9 An á l i s e d a Co n c e i t ua ç ã o Le g a l d e Tr ata d o In t e r n a c i o n a l 1 Oc t á v i o Ca r l o s Peso Go i o 2 SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Definição de Tratados Internacionais. 3. Denominação de um Tratado. 4. Distinção entre Tratado e Declaração. 5. Direito Internacional dos Tratados. 6. Considerações Finais. 7. Referências Bibliográficas. Resumo: Tratado internacional é um acordo solene que obedece a regras, princípios, costumes e preceitos do Direito internacional. O objetivo desta pesquisa é analisar a compreensão e a extensão de um tratado, com base na conceituação definida pela Convenção de Viena sobre direitos dos tratados de 1969, e pela Convenção de Viena sobre direitos dos tratados entre Estados e organizações internacionais e entre organizações internacionais de 1986. Palavras-Chave: tratados internacionais direito internacional. Abstrat: International treaty is a solemn agreement that complies with rules, principles, customs and precepts of international law. The objective of this research is to analyze the extent and understanding of treaty, based on the concepts defined by the Vienna convention on the law of treaties (1969), and the Vienna convention on the law of treaties between States and international organizations and between international organizations (1986). Keywords: international treaty international law. 1 Trabalho idealizado durante o período 2007-2008, quando o autor, na qualidade de aluno do curso de mestrado em Direito, foi monitor na disciplina de Direito internacional público ministrada por seu orientador prof. Dr. Jorge Luís Mialhe, na Faculdade de Direito da UNIMEP. 2 Possui graduação em Direito, Pós-graduação lato sensu em Direito Civil e Processual Civil, e Mestrado em Direito Internacional pela UNIMEP (Bolsista CAPES). É Membro do Núcleo de Estudos de Direito e Relações Internacionais da UNIMEP: E-mail: sanguluka@hotmail.com. 09 UNI2 cap9.indd 159 3/1/2011 18:16:04
Cadernos Jurídicos Octávio Carlos Peso Goio 1. In t r o d u ç ã o Um tratado internacional não é um simples diálogo entre partes, é um acordo celebrado por escrito entre sujeitos específicos, cuja forma e conteúdo são regidos por normas, princípios, costumes ou preceitos do Direito Internacional. Embora os Tratados Internacionais não sejam fontes exclusivas do Direito Internacional, as matérias mais importantes no âmbito internacional são regulamentadas por eles. Portanto, é impossível compreender o Direito Internacional ignorando-se os fundamentos sobre a teoria dos direitos dos tratados. Neste sentido, a proposta principal desta pesquisa é perscrutar aspectos cruciais quanto à compreensão e à extensão de um tratado internacional, baseando-se especialmente na definição legal estabelecida pela Convenção de Viena sobre Direitos dos Tratados de 1969, e pela Convenção de Viena sobre Direitos dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais e entre Organizações Internacionais de 1986. 2. Definição Legal de Tratados Internacionais Há pelo menos duas definições legais de tratados internacionais: 160 A primeira, que foi dada pelo artigo 2º, (1), (a), da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969, dispõe: Tratado significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste em um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica. Mais completa do que esta definição legal, há outra expressa no artigo 2º, (1), (a), da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais de 1986, que consta nos seguintes termos: a) Tratado significa um acordo internacional regido pelo Direito Internacional e celebrado por escrito: i) entre um ou mais Estados e uma ou mais organizações internacionais; ou 09 UNI2 cap9.indd 160 3/1/2011 18:16:04
9 Análise da Conceituação Legal de Tratado Internacional ii) entre as organizações internacionais, quer este acordo conste de um único instrumento ou de dois ou mais instrumentos conexos e qualquer que seja sua denominação específica. Analisando-se as duas definições legais de tratados apresentadas acima, é possível dizer que a única diferença entre elas é em relação aos sujeitos de direito que podem concluir um tratado. Pela definição da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969, um tratado é um acordo internacional concluído entre Estados, enquanto que, pela definição mais recente estabelecida na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais de 1986, um tratado é um acordo concluído entre Estados, e, ainda, entre Estados e organizações internacionais ou ainda entre as próprias organizações internacionais. Percebe-se assim uma ampliação em relação aos sujeitos. Apesar de não constarem expressamente na definição das duas convenções sobre Direito dos Tratados, pela prática do Direito Internacional, há outros sujeitos que podem concluir um tratado. Além dos Estados soberanos e das organizações internacionais, têm capacidade para concluir tratados: beligerantes, Santa Sé 3 e outros entes internacionais. Atualmente os movimentos de libertação nacional têm concluído tratados (Mello, 2004: 216). Decerto, não são todos os movimentos de libertação nacional, não obstante, alguns têm sido sujeitos (partes) concluintes de tratados internacionais. É o caso, por exemplo, da OLP, Organização para a Libertação Palestina: embora 3 Santa Sé pode ser entendido nos termos do que está posto no artigo 361 do Código do Direito Canônico da igreja católica, que diz: Neste código, sob o nome Santa Sé ou Sé Apostólica se compreende o Romano Pontífice, e também, a não ser que por natureza ou por outro contexto ou por outra coisa, a Secretaria de Estado, o Conselho para os assuntos públicos da igreja, e outras Instituições da Cúria Romana ( En este Código, bajo el nombre de Sede Apostólica o Santa Sede se comprende no sólo al Romano Pontífice, sino también, a no ser que por su misma naturaleza o por el contexto conste otra cosa, la Secretaría de Estado, el Consejo para los asuntos públicos de la Iglesia, y otras Instituciones de la Curia Romana. ). CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO. Disponível (versão em espanhol) em: <http://www.vatican.va/ archive/esl0020/_index.htm>. Acesso em fev.2009. Tradução nossa. 161 09 UNI2 cap9.indd 161 3/1/2011 18:16:04
Cadernos Jurídicos Octávio Carlos Peso Goio não seja um Estado, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1974, reconheceu a OLP como representante do povo palestino, outorgando-lhe a condição de observadora; e, ao longo dos anos, lhe têm sido conferidos outros direitos (ONU, 2005: 09-10). No portal oficial da ONU sobre tratados, a Palestina consta como membro de alguns deles, reitera-se, mesmo não sendo um Estado e nem mesmo uma organização internacional (ONU, 2009). Pode-se acrescentar que os Estados dependentes ou os membros de uma federação também podem concluir tratados em certos casos especiais ; nesses casos, normalmente, tem-se como base a Constituição, como ocorre, por exemplo, na Suíça. (Mello, 2004: 214-215). A propósito, uma Constituição não pode ser confundida com um tratado (Cf.: He r e d i a, 2002: 124). Um tratado é matéria, sobretudo, de Direito Internacional; enquanto uma Constituição é matéria, sobretudo, de Direito Interno. Estes dois assuntos, Direito Internacional e Direito Interno serão melhor analisados no item 5. Quanto a uma pessoa natural ou uma empresa, decerto, não podem concluir tratados na qualidade de partes contratantes; mas, as pessoas naturais, por acepção dos artigos 7º das duas convenções sobre Direito dos Tratados, são os representantes (plenipotenciários (Mello, 2004: 216)) que recebem plenos poderes para a adoção ou autenticação ou para expressar o consentimento em obrigar-se por um tratado ; em outras palavras, são as pessoas naturais que negociam e concluem um tratado como representantes plenipotenciários, mas não podem ser tidas como sujeitos de direito com capacidade para concluir tratados. Dos sujeitos que podem celebrar um tratado, como parte contratante, os Estados, no sentido de Estados soberanos, continuam a ser os grandes pontos de referência, os principais e mais atuantes sujeitos do Direito Internacional. O direito internacional gira em torno de relações interestatais quase que exclusivamente (Mello, 2004: 60 e 355). 3. Denominação de um Tratado Depreende-se dos artigos 2º, (1), (a) das duas convenções sobre Direito dos Tratados, que um tratado é um acordo concluído por escrito, qualquer que seja sua denominação específica. 162 09 UNI2 cap9.indd 162 3/1/2011 18:16:04
9 Análise da Conceituação Legal de Tratado Internacional Na prática, entre outras denominações, têm sido utilizadas as seguintes: Tratado, Carta, Convenção, Acordo, Pacto, Protocolo, Concordata, etc. Esses e outros termos utilizáveis para designar um tratado, na prática internacional, podem ter sentidos específicos (Cf.: Mello, 2004: 212-214); assim sendo, a referida expressão qualquer que seja sua denominação específica deve ser considerada sob uma óptica relativa, pois a designação específica de um tratado não tem sido exatamente aleatória. Considerando-se observações de Ce l s o Du v i v i e r Mello (2004: 212-213), serão feitas a seguir breves reflexões sobre as mencionadas denominações específicas de tratado. A designação Tratado, normalmente, é utilizada para acordos solenes, por exemplo: Tratado sobre a Não Proliferação das Armas Nucleares (1968); Tratado de Maastricht (1992), que instituiu a organização internacional União Europeia; Tratado de Assunção (1991), que institui a organização internacional Mercado Comum do Sul, MERCOSUL; Tratado de Windhoek, que instituiu a organização internacional Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral, cuja sigla em inglês é SADC (Cf.: Sei t e nf u s, 2002: 310-315, União Europeia:2006, MERCOSUL: 1991, SADC: 2001). O termo Carta tem sido utilizado para designar um tratado em que se estabelecem direitos e deveres, ou para denominar instrumentos constitutivos de organizações internacionais, como a Carta da Organização das Nações Unidas de 1945 (Cf.: In: Se itenfus, 2002: 119-139). Convenção é o tratado em que se criam normas gerais, por exemplo: Convenção Contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes de 1984 (Cf.: In: Seitenfus, 2002: 330-340). Acordo, em geral, é o tratado utilizado para fim sobretudo econômico, financeiro, comercial ou cultural, por exemplo: Acordo Constitutivo da Organização Mundial do Comércio, OMC de 1994 (Cf.: In: Seite n f u s, 2002: 288-300). Pacto é também utilizado para designar um tratado solene, como o Pacto da Sociedade da Liga das Nações ou Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos de 1966 (Cf.: In: Seitenfus, 2002: 252-268). 163 09 UNI2 cap9.indd 163 3/1/2011 18:16:04
Cadernos Jurídicos Octávio Carlos Peso Goio A designação Protocolo pode ter dois sentidos: 1) Ata de uma conferência ou 2) Protocolo-acordo utilizado como complemento de um tratado já existente, por exemplo: Protocolo de Ouro Preto sobre a Estrutura Institucional Definitiva do MERCOSUL de 1994 (Cf.: In: Seiten f u s, 2002: 109-118). Concordatas são os tratados assinados pela Santa Sé, os quais, normalmente, são sobre assuntos religiosos. 4. Distinção e n t r e Tr a ta d o e De c l a ra ç ã o A distinção entre uma declaração e um tratado é um tema importante no âmbito do Direito Internacional ou das Relações Internacionais. Diferente de uma declaração, que é um documento cujos signatários (os legítimos representantes dos governos) expressam sua concordância com as metas, objetivos e princípios nele estabelecidos (Br asil. 2001: 333), por exemplo, a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 (Cf.: In: Mello, 1997: 1019-1024), os tratados são acordos em que os signatários têm o poder de obrigar legalmente os Estados (ou partes) que os ratificam ou confirmam (Br asil. 2001: 333). Este fator obrigacional realça a preponderância ou o peso de um tratado. Tanto é assim que os Tratados são considerados atualmente as fontes (Re a l e, 2003:139-140) mais importantes do Direito Internacional, não só devido à sua multiplicidade, mas também porque as matérias mais importantes são regulamentadas por eles (Mello, 1996: 46). 5. Direito Internacional dos Tratados Os tratados internacionais podem ser vistos como as principais fontes do Direito Internacional (Cf.: Ibid.), assim como as Constituições estatais podem ser tidas como as principais fontes do Direito Interno. Tal assertiva não implica dizer que inexistem elementos do Direito Internacional relacionados com o Direito Interno ou viceversa; entre ambos há, pois, elementos inter-relacionados de forma indivisível. Nesse sentido, Fr a n c i s c o Rezek (2008: 57), ex-juiz da Corte Internacional de Justiça, salientou que, além dos pressupostos do Di- 164 09 UNI2 cap9.indd 164 3/1/2011 18:16:05
9 Análise da Conceituação Legal de Tratado Internacional reito Internacional, os tratados devem obedecer a pressupostos constitucionais da ordem jurídica interna de cada Estado contratante. Considerando tal ambivalência e também conexão entre aspectos de Direito Interno e de Direito Internacional, Sh a b tay Ro s e n n e (1984: 27) reaçou ser crucial distinguir Direito Internacional dos tratados e Direito Interno dos tratados. Pois, segundo Ro s e n n e, o Direito Internacional dos tratados entra em funcionamento após um Estado ter decidido tornar-se vinculado por meio de um tratado, isto é, após a respectiva ratificação ser estabelecida e expressa no plano internacional. Por outro lado, o Direito Interno dos tratados trata essencialmente de dois aspectos: 1) o processo interno pelo qual o consentimento de um Estado é vinculado por um tratado internacional (vínculo que normalmente parte da Constituição interna ou do Direito constitucional interno do respectivo Estado); 2) o método de interpretação de um tratado internacional em vigor em determinado Estado é feito pelo tribunal interno das questões relativas à estrutura geral do sistema jurídico interno de determinado Estado. Ora, embora o foco deste estudo não seja em torno do Direito Interno dos tratados e sim do Direito Internacional dos Tratados, a desconexão absoluta não é possível. Quanto às condições relativas à autenticação do texto de um tratado, os artigos 10 das duas convenções sobre Direito dos Tratados estabelecem que se considera um tratado autêntico e definitivo de acordo com o que foi acordado ou ainda pela assinatura dos representantes. Retomando o assunto quanto à manifestação de consentimento e obrigação por um tratado, no caso dos Estados, dá-se pela assinatura, troca dos instrumentos constitutivos do tratado, ratificação, aceitação, aprovação ou adesão, ou por quaisquer outros meios, se assim acordado ; e no caso das organizações internacionais, a única diferença é que nestas não ocorre a ratificação e sim o ato de confirmação formal. (Cf.: artigo 11 das duas convenções sobre Direito dos Tratados). Quanto à vigência, um tratado entra em vigor na forma e na data previstas no tratado ou acordadas pelos negociadores (artigo 24 das duas convenções sobre Direito dos Tratados). E todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa fé (artigo 26 das duas convenções sobre Direito dos Tratados). Os 165 09 UNI2 cap9.indd 165 3/1/2011 18:16:05
Cadernos Jurídicos Octávio Carlos Peso Goio dispositivos em voga, conforme se depreende dos próprios títulos dos artigos, referem-se ao princípio do pacta sunt servanda, em que o pacto deve ser cumprido de boa-fé. Um tratado não é uma simples associação, nem uma simples relação e nem um simples diálogo entre países ou outros sujeitos: é um acordo ou um pacto entre associados, cujo conteúdo deve obedecer a regras, princípios ou formalidades especialmente do Direito Internacional. Para fins de interpretação de um tratado, o contexto compreenderá, além do texto, seu preâmbulo e anexos (artigos 31, (2) das duas convenções sobre Direito dos Tratados). Em conexão com tais artigos constam a última parte dos artigos 2º, (1) das duas convenções que dispõe que um tratado pode envolver um único instrumento ou documento ou dois ou mais instrumentos. Um exemplo oportuno de documento com mais de um instrumento é a Carta da Organização das Nações Unidas de 1945, que tem anexado o Estatuto da Corte Internacional de Justiça (ONU: 2010). A Corte Internacional de Justiça, de acordo com seu respectivo artigo 1º, é o principal órgão judicial da ONU, e ainda um órgão colegial (Ro s e n n e: 1984: 7). Ora, ainda quanto à interpretação de um tratado, Sh a b tay Ro s e n n e (2002:7) em sua outra obra salientou que, caso não haja nenhuma regra de Direito dos Tratados aplicável ou relevante, deve-se considerar as regras gerais do Direito Internacional, em conformidade com o artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Dada a relevância do artigo, mister é trancrevê-lo: Artigo 38: 1. A Corte, cuja função é decidir de acordo com o Direito Internacional as controvérsias que lhe forem submetidos, deverá aplicar: a) convenções internacionais, quer sejam gerais ou particulares, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados em litígio; b) costumes internacionais como prova de uma practica geral aceita pelo Direito; c) princípios gerais de Direito reconhecidos pelas nações civilizadas; d) as decisões judiciais e os ensinamentos dos mais altos qualificados doutrinadores das varias nações, como meios subsidiários para determinaçao de uma regra de direito, sem prejuízo do artigo 59; 166 09 UNI2 cap9.indd 166 3/1/2011 18:16:05
9 Análise da Conceituação Legal de Tratado Internacional 2. O presente dispositivo não deverá prejudicar o poder da Corte decidir um litígio ex aequo et bono, se as partes assim concordarem. 1. The Court, whose function is to decide in accordance with international law such disputes as are submitted to it, shall apply: a) international conventions, whether general or particular, establishing rules expressely recognized by the contesting States; b) international custom, as evidence of a general practice accepted as law; c) general principles of law recognized by civilized nations; d) subject to the provisions of Article 59, judicial decisions and the teachings of the most highly qualified publicists of the varios nations, as subsidiary means for the determination of the rules of law. 2. This provision shall not prejudice the power of the Court to decide a case ex aequo et bono, if the parties agree thereto. Embora o termo Convenções Internacionais (tratados internacionais) esteja no top do referido artigo referente às fontes de Direito Internacional, a lista na realidade não é hierárquica. Sh a b tay Ro s e n n e afirmou que o termo Convenções Internacionais aparece primeiro em função do princípio lex specialis derogat generali, isto é, o particular tem prioridade sobre o geral. Todavia, baseando-se ainda nas ponderações de Ro s e n n e, o caso concreto, o propósito ou as circunstâncias de uma questão em litígio são cruciais para a escolha ou aplicação da fonte de Direito mais adequada. Quanto à contestação de um tratado, de acordo com o artigo 42 da convenção de Viena sobre Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais, de 1986, a validade ou o consentimento de um estado ou uma organização internacional em obrigar-se por um tratado só pode ser contestado em virtude da aplicação da presente convenção. No mesmo sentido, está posto no artigo 42 da convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969. Portanto, os requisitos formais gerais de um tratado estão estabelecidos nas referidas convenções. 167 09 UNI2 cap9.indd 167 3/1/2011 18:16:05
Cadernos Jurídicos Octávio Carlos Peso Goio Sem nenhuma intenção de elaborar uma lista conclusiva, podese dizer que há ao menos cinco convenções fundamentais ao Direito dos Tratados, nomeadamente: a Convenção de Viena sobre Direitos dos Tratados de 1969, a Convenção de Viena sobre os Direitos dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais de 1986 (Cf.: So b r i n h o He r e d i a, 2002: 133), a Carta dos Direitos e Deveres Econômicos dos Estados de 1974 (Cf.: Po c a r, 2002: 319-330), O Estatuto da Corte Internacional de Justiça e a Carta da Organização das Nações Unidas de 1945 (ONU: 2010). A Carta (ou Tratado) das Nações Unidas que entrou em vigor em 24 de outubro de 1945, com o depósito dos instrumentos de ratificação dos membros permanentes do Conselho de Segurança (da própria ONU) e da maioria dos outros signatários e o seu respectivo anexo, Estatuto da Corte Internacional de Justiça, podem ser considerados como sendo os mais importantes documentos (tratados) no Direito Internacional, tanto por ser referência aos demais tratados, quanto por sua abrangência em relação ao número de Estadosmembros: quase todos os países (mais de 190) (Cf.: ONU: 2008). Além disso a ONU tem vocação universal (Cf.: DINH, 2003: 72-73), entretanto, essa ideia universalista é quase uma ilusão, pois na prática, os interesses das grandes potências têm prevalecido, não obstante a ONU ter sido muito importante na sociedade internacional. Costuma-se dizer ruim com a ONU, pior sem ela. A Carta da ONU é também importante por ter trazido um novo tipo de organização na história das relações internacionais, que influenciou o rumo do mundo, e ainda por ter sido um documento que trouxe como finalidade o incentivo a forma de cooperação internacional para resolver problemas internacionais de cunho econômico, social, cultural ou humanitário (Po c a r, 1984: 9-10), finalidades essas que estão postas no artigo 1º da referida Carta. Por outro lado, de acordo com o artigo 102, todos os tratados ou acordos internacionais concluídos por qualquer dos respectivos Estados-Membros, para que tenham validade perante os seus respectivos órgãos, precisam ser registrados e publicados pela ONU. 168 Artigo 102 da Carta da ONU: 1. Todo tratado e todo acordo internacional, concluídos por qualquer Membro das Nações Unidas depois da entrada em 09 UNI2 cap9.indd 168 3/1/2011 18:16:05
9 Análise da Conceituação Legal de Tratado Internacional vigor da presente Carta, deverão, dentro do mais breve prazo possível, ser registrados e publicados pelo Secretariado. 2. Nenhuma parte em qualquer tratado ou acordo internacional que não tenha sido registrado de conformidade com as disposições do parágrafo 1º deste Artigo poderá invocar tal tratado ou acordo perante qualquer órgão das Nações Unidas. Há outros aspectos sobre tratados internacionais que podem ser estudados; porém, o objetivo aqui é apenas identificar aspectos propedêuticos úteis ao que se pretende. 6. Considerações Finais A diferença entre a conceituação definida pela Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969 e pela Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais e entre Organizações Internacionais de 1986, é em relação aos sujeitos de direito capazes para concluir um Tratado. Conforme está expressamente definida nos respectivos artigos 2º, na primeira Convenção, a conceituação refere-se apenas aos direitos dos tratados entre Estados. Todavia, na segunda, refere-se aos direitos dos tratados entre Estados, e ainda entre Estados e organizações internacionais e também entre organizações internacionais. Ora, na segunda Convenção, diferente da primeira, pela nomenclatura já é possível identificar os respectivos sujeitos. Embora os Estados e as Organizações Internacionais sejam os principais sujeitos do Direito Internacional, a prática do Direito Internacional tem demonstrado que além deles há outros sujeitos com poder de concluir tratados, quais sejam, beligerantes, Santa Sé e outros entes internacionais. Conforme definido nas conceituações das convenções sobre direitos dos tratados, um tratado pode ter qualquer nomenclatura. Não obstante, a prática tem demonstrado que as denominações podem ter um sentido específico como se tem observado nas denominações mais comuns, quais sejam: tratado, convenção, acordo, protocolo, pacto, etc. Diferente de uma declaração, que é um documento, em que se criam princípios ou se afirmam políticas comuns, um tratado, con- 169 09 UNI2 cap9.indd 169 3/1/2011 18:16:05
Cadernos Jurídicos Octávio Carlos Peso Goio forme o princípio do pacta sunt servanda, é um acordo, um pacto que deve ser cumprido de boa-fé. Quanto ao cumprimento das obrigações ou dos princípios de um tratado, vale salientar que não se restringem ao corpo de um tratado: de acordo com a conceituação das duas convenções sobre direito dos tratados, o pacto deve ser concluído por escrito e, pode abranger um ou mais instrumentos conexos, que deverão obedecer aos ditames legais, os princípios, os costumes ou preceitos do Direito Internacional. 7. Re f e r ê n c i a s Bibliográfica s ACORDO CONSTITUTIVO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO, OMC de 1994. In: SEITENFUS, Ricardo. Textos Fundamentais do Direito das Relações Internacionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, pp. 288-300. CARTA DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS de 1945. In: SEITENFUS, Ricardo. Textos Fundamentais do Direito das Relações Internacionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, pp. 119-139. CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO. Disponível (versão em espanhol) em: <http://www.vatican.va/archive/esl0020/_index.htm>. Acesso mar.2009. CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE DIREITO DOS TRATADOS de 1969. In: MELLO, Celso Albuquerque. Direito Internacional Público Tratados e Convenções. 5ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1997, pp. 1300-1331. CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE DIREITO DOS TRATADOS ENTRE ESTADOS E ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS OU ENTRE ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS de 1986. In: MELLO, Celso Albuquerque. Direito Internacional Público Tratados e Convenções. 5ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1997, pp. 1331-1370. CONVENÇÃO CONTRA A TORTURA E OUTRAS PENAS OU TRATAMENTOS CRUÉIS, DESUMANOS OU DEGRADANTES de 1984. In: SEITENFUS, Ricardo. Textos Fundamentais do Direito das Relações Internacionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, pp. 330-340. HEREDIA, José Manuel Sobrino. Las nociones de integración y de supranacionalidad en el derecho de las organizaciones internacionales. Revista de Ciências Sociais e Humanas, Impulso. Integração Regional. Novos blocos econômicos continentais. Vol. 13, nº 31, pp. 119-137, 2002. 170 09 UNI2 cap9.indd 170 3/1/2011 18:16:05
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