Perfil de Sensibilização num hospital do litoral norte de Portugal

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Transcrição:

Perfil de Sensibilização num hospital do litoral norte de Portugal Mariana Branco I, Vera Gonçalves I, Francisco Mourão I, Andreia Ramos Ferreira II, Sandrina Martins I, Ana Rita Araújo I SENSITIZATION PROFILE IN A HOSPITAL ON THE NORTH COAST OF PORTUGAL ABSTRACT Introduction: Skin prick tests are important in the evaluation of allergic sensitization. Besides allowing identifying the allergens involved, they are important for the implementation of environmental eviction measures and therapeutic strategies. Objectives: To identify the sensitization profile to aeroallergens in children with asthma and/or allergic rhinitis followed in an hospital in the north coast of Portugal. Material and Methods: A retrospective study was conducted with a review of the clinical processes of patients with asthma and/or allergic rhinitis, who performed skin prick tests from august 2012 to april 2016. The variables analyzed were: age, gender, allergic disease (asthma and/or allergic rhinitis), comorbidities and the results of the skin tests performed. The data obtained were organized using the program SPSS 20.0, for Windows. A descriptive analysis of the different variables was performed. Results: Three hundred and twelve patients were included, aged five to 18 years, 63,5% males and 36,5% females. The diagnosis established were: allergic rhinitis in 47%, asthma in 19% and the combination of asthma and allergic rhinitis in 34% of the cases. Dermatophagoides pteronyssinus (87,5%), Lepidoglyphus destructor (70,5%) and Dermatophagoides farinae (69,9%) were the most frequent allergens, followed by wild gramineae (47,4%) and cultivated gramineae (41,3%). Conclusions: In this study the main allergens determined by the skin tests were the mites, with high incidence of Lepidoglyphus destructor. Since immunotherapy with allergens is the only therapy directed to the cause of the allergic disease and with the potential to modify the evolution, an adequate selection of its components is essential to optimize the results. As the sensitization profile of each region depends on several variables this information allows a better diagnostic and therapeutic approach. Keywords: Allergy; allergic rhinitis; allergic sensitization; asthma I Department of Pediatrics, Unidade Local de Saúde do Alto Minho. 4904-858 Viana do Castelo, Portugal. mariana.a.branco@hotmail.com; vgveragoncalves@gmail.com; marsandrina@gmail.com; arita_araujo@hotmail.com II General and Family Medicine, Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados de Vila Nova de Cerveira, Unidade Local de Saúde do Alto Minho. 4920-275 Vila Nova de Cerveira, Portugal. franciscoribeiromourao@gmail.com; ramosandreia@hotmail.com RESUMO Introdução: Os testes cutâneos de hipersensibilidade imediata são fundamentais na avaliação da sensibilização alérgica. Além de permitirem a identificação dos alergénios implicados, são fulcrais para a implementação de medidas de evicção ambientais e estratégias terapêuticas. Objetivos: Identificar o perfil de sensibilização a aeroalergénios em crianças com asma e/ou rinite alérgica referenciados à consulta de um hospital do litoral norte de Portugal. Material e Métodos: Efetuou-se um estudo retrospetivo com revisão dos processos clínicos dos doentes com diagnóstico de asma e/ou rinite alérgica, que realizaram testes cutâneos de hipersensibilidade imediata no período compreendido entre agosto de 2012 e abril de 2016. As variáveis analisadas foram: idade, género, doença alérgica (asma e/ou rinite alérgica), patologias associadas (eczema atópico, alergia alimentar e urticária) e os resultados dos testes cutâneos realizados. Os dados obtidos foram organizados e codificados utilizando o programa SPSS 20.0, para Windows. De seguida, efetuou-se uma análise descritiva das diferentes variáveis em estudo. Resultados: Dos 312 doentes avaliados, com idades compreendidas entre os cinco e os 18 anos de idade, 63,5% eram do sexo masculino e 36,5% do sexo feminino. As patologias identificadas foram: rinite alérgica em 47%, asma em 19% e a combinação de asma e rinite alérgica em 34% dos casos. Os alergénios mais frequentes foram os ácaros, nomeadamente, Dermatophagoides pteronyssinus (87,5%), Lepidoglyphus destructor (70,5%) e Dermatophagoides farinae (69,9%), seguidos das gramíneas selvagens (47,4%) e gramíneas cultivadas (41,3%). Conclusões: No estudo efetuado os principais alergénios encontrados foram os ácaros, com grande incidência do Lepidoglyphus destructor. Sendo a imunoterapia com alergénios a única terapêutica dirigida à causa da doença alérgica e com potencial de modificar a evolução, é imprescindível uma adequada seleção dos seus componentes para otimizar os resultados. O perfil de sensibilização de cada região depende de várias variáveis e o seu estudo permite uma melhor abordagem diagnóstica e terapêutica. Palavras-chave: Alergia; asma; rinite alérgica; sensibilização Nascer e Crescer Birth and Growth Medical Journal 2018; 27(1): 27-32 original articles 27

INTRODUÇÃO A patologia alérgica é uma das principais causas de doença crónica na infância, acarreta elevada morbilidade e tem grande impacto na qualidade de vida dos doentes e suas famílias. 1-3 O conhecimento e a identificação dos principais fatores etiopatogénicos relacionados com o desenvolvimento de doença alérgica permitem uma abordagem diagnóstica e terapêutica mais dirigida e adequada. 4,5 A pesquisa de sensibilização alérgica, quer pelos testes cutâneos, quer pelo doseamento de IgE específica, quando positiva, indica sensibilização aos alergénios testados, não implicando necessariamente que haja sintomas associados. Um resultado negativo a determinado antigénio, por seu lado, é um ótimo preditor da ausência de reação ao alergénio. Sendo assim, os resultados encontrados devem ser sempre correlacionados com os sintomas e a clínica de cada doente. 6-8 Os testes cutâneos são o método diagnóstico de escolha para a pesquisa de sensibilização alérgica, por serem de fácil execução, apresentarem elevada sensibilidade e especificidade, baixo custo e elevada segurança. 7-9 Devem sempre ser realizados com extratos padronizados, obedecendo a regulamentações estabelecidas, e a escolha destes deve ser baseada na história clínica e ter em conta fatores geográficos e ambientais. 8,10,11 Existem diferenças geográficas significativas na distribuição dos diferentes alergénios e na prevalência de sensibilização. Assim, o conhecimento do perfil de sensibilização de cada região permite uma seleção mais apropriada dos alergénios a serem incluídos no estudo dos doentes com patologias alergológicas, bem como a implementação de medidas de evicção ambientais e de estratégias terapêuticas. 3,5,6,10 O presente estudo teve como objetivo identificar o perfil de sensibilização a aeroalergénios em crianças com asma e/ou rinite alérgica referenciados à consulta de um hospital do litoral norte de Portugal. MATERIAL E MÉTODOS Efetuou-se um estudo retrospetivo com revisão dos processos clínicos de todas as crianças e adolescentes com idades entre os cinco e 18 anos, com o diagnóstico de asma e/ou rinite alérgica seguidos na consulta de Pediatria e que realizaram testes cutâneos no período compreendido entre agosto de 2012 e abril de 2016. As variáveis analisadas foram: idade, género, doença alérgica (asma e/ou rinite alérgica), patologias associadas (eczema atópico, alergia alimentar e urticária) e os resultados dos testes cutâneos realizados. Os testes cutâneos foram realizados segundo as normas da Academia Europeia de Alergologia e Imunologia Clínica (EAACI). 12 Foram colocadas, em todos os doentes incluídos no estudo, na face anterior do antebraço, gotas de uma bateria de extratos comerciais (Laboratórios Bial Aristegui, Bilbao, Espanha) constituída por: solução salina fisiológica (controlo negativo), hidrocloreto de histamina a 10 mg/ml (controlo positivo), Dermatophagoides pteronyssinus, Dermatophagoides farinae, Lepidoglyphus destructor, mistura de pólenes de gramíneas selvagens (Dactylis, Lolium, Phleum) e cultivadas (Secale, Hordeum, Triticum), epitélio de cão, epitélio de gato, mistura de pólenes de árvores (Fraxinus, Populus, Salix, Robinia, Sambucus, Tilia), Artemisia vulgaris, Parietaria judaica e Alternaria alternata. Foram usadas lancetas com limitador de penetração a 1 mm (Stallerpoint, Stalergenes SA). Após 15 minutos foi realizada a leitura do teste (média entre o maior diâmetro da pápula e da sua perpendicular), considerando-se positivo um diâmetro médio de pápula 3mm em relação ao controlo negativo. Três doentes apresentaram resultado negativo com a histamina ou positivo com o controlo negativo e um doente apresentou testes cutâneos negativos para todos os alergénios avaliados. Estes quatro doentes foram excluídos. Os dados obtidos foram organizados e codificados utilizando o programa SPSS 20.0, para Windows. De seguida, efetuou- -se uma análise descritiva das diferentes variáveis em estudo. RESULTADOS Os 312 doentes com testes validados tinham idades compreendidas entre os cinco e os 18 anos de idade (idade média de 10,17 anos e mediana de 10 anos), sendo 63,5% do sexo masculino e 36,5% do sexo feminino (quadro 1). Os diagnósticos registados foram: rinite alérgica em 47%, asma em 19% e a combinação de asma e rinite alérgica em 34% dos casos (quadro 1). A ocorrência de outras comorbilidades alérgicas, nomeadamente, eczema atópico (12,8%), alergia alimentar (3,5%) e urticária (0,6%) verificou-se em 16,9% dos casos. Quadro 1 - Características dos doentes do estudo (n=312) Sexo Masculino Feminino Idade 5-9 anos 10-13 anos 14-17 anos Patologia Alergológica Asma Rinite alérgica Asma e Rinite alérgica Nº Total % 198 114 133 128 51 60 147 105 63,5 36,5 42,6 41 16,4 19 47 34 A rinite alérgica foi a patologia alergológica mais prevalente em todos os grupos etários. Verificou-se um aumento da prevalência de asma e rinite alérgica no grupo dos 10 aos 13 anos em comparação com o grupo dos cinco aos nove anos e a prevalência de asma foi crescente com o grupo etário (figura 1). Verificou-se, independentemente da sensibilização a outros alergénios, uma prevalência de sensibilização a ácaros em 28 original articles

Figura 1 - Prevalência de patologia alergológica por grupo etário 93,3% dos casos. O ácaro com maior prevalência de sensibilização foi Dermatophagoides pteronyssinus (87,5%), seguido de Lepidoglyphus destructor (70,5%) e Dermatophagoides farinae (69,9%) (figura 2). Foi detetada sensibilização a mais de uma espécie de ácaros em 79,5% dos casos, sendo as associações mais frequentes a de Dermatophagoides pteronyssinus, Dermatophagoides farinae e Lepidoglyphus destructor (55,1%), Dermatophagoides pteronyssinus e Dermatophagoides farinae (11,9%) e Dermatophagoides pteronyssinus e Lepidoglyphus destructor (11,2%). Na figura 2 pode verificar-se a predominância dos ácaros, seguidos pelas misturas de pólenes de gramíneas selvagens (47,4%) e gramíneas cultivadas (41,3%) e na figura 3 constata- -se que estes foram os alergénios mais prevalentes em todos os grupos etários. Para os restantes alergénios estudados a frequência de sensibilizações foi de 24,7% para mistura de pólenes de árvores, 21,8% para o epitélio de cão, 19,6% para o epitélio de gato, 5,8% para Alternaria alternata, 4,5% para Artemisia vulgaris e 3,2 % para Parietaria judaica. A maioria dos doentes apresentava sensibilização a mais do que um alergénio (94,2%) com um número médio de sensibilizações de 3,96. As associações mais frequentes foram: sensibilização aos três ácaros em 16,4 % dos casos, aos três ácaros e gramíneas selvagens e cultivadas em 4,5% e a Dermatophagoides pteronyssinus e Lepidoglyphus destructor em 4,2%. As restantes associações encontradas ocorreram em menos de 4% dos casos. Verificou-se a ocorrência de monossensibilização em 5,8% dos casos: Dermatophagoides pteronyssinus em 38,8%, Lepidoglyphus destructor em 27,8%, mistura de pólenes de árvores em 16,7%, Dermatophagoides farinae em 11,1% e epitélio de cão em 5,6%. Figura 2 - Perfil de sensibilização da população estudada original articles 29

Figura 3 - Prevalência de sensibilizações por grupo etário Verificou-se que o perfil de sensibilização variou com a clínica. Em todos os grupos houve predomínio de sensibilização a ácaros e verificou-se uma maior prevalência de sensibilização a gramíneas nos doentes com rinite alérgica isolada em comparação com os doentes com asma ou asma e rinite alérgica associadas. A prevalência de sensibilização a pólenes de árvores, epitélio de cão e epitélio de gato foi maior nos doentes com asma. A figura 4 mostra o perfil de sensibilizações por patologia alérgica. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES A asma é uma das doenças crónicas mais comuns na idade pediátrica, sendo a prevalência variável em função da região geográfica. Embora episódios isolados de sibilância possam ocorrer em cerca de 30% das crianças, a asma ocorre em cerca de 10%. A rinite alérgica ocorre em cerca de 20% da população pediátrica e, embora na maioria dos casos a sintomatologia seja sazonal, em cerca de 25% dos casos a doença é perene. 13 Neste estudo, a rinite alérgica foi a patologia alergológica mais prevalente em todos os grupos etários e verificou-se que a prevalência de asma foi superior no grupo etário dos 14 aos 17 anos. Este facto é coincidente com outros estudos e corrobora o conceito da marcha alérgica. 13 Apesar de não ser consensual, está descrita na literatura a relação entre asma e rinite alérgica. A maioria dos doentes com asma também têm rinite alérgica e cerca de 10 a 40% dos doentes com rinite alérgica têm asma. 14,15 A rinite alérgica em doentes sem asma é um fator de risco para o seu desenvolvimento, na idade pediátrica e/ou adulta. 14,15 No estudo apresentado verificou-se também uma elevada prevalência da associação de asma e rinite alérgica (34%) e um aumento da prevalência de asma e rinite alérgica no grupo dos 10 aos 13 anos em comparação com o grupo dos cinco aos nove anos. No nosso estudo a distribuição por género é coincidente com outros estudos internacionais, em que há um predomínio de patologia alérgica no sexo masculino em idade pediátrica. 3,4,13 Os estudos realçam a importância da pesquisa de alergénios nos doentes com asma e/ou rinite alérgica, na medida em que a identificação dos alergénios implicados permite a implementação de medidas de evicção ambientais e estratégias terapêuticas dirigidas. 6,8,11 Constatou-se uma elevada sensibilização a ácaros, o que está de acordo com estudos que mostram que a causa mais frequente de doença alérgica respiratória em Portugal e noutros países da Europa é a alergia a ácaros. 16 Os ácaros do pó doméstico estão presentes em todo o mundo, mas existem diferenças quantitativas em diferentes locais e em diferentes estações. 16 O ácaro mais prevalente do estudo foi o Dermatophagoides pteronyssinus, o que está de acordo com outros estudos publicados, estando essa prevalência relacionada com o facto de esta espécie ser a mais frequente nas habitações da zona litoral norte do país, tal como se constata no mapa acarológico 30 original articles

Figura 4 - Prevalência de sensibilizações por patologia alergológica de Portugal. Além dos ácaros do pó doméstico, pertencentes à família Pyroglyphidae (Dermatophagoides pteronyssinus e Dermatophagoides farinae), outros ácaros, tais como os pertencentes às famílias Glycyphagidae (que inclui o Glycyphagus domesticus e o Lepidoglyphus destructor) e Acaridae (incluindo Tyrophagus putrescentiae) podem causar manifestações alérgicas. Estes últimos denominam-se ácaros de armazenamento, porque inicialmente foram relacionados com a asma ocupacional de agricultores e trabalhadores em armazéns de farinhas e grãos. Contudo, verificou-se que os ácaros de armazenamento também se encontram no pó doméstico de habitações rurais e urbanas, o que expandiu o seu significado clínico. 5 O presente trabalho revelou uma prevalência de sensibilização a Lepidoglyphus destructor de 70,5%, sendo este um número muito superior ao registado no mapa acarológico português. De acordo com este último a prevalência de Lepidoglyphus destructor varia entre 17% e 62,3 % com uma prevalência na zona litoral Norte de 47,6%. 17 Os autores consideram que a elevada prevalência de sensibilização aos ácaros, verificada em todas as patologias alergológicas e em todos os grupos etários, pode refletir a influência das condições do interior das casas na zona litoral norte de Portugal, nomeadamente em termos de temperatura e humidade, o que condiciona uma exposição precoce e diária a estes alergénios. A elevada sensibilização aos pólenes verificada no estudo reflete a paisagem da zona litoral do norte de Portugal, onde se verifica uma proporção significativa de gramíneas e árvores. Sendo a imunoterapia a única terapêutica dirigida à causa da doença alérgica e com potencial de modificar a sua evolução, prevenindo o aparecimento de novas sensibilizações, reduzindo a sintomatologia alérgica e levando à redução do consumo de fármacos necessários para controlar esses sintomas, é crucial que a sua composição seja adequada. 18,19 A imunoterapia para ácaros é a mais frequentemente prescrita, com ampla demonstração de eficácia clínica e imunológica. Este tratamento, quando aplicado em doentes corretamente selecionados, é mais eficaz do que a terapêutica farmacológica e pode prevenir a evolução para asma das crianças e adolescentes com rinite alérgica. 16 Na nossa amostra verificou-se uma grande prevalência de Lepidoglyphus detructor, o que tem implicações na composição da imunoterapia uma vez que a reatividade cruzada entre espécies da família Pyroglyphidae (ácaros do pó doméstico) e ácaros de outras famílias (ácaros de armazenamento) é reduzida, pelo que na presença de sensibilização a Lepidoglyphus detructor este deve ser incluído nos esquemas de imunoterapia. 16,17 Adicionalmente às vantagens já referidas da imunoterapia, os seus efeitos benéficos persistem a longo prazo, na medida em que atua modulando a reatividade do sistema imunitário em resposta ao contacto com os alergénios, interferindo com mecanismos fisiopatológicos da doença alérgica. 19,20 Um estudo realizado em Portugal que teve como objetivo identificar os aeroalergénios mais prevalentes no país evidencia original articles 31

que o perfil de sensibilização de cada região depende de várias variáveis como as condições climáticas e os aspetos culturais locais e regionais, e que o seu estudo e conhecimento permitem uma melhor abordagem diagnóstica e terapêutica. 21 O tamanho reduzido da amostra e a utilização de uma bateria específica de alergénios em todos os doentes, o que acarreta a possibilidade de terem sido excluídos doentes alérgicos a outros aeroalergénios, constituem limitações do presente estudo. No entanto os resultados obtidos possibilitaram um melhor conhecimento do perfil de sensibilização no litoral norte de Portugal e consequentemente uma seleção mais apropriada dos alergénios a serem incluídos no estudo dos doentes com patologias alergológicas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. European Academy of Allergy and Clinical Immunology. Position paper: a revised nomenclature for allergy. EAACI position statement. Allergy 2001; 56: 813-24. 2. Stokes J, Casale T. The relationship between IgE and allergic disease. 2016. Disponível em http://www.uptodate.com. 3. Rebollo JC, Hernández MM, Bravo MJC, Moreno ALG, Otal MPO, Guerrero TC. Valoración del estudio alérgico en niños con atopia. Rev Pediatr Aten Primaria 2010; 12: 227-37. 4. Vásquez CAD, García JR, Iglesias GS. Perfil de sensibilización a neumoalergenos en niños con asma y rinoconjuntivitis en una zona de salud de Asturias. Bol Pediatr 2003; 43: 3-12. 5. Sousa S, Fraga J, Martins V, Quaresma M. Sensibilização a ácaros num grupo de crianças atópicas do interior norte de Portugal. Acta Pediatr Port 2010; 41: 201-4. 6. Sicherer SH, Wood RA. Allergy Testing in Childhood: Using Allergen-Specific IgE Tests. Pediatrics 2012; 129: 193-7. 7. Itikawa A, Mallozi MC, Wandalsen GF, Solé D. Reatividade cutânea a alergénios inalantes em crianças e adolescentes alérgicos de serviço especializado valor do índice cutâneo. Rev Port Imunoalergologia 2014; 22: 257-66. 8. Nolte H, Kowal K, DuBuske L. Overview of skin testing for allergic disease. 2016. Disponível em http://www.uptodate. com. 9. Stone KD, Prussin C, Metcalfe DD. IgE, Mast Cells, Basophils, and Eosinophils. J Allergy Clin Immunol. 2010 February; 125: S73 80. 10. Heinzerling L, Mari A, Bergmann KC, Bresciani M, Burbach G, Darsow U, et al. The skin prick test European standards. Clin Transl Allergy. 2013; 3: 3. 11. Rede Portuguesa de Aerobiologia: Resultados da monitorização do pólen atmosférico (2002-2006). Rev Port Imunoalergologia 2007; 15: 235-50. 12. Eigenmann PA, Atanaskovic-Markovic M, O B Hourihane J, Lack G, Lau S, Matricardi PM, et al. Testing children for allergies: why, how, who and when. Pediatr Allergy Immunol 2013; 24: 195 209. 13. Thomsen SF. Epidemiology and natural history of atopic diseases. Eur Clin Respir J. 2015; 2: 10.3402/ecrj.v2.24642. 14. Bousquet et al. Allergic Rhinitis and its Impact on Asthma (ARIA): Achievements in 10 years and future needs. J Allergy Clin Immunol 2012; 130:1049-62. 15. Zheng T, Yu J, oh MH, Zhu Z. The atopic march: progression from atopic dermatitis to allergic rhinitis and asthma. Allergy Asthma Immunol Res. 2011; 3: 67-73. 16. Ferreira MB. Imunoterapia com ácaros. Rev Port Imunoalergologia 2015; 23: 79-87. 17. Mapa acarológico. Rev Port Imunoalergologia 2009; 17: 195-8. 18. Imunoterapia com aeroalergénios. Rev Port Imunoalergologia 2015; 23: 237-42. 19. Dias A, Soares J, Fraga J, Carvalho M, Quaresma M. Imunoterapia específica: estudo de melhoria clínica. Acta Pediatr Port 2013; 44: 229-33. 20. Jacobsen L, Valovirta E. How strong is the evidence that immunotherapy in children prevents the progression of allergy and asthma? Curr Opin Allergy Clin Immunol 2007; 7: 556 60. 21. Camacho I. Inhalant Allergens in Portugal. Int Arch Allergy Immunol 2017; 172: 67-88. CORRESPONDENCE TO Mariana Branco Department od Pediatrics Unidade Local de Saúde do Alto Minho Estrada da Santa Luzia, 4901-858 Viana do Castelo E-mail: mariana.a.branco@hotmail.com Received for publication: 30.12.2016 Accepted in revised form: 25.09.2017 32 original articles