II Encontro de Professores de Geociências do Alentejo e Algarve Geologia, Mineralizações e Biodiversidade na Faixa Piritosa Cine Teatro de Mértola, 12 de Outubro de 2007 Resumo Palinoestratigrafia da Faixa Piritosa, Zona Sul Portuguesa Zélia Pereira INETI, Departamento de Geologia, Rua da Amieira, 4465-965 S. Mamede Infesta, Portugal Introdução O presente trabalho mostra uma síntese dos conhecimentos actuais sobre a Zona Sul Portuguesa (ZSP) em geral e, a Faixa Piritosa em particular, com ênfase na palinoestratigrafia (Pereira et al., 2007). A ZSP (Fig. 1) representa o ramo sul do Varisco Ibérico e compreende, essencialmente, rochas sedimentares de idade Devónico superior ao Moscoviano (Carbonífero superior). A ZSP subdivide-se em vários domínios principais, a saber de norte para sul, o Antiforma do Pulo do Lobo, a Faixa Piritosa, o Grupo do Flysch do Baixo Alentejo e o Sector Sudoeste (Anticlinais da Bordeira e Aljezur). O Antiforma do Pulo do Lobo é interpretado como um prisma acrecionário varisco. A Faixa Piritosa, considerada uma das mais importantes províncias metalogenéticas do mundo, foi depositada em ambiente marinho epicontinental, durante o Devónico superior, sofrendo fenómenos de extensão crustal durante o Devónico terminal (Estruniano) e o Carbonífero inferior originando o vulcanismo bimodal. O grupo do Flysch do Baixo Alentejo é composto por turbiditos de idade Viseano superior a Moscoviano. E finalmente, o Sector Sudoeste compreende os Anticlinais da Bordeira e Aljezur, foi depositado em ambiente marinho epicontinental que evoluiu para uma plataforma distal carbonatada/pelítica, de idade Devónico Superior (Estruniano) ao Serpukoviano superior a BAshkiriano médio (Carbonífero Superior). A geologia da Faixa Piritosa desde sempre atraiu os investigadores, em particular devido aos famosos jazigos de sulfuretos polimetálicos. Com efeito, a investigação geológica nesta região, esteve sempre muito concentrada em áreas como a litoestratigrafia, a petrologia e a geoquímica, e só muito recentemente surgiram novas áreas de investigação aplicadas, como a bioestratigrafia, a geologia sedimentar, vulcanismo físico e a geoquímica de sedimentos. Do ponto de vista estratigráfico, a Faixa Piritosa compreende três grandes unidades, da base para o topo, o Grupo Filito-Quartzítico (FQ) o Complexo Vulcano Sedimentar (CVS) e a Formação de Mértola (Mt) (Oliveira et al., 1998). O Grupo Filito-Quartzítico constitui a unidade detrítica basal e é composto por filitos, quartzitos e quartzovaques e xistos com intercalações de lentículas de calcários e nódulos na parte superior. A espessura é de cerca de 200m (base desconhecida). Esta unidade possui uma idade do 1
Fameniano superior (Devónico Superior) com base em fósseis de amonites, conodontes e palinomorfos (Boogaard, 1963, Fantinet et al., 1976, Cunha and Oliveira, 1989, Oliveira et al., 1997, Oliveira et al., 2004; Pereira et al., 2004, Oliveira et al., 2005). O Complexo Vulcano Sedimentar inclui vários episódios vulcânicos, intrusivos e extrusivos, onde se observa um domínio de rochas vulcânicas do tipo riolitos, riodacitos, basaltos e raros andesitos e intercalações de xistos negros, siltitos, raros quartzovaques, vulcaniclásticas, finamente intercaladas, jaspes e xistos borra de vinho. A espessura desta unidade é variável desde poucas dezenas de metros até 1000 m. O CVS foi depositado em ambiente marinho e possui uma idade escalonada entre o Devónico superior e o Viseano superior com base em raros conodontes e associações de palinomorfos (Oliveira, 1990; Oliveira et al., 1997, Oliveira et al., 2004, Pereira et al., 2004, Oliveira et al., 2005). Sobre o CVS deposita-se uma sucessão turbidítica, a Formação de Mértola. Esta unidade corresponde a unidade inferior do Grupo do Flysch do Baixo Alentejo, e compreende grauvaques, comglomerados e xistos com uma espessura total da ordem dos 3000m. A Formação de Mértola data do Viseano superior ao Serpukoviano inferior (Oliveira et al., 2004; Pereira et al., 2004). Palinoestratigrafia A palinoestratigrafia provou recentemente, ser a melhor metodologia para datar as unidades litoestratigráficas da ZSP e da Faixa Piritosa, permitindo estabelecer correlações entre unidades e fornecendo informações de suporte às interpretações estruturais, paleogeográficas e geodinâmicas. Na figura 2 é apresentado o esquema geral de Zonação de Miosporos da Europa Ocidental (Clayton et al, 1977; Clayton, 1996; Higgs et al, 1988; Streel et al, 1987) e sul de Portugal, com referência às espécies índex utilizadas na identificação de cada biozona de miosporos, assim como uma síntese dos resultados obtidos na Zona Sul Portuguesa. A estampa I ilustra o conjunto das espécies seleccionadas e identificadas na Faixa Piritosa. Todas as amostras para investigação palinológica foram tratadas por métodos normalizados. As amostras, lâminas e resíduos orgânicos estudados encontram-se arquivados no Departamento de Geologia do INETI, em S. Mamede de Infesta, Portugal. Os estudos palinoestratigráficos da ZSP remontam aos anos 80, com os trabalhos pioneiros de Oliveira et al., 1986 e Cunha et al., 1989, de suporte a trabalhos de cartografia geológica efectuados pelos Serviços Geológicos de Portugal. Em simultâneo, surgem trabalhos de palinoestratigrafia em Espanha, na região do Pulo do Lobo (Giese et al., 1988; Lake, 1991). Nos anos seguintes surgem projectos mais focalizados na investigação palinoestratigráfica. O estudo palinoestratigráfico detalhado dos Anticlinais da Bordeira e Aljezur, Sector Sudoeste da ZSP, permitiu identificar pela primeira vez 21 biozonas de miosporos e documentar cerca de 47 espécies de miosporos de idade Devónico Superior e mais de 200 espécies de miosporos do Carbonífero (Pereira et al., 1994; Pereira, 1998). Estes resultados provaram correlacionar perfeitamente com a biozonação local definida com base em amonóides (goniatites) (Korn, 1997). A primeira investigação palinoestratigráfica efectuada na Faixa Piritosa Ibérica correspondeu ao estudo da secção da região da mina de Neves Corvo. Este trabalho permitiu datar rigorosamente todas as unidades 2
locais o que a transforma na secção melhor datada da Faixa Piritosa Ibérica. Deste trabalho resultaram as seguintes conclusões: 1. O substracto detrítico possui uma idade do Fameniano superior; 2. O CVS possui uma idade compreendida entre o Fameniano superior (Estruniano superior) e o Viseano inferior; 3. A deposição da Fm. de Mértola ter-se-á iniciado durante o Viseano superior; 4. Foram identificados três hiatos, correspondendo ao Estruniano inferior a médio, ao Tournaisiano e à biozona de miosporos TC, do Viseano inferior alto; 5. Foi possível efectuar a datação rigorosa do minério de sulfuretos maciços que se encontra intercalado em xistos negros do Estruniano Superior. Estas datações permitiram também a interpretação tectónica da área da mina (Oliveira et al., 1997; Pereira et al., 2004; Oliveira et al., 2004; Oliveira e tal., 2006). Este estilo de estruturas tectónicas foi recentemente documentado, com base em dataçães palinoestratigráficas em outras regiões da Faixa Piritosa, nomeadamente nas estruturas antiformais da região de Albernôa, Serra Branca e Mina de São Domingos (Oliveira et al., 2005; Matos et al., 2006). Investigações palinoestratigráficas efectuadas no Antiforma do Pulo do Lobo, permitiram rever as datações das suas unidades constituintes com recurso a palinomorfos e estabelecer as seguintes correlações (Pereira et al., 2006): 1. As Formações de Pulo do Lobo e Atalaia exibem afinidade litológica e de deformação e não permitiram obtenção de datações; 2. As Formações de Ribeira de Limas e Gafo possuem miosporos de idade Frasniano inferior e as Formações Santa Iria, Horta da Torre e Represa foram datadas do Fameniano superior; Das afinidades encontradas em termos de idade e de comparação da assinatura palinífera é sugerido, que as bacias, Pulo do Lobo e Faixa Piritosa, estiveram em continuidade e pertenceram à mesma área paleogeográfica durante o Devónico superior. Referências BOOGAARD, M. V., 1967. Geology of the Pomarão region Southern Portugal. Thesis. Graf. Cent. Deltro. Rotherdam. CLAYTON, G., 1996. Mississippian Miospores. In: Jansonius J., McGregor D.C, (eds.), Palynology: Principles and applications. Am. Assoc. Strat. Palynol. Found, 2, 589-596. CLAYTON, G., COQUEL, R., DOUBINGER, J., GUEINN K.J., LOBOZIAK, S., OWENS, B., STREEL, M., 1977. Carboniferous Miospores of Western Europe: illustration and zonation. Meded. Rijks Geol. Dienst, 29, 1-71. CUNHA, T., OLIVEIRA, J. T., 1989. Upper Devonian Palynomorphs from the Represa and Phyllite- Quartzite Formation, Mina de São Domingos region, Southwest Portugal. Tectonostratigraphic implications. Bull. Société Belge Géol., 98 (3/4), 295-309. FANTINET, D., 1971. Mise en évidence d un chevauchement d age Varisque et étude de ses déformations ultérieures (Region de Mértola, Baixo Alentejo, Portugal). C.R. Heb. Scéanc. Acad. Sci. Paris. Sér. D. Sciences Naturelles, 272, 3122-3125. GIESE, U., REITZ, E., WALTER, R., 1988. Contributions to the stratigraphy of the Pulo do Lobo succession in Southwest Spain. Comun. Serv. Geol. Port., 74, 79-84. HIGGS, K., CLAYTON, G., KEEGAN, J.B., 1988. Stratigraphic and Systematic Palynology of the Tournaisian Rocks of Ireland. Geol. Surv. Ireland. Spec. Paper, 7, 1-93. KORN, D. 1997. The Palaeozoic ammonoids of the South Portuguese Zone. Mem. Serv. Geol. Portugal, 33, 1-129. 3
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Fig 1. Mapa Geológico esquemático da Zona Sul Portuguesa. 5
Fig 2. Esquema geral de Zonação de Esporos da Europa Ocidental (Clayton et al, 1977; Clayton, 1996; Higgs et al, 1988; Streel et al, 1987) e sul de Portugal e síntese dos resultados obtidos na Zona Sul Portuguesa. 6
ESTAMPA I Cada espécimen está referenciado por número de amostra, número da lâmina, coordenadas do microscópio e número de colecção INETI. 1. Grandispora echinata Hacquebard, 1957; Sondagem MP 3, Amostra 36,60-1, 1244-45, INETI 0501. 2. Grandispora cornuta Higgs 1975; Sondagem MP 3, Amostra 36,60-1, 1305-225, INETI 0502. 3. Cristatisporites triangulatus Allen 1965; Sondagem MP 3, Amostra 36,60-1, 1090-180, INETI 0503. 4. Gorgonisphaeridium ohioense (Winslow) Wicander, 1974; Sondagem MP 3, Amostra 36,60-3, 1200-138, INETI 0504. 5. Gorgonisphaeridium plerispinosum Wicander 1974; Sondagem MP 3, Amostra 36,60-3, 1190-175, INETI 0505. 6. Veryhachium downiei Stockmans & Willière, 1962; Sondagem MSD 1, Amostra 42,60-1, 1120-110, INETI 0506. 7. Emphanisporites annulatus McGregor, 1961; Sondagem MP 3, Amostra 36,60-2, 1335-160, INETI 0507. 8. Rugospora radiata (Jushko) Byvscheva 1985; Sondagem MP 3, Amostra 36,60-1, 1340-148, INETI 0508. 9. Retispora lepidophyta (Kedo) Playford, 1976; Sondagem MP 3, Amostra 42,60-1, 1245-100, INETI 0509. 10. Lycospora pusilla (Ibrahim) Schopf, Wilson & Bentall 1944; Sondagem MSD 1, Amostra 255,30-1, 1155-75, INETI 0510. 11. Densosporites sp.; Sondagem MSD 1, Amostra 255,30-1, 1095-135, INETI 0511. 12. Raistrickia nigra Love, 1960; Sondagem MSD 1, Amostra 359,40-1, 1380-180, INETI 0512. 7