presença animal, dela excluído o desejo e o gozo que é reconhecido através de suas manifestações, sob a forma de dor e sofrimento. (VALAS, 1986, p. 88) A medicina, pelo avanço científico, acaba deixando de considerar que existe um sujeito do inconsciente que, com certeza, sabe melhor do que ninguém sobre sua história. Parece que a desconsideração disto corrobora com a presença de fenômenos, como o FPS, onde o ser humano é atingido por aquilo que é impossível de dizer pela linguagem significante. Sendo assim, poderíamos pensar que as doenças psicossomáticas acabam, cada vez mais, se tornando enigmas quase intransponíveis pela medicina? Nessa falha entre o corpo máquina e o corpo desejante e gozoso, precipita-se toda uma série de teorias psicossomáticas. Trillat, 1939, comenta que a medicina psicossomática é uma especialidade anglo-americana que germinou nos campos de batalha da guerra de Os anglo-americanos dão particular importância tanto à emoção de choque como também aos fatores psicológicos e afetivos do sujeito. A nomenclatura das neuroses de guerra adotada pelos anglo-saxões é bastante diferente da dos franceses e dos alemães: ao lado dos estados ansiosos, há a histeria de conversão e as desordens psicossomáticas. Estas são constituídas por perturbações pertencentes, tradicionalmente, ao campo da medicina, mas,

24 21 também, atribui-se-lhe uma origem psico-emocional. O tipo mais estudado é um conjunto de perturbações (aceleração do pulso e da respiração, dores precordiais, hipersudação, fatigabilidade) descritas em 1918 por T. Lewis sob o nome de síndrome do esforço. Dentro do mesmo espírito, são igualmente descritos os casos de hipertensão arterial, perturbações digestivas, úlceras gástricas, etc., devidas a fatores psicológicos. A partir dessa época, o termo psicossomática entrou para o vocabulário, mas a medicina psicossomática nasceu nos EUA, por volta do ano de 1925, em torno de Franz Alexander, em Chicago, e de H.F. Dunbar, em New York. Ela nasceu da integração das teorias emocionais das neuroses, ilustradas na França por Déjerine, com a teoria psicanalítica (LEWIS, 1918). Autores como Groddeck, Dunbar, Alexander e Garma defendem que o FPS tem um sentido (WARTEL, 1990, p. 70). A doença pode se referir a uma causalidade psíquica original. Grodeck introduz a expressão: linguagem de órgão. Para ele, por exemplo, um câncer no colo do útero pode ser expressão de um desejo de ter um filho (GRODDECK, 1988). Dunbar, por sua vez, fala da neurose de órgão (DUNBAR, 1944). Alexander introduz a noção de neurose vegetativa. Segundo Alexander, a doença é conseqüência de emoções, impulsos não satisfeitos, desviados e reprimidos que podem agir sobre o sistema endócrino e vegetativo acarretando lesões corporais. Deste modo uma pessoa sofrendo, por exemplo, com sede de amor, pode, diz ele, remontar à primeira infância, fazendo mais facilmente uma úlcera de estômago (ALEXANDER, 1952). Por esse caminho indireto, da influência do psiquismo sobre o organismo, a partir da conversão histérica, passando pela complacência somática e por confusas argumentações neuropsico-fisiológicas, acaba-se falando de somatizações vinculadas a afetos não satisfeitos que viessem a ferir o corpo. Como se o afeto fosse recalcado e a energia assim liberada acarretasse lesões no corpo o que é absolutamente anti-freudiano, já que sabemos que o que pode ser recalcado são as representações Propõe-se então o termo, que se presume ser uma invenção de conversão simbólica - que na realidade é a própria definição da conversão histérica. Por outro lado, toda uma corrente utiliza como seus os argumentos de Melaine Klein: a conversão somática que diz respeito a conflitos anteriores ao período edipiano e mergulha suas raízes nas fases mais arcaicas do psiquismo Garma é o primeiro da fila desta corrente, defende que cada sintoma psicossomático

25 22 corresponde a uma estrutura particular da personalidade e cada doença a um determinismo puramente psíquico. A conversão somática, como ele nos diz, é devida a mecanismos de regressão e fixação, em que tem função o recalcamento. Propõe que precisa haver uma significação psicoafetiva nas lesões para que sejam designadas como lesões psicossomáticas. Tal assertiva é compartilhada pela maioria daqueles que se designam como psicossomatólogos. (GARMA, 1963). A morte, para essa corrente, é evocada somente ao nível do imaginário, onde o corpo próprio não é solicitado. Aborda as lesões psicossomáticas pela via da neurose. Quando não encontram a significação psicoafetiva das lesões orgânicas, considera que estão implicados o biológico, o corpo e a morte real, terrenos que tal corrente não avança em seu estudo (WARTEL, 1990, p. 73). Glover (1939) cruza o fosso entre perturbações psicossomáticas e perturbações neuróticas (histeria, fobia e obsessões). Defende que os sintomas neuróticos têm uma significação e um conteúdo psíquico. O sintoma de conversão, além de uma representação somática, tem um conteúdo psíquico; ele tem uma significação específica (GLOVER, 1939, p. 147). Diz, ainda, que o processo de formação de cada neurose responde a um modelo (pattern) standard, isto é, a um tipo específico de mecanismo de defesa; enquanto que, nas perturbações psicossomáticas, não há conteúdo psíquico, e, conseqüentemente, não respondem a modelos estereotipados de conflitos. Glover, percebendo a dificuldade de traçar um diagnóstico diferencial entre histeria e psicossomática, limita-se ao estudo dos fatores etiológicos que presidem à formação do sintoma histérico e a sua significação simbólica. Escreve ainda: O meio mais confiável para estabelecer um diagnóstico diferencial (dos sintomas de conversão) repousa sobre um exame psicológico profundo. Infelizmente esse preâmbulo é raramente satisfeito quando o médico é confrontado com uma perturbação que lhe parece evidentemente orgânica. (GLOVER, 1939, p. 148). Retomando a questão diagnóstica, não mais a partir da histeria de conversão, mas a partir da medicina psicossomática, reencontram-se as mesmas dificuldades para se separar uma da outra. Tudo depende da investigação psicológica. Se esta faz aparecer uma significação psicossexual ou uma erogenização do órgão. A perturbação vista como psicossomática bem que poderia ser entendida como sintoma de conversão, porém ela somente é considerada como psicossomática quando a investigação é desesperadamente estéril e muda.

26 23 A escola francesa se funda exatamente sobre a falta de representação da psicossomática. R. Held; M. Fain; P. Marty; G. de M Uzan; C. David, fundadores desta escola, defendiam que o estado psicossomático cria-se bem cedo na vida, antes da aparição da linguagem que, entretanto, é condicionada pelo seu meio afetivo (MARTY; DAVID; M UZAN, 1963, p. 96). Para eles, os fenômenos psicossomáticos não têm sentido, ligam-se a uma verdadeira carência das atividades de representação. Explicam a lesão corporal através da elaboração conceitual de que a ausência de representação faz a libido e a agressividade se confundirem e se transfomarem em energia pulsional indiferenciada que passa diretamente ao órgão, lesando-o. Pois a pulsão de morte, destacada da pulsão de vida, não deixaria de continuar um trabalho de sapa sobre o corpo. Em conseqüência, a questão não é encontrar um sentido nesses fenômemos, mas darlhe um, construindo para o doente um fantasma e colocando-o à sua disposição. Sem dúvida, estes pacientes apresentam carência nas atividades de representação, porém a idéia de um investimento auto-erótico, sob a forma de um curto circuito pulsional, foi criticada por Lacan em 1975, Conferência de Genebra. Diz ele sobre o auto-erotismo: é o que há de mais hetero (LACAN, 1988, p. 128). Em relação ao direcionamento clínico desses fenômenos, concordamos que é necessário que o paciente dê a estes um sentido, porém quem tem que fazer isto é o paciente. Como poderíamos construir para o paciente um fantasma? Defender isto é a mesma coisa que expor que o paciente aparece separado de seu inconsciente. Freud faz referência à psicossomática uma única vez em uma carta dirigida ao Dr Victor von Weizsaker, neurologista da Universidade de Heidelberg, em Chama a atenção para o fato de esbarrar num terreno desconhecido, não explorado, mas que suscita dúvidas a partir de fatores psicológicos nas doenças orgânicas e vice-versa. Freud não desenvolveu, em sua teoria, nada a respeito do Fenômeno Psicossomático, mas deu subsídios, através das neuroses atuais, para que outros autores desenvolvessem sobre o tema. Freud, ao iniciar seus estudos sobre as neuroses, fazia uma distinção entre as neuroses atuais (neurastenia, neurose de angústia e hipocondria) e psiconeuroses (histeria e neurose obsessiva). Obsevando os sintomas clínicos para chegar a um diagnóstico, Freud distinguiu a neurastenia da neurose de angústia, já em Destacou a angústia dando a ela uma conotação especial: é um estado latente, não tem objeto e é

27 24 somatizada. A histeria e a neurose obsessiva estão no campo das psiconeuroses; seu fator etiológico está no campo da visa sexual, trata-se da história de vida do sujeito, da sexualidade infantil. A neurastenia se diferencia por se referir à vida sexual atual do sujeito ou ao período posterior à sua maturidade sexual. Conceituou a neurastenia como um estado nervoso que surge pelo excesso de excitação sexual. Nela não são encontradas mecanismos de recalque, condensação, deslocamento. O sintoma é somático e não simbólico, não há representação psíquica da doença e esta fica latente à consciência. A excitação psíquica transformada em angústia é diretamente expressa no corpo sob a forma de sintoma físico. A angústia está relacionada às funções corporais. Os sintomas que surgem a partir de um ataque de angústia, acompanhados, por exemplo, por distúrbios da atividade cardíaca, podem gerar um enfraquecimento sério do coração. Freud, na carta de 6 de outubro 1893, endereçada à Fliess, afirma que não consegue compreender a etiologia da angústia de um homem que sofreu um ataque cardíaco ao saber da morte do pai, por mais que saiba que se trate de um caso de neurose de angústia pura, acompanhada por sintomas cardíacos subseqüentes a uma perturbação emocional. Freud relaciona as manifestações de angústia, neste caso, a fatores de origem não sexual, acúmulo de excitação, e à eclosão da doença (FREUD apud MASSON, 1986, p. 57). Na neurose de angústia à excitação somática é contínua, mas impedida de ser exercida psiquicamente, descarregada sexualmente. Acumula-se, é desviada do caminho para descarga psíquica e descarrega-se em outros canais. O psiquismo não consegue manter o controle desta sobrecarga somática. Freud (1976) no texto A sexualidade na etiologia das neuroses nos fala que na neurose de angústia há uma justificativa orgânica dos sintomas. O órgão adoece, pois há descarga inadequada da excitação somática, que se mostra incapaz de transformação psíquica e termina tal artigo mostrando claramente a distinção entre histeria e a neurose de angústia. Franz Kaltenbeck (1994) no texto A propósito da complacência somática, afirma que Freud entendeu por complacência somática, no período de 1905 até 1910, como sendo o papel que o corpo toma no nascimento do sintoma histérico. Esse termo, na obra de Freud, aparece somente em dois textos: Caso Dora, 1901 e Conceito Psicanalítico das Perturbações Psicogênicas da Visão, O termo

28 25 complacência somática é considerado como pedra angular da etiologia freudiana da histeria que faz menção a um real do corpo, aquilo que é impossível de dizer, que está perdido para sempre e que, portanto evidencia um problema em relação ao significante. Freud, porém, não desenvolve, em sua teoria, sobre o que o tema da complacência somática denota. Mas, no entanto, o considera como a base da conversão histérica. Freud, no texto O Homem dos ratos, de 1909, um caso sobre neurose obsessiva, nos fala que, na conversão histérica, há um salto do psíquico na inervação somática que jamais nos pode ser totalmente compreensível. Deste modo, o desenvolvimento do termo complacência somática é uma tentativa de Freud esclarecer algo a mais sobre o sintoma, ou melhor, sobre o enodamento entre conteúdos inconscientes transpostos nas expressões somáticas. A complacência somática reenvia a um real do corpo (aquilo que é impossível de dizer, está perdido para sempre) que deflagra um sério problema de representação. Definindo a histeria de defesa, Freud nos diz que a conversão histérica ocorre pela repressão, por defesa do eu, de uma representação incompatível com o eu e o afeto ligado a ela é transposto para uma inervação somática. Freud (1893-5) nos Estudos sobre a histeria, aborda que todos os casos de pacientes histéricos envolvidos em seus estudos sobre a histeria se defendem através de conversões mais ou menos intensas contra os sentimentos de desprazer ligados a uma idéia incompatível com o eu. Observa que, nestes casos, o sintoma somático se apóia sobre os sofrimentos orgânicos anteriores à neurose. Fundamentando a questão da complacência somática, discorre dizendo que Freud, em 1895, afirma que a repressão é a causa da conversão histérica. Aponta, ainda, que Freud, dez anos mais tarde, estipula, a propósito da afonia de sua paciente Dora,1905, a complacência somática. A causa da afonia de Dora oferece a Freud a oportunidade de pronunciar-se, novamente, a respeito da origem da histeria, alegando que todo sintoma, na histeria, não pode produzir-se sem certa complacência somática que se efetua sobre um órgão do corpo. Desta maneira, o sintoma na histeria precisa da contribuição do psíquico e do somático. Freud busca na complacência somática o enigma da histeria e argumenta dizendo que a histeria compartilha com as outras neuroses certo número de propriedades psíquicas, mas a complacência somática é um traço específico da neurose pelo qual os processos psíquicos procuram uma saída através do corpo.

29 26 Comenta o desenvolvimento de Freud a respeito da perturbação psicogênica da visão (1910) dizendo que a estrutura formulada por Freud a respeito desta perturbação permite reconhecer o objeto a como encobridor da falta (-φ). A cegueira, então, seria o representante no corpo desta falta que o sujeito não consegue assimilar. Falta que, pelo viés da complacência somática, se refere a castração. Complementa dizendo que é uma voz superegóica que anuncia o sentido punitivo do sintoma. Desenvolve dizendo que a função do objeto a se denota no aumento da erogenidade do órgão que pode desencadear uma alteração tóxica levando a cegueira. É o conflito pulsional que ocasiona esta intensificação da erogenidade. Por fim, aponta que Freud, dirigindo este texto aos médicos, escreve que a psicanálise não se esquece jamais que o psíquico repousa sobre o orgânico. E, ao final do texto, aborda que são necessárias circunstâncias particulares que incitem os órgãos a exagerarem seu papel erógeno provocando, desde modo, a repressão das pulsões. Freud conclui dizendo que a parte constitucional da disposição das perturbações psicogênicas e neuróticas é designada provisoriamente como complacência somática dos órgãos. Lacan ( ) no Seminário, livro XVII: O Avesso da Psicanálise, abordando sobre a complacência somática, diz que a histérica é tudo, menos complacente. Interpreta que a complacência somática não é uma posição subjetiva da histérica, não é uma posição imaginária do eu da histérica, nem é uma posição simbólica. Ou seja, na complacência somática a histérica não é complacente. Há um real complacente do qual ela se vale para fazer a metáfora da conversão. Ela não está como sujeito na complacência somática. A complacência somática não tem sujeito. afirmar que: Retornando às neuroses atuais, Carneiro Ribeiro e Santana, chegam a O legado deixado por Freud, para estudo dos fenômenos psicossomáticos por meio das neuroses atuais, foi teorizar o sintoma somático como produto da angústia sem mediação da repressão -, o caráter atual da etiologia e sintoma como conseqüência da não satisfação da libido. (RIBEIRO; SANTANA, 2003, p. 140). Os sintomas somáticos gerados pela angústia não passam pelo recalcamento, não se processando a simbolização psíquica. Freud (1925-6) em Inibições, sintomas e angustia, associa o trauma à angústia, desenvolvendo que a angústia faz com que o ego tenha uma experiência de desamparo pela

30 27 impossibilidade da formação do sintoma. Contudo, é no texto de 1934 que é possível encontrar uma descrição pormenorizada do trabalho do trauma. Os traumas são definidos como impressões primitivas da infância, da época em que a criança está começando a falar e não domina o significado das palavras, e também a danos precoces do ego (FREUD, 1934, p. 93). Eles são ou experiências sobre o próprio corpo do indivíduo, ou percepções sensórias, principalmente de algo visto e ouvido (FREUD, 1934, p. 93), que provoquem alterações no ego, comparáveis a cicatrizes (FREUD, 1934, p. 96). Freud articula o trauma com a época em que a criança está começando a falar, ou seja, a linguagem ainda não fez sua entrada totalmente. Em 1940, no esboço da psicanálise, conclui a respeito da universalidade do trauma e sobre as repressões que tais experiências originam. Na conferência XXXII, Angustia e vida pulsional, 1933, Freud descreve a angústia como um estado de atenção difusa, flutuante, estando pronta a vincular-se a qualquer possibilidade que surja. Ele estabelece a angústia na histeria, mas deixa uma dúvida quando cita outras formas de neurose grave. Ele não específica quais seriam, mas deixa em aberto os ataques somáticos. Considera, ainda, que a primeira ansiedade é tóxica (FREUD, 1933, p. 104). Neste texto, a teoria ligada à geração da angústia pelo excesso de excitação é abandonada; entretanto ele mantém, dentre outras, a afirmação que a angústia é uma conseqüência direta de um momento traumático. Parte para a discussão dos impulsos sexuais e agressivos, afirmando a tendência do homem à auto-destruição. Essa carga agressiva se direciona para o sexual, masoquismo, ou se manifesta como agressividade. Se esta agressividade não consegue ser expressa no mundo externo, ela retorna sobre o eu. Para Freud a agressividade que é tolhida implica em vários danos, inclusive orgânicos. Freud, em sua obra, mantém a certeza sobre a histeria, a preocupação em diagnosticar as neuroses entre si, diagnosticando-as com precisão e deixando claro que a histeria tem um caráter que faz do corpo um órgão complacente na construção do sintoma. Na complacência somática há um real complacente que a histérica utiliza para fazer a metáfora da conversão. No Fenômeno Psicossomático existe também um real, mas fora da regulação fálica, que incide sobre o corpo marcando-o. Freud na conferência XXXII, Angústia e vida pulsional, 1933, nos fala de casos onde o sofrimento neurótico pode ser substituído por sofrimento de outra espécie (FREUD, 1933, p. 135).

31 28 Dando um salto de Freud para Lacan, mas sem abrir mão, algumas vezes, do o respaldo teórico de Freud, caminhamos para o capítulo seguinte fazendo o seguinte questionamento: O que significa ter um corpo, obedecer a uma ordem significante? Mas, às vezes, parece que nem toda carne incorpora o significante, se torna corpo, por quê? Acreditamos que estas questões são relevantes para pensarmos o Fenômeno Psicossomático. Assim sendo, é imprescindível pesquisarmos sobre as relações do corpo com os registros do Imaginário, Simbólico e Real.

32 29 3 OS REGISTROS IMAGINÁRIO, SIMBÓLICO E REAL E SUAS RELAÇÕES COM O EU E O CORPO. 3.1 IMAGINÁRIO E O CORPO Freud (1914) no texto Introdução ao Narcisismo, inicia a constituição de uma primeira noção de ego - das Ich - uma noção de um eu, self, noção mais corporal do eu. Freud (1923) em o Ego e o Id, já nos dizia: [...] o termo distingue o eu (self) de uma pessoa como todo (incluindo, talvez, o seu corpo) das outras pessoas (FREUD, 1923, p. 8). Em Freud (1914) o narcisismo primário designa um estado precoce em que a criança investe toda sua libido em si mesma. Ou seja, a criança toma a si mesma como objeto de amor antes de escolher objetos exteriores. Corresponde ao momento de unificação do eu, que Freud denomina de eu ideal (ideal Ich). Tomando por base a teoria de Lacan, o eu referente ao narcisismo primário corresponde ao que ele denomina de estádio do espelho que se insere no registro do imaginário. Lacan (1953), no texto Algumas reflexões sobre o ego, nos diz que, em 1936, no Congresso de Marienbad, ele introduziu o conceito do estádio do espelho como um dos estádios do desenvolvimento da criança que trata de um fenômeno que tem duplo valor. Em primeiro lugar, tem valor histórico porque marca a etapa decisiva no desenvolvimento mental da criança. Em segundo lugar, ele representa uma relação libidinal essencial com a imagem do corpo. Por estas duas razões fica evidente a passagem do indivíduo por um estádio onde a mais precoce formação do ego poderá ser observada. Para Lacan (1949) o Estádio do espelho não é só um estádio, mas um momento de constituição do eu, a partir da identificação com a imagem do Outro e, também, um momento lógico da estruturação do sujeito, a partir do Outro. Esse primeiro momento de estruturação do sujeito situa-se entre 6 meses e 18 meses de idade, quando a criança, com suas fantasias de corpo fragmentado, antecipa-se numa unidade, a partir da imagem do Outro. A criança, na sua prematuração, ao se olhar de corpo inteiro no espelho, aliena-se na imagem do corpo. O eu é a imagem do corpo próprio, formado a partir do reconhecimento no outro. A criança, através do

33 30 olhar do Outro, completa a sua falta (fantasias de corpo fragmentado, despedaçado) dando a ilusão ao sujeito de ter encontrado o seu eu-ideal. A manifestação de júbilo provocada pela ilusão da unidade do corpo que ocorre nesse momento de entre-olhares é porque há, no olhar, uma captação do objeto perdido que, neste caso, refere-se ao estado de incompletude da criança. O Outro é aquele que confirma a imagem da criança refletida no espelho, dando a ilusão do sujeito ter encontrado o seu eu-ideal, levando-nos a concluir que o sujeito constitui seu eu-ideal a partir do especular e o faz, primeiramente, devotado ao imaginário do corpo. Lacan (1954-5) no Seminário, livro 2: O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise, aproxima o fenômeno psicossomático ao imaginário que diz respeito à forma, à imagem, à gestalt do corpo. O corpo, no fenômeno psicossomático, é concebido como uma forma cativante e alienante que captura a identificação imaginária do sujeito pela promessa de completude que acena. O eu aqui é identificado à imagem especular, é isolado como instância narcísica, auto-erótica, sede da alienação do sujeito que o investe de libido e a ele se identifica. Segundo Carneiro Ribeiro, o fenômeno psicossomático se inscreveria como um acidente do investimento libidinal, um curto circuito da pulsão que, investida, no próprio corpo, o fere, o marca (RIBEIRO, 1995, p. 275). A partir do estudo do campo escópico, Lacan, em 1964, no Seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, resignifica o estádio do espelho de 1949, ao falar da falta constitutiva no espelho, ou seja, a falta do próprio corpo, porque dentro do próprio corpo o que se vai encontrar é o vazio, vazio que é a própria falta. Situa o escópico, antes do especular. Pode-se dizer com Lacan que a imagem em si mesma, como visível, comporta um vazio que é invisível e que, agora, podemos nomear o falo, como o terceiro na relação com o Outro e o que dá corpo ao imaginário (ÉCRITS, 1966, p. 804). A holófrase, da primeira dupla significante (S1-S2=S1), abordada, 1964, no seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, faz com que o significante perca seu valor simbólico, tornando-se um φ, em outras palavras, se imaginariza. Lacan (1975) na Conferência de Genebra sobre o sintoma, aborda tangencialmente a questão da psicossomática no debate que se segue à conferência, afirma que o FPS está profundamente enraizado no imaginário. (LACAN, 1975, p. 140). Sobre esta conferência, Soler (1994) comenta que o

34 31 imaginário abordado por Lacan em 1975, partindo do imaginário do corpo, refere-se ao UNO da consistência do corpo, retoma o que a referência anterior do estádio do espelho abordava em termos de forma (SOLER, 1994, p. 56). 3.2 O SIMBÓLICO E O CORPO Em frente ao espelho, a criança se olha e, em busca de uma confirmação, volta seu olhar para o adulto que a sustenta. Do adulto, vem a palavra ou o gesto, o consentimento. Com a marca da palavra dada é possível o reconhecimento. Essa identificação narcísica que faz o sujeito assumir a imagem do Outro como imagem de si mesmo, culmina numa alienação do eu articulada pelo olhar, o que faz, desde a origem, o eu estar no Outro, dando ao sujeito o sentimento de onipotência do Outro. O Estádio do espelho é a matriz simbólica do sujeito, já que o sujeito entra no simbólico por uma simbolização da imagem do corpo próprio e, por isso mesmo, fica definitivamente marcado pela linguagem. A imagem do corpo próprio será sempre, para o sujeito, o símbolo da sua presença no mundo, o que vem estabelecer a relação do corpo biológico com a realidade do sujeito. Realidade esta que, segundo Lacan, é sempre fantasmática para o sujeito, já que é construída a partir do reencontro com a imagem no espelho, afirmação que fez Colette Soler definir o corpo como uma realidade (SOLER, 1995, p. 94). Ela desenvolve que o corpo não é primário, não se nasce com um corpo, ele é da realidade. Collete Soler ressalta que devemos entender este conceito de realidade dentro da óptica pós Freudiana de que haveria uma subordinação a algo. Ou seja, algo se constrói, algo é secundário. O corpo só tem sentido porque a realidade lhe confere um sentido. Na relação com o Simbólico, o eu é o que tenta substituir o lugar do sujeito, o que parece ser o sujeito, o que faz semblante, entretanto, o eu não é sujeito. O eu é o sintoma que vem velar o furo do simbólico, que é o próprio sujeito do ics. O eu, portanto, é o que vem tentar recobrir a falta simbólica, vem tentar dar substância ao sujeito, ocupando o lugar onde o sujeito é falta-a-ser. É nesse sentido que o eu é uma significação, um efeito de linguagem. Quinet (2004) no seu artigo Incorporação, Extrusão e Somação, aborda, brilhantemente, a concepção do corpo com base no comentário de dois trechos de Radiofonia, onde o corpo será articulado por Lacan para além do imaginário, com o

35 32 significante e com o gozo. Ele aborda que o corpo simbólico passa a ter existência na medida em que ele é significado pelo Outro. O grande Outro é prévio e, ao se incorporar no corpo, torna-o significante. O corpo nos é atribuído pela linguagem, é um corpo de desejo, e o Outro vai mapeando o corpo pelo significante. A linguagem nos atribui um corpo que é um corpo de libido. Dessa relação de incorporação significante, algo precisa não ser incorporado para que seja tomado como causa de desejo do sujeito. O Objeto a é o incorpóreo para psicanálise, é o indicador da ligação do corpo com o simbólico. O efeito da incorporação simbólica é o esvaziamento de gozo da carne. O resto dessa operação refere-se a uma concentração de gozo fora do corpo, que não deixa de ter efeitos sobre o corpo por intermédio da pulsão e do objeto a, condensador de gozo. O afeto, que é correlativo ao objeto a, também é outro efeito da incorporação da linguagem. Lacan (1962-3) no Seminário, livro 10; A angústia, desenvolve que a angústia, como paradigma do afeto, é corporal. Lacan (1970) em Outros escritos, no texto Radiofonia, confirma que o afeto é efeito da entrada do corpo no simbólico, efeito da historização do corpo. O corpo entra na linguagem sofrendo os efeitos dos ditos, daqueles que representam o Outro para o sujeito. Eis o que historiza e histeriza o corpo. Assim, o afeto surge como efeito dos ditos do Outro no corpo. Em outras palavras, a afetação do sujeito em seu corpo é determinada pelos ditos daqueles que ocuparam o lugar do Outro para ele. (QUINET, 2004, p ) A linguagem mortifica a carne para dar corpo ao corpo. Quinet (2004) comenta que Lacan, desde o início de seu ensino, afirmou, utilizando a expressão de Hegel, que a palavra é o assassinato da coisa. Refere-se à mesma idéia: O que diferencia um corpo humano morto da carniça, animal morto, é o túmulo, a lápide com as inscrições significantes em sua sepultura. A possessão do corpo pelo Outro do simbólico mortifica o corpo humano (QUINET, 2004, p. 62), mas ao mesmo tempo lhe confere sentido (nome, data de nascimento,...). Lacan (1972-3) no Seminário livro 20: Mais Ainda, nos fala que o corpo tem a característica de corpo falante na medida em que ele é marcado pelo significante. E, desta maneira, ele é propriamente o corpo humano deixado de ser carne. Um corpo, afinal, o que é? É o que do homem pode ser incorporado ao simbólico para ser suporte de significantes. O que exemplifica isso muito bem é o

36 33 sintoma histérico, o qual situa esse corpo em uma cadeia significante. O sintoma é uma formação do inconsciente que tem estrutura de linguagem. O sintoma põe em questão o desejo do Outro e exatamente por isso que há a metáfora, o sujeito desloca sobre o corpo aquilo que não pode circular livremente na consciência. desenvolve: Quinet (2004) ainda comentando sobre o texto Radiofonia de Lacan, O Outro é definido neste texto, por sua incompletude como Menos-Um, ou seja, pela falta de um significante no Outro, o que corresponde ao matema de S(A). O efeito da intrusão S(A) no corpo é o falo como significante (φ) evocado no imaginário como negativado (-φ). (QUINET, 2004, p. 64). Essa intrusão significante corresponde à extrusão de gozo. O gozo, ao ser expulso do corpo, se condensa fora dele no objeto a, correlato ao falo (a/-φ). A possessão significante, simbólica, marca o corpo com a castração e o gozo extradito é conectado ao falo, sendo gozo sexual propriamente dito (intrusão do -1 levando a extrusão do gozo). Lacan, em vez de se referir as operações de alienação separação empregadas em seu ensino nos anos de 1960, resume nos anos de 1970, de forma simples, a entrada do sujeito e seu corpo na linguagem com a operação de incorporação, onde a intrusão significante corresponde à extrusão de gozo, tendo como resultado o fato de que o corpo é o deserto de gozo e constitui o leito do Outro [fait le lit de l Autre] (LACAN apud QUINET, 2004, p. 65). O significante, na verdade, advém na vida do sujeito comemorando o gozo. Há uma solidariedade entre significante e gozo. Isso vai contra aos ditos comuns de que o significante esvazia o gozo. O significante esvazia o gozo dando uma significação para ele. Esta relação íntima entre S1/a propicia a domesticação do gozo. O significante entra para domesticar o gozo, mas não domestica o gozo todo. Quinet (2004) aborda que o corpo é negativação da carne porque não é qualquer carne que incorpora um significante e torna-se corpo. Característica conferida, somente, aos seres falantes, aos que estão submetidos à linguagem. O corpo se torna conceito da Psicanálise. Ao se negativizar a carne, sai dela o gozo. Lacan (1970) em Radiofonia transforma a sepultura em conjunto. A sepultura equivale ao corpo significante, Outro da linguagem. Nesse corpo Outro, temos um conjunto vazio de gozo representado pelo conjunto vazio das ossadas. Esse vazio, outro incorpóreo segundo os estóicos, não pode ser reduzido, muito menos eliminado, porque é estrutural. E é com base nele que se ordenam, fora do corpo, os objetos materiais, significantes, que são, para o sujeito, seus instrumentos

37 34 de gozo. Tais elementos são objetos significantes do mundo empírico que servem ao sujeito como substitutos de objetos a que durante a vida enumeraram seu gozo. Esses objetos proporcionam certo gozo, mas não fazem o gozo, extraído pela operação de incorporação, voltar ao corpo. O olhar e a voz como objetos não significantes causam o desejo do sujeito e provocam, no corpo, a satisfação pulsional. O circuito da pulsão pode apreender um desses elementos e utilizá-lo para cifrar o gozo. Colette Soler (2001-2) no Seminário L en corps, no Collège Clinique de Paris, menciona o sintoma histérico como instrumento que faria o gozo entrar de volta no corpo. O sintoma, com suas vertentes significante e real, faz o gozo voltar ao corpo por intermédio da pulsão. O recalque, como destino pulsional presente no sintoma, é uma forma de satisfação libidinal que marca o corpo, situando-o numa seqüência de significantes. No sintoma, a pulsão efetua seu circuito de vai e vem em torno do objeto a, trazendo o gozo do sintoma com seu sentido sexual (fálico). No fenômeno psicossomático, por sua vez, há um acidente no processo de incorporação significante. No momento lógico em que o simbólico toma posse do corpo, ocorre um acidente e nem tudo desse corpo se significantiza. Há pedaços desse corpo que permaneceram da ordem da carne, não houve incorporação significante na carne para se tornar corpo. O fenômeno psicossomático é uma carne que funciona fora da seqüência significante do corpo. Deste modo, não se trata do retorno do gozo marcado pelo significante, como no sintoma histérico. Mas, antes de tudo, de um outro tipo de gozo, não fálico. Ou seja, o fenômeno psicossomático, ao contrário do sintoma, está fora da estrutura da linguagem. O sintoma histérico não é acidente e sim sintoma da incorporação significante, funcionando, diz Freud, como zona erógena. Esse deslizamento do gozo fálico é possível porque o corpo, como o sonho, é tecido significante, leito de inscrição do Outro. Lacan (1970) ainda em Radiofonia, na reposta à pergunta número quatro, que se refere ao inconsciente, desenvolve que, da mesma maneira que o saber inconsciente é, univocamente e independentemente de qualquer contexto, estruturado como uma linguagem, o corpo também o é, na medida em que ele é incorporado pelo significante do Outro. Deste modo, inconsciente e corpo não têm nada de natural porque ambos são estruturados pelo significante. Lacan (1974) no texto A Terceira, aborda como a linguagem natural, é um equívoco, é um semblante. Refere-se à onomatopéia estudada por Roland Jacobson

38 35 referente à diversidade dos miados dos gatos de diferentes nacionalidades, alegando que, nem quando tentamos imitar os ruídos da natureza, a linguagem será natural. Ou seja, a natureza está submetida à linguagem. A lógica da linguagem a qual habitamos nos leva a uma escrita diferenciada. O ponto de falta do inconsciente, S(A), corresponde ao recalque originário. Assim, o saber inconsciente é definido em função da falta de significante do umbigo do sonho, segundo Freud, 1900: o ponto em que o sonho mergulha no desconhecido. Este ponto de falta que é impossível de ser articulado significantemente, que não obedece a uma estrutura de linguagem, é, portanto, da ordem do real. Poderíamos, também, articular tal ponto de falta do inconsciente ao termo lalangue, em francês, ou alíngua, em português? Este termo foi descrito por Lacan (1972-3) no Seminário 20 como sendo significantes iniciais na vida do sujeito, anterior a estrutura da linguagem. Está colado ao significado: S1-S2=S1. Significantes que não são significantes, são símbolos ou signos porque são absolutos, não deslizam na cadeia significante, não fazem equívocos e, desta maneira, não são permeáveis pela linguagem. Subjazem à obscuridade, ao sem sentido, ou seja, também são da ordem do real. Este assunto será discorrido posteriormente. Lacan propõe como resposta à pergunta quatro uma metáfora de corpo - mesa: mesa de jogo. Quinet, explica: O corpo é uma mesa na qual há uma seqüência de retorções significantes, ordenadas como jogo de cartas. A análise mostra que os significantes, para cada um, se encadeiam em determinada ordem, com metáforas e metonímias que constituem sua história, sua frase fantasmática, formando sua história libidinal com suas marcas no corpo. E os adversários nessa mesa de jogo do corpo são o consciente que sabe e o não saber do inconsciente. (QUINET, 2004, p. 70). O corpo, ao longo do ensino de Lacan, desloca-se do imaginário até o estatuto do simbólico, como um lugar habitado pela linguagem, que por sua vez, mortifica o corpo, esvazia o corpo de gozo, resultando daí a construção do real do corpo do simbólico, como lugar de inscrição de uma letra o sintoma fixa o gozo fálico em uma letra (SOLER, 1994, p. 56), lugar onde se inscreve a pulsão, lugar de gozar. 3.3 O REAL E O CORPO

39 36 Lacan (1974) no texto A terceira, nos relata, em um primeiro tempo, que o real é o que não deixa nunca de repetir-se. O real é o que volta sempre ao mesmo lugar (LACAN, 1974, p. 81). Em um segundo momento, Lacan nos fala do real como aquilo que é impossível alcançar a partir de uma modalidade lógica. Não há a menor esperança de se alcançar o real pela representação (LACAN, 1974, p. 82). O corpo, enquanto real, é carne. É um pedaço de carne que não teve a inscrição simbólica. Lacan, neste mesmo texto, se referindo ao real do corpo, lança a pergunta: De que temos medo? Responde em seguida: do nosso corpo. Passou um ano fazendo um seminário que denominou de A angústia, , onde elaborou que a angústia refere-se ao fato de nos vermos reduzidos ao nosso corpo. Corpo como máquina que vai falhar e vai nos matar. (LACAN, 1974, p. 102). Luciano Elia (2004) no texto Je Panse donc J`essuie: o que retorna do exílio?, aborda que o sujeito da psicanálise comporta algo diferente que o sujeito da ciência. O sujeito da ciência supõe um sujeito, mas não opera com ele. É a operação freudiana que recoloca o sujeito em cena através do inconsciente. O sujeito da psicanálise é o sujeito do inconsciente e Lacan afirmara que a condição de possibilidade para que haja sujeito do inconsciente é o objeto a (ELIA, 2004, p. 30). A partir disso, Elia inicia uma discussão em relação a como o corpo é afetado pelo retorno feito pelo sujeito da foraclusão discursiva que a ciência lhe impôs e questiona: Qual a relação entre sujeito e corpo e entre corpo e objeto a? O quê retorna do exílio? (ELIA, 2004, p. 32). No Seminário 15, O ato analítico, , Lacan cita o cogito Je pense donc je suis - de Descartes que exclui o corpo do campo da consideração científica, de tal forma que o corpo só pode retornar como máquina, como se observa no discurso da medicina desenvolvido após a fundação da ciência moderna. A medicina atual é o melhor exemplo de que o corpo retorna do exílio do pensamento como máquina. Nesta, encontramos aparatos sofisticados e elaborados para diagnósticos, tratamentos intensivos e outros cuidados que cifram o corpo de signos-índices (letras e números) para que sejam avaliadas pelos médicos. No Seminário 23, O sinthoma, 1975, Lacan nos diz: [...] o corpo é consistente, é isso que lhe é, à mentalidade, antipático. Unicamente porque ela crê nisso, por ter um corpo para adorar. É a raiz do imaginário. Eu o trato eu lhe faço curativos, logo eu o enxugo (Je le pense, c est à dire je le fait pense donc je l essuie). E a isso que isso se resume. É o sexual que mente sobre isso, por falar demasiadamente disso. (LACAN apud ELIA, 2004, p. 33).

40 37 Articulando as duas citações de Lacan, Elia discerne que o que retorna do exílio discursivo, imposto pelo cogito de Descartes Je pense donc je suis, é um corpo máquina que não possui a incorporação significante e que, segundo a segunda citação de Lacan Je le pense, c est à dire je le fait pense donc je l essuie, retorna do exílio como um corpo a ser tratado, enxugado, desfazendo o efeito foraclusivo do cogito. O corpo retorna do exílio circunscrevendo-se no imaginário, que se refere ao modo de tratar do corpo e, com isso, o corpo sexualiza-se o incluindo em um campo de gozo onde a psicanálise pode atuar (ELIA, 2004, p. 35). Como seres que habitam o universo da linguagem, só podemos ter corpo se for pela via da intrusão significante que, conseqüentemente, corresponderá a uma extrusão de gozo. Mas, como já abordamos, nem toda carne incorpora o significante se tornando corpo, ou seja, ela é simplesmente um pedaço de carne. Fazendo uma conexão com que foi explanado por Luciano Elia (2004) o corpo, fora da linguagem, não se refere à outra coisa, a não ser um pedaço de carne que tem que ser cuidado, no sentido de se colocar gaze no corpo, com objetivo de drená-lo. Diante de tudo isso, podemos, então, pensar que o corpo afetado do FPS é um corpo fora da linguagem, um corpo carne? Em 1974, na teoria do nó borromeano, no Seminário, livro 22: R. S. I., Lacan formula que, na intersecção do registro do imaginário com o registro do real, temos o gozo Outro, gozo específico que é o que está implicado no FPS. Ou seja, o FPS está fora do simbólico, mas não fora do corpo. Parece que estar fora do simbólico e dentro do imaginário faz com que o corpo ganhe status de corpo-carne, porém existe uma questão primordial que fundamenta este assunto: o que faz com que, no FPS, o corpo não passe pela inscrição significante? Não entre na linguagem? Não se corporifique? No lugar da cadeia significante mordendo o corpo e fazendo letra, encontramos, no FPS, um S1 que não se articula à cadeia, significante e ao qual Miller, denomina de S1 absoluto (MILLER, 1986, p. 116). Discorreremos sobre este tema de maneira mais profunda, no capítulo que se segue.

41 38 4 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO FENÔMENO PSICOSSOMÁTICO 4.1 HOLÓFRASE A Holófrase é um termo usado pela lingüística para designar a estrutura de algumas línguas, denominadas holofrásicas, cujos componentes básicos da frase sujeito, verbo, predicado são aglutinados em uma só palavra Holófrase no Seminário 1 No Seminário 1, a holófrase está vinculada à linguagem pelo viés da relação especular ao Outro. Refere-se ao registro do imaginário. Quando Lacan (1953-4), no Livro 1 de seu Seminário, Os escritos técnicos de Freud, assinala que o termo da holófrase tem cor muito viva ele está se referindo a multiplicação das teorias sobre a origem da linguagem. Entretanto, nota-se que são poucos os lingüistas que se utilizam do termo. Muitos dicionários importantes ignoram o termo, enquanto outros, como o Trésor de lalangue française, tomam emprestado de Lacan a definição da holófrase como uma expressão que não pode se decompor e se refere a uma situação tomada no seu conjunto. Segundo Lacan toda a discussão sobre a origem da linguagem é ferida por certo cretinismo de que o pensamento seria anterior à linguagem e que este pensamento isolaria progressivamente os instrumentos para comunicação. Tal assunto preside discussões, dos dois últimos séculos (XVIII e XIX), sobre a origem da linguagem. Somos banhados pela linguagem. A palavra reside à invenção (linguagem). Nós sabemos que Saussure isolou o detalhe, a particularidade, o elemento combinatório fazendo com que este não se oponha dentro do lote das significações que, de fato, são dos significantes. O valor de um significante é auferido através do significante posterior a ele. O corte que opera o significante dentro das significações e, ao mesmo tempo, dentro do fluxo sonoro, constitui a imagem mental que é o significado. O pensamento não pode ser evocado anteriormente a esse corte significante porque ele está submetido ao significante. Para os lingüistas cuja origem da língua é objeto de estudo, o pensamento

42 39 franquearia, por si só, o estado de desvio, que marca a inteligência animal, para passar ao do símbolo (LACAN, , p. 256). Lacan exemplifica isso dizendo que pensar seria substituir ao sol um círculo, porém entre essa coisa que é fenomenologicamente o sol centro do que ocorre no mundo das aparências, unidade da luz e um círculo, há um abismo (LACAN, , p. 256). O sol enquanto é designado como círculo não vale absolutamente nada. O sol só passa a ter valor quando este círculo é colocado em relação com outras formalizações que vão constituir com ele um todo simbólico no qual tem seu lugar no centro do mundo, por exemplo, e, também, como uma unidade da luz. Ou seja, o símbolo só vale se se organiza no mundo de símbolos (LACAN, , p. 257). Reportando-nos, novamente, à holófrase, Lacan nos fala: Os que especulam sobre a origem da linguagem, e procuram estabelecer transições entre a apreciação da situação total e a fragmentação simbólica, sempre ficaram chocados pelo que chamamos às holófrases. No uso de certos povos [...] há frases e expressões que não são decomponíveis, e que se reportam a uma situação tomada no seu conjunto são as holófrases. Acredita-se apreender ali um ponto de junção entre o animal que passa sem estruturar as situações, e o homem, que habita um mundo simbólico. (LACAN, , p. 257). Lacan (1953-4) então, faz duas conclusões acerca da holófrase. A primeira é que a holófrase não é intermediária entre uma assunção primitiva da situação como total, que seria do registro da ação animal, e a simbolização. Na holófrase não há transição possível entre os dois registros, aquele do desejo animal, onde a relação é com o objeto registro do imaginário e um outro que se refere ao reconhecimento do desejo registro do simbólico. A segunda é que a holófrase situa-se no limite, na periferia do registro da composição simbólica. Referindo-se a isso Lacan comenta que estudando sobre a origem da linguagem o etnógrafo da obra: História do Novo Mundo a que se chama América escreve com toda inocência que a holófrase seria como uma situação em que duas pessoas se olham esperando cada uma da outra que ela se vá oferecer a fazer alguma coisa que as duas partes desejam, mas não estão dispostas a fazer. Diante disso Lacan formula: que toda holófrase se liga a situações limites, em que o sujeito está suspenso numa relação especular ao outro (LACAN, , p. 258). Neste momento, segundo Carneiro Ribeiro (1995, p. 276), Lacan assinala para o acento imaginário da holófrase.

43 A holófrase no seminário 6 Lacan, no livro 6, O desejo e sua Interpretação, , aproxima a holófrase da interjeição com objetivo de ilustrar, ao nível da demanda, a função que ocorre na cadeia inferior do grafo do desejo (LACAN, / 2002, p. 37). Lacan, neste seminário, articula o sonho de Ana Freud a dois contextos: anotações de necessidades e a holófrase. O objetivo da exposição desse sonho é mostrar que o conteúdo do mesmo refere-se, no grafo do desejo, à cadeia inferior do grafo. Anna Freud tinha dezenove meses, quando numa certa manhã teve vômitos e foi posta de dieta. Na noite seguinte a este dia de privação alimentar Freud a ouviu falar durante seu sonho: Anna Freud, Er(d)beer (que é a maneira infantil de pronunciar morangos), Hochbeer (que quer dizer igualmente morangos), Eier(s)peis (que corresponde mais ou menos à palavra flãn) e por fim papp (mingau)! (Lacan, / 2002, p. 75). Freud comenta que Anna Freud servia-se de seu nome para exprimir sua tomada de posse em relação a estes pratos prestigiosos e para designar um alimento digno de desejo: Morango. O qual, segundo sua ama, foi responsável pela indisposição alimentar da véspera, já que Anna Freud havia cometido um pequeno abuso na ingestão de morangos. O sonho parece ter vindo como vingança ao conselho importuno e ao incômodo da dieta alimentar. Analisando este sonho a partir do grafo do desejo, uma pergunta se formula: Onde se situa a cadeia das nomeações que constitui o sonho de Anna Freud? Na cadeia Superior ou na Inferior do grafo?

44 41 No nível em que colocamos a questão, o que quer dizer a cadeia inferior? Em relação à demanda ela refere-se a unidade da frase. Àquilo que em outrora chamou tanta atenção em relação à função da holófrase, da frase enquanto todo. Lacan (1958-9) segue dizendo que não tem dúvidas que a holófrase exista e que ela tem um nome: a interjeição. Ilustra, ao nível da demanda, com duas interjeições: é pão! ou socorro! Neste momento refere-se ao discurso universal e não ao discurso da criança (LACAN, 2002, p. 84). A frase apresenta um valor absolutamente insistente e exigente. O que está se tratando aqui é da articulação da frase. A necessidade precisa passar pelo desfiladeiro da associação significante, senão ela é expressa de maneira deformada, mais ou menos monolítica, a frase aglutina, em seu todo, uma mensagem, ao ponto que o monólito de que se trata é o próprio sujeito. No contexto da demanda, a cadeia inferior do grafo refere-se a um sujeito enquanto não se tornou sujeito falante, sujeito de quem sempre se fala, sujeito do enunciado. O sujeito do conhecimento para dizer tudo, sujeito correlativo do objeto, sujeito em torno do qual gira a eterna questão do idealismo, e que é ele mesmo um sujeito ideal, tem sempre algo de problemático, ou seja, que afinal como foi notado, e como seu nome indica, ele não é senão suposto. (LACAN, 2002, p. 38). O que se passa na outra linha do grafo é completamente outra coisa. Na cadeia superior o mesmo não acontece, há um sujeito que fala e que si impõe com uma completa necessidade. Este sujeito não é outra coisa que o sujeito da necessidade porque é o que ele exprime na demanda (LACAN, 2002, p. 38). Toda esta demanda do sujeito é, de fato, modificada porque a necessidade deve passar pelos desfiladeiros da articulação significante. É o sujeito que assume o ato de falar: é o sujeito enquanto Eu. O sujeito da enunciação. Voltando ao sonho de Ana Freud percebemos pela estruturação significante de sua seqüência: Anna Freud, Er(d)beer, Hochbeer, Eier(s)peis e papp que ele revela uma mensagem. Como se ela estivesse anunciando por um rádio de comunicação, semelhante aos das cabines de comando de uma aeronave, um anúncio. Neste caso, Ana Freud, aos dezenove meses, durante seu sonho - anúncio, diz: Anna Freud, e faz aquela seqüência. A partir disso, Lacan (1958-9) comenta: Então o que tento lhes mostrar aqui é a estrutura do próprio significante, desde que o sujeito se engaja nele, quero dizer com as hipóteses mínimas que exige o fato que um sujeito entre no seu jogo digo desde que o significante estando dado e o sujeito sendo definido como o que vai entrar

45 42 no significante, e nada de outro, as coisas necessariamente se ordenam. E a partir desta necessidade, todas as espécies de conseqüências vão resultar disso, que há uma topografia com a qual é preciso e suficiente que nós a concebamos como constituída por duas cadeias superpostas. (LACAN, 2002, p ). Cadeias estas que se referem uma ao processo do enunciado e outra ao processo da enunciação. Possuem duplicidade, a cada vez que tratemos das funções da linguagem deveremos reencontrá-las. Digamos que o que importa não é que elas sejam duas, mas que elas terão sempre estruturações opostas, por exemplo, descontínua para uma quando a outra é contínua, e inversamente A holófrase no seminário Alienação Lacan nos fala que a operação da alienação só se suporta pela forma lógica da reunião (1964, p. 200). E que esta operação é a primeira que funda o sujeito e refere-se ao vel: O vel da alienação se define por uma escolha cujas propriedades dependem do seguinte: que há na reunião, um elemento que comporta que, qualquer que seja a escolha que se opere, há por conseqüência um nem um, nem outro. (LACAN, 1964, p. 200) Ilustremos isto pelo que nos interessa, o ser do sujeito, aquele que esta ali sob o sentido. Escolhemos o ser, o sujeito desaparece, ele nos escapa cai no não-senso. Escolhemos o sentido, e o sentido só subsiste decepado dessa parte de não senso que é, falando propriamente, o que constitui na realização do sujeito, o inconsciente. Em outros termos, é da natureza desse sentido, tal como ele vem emergir no campo do Outro, ser, numa grande parte do seu campo, eclipisado pelo desaparecimento do ser induzido pela função mesma do significante. (LACAN, 1964, p. 200).

46 43 A alienação consiste nesse vel que [...] condena o sujeito a só aparecer nessa divisão [...] de um lado como sentido, produzido pelo significante, do outro ele aparece como afânise (LACAN, 1964, p. 199). Foi em Hegel que Lacan encontrou a justificação dessa apelação de vel alienante. Trata-se de conceber a primeira alienação como aquela pela qual o homem entra na via da escravidão. A liberdade ou a vida! Se ele escolhe a liberdade, pronto, ele perde as duas imediatamente se ele escolhe a vida, ele tem, tem a vida amputada da liberdade (Lacan, 1964, p. 201). Escolher sujeito é escolher o Outro, a cadeia significante, é eleger sentido e, em escolhendo significante e sentido, necessariamente se perde o ser. Dentro da operação de alienação ocorre a afânise do sujeito. Este termo foi inventado por Jones, porém com um sentido bem diferente do qual foi utilizado por Lacan. Jones explora o termo pelo viés da castração, se refere à extinção total e permanente da atitude para o prazer sexual e ainda à ausência de toda possibilidade de experimentar tal prazer (JONES, 1985, p. 27). Desenvolve que o que esta por de trás da afânise são as idéias de castração e de morte (temor consciente da morte e desejos de morte inconsciente) (JONES, 1985, p. 28). Jones segue dizendo: No homem o desejo de obter uma gratificação levando a cabo um ato particular é inibido pelo receio do castigo da afânise, da castração que significaria a extinção permanente do prazer sexual. Na mulher o desejo de ser gratificada por uma experiência particular é sentido como um desejo culposo e temido pelo receio da afânise (JONES, 1985, p. 28). Para Jones o mecanismo da afânise é diferente em ambos os sexos. No homem é concebido como temor da castração e, na mulher refere-se ao temor primário: a separação. Em 1964, Lacan postula a afânise pela vertente significante. O significante produzindo-se no campo do Outro faz surgir o sujeito de sua significação (LACAN, 1964, p. 197). A afânise é um movimento de desaparecimento (fading). O sujeito fica reduzido ao significante que o Outro o atribui. Existe sempre um S2 que representa o sujeito e que faz o S1, traço unário, desaparecer. Lacan, narrando a aparição do sujeito, diz que escolher sujeito é, portanto, forçosamente, escolher não mais ser, no que o sujeito é essa função que [ ] só se constitui se subtraindo, se descompletando essencialmente para, ao mesmo tempo,

47 44 dever contar-se aí e apenas fazer função de falta (LACAN, 1964, p. 197). Escolher sujeito é eleger ser rígido por uma dialética que o condena a desaparecer para surgir. Desaparecer enquanto ser para devir, surgir no campo do sentido, sentido acompanhado necessariamente do não sentido, que é o índice do ponto de falta do Outro, significante da falta do Outro. O Outro é o lugar em que se situa a cadeia do significante que comanda tudo que vai poder presentificar-se do sujeito, é o campo desse vivo onde o sujeito tem que aparecer (LACAN, 1964, p ). Temos aí o dado essencial primário da alienação significante: o de ser uma escolha forçada onde qualquer que seja o termo escolhido ocorrerá perda e perda sempre de um mesmo termo, o ser. A bolsa ou a vida! Se escolho a bolsa, perco as duas. Se escolho a vida, tenho a vida sem a bolsa, isto é, uma vida decepada (LACAN, 1964, p. 201). Lacan (1964) se utiliza desse exemplo para que possamos compreender que toda questão se reduz a conservar ou não o outro termo, o significante. Escolhendo o significante se perde o ser, escolhendo o ser se perde o ser e o significante. Da operação de alienação ninguém escapa, é obrigatório escolher a vida, o significante. Na escolha entre o ser e o sentido, somos obrigados a escolher o sentido. A linguagem nos captura obrigatoriamente. O sujeito em sua divisão está, portanto, constituído. Mas não totalmente. Para que o sujeito se realize, uma segunda operação se impõe, uma nova operação de divisão causada agora não mais pelo significante e sim pelo objeto. Esse segundo nível de divisão, essencial para que avance o processo de aparição do sujeito, origina-se de um resíduo, resto impossível de ser apreendido pela linguagem, objeto heterogêneo e errático que escapa sempre das malhas do significante - objeto a. Essa segunda operação de divisão causada pelo objeto a, Lacan nomeou-a separação e deu-lhe estatuto de condição de possibilidade da constituição do desejo Separação Enquanto que o primeiro tempo da constituição do sujeito, operação de alienação, está fundado na subestrutura da reunião, o segundo, operação de

48 45 separação, está fundado na subestrutura que chamamos de interseção ou produto[...] (LACAN, 1964, p. 202). A operação de separação é articulada por Lacan em relação ao intervalo entre os significantes. Em suas palavras: Nesse intervalo cortando os significantes está a morada do que chamei de metonímia. É de lá que se inclina, é lá que desliza, é de lá que foge como um furão, o que chamamos de desejo O desejo do Outro é apreendido pelo sujeito naquilo que não cola, nas faltas do discurso do Outro [...] (LACAN, 1964, p. 203). Este intervalo movimenta a cadeia significante. Sem ele, a via do desejo está cortada. O desejo que aparece aqui é o do Outro, ele se movimenta entre os dois significantes primordiais, faz questão, implica uma falta e, assim sendo, é ele que vai fazer um significante secundário representar um outro significante. Na interseção dessa operação, o que está presente é o desejo como falta, a falta do Outro, e o ser perdido do sujeito. Nos Escritos, no texto: Posição do Inconsciente, de 1960, Lacan resume o completo desenvolvimento da separação: O sujeito encontra novamente no desejo do Outro sua equivalência ao que ele é como sujeito do inconsciente (LACAN, 1966, p. 857). Collete Soler (1997) reescreve esta citação de Lacan, interpretando-a da seguinte maneira: que o Outro e o sujeito possuam um furo, uma falta. Dessa maneira a frase fica, então, o sujeito encontra na falta do Outro (o desejo do Outro é uma falta) o equivalente ao que ele é como sujeito inconsciente ou sujeito do significante (SOLER, 1997, p. 64). Assim sendo, o essencial da operação de separação consiste em fazer com que o sujeito encontre uma falta significante no Outro e em fazer equivaler esta falta à sua própria perda, constituída no tempo anterior da alienação.

49 46 Encontrar uma falta no Outro é fazer a experiência da castração. É descobrir que o Outro é inconsistente, que seu discurso é atravessado por furos que esburacam o sentido, é fazer a prova de que, em seu discurso, o Outro é habitado por outra coisa obscura e misteriosa, para além dos efeitos de sentido. Encontrar uma falta no Outro é descobrir desejo, é, desse Outro, isolar, extrair, fazer aparecer esse nebuloso objeto feito de falta - objeto a, objeto causa de desejo. O FPS corresponde à falta de afânise do sujeito. No FPS não há intervalo entre S1 e S2, mas, sim, um S1 congelado, congelamento do significante responsável pela holófrase (S1-S2=S1) que viria, não para representar o sujeito, mas que seria responsável pela presença do Fenômeno psicossomático. A questão da afânise interroga sobre a possibilidade do desaparecimento do sujeito sobre o significante e levanta uma questão quanto a possibilidade de emergência do desejo. Já que sabemos com Lacan que é no intervalo entre os dois significantes que jaz o desejo. Lacan, No Seminário 11 (1964) ao colocar o FPS em série com a debilidade mental e a psicose (paranóia), aponta com precisão para localização limítrofe do FPS com relação ao simbólico. Lacan formula que quando a primeira dupla de significantes se solidifica, se holofroseia, temos o modelo de uma série de casos ainda que, em cada um, o sujeito não ocupe o mesmo lugar (LACAN, 1964, p. 225). Há uma questão nebulosa perante esta formulação de Lacan, pois se estamos nos referindo à holófrase dos significantes, ao fracasso da metáfora paterna, a ausência de afânise do sujeito como, então, podemos diferenciar um FPS da psicose e principalmente concebê-lo associado à neurose, que é marcada pela inscrição do Nome do Pai, recalque. Então, diante disto, a quê será que Lacan está se referindo quando diz que o sujeito não ocupa o mesmo lugar nos três casos? Iremos, a partir desse momento, analisar o efeito da holófrase na debilidade mental, na paranóia e no FPS, com objetivo de observarmos o lugar que o significante holofrosiado ou gelificado - S1 ocupa frente ao sujeito. Mas faremos isso num capítulo posterior, quando conceitos importantes da teoria sobre o FPS forem abordados.

50 Corpo e organismo Lacan (1964), nos Escritos, no texto Posição do inconsciente no congresso de Bonneval, distingue os limites de um organismo, alega que os limites de um organismo alcançam mais longe que os limites do corpo. Lacan, também em 1964, mas no Seminário livro 11, no texto Do amor à libido propõe que a libido seja tomada como uma lâmina, algo que escorre, um órgão incorporal que se estende para além do corpo, no nascimento. Imaginem que, ao nascer, aconteça com o sujeito à mesma coisa que acontece com o ovo. De cada vez que se rompe as membranas do ovo de onde vai sair o feto em passo de se tornar um neonato, imaginem por um instante que algo se volatiliza, que com um ovo se pode fazer tanto um ovo quanto um omelete, ou a lâmina (LACAN, 1964, p. 186). Lacan considera como específico do ser falante e especialmente evidente na histérica que brinca de testar a elasticidade da libido que o organismo incluiria, além do corpo, a própria libido (LACAN, 1964, p.862). Libido esta que é extra-corpo, como são extra-corpo os objetos a (LACAN, 1964, p. 187). O organismo, incluindo a libido, inclui os objetos a fora do corpo, e vai, portanto, além dos limites do corpo. Miller, reportando-se a esta teoria, propõe um esquema comparativo entre um ser falante e o FPS e observa que, paradoxalmente, no FPS a libido não se refere mais a um órgão extra-corpo, e se pergunta se no FPS poderíamos considerar a lesão como esta libido corporificada. (MILLER, 1986, p. 125) O que nos chama atenção é a posição entre o ser falante e o FPS no que tange o estatuto fronteiriço do simbólico. No ser falante, a entrada do sujeito na linguagem corresponde a intrusão significante e, consequentemente, a extrusão de

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