FICHA TÉCNICA. TÍTULO Anais do Município de Faro Volume XLI CONCEÇÃO GRÁFICA, IMPRESSÃO E ACABAMENTOS Gráfica Comercial - Loulé

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2 FICHA TÉCNICA TÍTULO Anais do Município de Faro Volume XLI 2019 PROPRIEDADE E EDIÇÃO Município de Faro DIRETOR Joaquim Romero Magalhães, Historiador CONSELHO COORDENADOR Paulo Santos, Vice-Presidente da Câmara Municipal de Faro Sandra Martins, Chefe de Divisão de Bibliotecas e Arquivo Elsa Vaz, Técnica Superior da Divisão de Bibliotecas e Arquivo COLABORADORES DESTE NÚMERO Alberto Strazzera, Professor Aposentado Álvaro Garrido, Universidade de Coimbra Investigador do CEIS20 António Ventura, Professor Catedrático da Faculdade Letras Universidade de Lisboa Artur Barracosa Mendonça, Professor do Ensino Básico e Secundário Investigador Casimiro de Brito, Poeta Fernando Pessanha, Arquivo Histórico Municipal António Rosa Mendes/VRSA João Leal, Jornalista Joaquim Romero Magalhães, Historiador Professor Catedrático Joaquim Manuel Vieira Rodrigues, Instituto de História Contemporânea José d'encarnação, Universidade de Coimbra Leonor Freire Costa, Professora Agregada do ISEG Lina Vedes, Professora Aposentada Luís Miguel Duarte, Faculdade de Letras da Universidade do Porto CITCEM Marco Sousa Santos, Mestre em História da Arte Membro do CEAACP/UC Marília Castro, Professora Aposentada do Ensino Secundário Teresa Rita Lopes, Professora e Escritora Tiago C. P. dos Reis Miranda, CIDEHUS - Universidade de Évora Victoria Abril Cassinelo, Historiadora Doutorada em Pré-História pela Univ. Madrid REVISÃO Elsa Vaz CONCEÇÃO GRÁFICA, IMPRESSÃO E ACABAMENTOS Gráfica Comercial - Loulé DEPÓSITO LEGAL 36142/90 TIRAGEM 1000 exemplares ISSN Todos os artigos são da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores, assim como o uso ou não do acordo ortográfico. 2

3 ÍNDICE 007 NÃO PODÍAMOS PARAR Rogério Bacalhau Coelho JOAQUIM ROMERO MAGALHÃES - A HOMENAGEM 021 ROMERO MAGALHÃES : O HOMEM, O PROFESSOR José d'encarnação 027 JOAQUIM ROMERO MAGALHÃES: OS ANOS DA COMISSÃO NACIONAL PARA AS COMEMORAÇÕES DOS DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES Tiago C. P. dos Reis Miranda 037 JOAQUIM ROMERO MAGALHÃES E A HISTÓRIA ECONÓMICA E SOCIAL NA UNIVERSIDADE DE COIMBRA Álvaro Garrido 049 JOAQUIM ROMERO MAGALHÃES: A GRATIDÃO, A MEMÓRIA E O EXEMPLO João Leal 051 LAUDATIO: DOUTORAMENTO HONORIS CAUSA ATRIBUÍDO A JOAQUIM ROMERO MAGALHÃES Leonor Freire Costa 061 DISCURSO PROFERIDO POR JOAQUIM ROMERO MAGALHÃES NA CERIMÓNIA DE ATRIBUIÇÃO DO GRAU DE DOUTOR HONORIS CAUSA 069 ELOGIO DO PROFESSOR DOUTOR JOAQUIM ROMERO MAGALHÃES Álvaro Garrido 079 INVESTIGAÇÃO ETNO ARQUEOLÓGICA NO ALGARVE ORIENTAL / ANDÉVALO ONUBENSE Victoria Abril Cassinello 093 CRIME E CASTIGO NO ALGARVE AO TEMPO DE AFONSO V Luís Miguel Duarte 117 RUI BARRETO: A CAPITANIA DO ALCAIDE MOR DE FARO EM AZAMOR 1513/1514 Fernando Pessanha 151 FARO, CHARNEIRA DO ALGARVE Joaquim Romero Magalhães 161 AMADEU FERREIRA D'ALMEIDA CONTRIBUTOS PARA A BIOGRAFIA DE UM ILUSTRE FARENSE Marco Sousa Santos 5

4 ÍNDICE CONT. 185 AS ASSOCIAÇÕES OPERÁRIAS DO ALGARVE DURANTE A 1.ª REPÚBLICA Artur Ângelo Barracosa Mendonça 235 OS COMBATENTES DO CONCELHO DE FARO NA 1.ª GUERRA MUNDIAL Joaquim Manuel Vieira Rodrigues 273 CONTRIBUTO DE FARO NOS PRIMÓRDIOS DA HISTÓRIA DO TURISMO NO ALGARVE Alberto Strazzera 315 A LOJA MAÇÓNICA GIL EANES Nº 413, DE FARO António Ventura VISTOS E VISTAS 353 UMA MEMÓRIA DE ANTÓNIO RAMOS ROSA Casimiro de Brito 367 FOI TUDO ONTEM Teresa Rita Lopes 379 JOSELDA FAUSTA DA GRAÇA FERNANDES Lina Vedes 405 O LICEU NACIONAL DE FARO / ESCOLA SECUNDÁRIA JOÃO DE DEUS Marília Castro 417 GRUPO DE TEATRO LETHES UMA HISTÓRIA DE AMOR E RESISTÊNCIA Marília Castro 6

5 ROMERO MAGALHÃES O HOMEM, O PROFESSOR José d'encarnação Universidade de Coimbra A Romero Magalhães me unia uma amizade que muito tinha a ver com o facto de ambos sermos professores na Academia Coimbrã naturais do Barrocal. Pode não se acreditar, mas há nas gentes do Barrocal um misto bem forte do espírito aventureiro dos que, mais além, se fazem ao mar e do saber tranquilo dos que trepam pela montanha em busca de lenha ou de medronhos. E a envolver o todo a minha grande admiração por seu pai, não apenas como Professor (exacto, com letra maiúscula), mas também como descobridor do Aleixo. Longe de mim a ideia de a Joaquim Magalhães me comparar, mas amiúde dele me lembrei quando, por terras cascalenses, também eu promovi a publicação de poetas ditos «populares». Encontrávamo-nos de quando em vez na Lusa Atenas e mais vezes recentemente quando largámos as tarefas universitárias. Amizade que ano após ano se consolidou, porque, acho eu, acabámos por ter da vida a ideia serena que o Barrocal nos instilara, muito embora tanto ele como eu cedo tenhamos partido para Norte. A jubilação deu azo à publicação do livro Estudos em Homenagem a Joaquim Romero Magalhães: Economia, Instituições e Império (Almedina, 2012). A criação, pela Câmara Municipal de Loulé, sua terra natal, do prémio de investigação que tem o seu nome, assim como o quase subsequente doutoramento honoris causa pela Universidade do Algarve determinaram que o seu nome viesse de novo para a ribalta, não porque Romero fizesse questão nisso, mas porque os que com ele conviviam de perto sabiam que exemplo assim não podia esconder-se «debaixo do alqueire», para nos reportarmos à parábola do Evangelho. Por isso, e também por um motivo evidente sou de História Antiga e Romero Magalhães navegou de preferência pelos séculos XV e XVI, a Idade Moderna não posso atestar quanto inovou na reconstituição do que foram Anais do Município de Faro

6 ROMERO MAGALHÃES - O HOMEM, O PROFESSOR - José d'encarnação as correntes económicas desses séculos, mormente no seu/nosso Algarve. Prende-me, de modo especial, o Homem e o Professor. Mui singelo na aparência, despretensioso (dir-se-ia), interessante apenas para quem almeje conhecer dois ou três pormenores biográficos assim poderia olhar-se para Uma Escrita na Primeira Pessoa, que traz, no cimo, o nome Joaquim Magalhães, o autor, e, sob o título, «Recolha e anotações de Joaquim Antero Romero Magalhães», editado pela Âncora, em Dezembro de «Com um abraço», datado de Coimbra, , recebi eu o que Romero designou, na dedicatória memórias epistolográficas. Assim. Como quem não quer a coisa. É um livro, afianço, que eu comparo, desde já, àqueles antigos, do Leite de Vasconcelos por exemplo, em que, todas as vezes que os folheamos, há sempre algo de novo que nos surpreende. E, aqui, a surpresa mantém-se em permanência, do princípio até ao fim. A surpresa e a sabedoria destilada em cada linha as do pai e as do filho. Veja-se a epígrafe, recorte de uma afirmação de Joaquim Magalhães, a considerar-se um «intérprete», um intermediário com vontade de ser «despertador». Em poucas laudas, o retrato. Veja-se a dedicatória, na p. 7, aos netos de Joaquim Magalhães «para que reconheçam o avô» e aos bisnetos «para que fiquem a conhecê-lo». Sublime lição! Vem, depois, Lídia Jorge, que foi aluna de Joaquim Magalhães, também ela do Barrocal. Um depoimento a saborear. «Houve nele [ ] um poeta que em vez de escrever e publicar poesia, leu poesia e fez outros serem poetas». Orquestrou o livro Romero Magalhães como se fora sinfonia com seus andamentos: «Abertura A formação inicial», «Allegro Deslumbramentos», «Andante A naturalização no Algarve», «Largo O sentido da Vida», «Grand finale». Explicita-se, na «breve nota explicativa final» (p ), redigida em Coimbra, nos «Invernos de 2015/2016», que se tentou «articular o todo da correspondência reunida e disposta por ordem rigorosamente cronológica que vai numerada e foi transcrita na íntegra». Tem o último texto o nº 172 e é quadra muito ao jeito do Aleixo: *** Se eu pudesse voltar a ser menino, mas sabendo o que a vida me ensinou, 22 Anais do Município de Faro 2019

7 ROMERO MAGALHÃES - O HOMEM, O PROFESSOR - José d'encarnação poderia ser outro o meu destino, mas seria o mesmo que hoje sou. Oculta-se, de certo modo, Romero Magalhães por entre a documentação com que nos brindou. Importa, porém, tomar consciência de dois aspectos em que bem se revela o Homem que estudou História e História soube escrever: é que as «anotações» referidas no subtítulo se apresentam não apenas como singelo enquadramento biográfico, familiar, mas também e aqui reside um valor a bem realçar! como análise arguta das reacções e comentários que as circunstâncias da vida e do tempo (político, cultural, económico, social ) postulavam.. Exemplifico com um apontamento (p. 224) que interessa para a história do TEUC (Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra), a que Romero pertencia: O pai escrevera-lhe a 18 de Agosto de 1960, dizendo, entre outras coisas, que o Tossan estivera com ele: «E pelo que depreendi da pouca conversa com ele calculo que tereis por aí várias dificuldades com os espectáculos». E aproveitara para enviar «cumprimentos para o Dr. Quintela». Comenta Romero: «[ ] ia a caminho do arquipélago de Cabo Verde para uma série de espectáculos. Era uma digressão organizada pela comissão das comemorações henriquinas, que nesse ano deu vários apoios aos grupos académicos coimbrões. Paulo Quintela, director artístico, desta vez acompanhava o grupo de estudantes. O Tòssan, amigo desde que foi aluno do Joaquim em e que era muito amigo de Paulo Quintela, não deixava de dar notícias, nem sempre as melhores nem contadas da melhor maneira. Se a Madeira foi um deslumbramento a chegada de barco, ao amanhecer, não mais se esquece S. Vicente e Santiago foram uma novidade vibrante mas também a tristeza de uma terra de pobres. Era este o resultado da exemplar administração portuguesa? Porque não havia colónias, ora essa!». Alonguei-me na transcrição, peço desculpa, mas creio ser bem elucidativa passagem. a demonstrar a perspicácia como as missivas se entrecham na narrativa e do conjunto ressalta todo um ambiente em que o pormenor significativamente se aninha. Sabe-se da digressão do TEUC; evoca-se Paulo Quintela, a grande alma do teatro dos estudantes, a grande alma de tudo, acrescentaria eu, que tive o privilégio de com ele amiudadamente privar no «bar das Letras»; sabe-se do papel de Tòssan, outra figura inesquecível da Academia; e sabe-se, de modo particular, das reacções tanto ao chegar Anais do Município de Faro

8 ROMERO MAGALHÃES - O HOMEM, O PROFESSOR - José d'encarnação à Madeira, como, sobretudo, a Cabo Verde. E Romero não hesita em deixar escapar a pergunta retórica e uma bem irónica exclamação!... Antes de passar a outro livro, não posso deixar de salientar a forma inteligente como o Autor soube realçar o valor da correspondência, lamentando, por um lado, as cartas que não houve oportunidade de guardar e, por outro, o facto de os telefonemas terem começado a substituir a carta. Assim, quando assinala que as cartas do pai para ele a partir da década de 60 deixaram de ser tão regulares, acrescenta: «Mas eram tempos em que o hábito de usar o telefone já se generalizara. Pelo que cada vez menos se recorria à missiva escrita» (p. 307). E quanto não temos nós a lamentar hoje, em que, além do telefone a todo o momento, há as sms, e, sobretudo, o correio electrónico que raramente se guarda!... Evocou-se o Homem no seu contexto familiar. E o facto de ter lançado mão a esta iniciativa de publicar as cartas do pai constitui, simultaneamente, um acto de amor filial e a prática do historiador. Para evocar o Professor, ouso agarrar agora num livro de 2017, «edição do autor, fora do mercado», que traz por título «Provocações: por dever de ofício ( )». O ofício é esse mesmo, o de professor; as provocações, aquele jeito que se torna necessário adoptar para emitir opinião, apreciar favorável ou desfavoravelmente, enfim, «provocar» para que haja reacção! Arriscar-me-ei a afirmar que nisso reside, aliás, o cerne da profissão: ao docente compete fazer com que o aluno se surpreenda, se interesse, se estimule a aprender, a ter curiosidade. Lamenta, por isso, Romero Magalhães que amiúde muito se passe em segredo e falte coragem de falar claro, mesmo que doa, que possa vir a ser tido como «politicamente incorrecto», para usar uma expressão muito na moda: «Trabalhos de necessários cuidados e muitas vezes de melindre. Envolvidos afinal num absurdo e inútil secretismo. Porque o que se afirma em provas ditas públicas acaba por ficar confinado às paredes de uma sala mais ou menos guarnecida [ ] e de todo ignorado do meio a que em princípio se deveria destinar». E o que são as provocações, aqui? Pasme-se, pelo enorme significado que a atitude encerra: Romero Magalhães deu à estampa (258 páginas!...), ainda que para um círculo restrito de amigos, as arguições que, ao longo *** 24 Anais do Município de Faro 2019

9 ROMERO MAGALHÃES - O HOMEM, O PROFESSOR - José d'encarnação dos anos, foi fazendo, em doutoramentos e mestrados!... Onde é que já se viu? Mui raramente. «Porque poucos pouquíssimos responsáveis publicaram as suas arguições», comenta Romero. Recordo que o Doutor Jorge de Alarcão achou por bem publicar a arguição que, na Sala dos Capelos, fizera sobre a minha tese de doutoramento acerca do Sul de Portugal em tempo de Romanos; mas causou admiração. Romero Magalhães não hesitou em nos deixar mais esse testemunho do que é ser Mestre: o Mestre ensina, corrige, tem a coragem (deve tê-la!) de desviar de caminhos tortuosos, sabe louvar e sabe criticar com argumentos! Por conseguinte, escreve, no «arrumar de casa que tem sido a minha principal ocupação desde que em 2012 terminou a minha carreira académica», reuniu 25 arguições, porque «as observações dos arguentes que deveriam ser tomadas como aviso para o que vai sendo feito acabam por ficar escondidas e não ter qualquer efeito para além do fogo de artifício do acto», quando, em seu entender, «a crítica é uma das atitudes obrigatórias dos universitários». Não resisto, ainda, a transcrever mais uma passagem, pelo que ela retrata do Professor atento e não desprovido daquele sal herdado da sua costela meridional, que queira-se ou não continua a ser um bom distintivo do algarvio, sempre pronto a não deixar cair uma oportunidade saborosa para «dizer das suas»! Leia-se este trecho e medite-se como, em poucas palavras, se destila um saber, como diria Camões do Velho do Restelo, «só de experiências feito». Neste caso, porém, não se trata de um ancião saudosista, mas sim de sábio com os pés bem assentes na realidade que encara: «Intervenções sempre serenas, pois não procurei deixar um registo de virulência académica, por não ter sido esse o meu estilo nem o meu gosto. Embora sem evitar ser veemente e sobretudo provocatório na apresentação das minhas objecções. Muitas vezes com alguma vivacidade oral para como que espicaçar o destinatário, que a situação de sentado no mocho tornava de lenta resposta ou mesmo um tanto abúlico quando não, em jeito de esperteza, procurava defender-se vagueando por territórios imaginários para fugir ao que lhe fora objectado». Conclui as suas palavras de justificação do que se propusera fazer com a afirmação «a vida académica quer-se rigorosa, escrupulosa e, sobretudo, límpida». Todo um programa, portanto! Fanal a alumiar caminho! E que muitos de nós consigamos seguir-lhe as pisadas! Anais do Município de Faro