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CÂMARA DOS DEPUTADOS DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES TEXTO COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DE DEFESA NACIONAL EVENTO: Reunião de Homenagem N : 1179/03 DATA: 20/8/2003 INÍCIO: 10h22min TÉRMINO: 10h48min DURAÇÃO: 00h26min TEMPO DE GRAVAÇÃO: 00h22min PÁGINAS: 5 QUARTOS: 6 DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO CELSO AMORIM - Ministro de Estado das Relações Exteriores SUMÁRIO: Homenagem ao Embaixador Sérgio Vieira de Mello, vítima de atentado terrorista à ONU, em Bagdá. Há orador não identificado. OBSERVAÇÕES

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) - Está aberta a presente reunião da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados. Hoje faremos algo diferente. Não realizaremos a audiência pública marcada para esta manhã. Prestaremos uma homenagem da Comissão ao grande brasileiro Sérgio Vieira de Mello. O Ministro Celso Amorim gentilmente concordou em comparecer a esta sessão solene, apesar de estar com pressa hoje é um dia importante para o Ministério das Relações Exteriores. S.Exa. veio somente cumprir um compromisso anteriormente firmado. Esta Presidência, em comum acordo com o Ministro Celso Amorim, decidiu fazer hoje uma sessão solene em homenagem ao grande homem que foi Sérgio Vieira de Mello. O Ministro falará pelo tempo que achar necessário. Não concederemos a palavra a nenhum Deputado, nem faremos depois a audiência pública sobre comércio exterior. Esta será apenas uma homenagem ao homem da paz que representava a ONU nessa tentativa de um acordo de paz no Iraque. A audiência anteriormente marcada para hoje será adiada para a semana que vem, dia 28 de agosto, quinta-feira, às 9h. O Sr. Ministro Celso Amorim já se comprometeu a estar aqui na ocasião, para responder às nossas preocupações relativas ao encontro em Cancún no começo de setembro. Tem a palavra o Sr. Ministro, que falará sobre o atentado contra a ONU no Iraque e sobre o sentimento de luto que se abateu sobre o País com a morte de Sérgio Vieira de Mello. O SR. MINISTRO CELSO AMORIM - Obrigada, Sra. Presidenta. Sras. e Srs. Deputados, a perda do grande brasileiro que foi Sérgio Vieira de Mello é motivo de muita tristeza para todos nós. Esta homenagem da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados parece-me extremamente adequada, assim como as outras tantas já prestadas pelo Governo brasileiro. Como todos sabem, o Presidente Lula decretou luto oficial e conferiu a Sérgio Vieira de Mello, a título póstumo, a Ordem Nacional do Mérito, que é a mais alta distinção que se pode conceder aos verdadeiros heróis brasileiros. Se me permitem falar um pouco do Sérgio Vieira de Mello, darei um depoimento pessoal, porque o conheci bastante. Sérgio Vieira de Mello é de fato um dos raros heróis que nós temos. Lutou não só pelo Brasil, mas pelos ideais brasileiros de paz, de reconciliação, de respeito ao direito internacional, de direitos humanos. Quando se pensa na figura de Sérgio Vieira de Mello, é muito importante lembrar que ele era um filósofo formado pela Sorbonne no conturbado ano de 1968 na França, um homem que viveu de perto as inquietações daquela década. Sérgio abraçou a carreira da organização internacional não como um burocrata simplesmente interessado em subir na carreira não estou falando mal dos burocratas. Ele sequer se especializou em estudos ou pesquisas. Levou a filosofia à prática. Sérgio Vieira de Mello, com quem estive há mais ou menos 2 meses e meio, em Amã, sempre atuou em áreas de extrema importância e também de extrema dificuldade e risco. Quando alguém me perguntou se ele via com apreensão a sua situação, eu respondi que era difícil imaginar que Sérgio Vieira de Mello tivesse alguma preocupação desse tipo. Ele tinha preocupações políticas. Tinha sim preocupações de segurança, não com ele, mas com as Nações Unidas no Iraque. 1

Uma pessoa que esteve no Camboja, em Kosovo, no Timor Leste e no Iraque não podia mesmo ver no risco pessoal um empecilho para sua ação. Sérgio Vieira de Mello dedicou sua vida a colocar em prática os ideais que forjou na Filosofia. Não era dele uma filosofia moral de natureza teórica, mas uma filosofia prática, que se exercitava e expressava no engajamento em causas da humanidade. Perdoem-me se sou um pouco auto-referente, mas tive vários contatos com Sérgio Vieira de Mello, o primeiro quando fui Embaixador em Genebra pela primeira vez. Ele voltava do Camboja e pouco depois iria para a Bósnia. Ocupava um cargo importante no Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, mas nunca foi sequer o número 2 do órgão, porque sua preferência era por ações de campo, ações que beneficiavam diretamente as pessoas. Dessa função, Sérgio foi levado às Nações Unidas por Kofi Annan, a quem também conhecia de longa data, porque o Secretário-Geral também era um funcionário de carreira da ONU. Creio que o convívio que tiveram na Bósnia contribuíra para essa escolha. O nome de Sérgio foi uma escolha pessoal de Kofi Annan, mas o Governo brasileiro não deixou de apoiála, expressando diretamente ao Secretário-Geral, a outras personalidades e embaixadores influentes nossa satisfação em que ele se tornasse o Subsecretário de Assuntos Humanitários das Organizações das Nações Unidas. Nessa época, o Brasil estava no Conselho de Segurança, e coube a mim a honra de ser o representante brasileiro. Por isso tivemos vários contatos. Lembro-me de que organizamos 2 debates no Conselho sobre temas humanitários, um antes da Presidência brasileira, no qual esteve presente a Sra. Ogata, Alta Comissária para os Refugiados, com quem Vieira de Mello havia trabalhado; outro precisamente sobre temas humanitários e as implicações na área do Conselho de Segurança, sobre a necessidade de preservar, em todas as operações da ONU, a neutralidade, uma questão muito importante, que Vieira de Mello sempre soube preservar. Creio que tenhamos organizado o primeiro debate em sessão formal do Conselho de Segurança sobre temas humanitários. E o principal expositor foi Sérgio Vieira de Mello. Meu contato com ele se aprofundou ainda mais porque, em janeiro de 1999, o Brasil foi Presidente do Conselho de Segurança, e a mim coube dirigir 3 comissões, ou painéis, como eles chamam, justamente sobre o Iraque trágica ironia. Havia nesses painéis representantes de países e representantes indicados pelo Secretário-Geral. Sérgio Vieira de Mello foi certamente o principal nome indicado por Kofi Annan. Desde essa época, portanto, Sérgio já estava envolvido nessas questões. Na ocasião, ele nos ajudou muito a produzir um relatório, que não agradou plenamente a alguns dos então membros permanentes do Conselho de Segurança, tamanha era a independência do texto, a franqueza com que foram abordados certos temas, como, por exemplo, o efeito devastador das sanções sobre a população iraquiana, que já tinha outros problemas, de responsabilidade da sua liderança interna. Nessa época, eu tive a oportunidade de um convívio muito forte e direto com o Sérgio, que me permitiu confirmar qualidades que ele já havia demonstrado, mas que ainda ficariam muito mais claras. Mantivemos contato durante todo o tempo em que ele foi indicado representante da ONU em Kosovo ele acabou não sendo o representante definitivo, porque a Europa pressionou para que o nome fosse o de um europeu, e 2

acabou sendo escolhido Bernard Kouchner. Mas o trabalho inicial no Kosovo, logo depois dos bombardeios da OTAN, foi feito por Sérgio Vieira de Mello, que mais tarde foi designado representante do Secretário-Geral da ONU na transição de governo no Timor Leste. Nessa missão, teve papel absolutamente crucial. Sérgio Vieira de Mello foi, digamos assim, uma espécie de governador da ONU, assegurou a passagem do período pós domínio indonésio para a independência. Por esse trabalho, Sérgio foi internacionalmente reconhecido. Ele soube não apenas se dedicar à tarefa quase que administrativa de coordenar as missões da ONU, mas também conseguiu se entrosar profundamente com todas as facções políticas do Timor, garantindo uma transição pacífica de poder para o Governo que está desde então no poder. Sempre mantivemos muito contato. Vieira de Mello era o funcionário brasileiro de posição mais alta no secretariado das Nações Unidas. Os Embaixadores Ricupero e Bustani estavam em organizações especializadas. Tivemos sempre muito contato. Sérgio Vieira de Mello era sempre um conselheiro a nortear as posições do Brasil diante de temas que envolvessem direitos humanos, como a situação dos refugiados. Era um homem da confiança do Secretário-Geral das Nações Unidas e possivelmente de todos os funcionários da ONU, não apenas dos brasileiros. Era talvez o de maior popularidade, o de maior carisma, o de maior capacidade de liderança, juntamente com o próprio Secretário- Geral, que é a única pessoa que eu colocaria no mesmo plano que Sérgio. E não digo isso por orgulho patriótico. Quem teve a oportunidade de ver as reportagens de ontem mostradas na televisão terá chegado a essa conclusão. Mais de uma vez tive ocasião de falar com o Secretário-Geral Kofi Annan sobre a alegria que nos daria a nomeação de Sérgio para o cargo, que então se avizinhava, de Alto Comissário de Direitos Humanos, o que se deu sobretudo pela competência de Sérgio e pela confiança que nele tinha o Secretário, a quem também devemos manifestar nossas condolências. Não é só o Brasil que está de luto hoje. As Nações Unidas estão de luto, e creio que é apropriado expressar nossas condolências ao dirigente máximo do órgão, que também era amigo pessoal de Sérgio Vieira de Mello. Eu já não estava em Genebra quando Sérgio foi designado para essa espinhosa função, que ele aceitou não por ambição, uma vez que já ocupava o cargo mais alto possível nas Nações Unidas, depois do de Secretário-Geral. Ele era um dos Altos Comissários, e talvez o de maior exposição pública, basta dizer que substituiu uma Presidenta da Irlanda, a Mary Robinson. Isso confirma a importância da função que ele sempre exerceu com grande independência, procurando estar presente no local dos conflitos, como esteve na Chechênia, portanto, na Rússia, no Oriente Médio, em Israel, procurando sempre se deslocar para os lugares, a fim de viver e ver de perto os dramas das pessoas que eram objeto de violações de direitos humanos ou dos refugiados, que também de certa maneira eram vítimas de violações dos direitos humanos, se não de uma pessoa em particular, da própria comunidade internacional. Portanto, era um homem desse tipo que foi chamado, em função sobretudo da sua experiência no Timor, pelo Secretário-Geral, quando houve a última resolução da ONU a respeito, para ser seu representante especial, o representante especial da ONU em Bagdá tarefa difícil. Estive com o Sérgio em Amã pouco tempo depois de ele ter assumido a função. Estive na ocasião também com Kofi Annan, que me falou das dificuldades 3

da função, mas que era uma garantia ou pelo menos uma esperança o fato de contar com Sérgio Vieira de Mello para aquela posição. Na última conversa que tive com Sérgio, hás 2 meses mais ou menos, quando o Presidente Lula me enviou para participar de uma conferência sobre a paz no Oriente Médio, em Amã, organizada pelo governo da Jordânia, ele me disse das dificuldades que tinha, da maneira como tinha de tentar, naquela situação difícil, assegurar o máximo de representatividade para o que viesse a ser alguma forma de conselho ou comissão iraquiana. Sabia também das dificuldades que teria para conseguir que isso fosse aceito por outros países árabes, em função de todas as complexidades. Mas seu trabalho era de paz, de coordenação das nações humanitárias, das Nações Unidas, para assegurar que houvesse a maior participação possível dos próprios iraquianos na condução dos negócios do país, com respeito pleno à soberania do Iraque e ao povo iraquiano. Para concluir, recordo-me das últimas palavras do Sérgio ou pelo menos as que ficaram gravadas e que fazem parte seguramente de um dos telegramas ao Itamaraty. Nessa oportunidade, ele fez um pedido na realidade não era um pedido difícil de atender, porque correspondia à nossa posição, no sentido de que continuássemos a lutar para que o papel da ONU fosse o maior possível no processo de reconstrução do Iraque. É trágico ver que esse papel que ele tentou alargar de maneira pacífica, por meio do diálogo, tenha terminado de maneira tão brutal, tão incompreensível. Todo ato terrorista é insensato. Quando escrevíamos a nota do Itamaraty, nós nos perguntávamos se podíamos qualificá-lo de bárbaro e insensato, porque todo ato terrorista é por natureza bárbaro e insensato. Mas se é possível medir insensatez, esse foi especialmente insensato, porque atingiu justamente a organização que em primeiro lugar se opôs à ação militar, que pelo menos procurou se opor à ação militar, e que agora buscava não só consolidar a ação humanitária, mas também ampliar os espaços para que a população iraquiana pudesse o mais rapidamente autogovernar-se. Creio que neste momento obviamente nosso sentimento é de enorme pesar, de dor por esse grande brasileiro que perdemos, mas ficará na memória também nosso grande orgulho de termos tido um brasileiro que é um herói não apenas nacional, mas também de âmbito internacional, mundial. Assim tem sido visto e assim várias pessoas se manifestaram diretamente a nós e ao Presidente Lula. Outras continuarão a se manifestar. Líderes já pediram para falar com o Presidente Lula. Inclusive ontem o Presidente Bush, outros Presidentes e vários Ministros de Relações Exteriores se dirigiram a S.Exa. e a mim diretamente e disseram palavras semelhantes. Em reconhecimento a esse heroísmo, o Presidente Lula decretou luto nacional por 3 dias, como também decidiu conceder a Sérgio Vieira de Mello, postumamente, a Ordem Nacional do Mérito, muito raramente concedida, como V.Exas. sabem. Noutra ocasião em que fui Ministro, recordo-me de que foi concedida, em circunstância muito diferente, a Ordem Nacional do Mérito também a um herói nacional: Ayrton Senna. O caso de Sérgio é diferente. É um herói da paz, que dedicou a vida, na prática e arriscando-a constantemente, à reconciliação, à reconstrução, à solidariedade entre os povos. Não é à toa que hoje os jornais trazem artigos de 2 chanceleres, o meu próprio e o do meu antecessor, Ministro Celso Lafer, que 4

também escreveu no Valor uma peça muito bonita sobre Sérgio Vieira de Mello. Penso que essa coincidência apartidária nos une como brasileiros no orgulho e, ao mesmo tempo, na dor pela perda desse grande homem. O Presidente Lula condenou de maneira inequívoca e veemente esse ato terrorista sem explicação e que, como foi dito por alguns, redundará não só em prejuízo para a ONU, mas também em prejuízo para o próprio povo iraquiano. É difícil compreender o que possa ter motivado tal ato. É preciso que as pessoas tenham chegado a um grau de desespero tão grande sem sequer a noção das suas próprias motivações. É terrível. Juntamos neste momento muitos sentimentos: o sentimento da dor, do orgulho pelo brasileiro que se foi, morreu no cumprimento do dever e, ao mesmo tempo, o sentimento de repúdio a essa ação que não tem qualificações. (Não identificado) - Houve falha na segurança, Sr. Ministro? Faço apenas essa pergunta. O SR. MINISTRO CELSO AMORIM - Agradeço mais uma vez à Sra. Presidenta a oportunidade que me dá, porque hoje deveria estar aqui para tratar de outro tema. Creio que poderemos discuti-lo na semana que vem, com o ganho de que os espíritos estarão mais livres para tratar de outro assunto, e, com a própria mecânica das negociações, teremos informações mais valiosas. Nobre Deputado, não tenho meios para dar a V.Exa. uma avaliação agora. O que sabemos é tudo extra-oficial, grande parte vem da imprensa é que obviamente a segurança nas Nações Unidas não era tão presente e ostensiva quanto para outras personalidades, outras forças ou entidades lá presentes. Não sei se o desejo das Nações Unida era manter uma atitude aberta, não separada da população iraquiana, e que não fossem criados muros de arame farpado entre a ONU e o povo. Até que ponto isso decorreu de outras falhas, é cedo para dizer. De qualquer maneira, conhecendo Sérgio Vieira de Mello, sei que sua atitude seria procurar a proximidade com o povo, até mesmo para marcar a diferença entre uma força de ocupação e o que seria o embrião, digamos assim, do que poderíamos chamar de força de reconstrução. A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) - Agradeço ao Ministro Celso Amorim, que se dignificou a prestar informações a esta Comissão. Esta é uma sessão solene de homenagem ao grande brasileiro Sérgio Vieira de Mello. Está suspensa a audiência pública e foi designada nova data para a sua realização: dia 28 de agosto, quinta-feira que vem, às 10h. Nesta sessão solene não vamos conceder a palavra a nenhum Deputado, até porque o Ministro se dispôs a vir até aqui com a condição de que não houvesse demora, porque S.Exa. tem hoje uma missão a cumprir. Vai discutir com a família se Sérgio Vieira de Mello será enterrado no Brasil ou na França. Portanto, o Ministro está profundamente comovido. Vamos fazer 1 minuto de silêncio em homenagem ao grande brasileiro Sérgio Vieira de Mello. (Pausa.) Agradeço a todos. (Palmas.) Está encerrada a sessão. 5