Homilia do II domingo da quaresma 2017 A Escritura que este domingo a Igreja nos propõe, inicia com a primeira palavra de revelação que o Senhor dá a

Transcrição

1 1 Homilia do II domingo da quaresma 2017 A Escritura que este domingo a Igreja nos propõe, inicia com a primeira palavra de revelação que o Senhor dá a Abraão: Parta, Deixa, sai, vai para ti mesmo... todas traduções possíveis do lek leká hebraico que Deus disse a Abraão. Depois do domingo da luta da semana passada, hoje é o domingo da saída. Sair de onde para onde? É saída da nossa hodierna condição de prisioneiros do visível e do palpável... da condição de gente que só acredita no concreto e no útil... Há um lugar prometido ao homem e ínsito no homem... é necessário sair para ir em direção a essa terra prometida que nos parece primeiramente estar fora de nós e, depois, quanto mais se caminha na estrada desta procura pelo onde, mais compreendemos que aquela região está dentro de nós: eis porque é lícito traduzir aquela primeira palavra de Deus a Abraão com vai para ti mesmo! Ali, entrando em suas profundezas, também nas profundezas túrbidas e negativas, o homem descobre as alturas da sua vocação. Paulo, em sua segunda carta a Timóteo, da qual hoje escutamos um trecho, fala desta vocação santa, que é uma palavra eternamente pronunciada sobre nós, uma palavra na qual neste segundo domingo da Quaresma somos chamados a prestar fé. Se domingo passado a luta de Jesus com Satanás ocupava toda a cena, hoje a cena está toda tomada pela luz à qual aquela luta deve, quer e pode conduzir-nos.

2 2 A Transfiguração de Jesus é mistério grande e insondável do Evangelho... é lugar de revelação docíssima, mas exigente. Com um exemplo - que os Santos Padres gostavam muito - na Transfiguração se vê como a nossa natureza humana, em contato, pela encarnação, com o fogo de Deus, se tornou incandescência de Deus... Aquela incandescência da natureza humana de Jesus se mostra aos discípulos por um instante extraordinário no Monte Tabor. Quando o ferro está incandescente é todo fogo, se torna fogo, mas não cessa de ser ferro. É por isso que os Padres gostavam muito desta imagem, para falar seja da encarnação seja da divinização do homem; é uma imagem que salvaguarda a alteridade e a unidade. A Transfiguração é então ícone dos ícones (e bem fazem os nossos irmãos do oriente quando pedem aos jovens iconógrafos pintarem como obra prima de suas vidas justamente o ícone da transfiguração), porque neste mistério é dito à Igreja a meta última de toda a sua fadiga, a meta última da nossa humanidade. A que coisa é chamada a nossa humanidade? É chamada a esta saída para si, a esta metamorfose ; é chamada a consentir nesta transformação com todas as suas forças. E o mistério do Tabor nos diz que para nós será incrivelmente possível esplender Deus! Que meta! Nós criaturas de cinza refiro-me ao rito de imposição das Cinzas:...tu és pó e ao pó hás de voltar e, contudo, esplendor Deus! Isso é realmente esplêndido!

3 3 Esta extraordinária janela aberta na luz do Verbo feito carne, que é a Transfiguração, se fecha com uma palavra categórica do Pai: Escutai-o! Esta saída para o esplendor de Deus que Cristo nos possibilitou, se consegue somente e sempre na escuta, na escuta Dele, de Jesus... o Pai pede que se escute a Jesus no qual tudo se cumpre: se cumpre a estrada de Moisés, que de longe viu a terra prometida, e se cumpre o caminho de Elias, que proclamou sempre e somente o primado do Deus Único. Agora a terra prometida é a humanidade de Jesus, agora o Deus Único se fez proximíssimo na nossa carne, na humanidade de Jesus! Por um instante o Pai, no Monte Tabor mostra a incandescência do Filho amado e amante, e pede escuta. E, no tocante a isto, parece-me importante fazer notar um particular de extraordinário interesse: se o Pai pediu para escutar Ele, qual é a primeira palavra que Jesus pronunciou em meio a toda aquela fulgurosa Transfiguração? Após ter estendido a mão e levantado os discípulos do chão, disse-lhes: Não tenhais medo. Em seguida, enquanto desciam do Monte nós não ouvimos este trecho hoje Jesus fez mais uma vez menção à sua Paixão. Então, é preciso escutar uma Palavra, que incrivelmente anuncia a não temer, e anuncia a Cruz. Isto deixa claro de onde provinha aquele fogo que deixou incandescente a humanidade de Jesus: certamente da natureza divina, mas de uma natureza divina que não consegue descrever-se, mostrar-se senão no amor, e em um amor sem limites. A palavra da cruz, digamos assim, que são Paulo exalta e louva como louca

4 4 linguagem (cf. 1Cor1,18), é isto que torna incandescente o Filho amado... escutá-lo vai significar para nós deixar-se plasmar por esta palavra da cruz, que é palavra de amor sem limites. A saída que precisaremos empreender será então a saída das nossas glaciais friezas para ancorarmos no fogo do amor que transfigura. Esta segunda etapa da Quaresma, mostrando uma meta luminosa à Igreja, não lhe dá algo açucarado para adocicar os dias que ainda restam. Não! Mostra-lhe sim à Igreja a beleza de uma meta que nós nem sequer podíamos imaginar, que tão pouco podíamos conceber em nossos mais apaixonados sonhos, mas entrega também à Igreja um caminho de escuta, no qual exercitarse para chegar ao acolhimento desta meta insuspeitável. Sentimos o apelo desta meta? Se o sentimos, o nosso caminho de Quaresma procede segundo a vontade de Deus e, neste caso, também neste ano podemos apresentar frutos novos e duradores que o Senhor espera dos seus discípulos. Sem medo, caros irmãos e irmãs, empreendamos já um êxodo, sentindo no coração o acender da nossa humanidade disposta uma sublime vocação: ser incandescência de Deus Enfim, termino esta reflexão com uma palavra dos antigos monges a nós monges: O Abade Lote chegou-se ao Abade José e disse-lhe: «Abade, conforme a minha possibilidade rezo o meu pequeno Ofício, faço o meu pequeno jejum, a oração, a meditação, guardo a tranquilidade, e, como posso, vou purificando os meus pensamentos. Que ainda devo fazer?» Levantando-se, o ancião

5 5 estendeu as mãos ao céu, os seus dedos se tornaram como dez lâmpadas de fogo; e disse-lhe: «Se queres, torna-te todo como fogo. Na verdade, não te podes tornar monge, se não te tornares todo ardente como fogo». AMÉM.