O QUE É A FILOSOFIA? DA CRIAÇÃO CONCEITUAL AO APRENDER 1



Documentos relacionados
A constituição do sujeito em Michel Foucault: práticas de sujeição e práticas de subjetivação

Por uma pedagogia da juventude

PRAXIS. EscoladeGestoresdaEducaçãoBásica

O olhar do professor das séries iniciais sobre o trabalho com situações problemas em sala de aula

ENSINO DE FILOSOFIA O DESAFIO EM TRANSITAR ENTRE A HISTÓRIA E OS TEMAS DO COTIDIANO

AULA COM O SOFTWARE GRAPHMATICA PARA AUXILIAR NO ENSINO E APRENDIZAGEM DOS ALUNOS

ESCOLA, LEITURA E A INTERPRETAÇÃO TEXTUAL- PIBID: LETRAS - PORTUGUÊS

Rousseau e educação: fundamentos educacionais infantil.

FORMAÇÃO DOCENTE: ASPECTOS PESSOAIS, PROFISSIONAIS E INSTITUCIONAIS

Formação de Professores: um diálogo com Rousseau e Foucault

Gestão da Informação e do Conhecimento

Ateneo de investigadores (Espaço de intercâmbio entre pesquisadores)

Pesquisa com Professores de Escolas e com Alunos da Graduação em Matemática

PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO PARA TUTORES - PCAT

Elvira Cristina de Azevedo Souza Lima' A Utilização do Jogo na Pré-Escola

REALIZAÇÃO DE TRABALHOS INTERDISCIPLINARES GRUPOS DE LEITURA SUPERVISIONADA (GRULES)

LURDINALVA PEDROSA MONTEIRO E DRª. KÁTIA APARECIDA DA SILVA AQUINO. Propor uma abordagem transversal para o ensino de Ciências requer um

A EXPLORAÇÃO DE SITUAÇÕES -PROBLEMA NA INTRODUÇÃO DO ESTUDO DE FRAÇÕES. GT 01 - Educação Matemática nos Anos Iniciais e Ensino Fundamental

INTEGRAÇÃO DE MÍDIAS E A RECONSTRUÇÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA

OS PROCESSOS DE TRABALHO DO SERVIÇO SOCIAL EM UM DESENHO CONTEMPORÂNEO

APRENDER A LER PROBLEMAS EM MATEMÁTICA

A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Instituto Fonte Diálogo A integração entre a avaliação e gestão no mundo real. Rizoma mapeando encontros e desenvolvimentos. por Joyce M.

SOBRE UM PROJETO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA COM MODELAGEM MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

A ARTE NA FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL: EM BUSCA DE UMA PRAXE TRANSFORMADORA

O ENSINO DE FILOSOFIA NA ESCOLA BÁSICA: UMA LEITURA FOUCAULTIANA Liliana Souza de Oliveira - UFSM

Projeto Pedagógico Institucional PPI FESPSP FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO PROJETO PEDAGÓGICO INSTITUCIONAL PPI

O papel educativo do gestor de comunicação no ambiente das organizações

PROBLEMATIZANDO ATIVIDADES EXPERIMENTAIS NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES/AS

SOCIEDADE E TEORIA DA AÇÃO SOCIAL

Pedagogia. Comunicação matemática e resolução de problemas. PCNs, RCNEI e a resolução de problemas. Comunicação matemática

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE CIÊNCIAS SÓCIO-ECONÔMICAS E HUMANAS DE ANÁPOLIS

Katia Luciana Sales Ribeiro Keila de Souza Almeida José Nailton Silveira de Pinho. Resenha: Marx (Um Toque de Clássicos)

A Sociologia de Weber

Universidade do Estado da Bahia UNEB Departamento de Ciências Humanas Campus IV. Programa de Pós-Graduação em Educação e Diversidade.

Disciplina: Alfabetização

AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: domínio e/ou desenvolvimento? Cipriano Carlos Luckesi 1

V Seminário de Metodologia de Ensino de Educação Física da FEUSP Relato de Experiência INSERINDO A EDUCAÇÃO INFANTIL NO CONTEXTO COPA DO MUNDO.

Ajuda ao SciEn-Produção O Artigo Científico da Pesquisa Experimental

Pedagogia Estácio FAMAP

METODOLOGIA DE PESQUISA CIENTÍFICA. Prof.º Evandro Cardoso do Nascimento

OBJETOS DE APRENDIZAGEM EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL: CONHEÇA O AMBIENTE ATRAVÉS DO WIKI Rosane Aragón de Nevado 1 ; Janaína Oppermann 2

Modelo, cópia e simulacro: Uma perspectiva deleuziana ao problema platônico

Índice. Prefácio...9. Palavras Prévias...13

Estado da Arte: Diálogos entre a Educação Física e a Psicologia

DIFICULDADES DE LEITURA E ESCRITA: REFLEXÕES A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DO PIBID

Projeto de Redesenho Curricular

Colégio La Salle São João. Professora Kelen Costa Educação Infantil. Educação Infantil- Brincar também é Educar

Exposição nas redes sociais: uma análise à luz da Semiótica

O papel do CRM no sucesso comercial

GUIA DE IMPLEMENTAÇÃO DO CURRICULO ANO 2 - APROFUNDAMENTO

PROJETO MEDIAR Matemática, uma Experiência Divertida com ARte

QUESTÕES FILOSÓFICAS CONTEMPORÂNEAS: HEIDEGGER E O HUMANISMO

SUPERANDO TRAUMAS EM MATEMÁTICA

ENSINO DE FILOSOFIA E INTERDISCIPLINARIDADE: caminhos para pensar o problema da formação de professores em nosso tempo

OS CONHECIMENTOS DE ACADÊMICOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA E SUA IMPLICAÇÃO PARA A PRÁTICA DOCENTE

ESTRATÉGIAS DE ENSINO NA EDUCAÇÃO INFANTIL E FORMAÇÃO DE PROFESSORES. Profa. Me. Michele Costa

Capitão Tormenta e Paco em Estações do Ano

ESTADO DE GOIÁS PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTA BÁRBARA DE GOIÁS SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO SANTA BÁRBARA DE GOIÁS. O Mascote da Turma

CURSO PREPARATÓRIO PARA PROFESSORES. Profa. M. Ana Paula Melim Profa. Milene Bartolomei Silva

MODELAGEM MATEMÁTICA

Tipos de Resumo. Resumo Indicativo ou Descritivo. Resumo Informativo ou Analítico

COMPETÊNCIAS E SABERES EM ENFERMAGEM

Débora Regina Tomazi FC UNESP- Bauru/SP Profa. Dra. Thaís Cristina Rodrigues Tezani.

ATIVIDADES PRÁTICAS SUPERVISIONADAS

A PROPOSTA DE ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA DOS PCN E SUA TRANSPOSIÇÃO ENTRE OS PROFESSORES DE INGLÊS DE ARAPIRACA

FACULDADE PITÁGORAS DE UBERLÂNDIA MG Metodologia Científica. Professora: Ketiuce Ferreira Silva


Faculdades Integradas do Vale do Ivaí

Aprendizagem da Matemática: um estudo sobre Representações Sociais no curso de Administração

Valores Educacionais. Aula 1 Educação Olímpica

PROJETO DE PESQUISA. Antonio Joaquim Severino 1. Um projeto de bem elaborado desempenha várias funções:

A LEITURA NA VOZ DO PROFESSOR: O MOVIMENTO DOS SENTIDOS

CONTRIBUIÇÕES PARA UMA ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA: ANALISANDO ABORDAGENS DA PRIMEIRA LEI DE NEWTON EM LIVROS DIDÁTICOS DE FÍSICA

VII Congresso Latino-Americano de Estudos do Trabalho. O Trabalho no Século XXI. Mudanças, Impactos e Perspectivas.

MEU MUNDO INTEGRADO: ELABORAÇÃO DE VÍDEO EDUCATIVO SOBRE O PERCURSO DO LÁPIS

EDUCAÇÃO INFANTIL PÓS-GRADUAÇÃO DESAFIO PROFISSIONAL Módulo C

Unidade 3: A Teoria da Ação Social de Max Weber. Professor Igor Assaf Mendes Sociologia Geral - Psicologia

CONSIDERAÇÕES SOBRE A EXPERIMENTAÇÃO DE QUÍMICA NO ENSINO MÉDIO

Dia_Logos. café teatral

O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: ANÁLISE DO PLANO DE AULA

> Folha Dirigida, 18/08/2011 Rio de Janeiro RJ Enem começa a mudar as escolas Thiago Lopes

Novas Tecnologias no Ensino de Física: discutindo o processo de elaboração de um blog para divulgação científica

REFLEXÕES PEDAGÓGICAS SOBRE A DANÇA NO ENSINO MÉDIO

FORMANDO PEDAGOGOS PARA ENSINAR CIÊNCIAS NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

A FUNÇÃO DO DOGMA NA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA (1963) THOMAS KUHN ( )

JOGOS ELETRÔNICOS CONTRIBUINDO NO ENSINO APRENDIZAGEM DE CONCEITOS MATEMÁTICOS NAS SÉRIES INICIAIS

2.5 AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Educação bilíngüe intercultural entre povos indígenas brasileiros

PROJETO DE PESQUISA: INDICAÇÕES PARA SUA ELABORAÇÃO

Como Elaborar Um Projeto de Pesquisa

CUIDAR, EDUCAR E BRINCAR: REFLETINDO SOBRE A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

ATIVIDADE DE NEGOCIÇÃO

TÍTULO: A EDUCAÇÃO SOB O OLHAR DE RUBEM ALVES CATEGORIA: EM ANDAMENTO ÁREA: CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS SUBÁREA: PEDAGOGIA

I SILE-Seminário Integrado de Letras Espanhol a Distância /UFSC

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA AD NOS PROGRAMAS DE PÓS- GRADUAÇÃO DA PUC/RS E DA UFRGS

MARKETING DE RELACIONAMENTO UMA FERRAMENTA PARA AS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR: ESTUDO SOBRE PORTAL INSTITUCIONAL

Gestão do Conhecimento A Chave para o Sucesso Empresarial. José Renato Sátiro Santiago Jr.

1.3. Planejamento: concepções

Transcrição:

O QUE É A FILOSOFIA? DA CRIAÇÃO CONCEITUAL AO APRENDER 1 Jurandir Goulart Soares 2 Salvador Leandro Barbosa 3 Resumo: O presente trabalho pretende apontar a partir da contribuição dos filósofos franceses Gilles Deleuze e Félix Guattari na obra O que é a filosofia? quais os pressupostos da atividade filosófica. Ou seja, de que modo o fazer filosófico constitui-se numa atividade de criação conceitual diferentemente da atividade desenvolvida pela Ciência e a Arte. Para tais autores a criação filosófica advém do encontro com signos que proporcionam o aprender a pensar conceitualmente. Sendo assim buscamos investigar de que modo o pensamento deixa de ser uma mera repetição e torna-se potência de um pensar singular, a saber, um pensar que a partir das forças e vetores próprios da atividade conceitual produz a novidade, a diferença. Palavras-chave: Atividade filosófica. Aprender. Criação conceitual. Os filósofos contemporâneos Gilles Deleuze e Félix Guattari propõem um modo de compreender a atividade filosófica que se afasta e difere significativamente do que, até então, a tradição interpretativa tem se assentado numa concepção que trata a História da Filosofia como sendo o centro de referência da aprendizagem, no qual todas as possibilidades de abordagem filosófica respondem a uma relação com a temporalidade dos conceitos de forma linear. Ou seja, há uma subordinação ao antes e depois dos conceitos produzidos, ao longo da história do pensamento filosófico, que engessa a atividade de pensar a uma imagem que apenas representa o pensamento, e não o modo como o próprio fazer filosófico se dá. As perspectivas de compreensão assumidas pela tradição filosófica acerca do que seria a atividade do filósofo têm possibilitado intensos encontros e desencontros do que poderia propriamente caracterizar a filosofia, à medida que não parece ser algo tão simples de ser caracterizado, principalmente porque as tentativas, as mais diversas possíveis, indicam que os esforços intentados pelos filósofos mediante a sua própria prática filosófica não têm se afastado da sua própria forma de pensar. 1 O artigo faz parte da apresentação parcial da pesquisa do Projeto de Pesquisa de Iniciação Cientifica registrado no Gabinete de Projetos do Curso de Filosofia da FAPAS, intitulado: Gilles e a problemática da criação conceitual na atividade do filósofo, sob a orientação da professora Simone Freitas da Silva Gallina. 2 Acadêmico do Curso de Filosofia da FAPAS. E-mail: juragoulart@yahoo.com.br. 3 Acadêmico do Curso de Filosofia da FAPAS. E-mail:salvadorleandro@hotmail.com.

2 Sendo assim, este conflito entre o modo como concebemos o fazer filosófico e efetivamente como ele se realiza precisa ser elucidado, para tanto pensamos que seria relevante identificar as forças que incitam a atividade filosófica. O que nos faz problematizar acerca das condições e o modo no qual a filosofia de Gilles Deleuze e Félix Guattari contribuíram para apontar o que significa ser filósofo. Sendo que para os autores, há na filosofia um certo construtivismo no modo pelo qual a experimenta-se O construtivismo exige que toda criação seja uma construção sobre um plano que lhe dá uma existência autônoma (Deleuze; Guattari, 1992, p.16), sendo que o pensamento enquanto atualização de problemas indica a necessária criação, produção de um plano conceitual. É importante reconhecermos que a partir da perspectiva de Deleuze e Guattari acerca da atividade filosófica há o traçado de um plano filosófico em torno do que seria a criação de conceitos, ou ainda, de que modo, o pensamento filosófico se efetiva. Pois, ao que parece, a filosofia contemporânea francesa, enquanto proposta de registro filosófico, encontra principalmente em Sartre, Foucault, Deleuze, Guattari, Derrida, expressão de outras maneiras para perspectivar as relações com a História da Filosofia, ou seja, encontra nos conceitos já pensados, as brechas nas quais ainda há o que pensar, tornar o pensamento criativo. O virtual e o atual na atividade conceitual Pensar acerca do virtual e do atual, enquanto elaboração e solução de novos problemas, faz parte das questões entorno do que seria propriamente a atividade da filosofia. Segundo Gilles Deleuze, os conceitos de virtual e atual indicam a condição de criação de acontecimentos filosóficos. E que, por outro lado, os processos de virtualização configuram novas dimensões de espacialidade e temporalidade. Sendo assim, tais processos suscitam velocidades que constituem qualidades de vivências que adentram o universo de significações e sentidos novos. O território da atividade filosófica enquanto invenção de conceitos propicia a eclosão de dimensões que não estão mais na ordem do dado, é desta forma que a História da Filosofia pode representar um índice a partir do qual aquele que (re)inventa conceitos, também constitui velocidades e fluxos aos conceitos datados. Atualizando as afecções afirmativas e positivas da vida, a partir da atividade do pensar há um desdobramento e deslocamento criativo que movimenta a própria vida, dando condições à manifestação dos afectos alegres. Na verdade, há apenas um termo, a Vida, que compreende o pensamento, se bem que, inversamente, ela só é compreendida pelo

3 pensamento. Não quer dizer isto que a vida esteja no pensamento. Mas só o pensador tem uma vida poderosa e sem culpabilidade nem ódio, somente a vida explica o pensador (Deleuze, 2002, p. 19-20). Ou seja, a vida é o vetor no qual o pensamento cria as linhas de fuga que potencializam novas maneiras de pensar e que justificam a própria Vida. É importante considerar que a História da Filosofia tem representado à atividade da filosofia uma forma de controle que inviabiliza a criação de conceitos. Pois há uma cultura difundida principalmente por uma perspectiva interpretativa, que assenta a prática filosófica na imitação de conceitos, deste modo a filosofia tem servido, muitas vezes, apenas para reprodução do pensamento. Pois segundo Deleuze no livro Conversações A história da filosofia sempre foi o agente de poder na filosofia, e mesmo no pensamento. Ela desempenhou o papel de repressor: como você quer pensar sem ter lido Platão, Descartes, Kant e Heidegger, e o livro de fulano ou sicrano sobre eles? Uma formidável escola de intimidação que fabrica especialistas do pensamento, mas que também faz com que aqueles que ficam fora se ajustem ainda mais a essa especialidade da qual zombam (Deleuze; Parnet, 1998, p.21). A compreensão parcial do que seja a filosofia tem interferido diretamente na atividade de criação e, conseqüentemente, no aprender um estilo de pensar filosoficamente. Não se pode esquecer que a História da Filosofia deve apontar para uma possibilidade de contato com conceitos já criados, mas que efetivamente não deve inviabilizar a criação de algo filosoficamente novo. Isto nos leva a pensar como as propostas de inserção de conteúdos da filosofia nos concursos de ingresso à universidade pública e gratuita (UEL, UNB, UFSM...) podem contribuir para a mudança nesta perspectiva histórica de prática filosófica, tanto nos espaços escolares quanto nos acadêmicos. Que as exigências de tais conteúdos sejam orientadas pela experimentação do pensar não somente os aspectos que se referem à História do pensamento, mas também à própria vida. O trato com a filosofia não pode se resumir a uma abordagem que se contenta com os dados históricos e biográficos referentes à vida dos ícones da filosofia, quando não, aos dados cotidianos dos hábitos, que em nada contribuem efetivamente para se pensar os conceitos produzidos. Foi a partir do pressuposto: produzir uma história filosófica, da filosofia que muitos filósofos tentaram escapar da imposição da história enquanto a bússola da atividade filosófica. Entre eles encontramos Michel Foucault que, valendo-se dos registros históricos para constituir sua teia conceitual, elaborou uma concepção de trabalho com a história que em nada prejudica o caráter filosófico inerente à atividade.

4 Mesmo que muitas vezes sejamos forçados a estabelecer um tipo de relação com a produção conceitual datada enquanto algo intocável, reconhecemos, por outro lado, que é preciso a compreensão de que a ausência de uma certa competência para aprender-produzir filosofia, não pode ser justificada somente pela falta de uma boa base da história da filosofia, pois, ao que parece, estaria muito mais ligada a uma forma de compreensão do que seja a filosofia. Ou seja, a atualização de um pensar à medida que para Tomas Tadeu O pensar é um choque do encontro com o outro do pensamento. O aprender é o momento da conjunção mas não assimilação, mas não imitação, mas não identificação com o outro do pensamento. [...] O pensamento encontra, pois, um outro, que é o seu fora, mas não um fora que ele então representaria, como na teoria clássica da representação e do signo (2002, p.50). Há uma dimensão de encontro com o outro, o encontro com o produto de um já pensado, mas que de algum modo serve para que se estabeleçam relações de aprendizagem. Sendo assim há uma indicação do fazer filosofia como uma atividade de atualização e virtualização, isto é, significaria romper com a concepção pré-estabelecida que vê a atividade do filósofo restrita a poucos, e que se pararmos para nos perguntarmos o que o torna um filósofo, provavelmente nos daríamos conta de que não o sabemos bem ao certo, por que o reconhecemos enquanto tal. Ora, esta tendência freqüente tem desempenhado um papel negativo em relação à História da Filosofia, a qual passa a ser vista como um domínio inacessível, produzindo uma insegurança perante o já pensado. Mas, como nos mostra Guillermo Obiols, podemos ter uma relação diferente com a história da filosofia: Em qualquer circunstância que nos encontremos, se há um processo de ensino de filosofia, este deve apontar para facilitar que se produza uma aprendizagem filosófica, e os clássicos estabeleceram firmemente que esta aprendizagem é uma aprendizagem inseparável de um conteúdo e uma forma, que se trata de aprender filosofia e de aprender a filosofar e que apenas se aprende a filosofar estudando filosoficamente a filosofia efetivamente existente (Obiols, 2002, p.104). Sendo que o já pensado deve apenas representar uma fonte, um problema que conduza a novas problematizações e, conseqüentemente, à soluções. Nada mais significativo que propor para a atividade em filosofia aquilo que se apresenta como uma exigência propriamente filosófica: produzir acontecimentos. Neste sentido, assumir o território da atividade filosófica enquanto criação de conceitos possibilita dimensões além do dado.

5 Enfim, não considerar a capacidade criativa e original necessária ao fazer filosófico pode indicar, de algum modo, a impossibilidade de constituirmos atividades que favoreçam a aprendizagem de formas de pensar autônomas. Poderíamos afirmar, com isto que a filosofia adquire sentido no ensino quando atentamos para as condições da criação filosófica inerentes à própria Vida do pensador. Referências bibliográficas ALLIEZ, Eric, (Org.). Gilles Deleuze: uma vida filosófica. São Paulo: Editora 34, 2000. DELEUZE, Gilles. Conversações. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992. DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Rio de Janeiro: Graal, 1988. DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? Tradução Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz. São Paulo: Editora 34, 1992. DELEUZE, Gilles. Espinosa. Filosofia prática. São Paulo: Escuta, 2002. DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos. São Paulo: Escuta, 1998. GALLO, Sílvio. Deleuze & a educação. Belo Horizonte: Autentica, 2003. HARDT, Michael. Gilles Deleuze: um aprendizado em filosofia. São Paulo: Editora 34, 1996. LINS, Daniel (Org.). Niestzsche e Deleuze. Pensamento nômade. Rio de Janeiro: Relume Dumará. 2001. LINS, Daniel; GADELHA, Sylvio (Orgs.). Nietzsche e Deleuze. Que pode o corpo. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. OBIOLS, Guillermo. Uma introdução ao ensino da filosofia. Ijuí: UNIJUI, 2002. (Filosofia e ensino, 3). ORLANDI, Luis B. L.; RAGO, Margareth; VEIGA-NETO, Alfredo (Orgs.). Imagens de Foucault e Deleuze. Ressonâncias nietzschianas. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. TOMAS TADEU. A arte do encontro e da composição: Spinoza + Currículo +Deleuze. In: Educação & Realidade. v.27, n.2, jul./dez., p. 47-57, 2002. ZOURABICHVILI, François. O vocabulário de Deleuze. Rio de Janeiro: Relume Dumará. 2004.