Condutas de Balcão nas Farmácias de Porto Alegre (Brasil), Mediante Apresentação de um Caso de Dor de Garganta



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Transcrição:

Acta Farm. Bonaerense 24 (2): 261-5 (2005) Recibido el 24 de agosto de 2004 Aceptado el 20 de diciembre de 2004 Atención farmacéutica Condutas de Balcão nas Farmácias de Porto Alegre (Brasil), Mediante Apresentação de um Caso de Dor de Garganta Marcelo Adriano FACIN, Eduardo FELIX; Everton HADLICH; Paulo Sérgio Kroeff SCHMITZ; Rodrigo Afonso MUXFELDT, Rodrigo Peres PEREIRA & Sotero Serrate MENGUE* Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Ramiro Barcelos, 2600/4º andar. CEP: 90.035-003 - Porto Alegre/RS - Brasil RESUMO. Foram visitadas 160 farmácias do município de Porto Alegre, onde foram apresentadas queixas de dor de garganta com características virais ou bacterianas. De acordo com as condutas de balcão previamente estipuladas, verificou-se que 37% (54) foram consideradas corretas e 63% (91) incorretas. O número total de medicamentos prescritos foi de 181 representados por 57 especialidades farmacêuticas. Concluiu-se que há prescrição indevida de fármacos, independente do nível de informação diagnóstica atingido e do quadro apresentado, demonstrando a falta de relação entre o diagnóstico e a conduta realizada pelo atendente. SUMMARY. Behaviours of Prescription in Porto Alegre (Brasil) Pharmacies about a Presentation of a Case of Sore Throat. One hundred and sixty pharmacies in the town council of Porto Alegre were visited and presented with complaints of a sore throat with viral or bacterial characteristics. In accordance with predetermined stipulations of what would constitute correct behaviour at the counter, it was found that 37% (54) of the pharmacies were considered to have correct behaviour, while 63% (91) had incorrect behaviour. The total number of medications prescribed was 181, consisting of 57 pharmaceutical specialties. It was concluded that improper prescription of drugs takes place, independent of the level of diagnostic information obtained and the condition presented by the individual. This demonstrates the lack of correlation between the diagnosis and the behaviour of the pharmacy s assistance. INTRODUÇÃO Freqüentemente, as farmácias e drogarias, além de exercerem a função de venda de medicamentos, servem como locais de orientação e indicação de condutas terapêuticas, seja sob a forma de prescrição de diferentes especialidades médicas, ou através do encaminhamento médico. Considerando-se que nenhum fármaco é totalmente inócuo ao organismo humano, é permitido supor que as pessoas expostas ao livre comércio de medicamentos podem estar submetendo-se a riscos ainda maiores para a sua saúde do que aqueles representados apenas pelos problemas inicialmente apresentados e que foram o motivo da sua procura de orientação. Soibelmann et al. 1 verificaram que 62% dos balconistas investigaram as queixas de balcão, opinando quanto ao diagnóstico em 84% das vezes e indicando pelo menos um medicamento em 92% destas. Por vários motivos, queixar-se de dor de garganta, em nosso meio, serve como exemplo para esta situação. Como este é um sintoma muito freqüente, principalmente nos meses de inverno. A procura de assistência médica pode ser protelada ou mesmo evitada, ficando a cargo de farmacêuticos ou atendentes de farmácia o manejo da situação. No entanto, especialmente em crianças, as complicações advindas desse quadro podem ser graves, como por exemplo, a febre reumática e manifestações associadas: cardites, poliartrites, danos valvares, etc 2. PALABRAS-CHAVE: Estudos de utilização de medicamentos, Farmácia, Dor-de garganta. KEY WORDS: Drug utilization studies, Pharmacy, Sore throat. * Autor a quem dirigir a correspondência. E-mail: sotero@ufrgs.br ISSN 0326-2383 261

FACIN M.A., FELIX, E., HADLICH E., SCHMITZ P.S.K., MUXFELDT R.A., PEREIRA R.P. & MENGUE S.S. Cerca de 80 a 90% dos casos de dor de garganta são de origem viral, cursando, normalmente, sem complicações e necessitando apenas de tratamento sintomático, já que são auto-limitadas 3. Além do já exposto, há fortes indícios de que os antimicrobianos são freqüentemente empregados de forma inadequada, em sua indicação e forma de uso, mesmo pelos médicos. Os sucessos iniciais com os primeiros quimioterápicos e antimicrobianos contribuíram para o emprego destes medicamentos no tratamento e prevenção de toda e qualquer patologia infecciosa. A existência de critérios fixos para a escolha de antimicrobianos, como a eficácia microbiológica, experimental e farmacológica-clínica, contribui para a racional prescrição desses medicamentos, evitando problemas como a resistência bacteriana, entre outros 4. Investigar as condutas de balcão em farmácias de Porto Alegre, mediante a apresentação de uma queixa de dor de garganta, com características virais ou bacterianas; analisar o nível de informação diagnóstica obtido pelo atendente com relação à queixa, mediante escore específico relacionando-as com as condutas propostas, foram os objetivos deste estudo. MÉTODOS A população alvo do estudo foi 560 farmácias registradas no Conselho Regional de Farmácia do Rio Grande do Sul (CRF/RS) no ano de 1994, das quais foram sorteadas 160 para este estudo. Após a identificação das farmácias foi realizado outro sorteio para definir em qual farmácia seria apresentado cada quadro clínico. Assim em 80 farmácias seria apresentada uma queixa correspondendo a um quadro viral e em 80 um quadro bacteriano. O quadro clínico viral apresentado constituia-se em uma criança de cinco anos em dor de garganta com tosse, com febre baixa (<38,5 C), sem presença de placas, de gânglios cervicais palpáveis ou de cefaléia. O quadro bacteriano foi definido como uma criança de cinco anos com dor de garganta sem tosse, com febre alta (>38,5 C), com presença de placas, de gânglios cervicais palpáveis e de cefaléia. Tais informações só eram fornecidas ao atendente, caso esse fizesse a pergunta específica. Os investigadores determinaram previamente as condutas de balcão corretas para cada quadro. No quadro viral, a conduta correta esperada consistia em encaminhamento ao médico, acompanhada ou não de prescrição de sintomáticos (analgésicos, antiinflamatórios, anestésicos locais). As situações de prescrição de antibióticos e ausência de conduta indicada pelo balconista foram consideradas condutas incorretas pelos investigadores. No quadro bacteriano, a conduta correta consistia em encaminhamento médico, acompanhado ou não de prescrição de sintomáticos. A prescrição de sintomáticos sem encaminhamento médico, e a prescrição de antibióticos, acompanhada ou não de encaminhamento médico, foram consideradas condutas incorretas pelos investigadores. As prescrições dos balconistas foram registradas e classificadas de acordo com suas especialidades farmacêuticas. Foram registrados também o sexo do atendente e a indicação ou não de encaminhamento médico. O nível de informação diagnóstica obtido pelo balconista foi analisado pelos investigadores a partir da modificação do escore proposto por Breese e colaboradores 5. Esses autores desenvolveram, ao longo de dez anos de pesquisa e do estudo de mais de 20.000 casos de infecções respiratórias em crianças, um escore numérico para obtenção do diagnóstico diferencial de faringite estreptocócica. A cada fator incluído no questionário foi dado um valor numérico, para presença, ausência ou desconhecimento, baseado na freqüência com que este fator se relacionara com resultados positivos na cultura, que é o teste diagnóstico padrão. O objetivo deste escore é proporcionar, com rapidez e acurácia, a possibilidade de se diagnosticar a faringite estreptocócica, levando em conta os principais fatores epidemiológicos envolvidos com a condição, a saber, período do ano, idade, febre 38,5 C ou mais, dor de garganta, tosse, cefaléia, faringe anormal, gânglios cervicais anormais. Os valores variavam entre um mínimo de 18 e um máximo de 38 pontos, sendo que aqueles pacientes com escore acima de 30 pontos tinham uma positividade nas culturas de 77%. A fim de adaptar esse escore esta pesquisa foram feitas modificações na proposta original. Os pontos eram somados quando o balconista fazia, ou não, perguntas, sendo as respostas dadas pelo entrevistador, as quais eram adequadas para cada quadro. Na adaptação, alguns fatores obtinham pontuação fixa: mês maio (período da investigação), três pontos; contagem de leucócitos (desconhecida), três pontos; e dor de garganta (informação que o balconista recebia de início), quatro pontos, totalizando os 10 pontos iniciais do escore modificado. 262

acta farmacéutica bonaerense - vol. 24 n 2 - año 2005 Para visitar estas farmácias, cinco entrevistadores foram treinados através de simulações prévias e da realização de um estudo piloto, a fim de uniformizar a apresentação do quadro e outras situações, como a forma de dirigir-se ao balconista e as respostas às perguntas relacionadas com os sintomas. O suposto cliente, ao entrar na farmácia, dirigia-se ao primeiro balconista disponível, indistintamente. Apresentava a queixa referindo-se a um sobrinho com dor de garganta. As perguntas do balconista, caso existissem, eram respondidas de acordo com o quadro previamente sorteado para aquele estabelecimento. O entrevistador respondia referindo desconhecimento às perguntas que não constavam do escore de pontos. Uma vez obtidas as informações desejadas, o entrevistador esquivava-se da compra do(s) medicamento(s) e anotava os dados na ficha de registro logo ao sair da farmácia. RESULTADOS Foram efetivamente investigadas 145 farmácias, correspondendo a 90% da amostra sorteada. Houve 15 perdas (9%) assim distribuídas: sete fora de atividade, uma farmácia veterinária, uma farmácia exclusivamente de produtos fitoterápicos, um farmácia dermatológica, um de produtos exclusivamente para diabéticos e quatro não visitadas. Em 90 farmácias o entrevistador foi atendido por uma pessoa do sexo masculino, enquanto em outras 54 do sexo feminino. Foram prescritas 57 diferentes especialidades farmacêuticas, entre antibióticos, antiinflamatórios, antipiréticos, analgésicos e outros (Tabela 1). Das 145 farmácias investigadas, em 53 delas (37%), a conduta do balconista foi correta; ao passo que, em 92 (53%), foi considerada incorreta, segundo os critérios previamente estabelecidos. Os atendentes atingiram pontuação necessária para diagnóstico (30 pontos ou mais) em 46% das visitas. As perguntas mais freqüentes foram em relação à idade (89%), febre (47%) e presença de placas (25%). Houve prescrição em 128 (88%) farmácias, enquanto encaminhamento médico foi indicado em 27 (19%) (Tabela 1). Quando as condutas foram analisadas em relação ao quadro apresentado, viral ou bacteriano, verificou-se que no primeiro, 52% foram corretas; enquanto que no segundo, 20% foram corretas. Em relação à prescrição, não houve diferença estatisticamente significativa de um quadro para outro. Porém, houve prescrição de antibióticos em 62% dos quadros bacterianos e em 38% dos quadros virais (p = 0,003). No quadro bacteriano houve uma tendência, não estatisticamente significante, a um maior encaminhamento médico Por outro lado, houve diferença no que diz respeito ao nível de informação atingido entre os quadros. No bacteriano, 55% atingiram 30 pontos ou mais, enquanto 37% atingiram-no quando o quadro era viral (Tabela 2). Atendentes do sexo feminino tomaram mais condutas corretas (50%) do que os do sexo masculino (28%; p=0,02). Entretanto, os homens perguntaram mais (54%), do que as mulheres (33%). Os homens prescreveram em 91% dos casos, enquanto as mulheres, 83%, sem diferença estatisticamente significativa. Também, os homens prescreveram mais antibióticos (60%) que as mulheres (30%; p=0,003). Demonstrou-se uma tendência das mulheres para maior encaminhamento médico. Salienta-se que as mulheres foram submetidas em 63% das vezes a um quadro viral, enquanto os homens, 45%. Ainda assim, em análise estratificada, cruzando-se as variáveis sexo e conduta com o quadro clínico, Medicamento Nº % Antibióticos sistêmicos 82 45,3 Analgésicos e antiinflamatórios 57 31,5 Medicamentos que atuam no SNA 1 0,6 Medicamentos que atuam no sistema respiratório 1 4 2,2 Hormônios e congêneres 2 1,1 Medicamentos que atuam em pele e mucosas 2 27 14,9 Chás e medicamentos homeopaticos 8 4,4 Total 181 100 Tabela 1. Discriminação dos medicamentos prescritos pelos balconistas, com freqüência e percentagem. 1 Expectorantes e antitussígenos. 2 Antissépticos e antiinfecciosos dermatológicos. 263

FACIN M.A., FELIX, E., HADLICH E., SCHMITZ P.S.K., MUXFELDT R.A., PEREIRA R.P. & MENGUE S.S. Variáveis Quadro clínico Viral Bacteriano (%) (%) p Conduta correta 39 (52) 14 (20) <0,01 Nível de informação suficiente 28 (37) 39 (55) 0,03 Encaminhamento ao médico 10 (13) 17 (24) 0,09 Prescrição 68 (90) 60 (85) 0,35 Prescrição de antibióticos 29 (38) 44 (62) <0,01 Total 75 (100) 70 (100) Tabela 2. Distribuição das variáveis conduta correta, nível de informação suficiente, indicação de encaminhamento médico e de prescrição, de acordo com o quadro clínico. Variáveis Sexo Masculino Feminino (%) (%) P Conduta correta 25 (28) 27 (50) 0,02 Nível de informação suficiente 47 (54) 18 (33) 0,02 Prescrição 82 (91) 45 (83) 0,34 Prescrição de antibióticos 54 (60) 16 (30) <0,01 Encaminhamento médico 13 (14) 14 (26) 0,20 Total 90 (100) 54 (100) Tabela 3. Distribuição das variáveis conduta correta, nível de informação suficiente, indicação de encaminhamento e de prescrição, de acordo com o sexo do atendente. verificou-se que apesar de as mulheres terem sido submetidas significativamente mais ao quadro viral (p=0,04), tiveram mais condutas corretas em relação aos homens (Tabela 3). Não se observou diferença entre conduta correta e incorreta e o nível de informação alcançado pelo balconista. Os balconistas com conduta correta atingiram 30 ou mais pontos em 49% dos casos e aquela com conduta incorreta atingiram 30 ou mais pontos 44% das vezes. A conduta errada estava relacionada em 99% dos casos à prescrição de algum fármaco. Por outro lado, a conduta correta correlacionou-se com o encaminhamento médico em 44% das vezes. A avaliação do nível de informação diagnóstica obtido pelo balconista, segundo a pontuação do escore, demonstrou não ser este fator de influência na decisão de prescrever (p = 0,26), prescrever antibióticos (p = 0,92) e encaminhar ao médico (p = 0,51). Os atendentes que encaminharam ao médico prescreveram algum medicamento em 40% dos casos. Aqueles que não encaminharam ao médico prescreveram ao menos um medicamento em 99% das vezes (p < 0,001). DISCUSSÃO É importante ressaltar que este trabalho foi desenvolvido em 1994 e só agora submetido para publicação. Naquele período não existiam, em nosso meio, considerações éticas que impedissem esse tipo de investigação tal como foi desenvolvida. Atualmente, seria provável que um comitê de ética em pesquisa entendesse que os procedimentos utilizados naquela época não seriam adequados. Entretanto, pelos dados encontrados julgamos que sua divulgação continua sendo importante, ainda que não voltássemos a repetir essa investigação da forma original. Também é interessante lembrar que naquela época o conceito de atenção farmacêutica era desconhecida em nosso meio. Dos dados colhidos durante a realização deste trabalho, o que chama a atenção é a ausência de relação entre o nível de informação obtido pelo balconista e a conduta por ele tomada. Do mesmo modo, as variáveis (prescrição, prescrição de antibióticos e encaminhamento médico) não foram afetadas pelo nível de informação diagnóstica. Numericamente, 46% dos balconistas atingiram 30 pontos ou mais, enquanto 37% 264

acta farmacéutica bonaerense - vol. 24 n 2 - año 2005 deles tiveram conduta correta. A questão que se põe é, apesar de ter tido a possibilidade de realizar o diagnóstico, o atendente não estava preparado para dar o correto encaminhamento à queixa apresentada. Pelos dados obtidos observou-se que era mais fácil acertar a conduta quando o quadro era viral do que quando o quadro era bacteriano. Isto pode ser explicado pela maior prescrição de antibióticos e conseqüente menor encaminhamento, condutas a priori definidas como erradas. Além disso, houve prescrição indevida de antibióticos no quadro bacteriano significativamente maior do que no quadro viral, provavelmente devido à gravidade maior desse quadro. Da mesma forma, o nível de informação atingida no quadro bacteriano pode ter sido maior que no viral pela a gravidade do quadro evidenciada já nas primeiras informações diagnóstica suscitando mais perguntas. Observou-se que as mulheres, perguntaram menos, prescreveram menos antibióticos, encaminharam mais ao médico e, como conseqüência, tiveram mais condutas corretas. Uma explicação possível para isso seria a maior experiência das atendentes como mães e uma maior precaução contra prescrições indevidas ou complicações do quadro. Os autores estão cientes de que as definições de atitude correta frente ao quadro viral (indicação ou não de medicamentos sintomáticos e encaminhamento ao médico) é bastante conservador e aumentou o número de condutas consideradas incorretas. De forma geral pode-se concluir que há prescrição indevida de fármacos, principalmente antibióticos, independente do nível de informação dignóstica atingido, demonstrando a falta de correlação entre o diagnóstico e a conduta proposta pelo atendente. Esse fato além de poder causar prejuízos inerentes à própria prescrição, pode retardar a procura do atendimento médico, o que, em determinados casos, pode constituir-se em fator prejudicial para a cura. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Soibelman, M., L.R. Amaral, A.L.F. Alimini, D.P. Lerrer & S.S. Leite (1986) Rev. Assoc. Méd. Brasil 32: 79-83. 2. Simões, M. J. S. & A. Farache Filho (1988) Rev. Saúde Pública 22: 494-9. 3. Wolfe, R.R. & J.W. Wiggins Jr. (1993) Cardiovascular diseases. In: Hathaway, H. Jr. & P. Groothuis (eds). Current pediatric diagnosis and treatment, 11 th ed., Appleton and Lange, Connecticut. 4. Ogle, I.N. (1993) Infections: bacterial and spirochetal. In: Hathaway, H. Jr. & P. Groothuis (eds). Current pediatric diagnosis and treatment, 11th ed., Appleton and Lange, Connecticut. 5. Breese, B.B. (1977) Am. J. Dis. Child. 131: 514-17. 265