BuscaLegis.ccj.ufsc.br Nova Lei dos estágios: as novas regras do estágio em nível superior Bruno Minoru Takii* Introdução. O presente artigo tem como objetivo elucidar as novas regras trazidas pelo Projeto de Lei nº 2419/2007, doravante nova lei dos estágios, no tocante aos estágios em nível superior. Iniciada no Senado Federal, a nova lei dos estágios teve concluído seu processo ordinário nas casas legislativas em 13/08/2008, tendo sido aprovada sem quaisquer emendas do parlamento final. Assim, a redação final do Projeto de Lei tem texto idêntico ao inicialmente proposto pelo Senador Tião Viana. Remetida à sanção presidencial, deverá ser sancionada e promulgada em quinze dias, momento a partir do qual as regras para o cumprimento dos chamados estágios mudarão de forma substancial. Cabe, antes de elucidar as novas regras, dizer que o conteúdo do atual texto normativo sofreu clara interferência dos escopos trazidos pela Convenção nº 142, da Organização Internacional do Trabalho, relativa aos princípios do desenvolvimento dos recursos humanos. De acordo com o art. 1º desta norma, todo membro deverá adotar e levar à prática políticas e programas completos e coordenados no campo da orientação e formação profissionais, estabelecendo uma estreita relação entre este campo e o emprego (...). Assim sendo, o Brasil, por ter ratificado tal Convenção, tem o dever de alinhar suas políticas de formação profissional às balizas traçadas pela norma internacional, o que pressupõe que as necessidades, as possibilidades e os problemas em matéria de emprego 1
(art. 1º, a / C.142), bem como a fase e o nível de desenvolvimento econômico, social e cultural (art. 1º, b ) são de observância obrigatória. O primeiro dispositivo da nova lei dos estágios deixa claro e evidente este alinhamento, definindo o termo estágio como o ato educativo supervisionado, desenvolvido no ambiente do trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam freqüentando o ensino regular, em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, de educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos. Na mesma linha, e.g., tem-se discutido a mudança das diretrizes do chamado sistema S, o que parece denunciar uma nova orientação política para a reforma da legislação sobre formação profissional. Regras. Até o vigor da nova lei, regulamentam a matéria as leis 6.494/1977, 8.859/1994, o parágrafo único do art. 82/ Lei nº 9.394/1996, e o art. 6º da Medida Provisória nº 2.164-41/2001. A partir da promulgação, vigorarão as seguintes regras do novo regime de estágios: 1. Jornada de trabalho. A legislação anterior, datada de 1977, por não estabelecer uma jornada específica, era aplicada a Constituição, que estabelece jornada limite de 8 horas diárias e 44 horas semanais para os trabalhadores. Com o vigor, passarão a ser três os tipos de jornadas previstas, quais sejam: a) jornada ordinária: é aquela que é cumprida durante o período em que há aulas. De acordo com o dispositivo legal, a jornada neste período limitar-se-á a 6 (seis) horas diárias e 30 (trinta) semanais. 2
b) Jornada reduzida especial: é aquela cumprida durante o período de verificações de aprendizagem periódicas ou finais (provas). De acordo com o art. 10, par. 2º, a carga horária do estágio deverá ser reduzida, no mínimo, à metade, tendo como finalidade a garantia de bom desempenho do estudante. A redução, por óbvio, deve incidir sobre a carga horária pactuada, e não sobre o limite ordinário constante na lei. c) Jornada ampliada extraordinária. Quanto a esta, alguns problemas poderão surgir, pois alguns dos termos utilizados no texto normativo não se apresentam claros. De acordo com o par. 1º, o estágio relativo a cursos que alternam teoria e prática, nos períodos em que não estão programadas aulas presenciais, desde que previsto no projeto pedagógico do curso e da instituição de ensino, poderá ter jornada de até 40 horas semanais. Agora, cabe esclarecer os significados de cursos que alternam teoria e prática, períodos em que não estão programadas aulas presenciais e previsão no projeto pedagógico do curso e da instituição de ensino, termos que condicionam a possibilidade de jornada ampliada extraordinária. O primeiro pode ser interpretado como os cursos que tenham incutida a prática, isto é, a atuação real e não mero simulacro de atuação profissional, tais como os cursos de medicina, no currículo oficial. O segundo, tem-se que o melhor entendimento é de que tais períodos se referem às férias escolares, já que não há outro em que não há programação de aulas presenciais. Por último, entende-se que tal previsão é a permissão institucional, que deve ser expressa. Cabe ainda salientar que a exceção criada pelo dispositivo incide sobre a jornada semanal, e não sobre a diária. Portanto, a jornada diária, mesmo na observância das condições supracitadas, não poderá exceder 6 horas. 3
2. Férias. Até o vigor da lei, como não há qualquer legislação anterior prevendo as férias, estas, quando concedidas, são por mera liberalidade da parte concedente. Com o vigor da nova lei, passará a ser obrigatória a concessão de 30 dias de recesso, remunerados integralmente, a cada 12 meses estagiados, devendo ser gozados, preferencialmente, no período de férias escolares. Ainda, como a lei nada dispõe, tal recesso não precisa ser gozado de modo ininterrupto, significando, portanto, que a secção é permitida, desde que não comprometa os escopos que estruturam o instituto das férias. Havendo cumprimento de férias antes do fechamento do período de 12 meses, o tempo de recesso deverá ser proporcional. No caso de extinção do contrato de estágio, motivada ou não, por iniciativa do concedente ou do estagiário, entende-se que esta não retira do estagiário o direito de receber pelas férias não gozadas, uma vez que cumpriu com o pressuposto para a aquisição de seus direitos. Por fim, sobre os contratos firmados sob a legislação anterior, os períodos anteriores à vigência da lei não devem ser considerados como períodos aquisitivos, vez que, em época, não existia tal obrigação. 3. Duração do estágio. Atualmente, não há disposição legal sobre a duração do estágio. Antes de qualquer comentário, cabe salientar que os termos duração do estágio e duração do contrato de estágio não podem ser confundidos, sendo este prorrogável e o primeiro, não. Com advento da nova lei, os estágios não poderão ter duração superior a 2 (dois) anos - salvo se o estagiário for deficiente -, tal como é hoje a duração estipulada para a aprendizagem, que é, nesta parte, regulada pelo art. 428, par. 3º/CLT. Sobre os contratos firmados sob a vigência da legislação anterior, por ser a duração uma situação de fato, concreta na história, a inteligência mais correta é considerar a parte cumprida sob a égide da legislação anterior como parte da duração do estágio. 4
4. Bolsa-auxílio e benefícios. Passa a ser obrigatório o pagamento de bolsa-auxílio para estágios não-obrigatórios (art. 12), i.e., para estágios desenvolvidos como atividade opcional, acrescida à carga horária regular e obrigatória (art. 2º, par. 2º). A figura do estágio voluntário não obrigatório, portanto, passará a ser irregular. Outros direitos previstos na nova lei são o fornecimento de vale-transporte (art. 12) e, também, de apólice de seguro contra acidentes pessoais (art. 9º, inc. IV e par. ún.), que deverá ser arcada pelo concedente ou, alternativamente, pela instituição de ensino. 5. Número máximo de estagiários por estabelecimento. O art. 17, no caput, estabelece uma relação entre o número máximo de estagiários e o quadro de pessoal das entidades concedentes. Para os estágios de nível superior, como se verificará a seguir, tal relação deve ser esquecida. De acordo com o par. 4º do mesmo artigo, não se aplica o disposto no caput aos estágios de nível superior e de nível médio profissional. Logo, as pessoas jurídicas de direito privado e os órgãos da administração pública direta, autárquica e fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como profissionais liberais de nível superior devidamente registrados em seus respectivos conselhos de fiscalização profissional, poderão oferecer tantos estágios quanto puderem, observadas as condições estabelecidas no art. 9º e seus incisos. 6. Sanção. A punição pela manutenção de estagiários em desconformidade com a nova Lei caracterizará vínculo de emprego do educando com a parte concedente para todos os fins de legislação trabalhista e previdenciária (art. 15), com efeitos ex tunc. 5
Ainda, havendo reincidência, ficará o concedente impedido de receber estagiários por 2 (dois) anos, contados da decisão definitiva do processo administrativo correspondente. Cabe salientar que, apesar de ficar impedido de firmar novos termos de compromisso, os estagiários constantes do quadro, se anteriores à punição, não terão seus contratos extintos, uma vez que a lei não prevê tal punição. Conclusão. No contexto do processo atual de edificação dos valores sociolaborais, tanto em âmbito nacional quanto internacional, a nova lei dos estágios, em aspectos gerais, serve de confirmação de que o Estado brasileiro vem se alinhando aos princípios por ele aceitos com a ratificação da Convenção 142/OIT. No mais, cabe salientar que tais políticas só serão válidas à medida que as normas postas sejam eficazes. Para isso, as atividades de inspeção e persecução eficientes qualitativa, quantitativa e temporalmente serão indispensáveis. A sanção, claro, deve ser aplicada sempre e tempestivamente quando verificada que a situação de fato se subsume à norma, não dando espaços à impunidade e, por conseguinte, à invalidação da norma por força do costume. Fonte: Da Redação * Estudante de Direito da PUC/SP e Estagiário. Disponível em: http://www.casajuridica.com.br/?f=conteudo/ver_destaques&cod_destaque=546 Acesso em: 16 de setembro de 2008. 6