UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE A ADEQUAÇÃO CLIMÁTICA DE HABITACÕES DE INTERESSE SOCIAL

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Transcrição:

UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE A ADEQUAÇÃO CLIMÁTICA DE HABITACÕES DE INTERESSE SOCIAL PEREIRA, Fernando O. R.(1); KREMER, A.(2) & KUCHENBECKER, L. C.(2) (1) Eng. Civil, PhD, Professor UFSC, CTC, Dept o de Arq. e Urb. (2) Arquiteto, UFSC, Dept o de Arq. e Urb. Campus UFSC, CTC, ARQ, LABCON Laboratório de Conforto Ambiental CEP 88-040-900, Florianópolis, SC, BRASIL e-mail: feco@arq.ufsc.br RESUMO Este artigo apresenta um estudo sobre as condições de conforto térmico em habitações de interesse social na região de Florianópolis, sul do Brasil. Desenvolveu-se um estudo de caso através de medição continuada da temperatura interna de unidades unifamiliares (casas térreas isoladas) e multifamiliares (apartamentos) de um grande conjunto habitacional. Os resultados mostram a falta de adequação das unidades de habitação ao clima local, identificou-se desconforto térmico na maioria do período analisado, especialmente no verão. Os resultados também demonstram a necessidade de reformulações tipológicas em futuros projetos de assentamentos humanos, no sentido de incorporar as estratégias bioclimáticas recomendadas para o clima local de Florianópolis. ABSTRACT This work aims to study the thermal comfort conditions of dwellers of low cost social housing in the region of Florianopolis, southern Brazil. A case study was developed through a continuous acquisition of internal temperature data of detached housing units and apartments of a large low-cost housing site. The results show the inadequacy of the dwellings to the local climate; thermal discomfort was identified in most of the analyzed period, especially in summer time. The results also demonstrate the need of typology changes in future social housing projects, in order to accommodate recommended bioclimatic strategies for the local climate of Florianópolis. 1. INTRODUÇÃO O deficit de moradias no Brasil é um problema que ainda está longe de ser resolvido. Além disso, os empreendimentos institucionais que promovem a habitação para as classes de baixa renda são em geral de baixa qualidade construtiva e não atendem às necessidades de seus usuários, especialmente quanto às condições de conforto térmico. As mesmas soluções construtivas têm sido repetidas por décadas em todo o território nacional, com pouca ou nenhuma consideração das diferenças climáticas e sócioculturais.

O presente trabalho pretende contribuir para a melhoria deste quadro a partir da investigação das condições de conforto térmico das moradias de interesse social na região de Florianópolis, no sul do Brasil. O ponto de partida foi a caracterização das condições climáticas da região estudada e a definição das estratégias bioclimáticas recomendáveis para o local. Em seguida, realizou-se um estudo de caso em unidades habitacionais unifamiliares (casas) e multifamiliares (apartamentos) do Conjunto Habitacional Bela Vista). O estudo consistiu de monitoração automática e contínua das temperaturas e umidades relativas do ar interno e externo. Os resultado mostram a inadequação das moradias às condições climáticas locais. Identificou-se elevada probabilidade de descomforto térmico na maioria do período analisado, especialmente no verão. Por último, foram traçadas recomendações para a adequação climática de futuros projetos destinados à moradia de interesse social na região de Florianópolis.. 2. METODOLOGIA 2.1 Análise Bioclimática O programa computacional Analysis (1994) possibilita a definição das estratégias bioclimáticas para uma determinada localidade, a partir do cruzamento dos dados climáticos horários de um ano inteiro daquela localidade com a carta bioclimática adotada. O método adotado pelo programa é o de Watson e Labs (WATSON & LABS, 1983), mas utilizando-se a carta de Givoni (GIVONI, 1992). A partir dos dados climáticos do Ano Climático de Referência (ACR) para a cidade de Florianópolis, o programa Analysis (1994) possibilitou a definição e quantificação das estratégias bioclimáticas recomendáveis ao longo do ano para a região em estudo, descritas na seção 3.1. 2.2 Unidades habitacionais Para constatação da eficiência e compatibilidade das estratégias determinadas pelo programa, partiu-se para o estudo de casos múltiplos em duas tipologias de moradia popular: habitações unifamiliares (ver Fig. 1 - A) e multifamiliares (ver Fig. 1 - B). Este estudo foi realizado através de visitas à 17 casas (unifamiliares) e 14 apartamentos (multifamiliares) do Conjunto Habitacional Bela Vista. Cabe salientar que o sistema construtivo e materiais utilizados são bastante similares em ambas as tipologias. Este fato é importante para garantir que as diferenças observadas no estudo sejam devidas principalmente ao projeto arquitetônico. Para este estudo foi empregada uma abordagem qualitativa, que busca compreender a complexidade das interações entre as pessoas e seu espaço de moradia. O método utilizado consiste em pesquisa documental, observações e entrevistas informais com os moradores, seguidas de descrições etnográficas que buscam identificar conflitos reveladores de fenômenos existenciais não satisfeitos por elementos arquitetônicos ausentes ou inadequados. (SZÜCS, 1998). Nas visitas foram levantados dados de cada unidade com o fim de caracterizar os aspectos físicos e organizativos da moradia e de registrar os depoimentos de seus usuários quanto ao grau de satisfação proporcionado pelo espaço residencial. Após as investigações foram selecionadas quatro (04) casas e quatro (04) apartamentos que se mostraram mais interessantes para a realização das monitorações.

(A) Casa (B) Apartamento H5 A1 O1 N 0 0.5 1 2.5m E SCALA Fig.1: Planta baixa das tipologias originais do conjunto habitacional : A =casa, B= apartmento. 2.3 Monitorações das variáveis ambientais As monitorações das variáveis (temperatura do ar e umidade relativa) foram realizadas em dois períodos distintos: uma para caracterizar o verão (21/01 a 30/01/1998), onde ocorrem as maiores índices de desconforto pelo calor e outra, o inverno (23/07 a 03/08/1998), onde ocorrem as maiores porcentagens de desconforto pelo frio (PEREIRA, 1997). Para a realização das monitorações foram utilizados sensores eletrônicos (PMV Datalogger, ACR JR Info Logger e Hobo Onset) de pequeno porte que registraram automaticamente e simultaneamente os dados de temperatura do ar e de umidade relativa nas oito unidades habitacionais selecionadas,. Ao todo foram levados a campo, 27 aparelhos com intervalo de captação de dados entre 10 a 12 minutos. 3. RESULTADOS 3.1 Estratégias bioclimáticas recomendáveis para Florianópolis O programa Analysis (1994), utilizando um arquivo climático - Ano Climático de Referência - para a cidade de Florianópolis (1969), registrou um desconforto térmico em 79,2% das horas do ano, muito superior ao percentual de horas de conforto, que foi de apenas 20,8%. O índice de desconforto é composto por 40,7% de horas com desconforto pelo frio e 38,5% pelo calor. O caráter temperado de seu clima confere à Ilha de Santa Catarina uma oscilação térmica amena entre um verão quente e um inverno frio, com uma porcentagem média mensal de umidade relativa acima de 80% em todo o ano (GOULART, 1993 apud ANDRADE, 1996). A principal estratégia apontada pelo programa Analysis para combater o frio em Florianópolis é a massa térmica associada ao aquecimento solar passivo. Já para combater o calor, a estratégia mais recomendável é a ventilação, associada obviamente com a redução do ganho de calor solar (sombreamento). A verificação empírica do comportamento das variáveis ambientais temperatura e umidade relativa do ar interno - em unidades habitacionais da região de Florianópolis possibilitou uma avaliação da eficácia dos resultados obtidos através do programa Analysis (1994). Primeiramente, é importante a análise dos dados coletados no experimento.

3.2 Comportamento das casas De uma forma geral, as temperaturas internas das casas apresentaram um comportamento bastante semelhante entre si, durante todo o período da monitoração de verão, com uma diferença inferior a 2 o C (ver Fig. 2). Verificou-se que as casas têm grande facilidade de ganhar calor do meio externo durante o dia e relativa facilidade de perder calor durante à noite, apresentando uma amplitude média de 3,5 o C. Essas características parecem ser conseqüência da tipologia de casas isoladas no lote, na qual a cobertura e todas as fachadas ficam expostas ao sol e aos ventos. O fato das temperaturas internas nem ao menos se aproximaram dos valores mínimos da temperatura externa, durante à noite, parece indicar claramente uma certa dificuldade da unidade em dissipar calor ao exterior (ver Fig. 2). Um aspecto que deve contribuir para isto é que, por questão de segurança, as janelas são mantidas fechadas ou semi-abertas durante à noite, já que a maioria das casas monitoradas são térreas. Em todas as casas, o período no qual as temperaturas internas foram superiores ao limite superior de conforto (29 o C) foi bem superior ao da temperatura externa e ligeiramente inferior a dos apartamentos. Quanto à intensidade média do desconforto, estimada em graus-hora (com temperatura base de 27 o C), as casas em geral apresentaram valores mais baixos (300 450 o Ch) do que os apartamentos (470 700 o Ch) e do que a temperatura externa (300 o Ch). No inverno, houve um distanciamento entre as curvas das temperaturas internas bem mais acentuado do que no verão. A duração e a intensidade do desconforto das temperaturas internas foram baixas, inferiores aos valores apresentados pela temperatura externa. Esse fato indica que, na região de Florianópolis, a necessidade de favorecer a perda de calor no verão é mais importante do que a de combater a perda de calor no inverno, para garantir o conforto aos usuários das habitações de interesse social. 36 34 32 30 (C) 28 26 24 22 House External Temperature 20 1/23 1/24 1/25 1/26 1/27 (HS) 1/28 1/29 1/30 Fig. 2: Dados da temperatura do ar interno e externo, obtidos nas casas, no período de verão.

3.3 Comportamento dos apartamentos Diferentemente do que se observou nas casas, nos apartamentos ocorreu uma diferença acentuada entre os comportamentos das temperaturas internas, tanto no verão quanto no inverno. A maior diferença de temperatura entre os apartamentos, num mesmo instante, atingiu aproximadamente 4,0ºC (ver Fig. 3). Os apartamentos apresentaram baixas amplitudes térmicas, cuja média se aproxima de 2ºC, indicando que a configuração de edifícios de quatro pisos apresenta uma inércia trérmica mais elevada que a configuração de casas isoladas. Os apartamentos apresentaram mais ou menos o mesmo comportamento das casas, em termos de ganhar calor facilmente durante o dia e ter dificuldades em perder calor à noite. Este comportamento resultou em índices de desconforto altos no verão e baixos no inverno. Essas características parecem decorrer da tipologia adotada nos apartamentos (ver Fig.1 B). Cada pavimento é composto por quatro unidades habitacionais com plantas baixas rebatidas duas a duas, sendo que cada unidade possui praticamente apenas duas fachadas expostas às intempéries. Apenas os apartamentos de cobertura apresentam mais uma superfície exposta. Essa tipologia também não favorece a ventilação cruzada nos ambientes, diminuindo bastante assim as chances de resfriamento noturno. Além disso, a proximidade dos blocos dificulta a passagem dos ventos entre eles. Considerando-se que a carga de calor gerada internamente em função da presença dos usuários e de equipamentos é distribuída por um volume interno pequeno (menos de 120 m 3 ), ao contrário das casas que, em geral, sofreram ampliações, os apartamentos têm claras dificuldades em perder calor. Parece-nos que a justificativa para as diferenças de desempenho térmico entre os apartamentos deve ser atribuída a uma combinação de variáveis (orientação, nível do pavimento, razão da área superficial para o volume interno, afastamentos, grau de sombreamento provocado pelo entorno, etc.), que consistem do núcleo das principais decisões de projeto.

36 34 32 30 (C) 28 26 24 22 Apartament External Temperature 20 1/23 1/24 1/25 1/26 1/27 (HS) 1/28 1/29 1/30 Fig.3: Dados das temperatura do ar interna e externa, obtidos nos apartamentos, no período de verão. Os dados obtidos na monitoração, temperatura e umidade relativa do ar interna e externa, foram plotados na carta psicrométrica, evidenciando-se que as principais estratégias bioclimáticas para combater o desconforto térmico no período de verão em Florianópolis são a ventilação e redução do ganho solar. Além disso, também percebese que as unidades de habitação investigadas não conseguiam lidar adequadamente com nenhuma das duas estratégias. 4. Recomendações de projeto Uma questão preliminar é a avaliação do microclima do sítio onde se pretende implantar o conjunto habitacional. É necessário que o sítio não apresente barreiras naturais ou artificiais que impeçam a passagem dos ventos favoráveis. Outra questão fundamental é a escolha da tipologia da habitação. As tipologias que apresentam plantas baixas mais delgadas favorecem a ventilação cruzada nos ambientes. Para edificações unifamiliares, casa isolada, a tipologia de sobrados pode garantir melhor isolamento térmico dos ambientes situados no pavimento térreo. Além disso, é possível manter abertas as janelas dos ambientes do pavimento superior à noite, conciliando a necessidade de ventilação com a de segurança contra roubos. É preciso também cuidar do isolamento térmico da cobertura, visto que é a superfície externa mais exposta à radiação solar. Um elemento complicador para o conforto térmico das casas isoladas no lote são os afastamentos da edificação em relação ao lote. Uma situação que parece satisfatória enquanto as edificações permanecem originais, em pouco tempo pode se tornar conflituosa, visto que é comum as habitações de interesse social sofrerem ampliações, apesar das dimensões mínimas do lote. É fundamental, portanto, que a escolha

tipológica seja acompanhada de um estudo da evolução das moradias e de seu entorno, de modo a preservar as condições de conforto térmico aos usuários. Para tipologias multifamiliares, é importante tratar do agrupamento das unidades habitacionais em cada pavimento, bem como do agrupamento dos volumes, de modo a garantir a ventilação cruzada no interior dos ambientes de cada moradia. Para os edifícios de apartamentos é de extrema importância garantir um fluxo de ar não apenas entre os blocos mas também nos diferentes níveis, para obter uma razoável circulação nas unidades de habitação. Espaços internos menos compartimentados, paredes a meia altura e dispositivos como venezianas, elementos vazados ou basculantes no alto das paredes ou das portas, contribuem para a fluidez do ar de um ambiente para outro e para o meio externo. As aberturas merecem estudo cuidadoso por serem os elementos que mais promovem as trocas de calor com o meio externo e que possibilitam o controle da captação dos ventos e da insolação no interior dos ambientes. Sua eficácia em termos de conforto térmico depende do seu dimensionamento, localização, orientação e sombreamento. É comum adotar-se nas aberturas de habitações de interesse social as dimensões mínimas estabelecidas em normas. No entanto, entendemos que dimensões maiores em orientações favoráveis (norte e sul) poderiam ser mais eficazes para o conforto térmico dos usuários, sem provocarem aumentos significativos nos custos. Para garantir o controle do ganho solar através das aberturas, recomenda-se a exploração de elementos arquitetônicos que possam aliar ao conforto térmico, aspectos estéticos e funcionais, tais como o emprego de varandas, beirais, brises, venezianas, entre outros. Reentrâncias e saliências no volume da edificação também podem contribuir para o sombreamento de aberturas, além de servir para orientar a entrada do fluxo de ar, quando a abertura não está voltada diretamente para a direção dos ventos predominantes. Elementos de vegetação, como árvores de folhas caducas, podem favorecer o sombreamento de aberturas nos meses de verão sem causar obstrução à iluminação natural, além de garantir a insolação desejada nos meses de inverno. Considerando-se o fato de que os empreendimentos destinados às habitações de interesse social em geral envolvem um número elevado de unidades, é recomendável o emprego de soluções diferentes para situações diferentes de orientação, de sombreamento, de características do sítio, etc., nas unidades de um mesmo conjunto e em diferentes conjuntos. Desta forma, é possível adequar cada unidade às condições de conforto distintas a que ela está sujeita, além de evitar custos desnecessários e a padronização excessiva das unidades. 5. CONCLUSÕES Os resultados encontrados comprovam a ineficácia da adequação das unidades habitacionais frente ao clima local. O desconforto térmico no ambiente construído esteve presente na maior parte das horas analisadas principalmente no período de verão. Resumidamente, pode-se notar que a distribuição da temperatura interna das casas isoladas acompanharam de mais de perto a temperatura externa. Embora as casas tenham apresentado alguma dificuldade em perder calor durante a noite, a situação dos apartamentos foi pior, aquecendo-se durante o dia e dissipando muito pouco calor no período noturno, apresentando temperaturas superiores às das casas. As análises comparativas não foram conclusivas em correlacionar a distribuição da temperatura com a orientação e nível do pavimento. Entretanto, o que pode-se concluir

do experimento é que a distribuição da temperatura é influenciada por uma combinação de variáveis, não se caracterizando com um resultado de parâmetros isolados. O projeto do conjunto das unidades de habitação que proporciona o melhor arranjo para um conjunto de condicionantes físicas e espaciais é que será o fator decisivo para a melhoria das condições térmicas de um conjunto habitacional. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANALYSIS v1.5 (1994). Programa Analysis para avaliação bioclimática e de conforto térmico, LMPT/EMC e NPC/ECV, UFSC. Florianópolis/SC Brasil. ANDRADE, S. F. (1996). Estudo de estratégias bioclimáticas para o clima de Florianópolis, Dissertação de Mestrado, CPGECV - UFSC. Florianópolis/SC Brasil. GIVONI, B. (1992). Comfort climate analysis and building design guidelines. Energy and Buildings, n o 18. PEREIRA, F. O. R.; KREMER, A.; LAMBERTS, R. (1997). Aplicação de princípios bioclimáticos no projeto de assentamentos humanos em Florianópolis. In: IV Encontro Nacional de Conforto no Ambiente Construído, ANAIS. Salvador/BA Brasil, p. 192-197. SZÜCS, C. et alli (1998). Apropriación espacial determinando el proyecto: el futuro de la habitación social. In: Conferencia Internacional de Urbanización y Vivienda/ 9 th Annual Rinker International Conference on Building Construction URVI 98, ANAIS. Barquisimeto Venezuela. WATSON, D.; LABS, K. (1983). Climatic building design: Energy-Efficient Buildings/Principles and Practice, ed. McGraw Hill, Inc. New York.