Curso 80 Aula 22 data 04/11/80 Parábola dos Trabalhadores Huberto Rohden

Transcrição

1 Curso 80 Aula 22 data 04/11/80 Parábola dos Trabalhadores Huberto Rohden Agora vou ler primeiro a mais misteriosa e incompreensível das parábolas, para dar uma explicação de filosofia cósmica sobre isto. Mateus, Marcos e Lucas referem o seguinte: O Mestre diz -: o reino dos céus - notem bem, não é depois da morte, é agora, aqui na terra o reino dos céus o reino dos céus é semelhante a um dono de casa que mui de madrugada saiu para contratar trabalhadores para sua vinha, ajustou com os trabalhadores o salário de um denário por dia, e mandou-os para sua vinha. Isto foi mui de madrugada. Primeira turma de operários... Mui de madrugada, vamos dizer às 8h quando começa o serviço. São cinco turmas primeira turma foi agora. Agora vem a segunda turma. Pelas 9 h saiu outra vez e viu outros na praça ociosos. E disse-lhes: ide também vós para minha vinha, e dar-vos-ei o que for justo. Aí não contratou nada, primeiro ele disse: darei-lhes um denário por dia; aqui ele contratou a segunda turma: o que for justo. Foram-se eles terceira e quarta turma vem agora. Por volta das 12 horas e às 3 h da tarde tornou a sair e procedeu da mesma forma. Agora já temos quatro turmas. Com essa não combinou nada. Agora vem a última turma. E, quando, pelas 5 horas da tarde, última turma agora, saiu mais uma vez, encontrou outros que lá estavam; e disse-lhes: por que estais aqui o dia todo sem fazer nada? Ao que eles responderam: é que ninguém nos contratou. Respondeu-lhes o dono: ide também vós para a minha vinha. Mandou as cinco turmas lá para a sua vinha, trabalhar na produção de uvas, na vinha. Ao entardecer disse o dono da vinha ao seu feitor. Vai chamar os trabalhadores e paga-lhes o seu salário, a começar pelos últimos (faça o favor, a começar pelos últimos é muito importante), até os primeiros. Apresentaram-se, pois, os que tinham entrado pelas 5 horas eles trabalharam uma hora só, as seis encerraram o serviço. Os primeiros trabalharam 10h das oito até as seis. E os últimos trabalharam uma hora, isso é importante. Apresentaram-se, pois, os que tinham entrado pelas cinco horas da tarde e recebeu cada um deles um denário. Chegando, porém, os primeiros calculavam que iam receber mais; mas também cada um deles recebeu só um denário. E ao recebê-lo murmuram contra o dono da vinha dizendo: esses últimos que trabalharam apenas uma hora e os igualaste a nós, que suportamos o peso e o calor do dia. Amigo meu - disse o dono a um deles da turma dos descontentes, não te faço injustiça. Pois não contrataste comigo um denário por dia? Toma, pois, o que é teu e vai-te embora. Mas, quero dar também a este último tanto quanto a ti, ou não me será lícito fazer dos meus bens o uso que eu quero? O teu olhar é mau porque eu sou bom? Depois o Mestre conclui no fim, (é Jesus que conta): Assim é que os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos. Eu garanto que vocês não compreenderam nada. Também não esperava nada. Esperava só incompreensão absoluta, e estranheza, é claro! Porque aqui não se trata do plano em que nós estamos. Nós estamos no plano horizontal do ego e aqui não se trata deste plano. Por isso vamos ver se conseguimos explicar isso num outro plano que não seja o nosso. Em outra ocasião disse o Mestre a seus discípulos escutai, isso é o resumo de tudo isto: quando tiverdes feito tudo o que devíeis fazer, então dizei, agora somos servos inúteis, cumprimos a nossa obrigação, nenhuma recompensa merecemos por isto. Imagine! Onde é que está a nossa filosofia... Quando tiverdes feito tudo o que devíeis fazer, então dizei, agora somos servos inúteis, cumprimos a nossa obrigação, nenhuma recompensa merecemos por isto. Essa parábola continua o mesmo pensamento. Ninguém pode merecer nada no mundo 1

2 espiritual, porque aqui se trata do mundo espiritual. Não se trata do mundo material dos operários, isto é um símbolo. Trata-se do reino espiritual do reino de Deus, como ele disse no princípio. Logo dentro do reino de Deus que é mundo espiritual aqui na terra, não depois da morte. Dentro do mundo espiritual do reino de Deus, ninguém pode merecer nada, nada, nada. Vocês nunca ouviram isto. Vocês nas suas igrejas, nos seus catecismos, nas suas escolas dominicais ouviram que nós devemos merecer o céu, e que cada boa obra é um depósito que nós fazemos no banco celeste. E Deus nos vai reembolsar algum dia todos os depósitos que nós fizemos lá no banco celeste. Isto nós aprendemos em todas as igrejas, em todos os catecismos e em todas as escolas dominicais. Nós devemos merecer o céu com as nossas boas obras. Quando eu era pequeno nós tínhamos uma caderneta e a nossa professora disse: vocês devem apontar nessa caderneta toda boa obra que vocês fizerem por dia. Tem muitas boas obras que a gente pode fazer por dia. E nós apontávamos cuidadosamente uma boa obra assim... Umas jaculatórias - que deu uma esmola, tratei bem ao meu vizinho, e assim por diante... No fim do mês fazíamos a soma das nossas boas obras. Dava uma soma muito grande. Estávamos satisfeitos conosco. Muito satisfeitos porque já tínhamos feito muitos depósitos no banco celeste e nós esperávamos receber tudo de volta, provavelmente com juros, depois da morte. Isto nos foi ensinado. Agora vem esse Mestre aqui e diz: quando tiverdes feito tudo o que devíeis fazer, dizei, agora somos servos inúteis. Não temos nenhum direito a nada; se alguém é inútil é porque não tem direito a nenhuma recompensa. Somos servos inúteis porque cumprimos a nossa obrigação. Que coisa estranha! Somos servos inúteis, porque cumprimos a nossa obrigação, nenhuma recompensa merecemos por isto. Ele nega radicalmente que alguém possa merecer alguma coisa no mundo espiritual. O Evangelho nega radicalmente. Tudo é de graça, nada é merecido. Tudo que nós fazemos, Deus nos dará de graça o que ele quer, mas nós não temos direito de exigir nada. Se eu tivesse direito perante Deus eu seria um credor de Deus e Deus seria meu devedor, não é? Se eu tenho direito, Deus tem obrigação. É claro! Será que eu posso ter direito diante de Deus? Será que Deus tem pode ter obrigações para comigo? É o que nós pensamos, mas o Evangelho nega radicalmente tudo isto. Deus não pode ser devedor de ninguém, então eu não posso ser credor de Deus. Logo se eu fizer uma boa obra, eu não sou credor de recompensa. Eu cumpro a minha obrigação, mas isto não quer dizer que eu seja credor, que eu tenha algum direito, que Deus tenha obrigação para comigo... De me pagar depois da morte de acordo com os meus direitos. Isto é pura ilusão! Não na nossa teologia, mas no Evangelho, e nós nos dirigimos pelas verdades do Evangelho e não das teologias. Portanto, nenhuma creatura humana pode merecer nada, nada, nada diante de Deus. Deus nunca tem obrigação de nos pagar em forma de recompensa durante 50 anos de vida honesta aqui na terra, 80 anos de vida honesta; não tem obrigação para conosco de nos pagar nada, nada, nada. Nós cumprimos a nossa obrigação. Isto é essencial, cumprir obrigação não quer dizer ter direito a recompensa. Nós pensamos isso, nós confundimos tudo: se cumpro a minha obrigação eu não tenho direito a ser recompensado? Sim no plano do ego onde funciona tempo e espaço, causa e efeito. Mas no plano do espírito não funciona tempo e espaço. E não funciona causa e efeito. Portanto, no mundo espiritual nós temos obrigação perante Deus de cumprir a nossa obrigação, fazer todo o bem que pudermos neste mundo, mas nunca podemos tomar uma atitude de credores pensando que Deus tenha obrigação de nos pagar alguma coisa por causa disto. Isto é uma ilusão. Estou destruindo a vossa torre de Babel. É bom que seja destruído. Isso é uma torre de Babel que nós construímos. Que nós tenhamos direitos e que Deus tenha obrigações para conosco. 2

3 E agora? Então não vale a pena ser bom, me disse alguém. Então não vale a pena. Vale a pena sim. Agora vem a coisa misteriosa: Deus nos dá o que ele quer, mas nós não temos direito. Ele que é a justiça... Deus não é justo. Vocês aprenderam que Deus é justo, isso é bobagem. Justos somos nós, ou injustos. Deus não é justo nem injusto, Deus é a própria justiça. Deus é a infinita justiça e a infinita justiça vai dar de graça aos homens o que a justiça quer, não o que nós merecemos. Mas o que Deus quer. Isso se chama graça. Quando é de graça então é graça. É gratuito, inteiramente gratuito. Não merecido é gratuito. Não é pagamento pelas nossas boas obras, o céu e outras coisas. É graça, graça e mais graça. Bem, então muitos pensam que a graça sendo de graça (que a graça é de graça, é claro, senão não seria graça não é merecido, não é pagamento, nada, nada de pagamento Deus nunca faz pagamento a ninguém, sempre de graça) nós pensamos que é arbitrário. Não é arbitrário. Agora vem a grande distinção entre gratuito, mas não arbitrário. Vamos ver se compreendemos essa distinção. Tudo é gratuito. Nada é arbitrário. O que seria arbitrário? Se Deus desse a esmo, à toa as graças que ele bem entende, sem olhar para as creaturas humanas, então seria arbitrário. Isso seria insuportável. Se Deus procedesse arbitrariamente com os homens... Isto não é verdade. Ele procede gratuitamente, mas não arbitrariamente. Que é isto? Gratuito, nós não merecemos. Nós não podemos merecer nada no mundo espiritual, mas nós podemos pôr condição. Condicionar nós podemos. Causar não podemos. Ah, se vocês compreenderem essas duas palavras nesta aula de hoje, então já estão muito avançados. Nós podemos condicionar o recebimento da graça. Nós nunca podemos causar causar é merecer. Se eu causasse a graça não seria mais graça, seria pagamento. Mas se eu não posso causar a graça de Deus, mas eu posso condicionar; então a graça continua a ser graça e eu não sou credor de Deus e Deus não é meu devedor. Que quer dizer condicionar? Uma palavra um tanto misteriosa. Condição é uma coisa externa. Causa é uma coisa interna. Nós podemos preparar o terreno externamente para que Deus nos possa dar a graça. Se não prepararmos o terreno, ele não pode. Isto quer dizer condição, que nós chamamos hoje em dia abertura. Abertura, não em sentido político, mas em sentido filosófico. Quando eu não estou aberto rumo ao infinito, o infinito não me pode agraciar, porque eu estou fechado. Mas se eu me abro rumo ao infinito, eu posso receber os dons espirituais do infinito. Não por eu ter merecido. Não por eu ter causado. Eu não posso causar coisas espirituais... É absurdo... Mas porque eu me abri... Eu fiz uma abertura rumo ao infinito e o infinito jorrou para dentro de mim de acordo com a minha abertura. De acordo com o tamanho de minha abertura. Vamos fazer uma comparação: vocês estão num quarto inteiramente às escuras... Ao meio dia; todas as janelas fechadas, com tábuas opacas - não entra um pouquinho de luz na vossa sala. Vocês não podem causar luz solar dentro da sua sala. Vocês podem acender luz elétrica, mas não podem causar luz solar. Vocês não podem puxar para dentro da sua sala a luz solar, nem com gancho de ferro. O que é que vocês podem fazer? Pôr uma condição para que a luz entre, mas não uma causa. Vocês põem uma condição agora. Vocês abrem a janela. Então a luz entra, mas vocês não causaram a luz. É evidente que não causaram a luz, a luz já estava lá muito antes. Mas vocês deram licença para a luz entrar. Isto é condição. E se abre a janela um pouquinho assim... - então entra pouca luz. Se vocês abrem assim... - então entra muita luz. Se abrir totalmente a janela, então entra luz em toda a sua plenitude. Isto é uma comparação para o que nós chamamos condição, ou abertura, ou disponibilidade em face do infinito. Se eu uso uma disponibilidade, se eu me disponho favoravelmente em face do mundo infinito, em face do mundo de Deus, em face do mundo divino - o que vai acontecer? Vai acontecer o que não pode deixar de acontecer. Eu vou ser invadido pela luz, pela graça, pelas coisas espirituais. Mas eu não sou causador disto. Deus é a única causa, mas eu pus uma condição para que a 3

4 causa pudesse funcionar. A causa funciona sempre, mesmo sem condição, mas não dentro de mim... - porque eu estou fechado. Quando eu não ponho a condição, a causa funciona lá fora, mas não dentro de mim. Mas quando eu me abro em frente da causa, em frente do infinito, em frente de Deus, da justiça divina, então a causa entra em mim e funciona dentro de mim. Isso se chama graça. Portanto a graça é gratuita, quer dizer que não pode ser causada por nós. Mas ela não é arbitrária, que seja dada a esmo, a torto e a direito sem pensar. Não. Ela é inteiramente condicionada pela nossa abertura maior ou menor. Isto se chama graça. Há 2000 anos que os teólogos estão escrevendo livros e brigando por causa da ideia da graça. Santo agostinho começou a história no 5 o século. Escreveu volumes e volumes sobre a graça e não chegou a uma solução. Ele pensa que a graça é arbitrária, não só gratuita, mas também arbitrária; o que é inteiramente contrária ao modo correto de pensar. Nada é arbitrário neste mundo, mas muitas coisas são gratuitas. Gratuito é não merecido. Não causado. Mas arbitrário seria sem nenhuma condição. Eu preciso fazer nada. Deus a torto e a direito dá a graça a quem ele quer, tem os seus queridinhos aqui na terra e prefere os queridinhos dele dá muita graça. Aos outros não dá nada. Isso não é verdade. Isso não seria justiça divina. Isso seria arbitrariedade divina que não existe. Pura ilusão! Mas para compreender isto nós devemos abandonar o plano horizontal do ego a que nós estamos habituados. Nós estamos sempre egopensantes (que é do ego) e poucas vezes somos cosmopensados (que é do Eu). Alguém me disse dias atrás o seguinte: no mundo ocidental o homem trabalha muito e não pensa nada. No mundo oriental o homem trabalha pouco e pensa muito. Eu disse: nem com o mundo ocidental, nem oriental. Por que não existe? Eu disse, não, não é verdade que o mundo ocidental trabalha sem pensar e que o mundo oriental pensa sem trabalhar. Parece às vezes, parece assim: que o mundo oriental pensa muito - há 7000 anos que ele está pensando e nós trabalhamos muito, mas pensamos pouco. Não é verdade. O que nos falta aqui no mundo ocidental é o seguinte. Nós somos egopensantes, terrivelmente egopensantes. A nossa ciência, a nossa técnica é toda egopensada, analítica, quer dizer, analisamos as leis da natureza e nos aproveitamos das leis da natureza porque pensamos muito. Mas, falta um modo de pensar que nós não temos muito no ocidente. Cosmopensado é outra coisa do que egopensante. No meu livro sobre Einstein tratei da diferença entre egopensante do horizontal e cosmopensado do vertical. E eu aprendi isto com Einstein. Ele não usa essas palavras eu estive mais de um ano com ele ele usa outras palavras, mas, com a mesmíssima ideia. O ego pensante Einstein chama fatos. Os fatos da natureza. O cosmopensado, Einstein chama os valores. Então ele diz: pela ciência nós descobrimos os fatos da natureza, mas pela consciência nós creamos os valores dentro de nós. Veja que palavras profundamente verdadeiras. Repito: pela ciência (isto é pela inteligência, a ciência é da inteligência) nós descobrimos os fatos da natureza (fora de nós) e nos tornamos eruditos. Pela ciência nós nos tornamos eruditos porque descobrimos os fatos da natureza. Mas, pela consciência (agora vem o jogo da consciência contra a ciência) nós creamos valores dentro de nós mesmos. Não descobrimos fatos da natureza pela consciência, mas creamos valores. Pelo valor o homem se torna bom e feliz. Pela ciência o homem se torna erudito. Mas não necessariamente feliz. O erudito não é necessariamente bom. Nem feliz. Pode ser que além de erudito ele também tenha a consciência. Pode ser que ele além da ciência ele também tenha muita consciência. A educação crea a consciência dentro de nós. Então Einstein diz: do mundo dos fatos não conduz nenhum caminho para o mundo dos valores os fatos estão fora de nós, os valores estão dentro de nós. Os fatos não foram creados por nós, já existiram antes de nós. Os valores são creação nossa. Eu sou o creador dos valores dentro de mim; é a consciência que crea valores. É a inteligência que descobre os fatos pela ciência. Assim fala ele. 4

5 Então eu chamo a primeira parte, descobrimento dos fatos egopensante. E chamo a segunda parte creação de valores - cosmopensado. Parte II Pode usar outras duas palavras, chamar a primeira parte: análise intelectual que é ciência. Análise intelectual é ciência que vem da inteligência e intuição racional vem da consciência. Racional quer dizer espiritual, não tem nada que ver com intelectual. Nunca vocês devem trocar racional por intelectual. Pela racionalidade nós nos tornamos bons. Pela intelectualidade nós nos tornamos eruditos. Se formos homens completos, teremos os dois. Tanto a intelectualidade do erudito como também a racionalidade do homem bom e feliz. Teilhard de Chardin, esse grande cientista do nosso século, chama a intelectualidade a noosfera. E chama a racionalidade a logosfera. São termos muito exatos. Em grego noos quer dizer inteligente e logos quer dizer razão. Os gregos nunca fizeram confusão entre inteligência e razão. A confusão é nossa. Então, na noosfera nós somos descobridores de fatos que nos tornam eruditos. Na noosfera da intelectualidade nós descobrimos fatos pela inteligência e criamos a ciência. Tudo isto é noosfera. A esfera do noos inteligência. Mas se alguém ultrapassa a noosfera... Quando alguém se transmentaliza, vai além da sua mente intelectual e entra na zona espiritual da racionalidade... Porque o racional inteiramente é espiritual nós podíamos usar a palavra espiritual, mas na filosofia não usamos; porque a palavra espiritual não é termo filosófico. É termo teológico. Na filosofia nós temos que chamar o espiritual de racional. Mas não no sentido de intelectual. Muito além da inteligência está o racional. Aristóteles disse que o homem é um animal racional. Ele devia ser um animal racional, mas ainda não é. O homem hoje não é racional, ele é intelectual. Altamente intelectualizado. Mas nós não podemos dizer que o homem seja racional. Se nós fossemos racionais e a humanidade fosse racional nós não íamos matar uns aos outros. Não íamos roubar uns aos outros. Não íamos difamar uns aos outros. Não íamos viver brigando, brigando, brigando. O homem racional não faz nada disto. O homem racional é um homem integral. É um homem perfeito. É um homem realizado. Isto é um homem racional. Nós esperamos futuramente sermos homens racionais. Por enquanto somos apenas intelectuais. Então voltando à parábola. Esta parábola é inteiramente baseada na racionalidade e não na intelectualidade. Se aferirmos a parábola pela intelectualidade, é uma grande injustiça. Uma injustiça contra a justiça do trabalho. Um trabalhou 10 horas e outro trabalhou uma hora. Ele pagou o mesmo àquele que trabalhou dez horas e o mesmo àquele que trabalhou uma hora. Ele não fez propriamente injustiça ao primeiro porque ele tinha combinado com ele: Pelo trabalho do dia todo eu te pagarei um denário. Mas também pagou um denário ao outro que trabalhou só uma hora. Quer dizer, ele não fez injustiça ao primeiro porque tinha combinado, ele cumpriu o seu contrato com o primeiro. Mas o estranho é que ele diz no fim: os primeiros são os últimos e os últimos são os primeiros. Que é isto? Que coisa estranha que os primeiros são os últimos e os últimos são os primeiros. Se o primeiro é o último e o último é o primeiro não existe tempo. Não existe segundo, terceiro, quarto, quinto não existe. Nem último, nem primeiro porque o último aniquila o primeiro e o primeiro aniquila o último - não sobra nada. Quer dizer, isto é um modo de dizer, quando ele quer dizer que dentro do tempo e do espaço funciona o salário... A recompensa pelo trabalho. A justiça do trabalho funciona no tempo e no espaço. Se alguém trabalhou muito tempo ele tem que ser pago muito. Se trabalhou pouco é pago pouco. Isso é do tempo e do espaço. Mas toda parábola sai fora do tempo e do espaço, e entra na pura eternidade que é fora de tempo e espaço. E diz: aqui neste mundo do reino de Deus não se pode merecer como se pode no mundo material. Aqui nós 5

6 todos merecemos. Todo patrão paga aos seus empregados segundo o trabalho que eles prestaram; ao menos devia, se não faz. Mas deve fazer. Essa justiça nós chamamos ser justo. Quando o empregador paga ao seu empregado de acordo com o serviço prestado por ele, isto é ser justo. E injusto é não pagar devidamente aos empregados. E nós atribuímos este justo e injusto ao mundo espiritual, é o nosso erro. No mundo espiritual não existe justo nem injusto. Só existe a justiça. Deus não é justo e Deus não é injusto. Deus é a própria justiça. Deus não faz nada por ser justo. Mas tudo que ele faz é justo. A justiça só pode agir com justiça. Deus não deve perguntar a uma instância superior - será que ele pode fazer isto sem cometer uma injustiça? Porque não há nenhuma instância superior acima de Deus. Então Deus não olha para cima e pergunta: será que eu posso recompensar alguém assim, será que isso é justo? Não, não... A justiça age - no que ela faz é justo, mas ela não pergunta se eu posso fazer isto, se eu posso fazer aquilo. Quer dizer, na justiça tudo é gratuito. Na justiça divina tudo é gratuito. Nada é merecido. Nada pode ser merecido. Ninguém pode ser credor diante de Deus. E ninguém pode fazer que Deus seja seu devedor. Isto é que está na parábola. Quer dizer, é uma destruição completa da nossa perspectiva sobre o mundo espiritual. A nossa perspectiva está baseada na horizontal do ego e aqui se trata da vertical do Eu. Não se trata de análise. Trata de intuição. Não se trata de egopensante, trata-se de cosmopensado. O cosmopensado é do outro lado para cá. O egopensante é de cá para lá. Pelo egopensante nós não vamos longe. Pelo cosmopensado que se chama intuição nós vamos muito longe. Quando somos invadidos pelas forças cósmicas, então somos cosmopensados. Quando trabalhamos apenas com a nossa força humana, então somos egopensantes. Os grandes homens são: ou talentos ou gênios. Os maiores são gênios e os menores são talentos. Talento é o homem egopensante, muito poderoso. O homem intelectual que sabe analisar intelectualmente as leis da natureza. Isto é o homem talentoso. Mas não é ainda gênio. Gênio é coisa muito diferente. O gênio é cosmopensado. O gênio é invadido pelas forças cósmicas de que ele é invadido. Agora quando nós dizemos forças cósmicas, nós nunca devemos pensar nas galáxias do universo e pensar que as forças cósmicas vêm de fora. As forças cósmicas não vêm de fora. Donde vêm as forças cósmicas da intuição, do cosmopensado? Vem do nosso centro. Se nós estamos na periferia nós somos intelectuais - de talentos. Se estamos no centro, então somos gênios. No centro é o gênio e ao redor dos gênios são os talentos. Razão é o centro. Inteligência são as periferias. Então quando o homem se torna intuitivo, cosmopensado, cosmoagido, cosmovivido ele não é invadido de fora para dentro. Ele é invadido de dentro para fora. Ele é invadido pelo seu próprio centro. O seu centro racional abre caminho rumo ao intelectual. Então ele é cosmopensado. Isso chama intuição. Os grandes gênios são intuitivos - além de analíticos (os intelectuais). Além de analíticos os grandes gênios são intuitivos. Eles entraram em contato com o seu próprio centro. O nosso centro é cósmico ou racional, que é a mesma coisa. Os teólogos chamam isso espiritual, mas nós vamos usar a palavra racional em vez de espiritual. O nosso centro está na logosfera. É racional. É cósmico. O cósmico é inteiramente racional. Ele não é intelectual, o cósmico - ele é racional. Muito mais do que intelectual. E quando nós estamos cosmificados pelo nosso centro quando temos a eclosão do nosso centro, a erupção... - quando o nosso centro rompe e se espalha para as periferias, então nós somos cosmopensados. É o mais que o homem pode conseguir neste mundo é ser cosmopensado. Ser invadido pela sua própria racionalidade. Então ele vai além da sua intelectualidade trazido pela sua racionalidade. Sobre esta base, nós podemos compreender esta parábola. Que ele não cometeu nenhuma injustiça com ninguém. Ele não pagou a ninguém; o dono desta vinha não pagou a ninguém. No mundo espiritual não há pagamento. No mundo material sim. No mundo do ego há pagamento, no mundo espiritual não há pagamento. É impossível haver pagamento no 6

7 mundo espiritual. No mundo espiritual há graça e nada mais. A graça supõe condição para que ela possa funcionar, mas a graça não supõe causa. Causa é merecimento. Condição é graça. Nós podemos condicionar a graça, mas não podemos causar a graça. E nessa parábola ele quer mostrar que tudo que existe no mundo espiritual é gratuito. Nada é arbitrário. Tudo é gratuito. Então eu repito as palavras que disse no princípio - o Mestre disse a seus discípulos: quando tiverdes feito tudo que devíeis fazer notai bem, tudo que devíeis fazer quer dizer crear uma condição necessária para a graça. Quando tiverdes feito tudo o que devíeis fazer, então dizeis, agora somos servos inúteis. Imaginem se dissermos isto ao ego ele fica revoltado. Como é que eu fiz tudo o que devia fazer e não sou muito útil? Não, os mestres dizem, se você fez tudo o que devia fazer você deve dizer: agora eu sou um servo inútil, sem merecimento. Inútil é aquele que não tem direito a nenhuma recompensa. Sem merecimento. Agora eu sou um homem inútil, porque não mereci nada. Cumpri toda a minha obrigação, mas não tenho nenhum merecimento. Que coisa estranha quando os mestres falam: Quando tiverdes feito tudo o que devíeis fazer então dizei: agora somos servos inúteis. Graças a Deus! Somos servos inúteis, cumprimos a nossa obrigação isto é a condição da graça. Cumprimos a nossa obrigação e por isto nenhuma recompensa merecemos por isto. Nós diríamos, mas se eu cumpri a minha obrigação, mas é claro que eu mereço recompensa. Não é verdade. Pelo fato de eu ter cumprido a minha obrigação durante 50 e 80 anos da vida terrestre, eu não mereço nenhuma recompensa. Eu estou em condições de receber a graça, mas eu não posso merecer. Eu não posso merecer um dom espiritual. Um dom espiritual não pode ser merecido. Isto é que está aí. É uma lição importantíssima para a nossa vida... Porque nós sempre julgamos que cumprimos a nossa obrigação somos homens extraordinários, somos merecedores do céu por toda eternidade. Imagine, eu cumpro a minha obrigação durante 50 anos na vida terrestre e Deus tem a obrigação de me pagar por toda eternidade. Não há nenhuma proporção entre o que eu fiz e o que Deus tem que fazer. Toda a eternidade são milhões e milhões e bilhões de séculos. Eu fiz 10 ou 20 ou 50 anos cumpri a minha obrigação. A vida não foi creada, a vida não vai terminar, a vida não está localizada em algum lugar, a vida é onipresente. Isso é o que nós chamamos Deus. Então quando eu uso a palavra Deus, faz favor, de traduzir corretamente... Ele entende por Deus a vida universal. Mesmo lá onde não há vivos, há vida. Vivos não existem em toda parte. Parece que na lua não existe. Porque os vivos supõem uma certa base, uma certa condição. Onde não há água nem ar, parece que os vivos não podem viver. Ao menos segundo o nosso modo de viver. Precisa de água e ar que não há na lua; então os que foram lá na lua não encontraram vida nenhuma. Os vivos não estão em toda parte, mas a vida está em toda parte. Portanto, não pensem que quando eu falo em Deus, eu entendo alguma pessoa chamada Deus. Algum velhote de barba branca aí chamado Deus. Isso é infantilismo. Isso é bom para jardim de infância. Mas não serve para nós. Deus é a vida universal. Deus é a vida sem princípio e nem fim. E da vida vieram os vivos. Da vida vieram todos os vivos. E vem sempre de novo. Hoje também, não vieram no passado... No presente também. Pensam que os vivos não vêm mais no presente? É claro que vêm. - Professor, Einstein além de todo talento também era um gênio... - Era um gênio. A grandeza de Einstein era unicamente esta, que ele ultrapassou o talento. Ultrapassou o talento e entrou na genialidade. Ele se transmentalizou. Foi além da mente. Entrou na razão. Ele insiste muito na racionalidade. O que não é racional não é perfeito. Toda a grandeza dele consiste na racionalidade e não na intelectualidade. Muitos pensam que ele era um grande homem intelectual. Ele foi. Mas isto não é a grandeza dele. Intelectualidade não é grandeza. A gente tem que ultrapassar a intelectualidade. 7

8 - Ele passou do talento para a genialidade ou... - Ultrapassou os talentos, chegou até a genialidade. A genialidade é cósmica. Os talentos são intelectuais. Não me confundam a logosfera cósmica com a noosfera intelectual. A logosfera é cósmica. A noosfera é apenas intelectual. O grosso da humanidade está na intelectualidade, mas não está na racionalidade da logosfera. Logos quer dizer razão. Este curso é principalmente para vocês acabarem com os seus equívocos, as suas confusões de que o mundo está cheio. O principal nesses cursos é demolição, não é construção. Nós temos que demolir o principal é desaprender, não é aprender. É muito mais importante desaprender do que aprender. Quem não é capaz de desaprender não vai aprender nada. Primeiro temos que desaprender os erros passados para finalmente podermos aprender a verdade. Isto é que eu insisto. - Nós vamos ficar de férias e só voltar em março. Nós vamos desaprender... - Você não pode aprender de fora. Você só pode aprender de dentro de si. A sabedoria que você tem que aprender não vem de fora de você, a sabedoria vem do seu centro. A ciência vem de fora. As leis da natureza são ciência. Mas a sabedoria que é muito mais do que ciência, a sabedoria que é racional, a ciência é apenas intelectual, a sabedoria está dentro do nosso centro. Mas se alguém não abre o seu centro não faz eclosão, mas vive eternamente com o seu centro fechado, não vai chegar à racionalidade e à genialidade. É claro! Temos que aprender de dentro de nós mesmos. Aprender, eu entendo sabedoria e não ciência que é apenas conhecer. - Existe gênio sem talento? - Não, não pode existir gênio sem talento porque a base de todos os gênios é talento. A base do todo gênio é talento, mas o gênio ultrapassa o talento. O gênio se transmentaliza e se racionaliza. O talento é apenas mental ou intelectual. Mas o gênio é além disto também racional. É isto que vocês precisam ter clareza. Porque há uma confusão imensa sobre isto. - Os mestres nos ajudam para nós nos conhecer? - Os mestres nos podem apontar o caminho para nós descobrirmos a nossa sabedoria interna, suposto que o mestre tenha esta sabedoria. Se ele não tem a sabedoria ele não pode mostrar o caminho para os outros da sabedoria. Se ele lê muitos livros, isto não é prova de que ele tenha sabedoria. Isto é prova de que ele tenha muita ciência. Mas se ele não tem experiência própria da sua vida. Não tem vivência própria, ele não tem sabedoria. Então ele não pode ser guru. Não pode ser mestre. Ele não pode mostrar o caminho aos outros porque ele mesmo não sabe. Ele pensa saber, mas não sabe. Cuidado com os mestres! O Brasil está invadido de pseudos mestres, e muita gente não sabe que são pseudos mestres. Não têm nenhuma vivência daquilo que eles querem ensinar aos outros. Leram nos livros naturalmente, mas ninguém quer saber o que eu li nos livros. Ninguém quer saber o que eu li nos livros, quer saber o que eu sou... Não o que eu li. Isto não interessa a ninguém, o que eu li. Querem saber se eu sou alguém e não se eu li algo. Se li alguma coisa ou se sou alguém. Ser alguém é ter experiência própria de dentro do seu próprio centro. Isto é ser alguém. Há muito pouco ser alguém. Há muitos algos e poucos alguéns. 8