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Transcrição:

BIODIVERSIDADE E POBREZA: UMA QUESTÃO DE DECISÃO POLÍTICA Nazaré Imbiriba 1 T endo ultrapassado a fronteira invisível para o século XXI, todas as sociedades deste planeta enfrentam o desafio de definir e implementar vias sustentáveis de desenvolvimento capazes de conciliar prudência ecológica com viabilidade econômica e justiça social. Trata-se de um desafio que, antes de tudo, é político, uma vez que a sua aceitação depende da vontade consciente de uma determinada coletividade. Na América Latina, de um modo geral, a discussão sobre os caminhos da proteção das bases naturais da vida social se concretiza dentro de um processo de democratização da esfera política que, em princípio, permitiria a constituição de decisões majoritárias sobre os projetos futuros da sociedade abrindo, assim, um fundo de legitimidade capaz de criar consensos mínimos mesmo entre atores que, por razões sociais, econômicas ou culturais, convivem de maneira conflitiva. Ou seja, no processo de democratização está implícita a chance de os atores latinoamericanos avançarem em seus respectivos contextos nacionais como produtores de concepções e de estratégias próprias de desenvolvimento, deixando de lado o secular mimetismo que caracteriza todos os países do subcontinente depois de sua independência política. Contudo, falar em possibilidades significa, obviamente, nada mais do que uma luz no túnel. Para alcançá-la precisa-se, além da vontade majoritária da sociedade, da capacidade política de superar um amplo elenco de obstáculos subjetivos e objetivos que estão presentes no meio deste mesmo túnel. Qualquer sociedade humana está sujeita à necessidade de assumir decisões políticas, a fim de escolher, dentre as alternativas disponíveis de vida futura, aquelas que considera serem as opções mais adequadas para a sua reprodução física, social e econômica. A questão das escolhas adequadas ao futuro de uma dada coletividade se torna mais complexa ainda na medida em que ela se organiza conformando um Estado Nacional democrático, com o pressuposto básico de que o Governo representa a maioria dessa coletividade. Nesse caso, a decisão política quanto ao futuro da vida social mais adequada impõe o estabelecimento de um grande entendimento nacional na escolha e definição, que é claramente política, dos princípios, objetivos, metas e modelos a seguir, assumindo as vantagens ou desvantagens de escolhas tomadas. A análise histórica dessas decisões espelham bem as opções e os caminhos escolhidos. E são indicadores do grau de soberania e de autonomia do Estado nacional. Uma visão histórica sobre os países sul-americanos, integrantes da periferia do sistema econômico global, a partir da construção dos Estados 1 Professora da UFPA. Coordenadora do Programa POEMA/NUMA/UFPA.

Nacionais, deixará claro que as decisões políticas quanto ao futuro da vida social sempre foram tomadas, com raros momentos de exceção, a partir de fora, isto é, com um nível absolutamente mínimo de soberania, de autonomia e de participação das sociedades nacionais. Sem entrar nas especificidades das histórias nacionais, é visível, também, que nas últimas décadas, com um processo galopante de globalização econômica, o espaço da decisão política soberana e autônoma diminuiu consideravelmente. Ao mesmo tempo em que se reduz o espaço da autonomia das escolhas políticas, países que detêm uma enorme biodiversidade sofrem, por sua vez, uma pressão externa e interna importante a respeito do uso e da conservação dessa mesma biodiversidade. Vale lembrar que, incluídos no sistema internacional como periferia, os Estados Nacionais sul-americanos, como de resto grande parte do mundo em desenvolvimento, importaram padrões de sociedade e de valores das sociedades industrializadas, copiando o modelo fordista da produção e do consumo em massa, recebendo condições excepcionais de crédito que financiaram seus anseios por avanços econômicos, levando-os a um endividamento externo excepcional. Entretanto, hoje, o centro industrializado do sistema internacional informa que o modelo torna-se insuportável se universalmente adotado e a palavra de ordem é, agora, apertar os cintos. Isso significa dizer: uma diminuição dos fluxos de capital com uma recomendada diminuição das funções do Estado. Paralelamente, a questão da conservação da biodiversidade passa a figurar, também, nas imposições políticas do sistema dominante, como imprescindível para o futuro de toda a humanidade. Um paradoxo: diminuem-se os fluxos de recursos financeiros, com um fardo de uma dívida impagável e exige-se, ao mesmo tempo, a conservação dos recursos naturais em países que vinham utilizando essa biodiversidade como parte do esforço desenvolvimentista das últimas décadas, como é o caso dos sul-americanos. Porém, é evidente que as preocupações com a conservação dos recursos naturais, legitimamente defendida no Norte, são extremamente distintas das do Hemisfério Sul. O efeito estufa, o buraco ozônico e a erosão biogenética indicam, com clareza, que durante o século XXI a conservação e as formas de aproveitamento dos recursos naturais se tornarão questões-chaves dentro de uma aldeia global que, do ponto de vista social, está profundamente dividida. Convém lembrar que, entre 1960 e 1991, os 20 % mais abastecidos da população mundial aumentaram a sua parcela de toda a riqueza produzida de 70% para 85% enquanto, no mesmo período, os 20% mais pobres viram a sua parte reduzida de 2.3% para 1.4% (Hauchler). Neste sentido, é óbvio que a maneira pela qual os moradores dos diversos bairros da aldeia global encaram e tratam o ambiente natural está diretamente dependente de sua condição sócio-econômica. Exemplificativamente, pode-se dizer que, se de um lado, ecologistas radicados nos países da Comunidade Européia ou nos Estados Unidos

(dispondo, geralmente, de condições de segurança social da data do seu nascimento até o momento de sua morte) destacam, com toda a razão, que a proteção das florestas tropicais e, conseqüentemente, de sua incomparável biodiversidade é um insumo de fundamental importância para a sobrevivência das futuras gerações da espécie humana na aldeia global, por outro lado, camponeses na Amazônia ou nas partes africanas e asiáticas do cinturão tropical, que praticam o sistema de corte-e-queima da agricultura itinerante, provavelmente terão problemas para entender e aceitar essas preocupações. Diante da pressão externa, que insiste em uma rigorosa dieta econômica, apequena-se o Estado, transferindo-se aos grupos econômicos, de qualquer origem, setores importantes da economia nacional, pela privatização. Porém, diante das imposições externas pela conservação ambiental, os países periféricos, na maioria dos casos, não conseguem responsabilizar todo o sistema político global por essa conservação, e, também, pela reprodução econômica das massas populacionais pobres ou miseráveis que, de uma maneira ou de outra, sobrevivem utilizando, predatoriamente, esses mesmos recursos. Isso significa dizer que a decisão política de incluir na agenda mundial a aliança imprescindível entre o uso ecologicamente prudente da biodiversidade e a superação da pobreza reinante no interiordas sociedades nacionais, como uma responsabilidade internacional, ainda é incipiente, uma década após a Eco 92. Ninguém em sã consciência negará a verdade de que o Planeta não suportará que os padrões de consumo das sociedades industrializadas seja globalizado. Porém, ao lado das pressões externas, os Estados nacionais, na periferia do sistema internacional, vêem-se às voltas com pressões internas de sua própria sociedade, seja pelos segmentos mais excluídos e marginalizados que demandam políticas que garantam sua reprodução econômica e social seja pelo segmento que historicamente tem se beneficiado das políticas nacionais e dos ganhos propiciados pelos modelos importados que, a grosso modo, podem ser chamados de american way of life, inclusive por meio do uso e exploração da biodiversidade nacional. Importante é lembrar que as políticas nacionais, nas últimas décadas, reservaram espaços importantes de suas ricas áreas de biodiversidade como espaços capazes de absorver contingentes populacionais, geralmente pobres, excedentes de outras áreas do país e, ao mesmo tempo, aproveitaram parte desses recursos naturais como insumo para a manutenção de altas taxas de crescimento econômico, beneficiando uma determinada elite da sociedade nacional. A pressão sobre os recursos naturais foi evidente. Daí a importância de perceber que, além de decisões de política externa, que dizem respeito ao contexto global das relações desiguais entre centroperiferia, uma outra decisão de política interna fundamental se impõe aos Estados Nacionais: a definição interna quanto ao modelo de sociedade que desejam perseguir que permita a toda a sociedade nacional, e não apenas a segmentos minoritários opulentos, avançar no caminho da dignidade cidadã, a qual passa, necessariamente, pela superação da pobreza, pela definição do uso

que pretendem dar a sua biodiversidade e, acima de tudo, pela decisão quanto a que benefícios e a que beneficiários este uso deseja priorizar. No caso da Amazônia essa definição assume contornos de extrema urgência. A maior floresta tropical contínua do mundo, o maior banco genético do planeta, a maior bacia hidrográfica do mundo, o maior reservatório de água doce do mundo... nem esses nem outros qualificativos têm alterado a histórica marginalização que sofre a Região, seja em termos nacionais, seja em termos internacionais. A Amazônia figura no discurso mundial como assunto de grande preocupação, o que deve ser visto como normal e desejável, tendo em vista o contexto de acelerada e evidente destruição dos recursos naturais do planeta, com os riscos óbvios do que isso comporta para toda a humanidade. Entretanto, esta Região, compartilhada por oito países com cerca de 20 milhões de pessoas, não recebe, por parte dos países mais ricos, igual nível de atenção quando se trata de arcar, globalmente, com os ônus de sua preservação, o que passa, necessariamente, pela implementação de vias de desenvolvimento sustentavel, por meio do uso de seus recursos naturais. Por outro lado, em níveis nacionais, as áreas amazônicas seguem sendo periferias e tratadas como tal pelos governos nacionais, sem figurar como objetivo específico de uma política regional. Porém, em um mundo onde bionegócios e biotecnologia passam a ter influência crescente, inclusive em termos econômicos, a Amazônia é, sem dúvida, um tesouro inestimável. Abrem-se para ela, portanto, condições, talvez únicas, de conciliar Preservação e Uso Sustentável de seus recursos naturais, gerando trabalho, ocupação e renda para suas populações, majoritariamente pobres e excluídas, até hoje. Entretanto, o risco de que a Região mantenha seu secular lugar na divisão internacional do trabalho, como simples supridora de matérias-primas, não é desprezível (com a continuidade do binômio destruição ambiental/pobreza). Daí por que a possibilidade do desenvolvimento sustentável com todas as inerentes implicações ecológicas, sociais, culturais e econômicas exige o reconhecimento ativo, por parte dos próprios governos nacionais amazônicos, da importância estratégica da Região, em termos internos e externos, e do poder que a soberania sobre o maior banco genético do planeta lhes confere. No plano nacional, o desenvolvimento da Amazônia requer um esforço de construção de alianças entre sociedade civil, governos e atores privados, de forma a que não se desenhe como cópias contínuas e miméticas de processos externos, sem o necessário respeito às especificidades culturais, ecológicas, sociais e econômicas régionais. Pressupõe, portanto, o fortalecimento das organizações não-governamentais, a atração do investimento privado, e um árduo combate à pobreza, por meio de políticas públicas diferenciadas, que favoreçam aos mais frágeis, em termos culturais, econômicos e sociais. Esta estratégia impulsionará o fortalecimento da competitividade dos atores regionais, importante para qualquer avanço, seja no meio rural, seja no urbano, inclusive criando sinergias entre campo e cidade.

Isso significa ultrapassar posições meramente defensivas contra as críticas centradas na questão da destruição ambiental, e avançar na definição de um concreto projeto global que inclua o desenvolvimento sustentável da Amazônia como prioridade planetária. Isso implica decisão política, com o conseqüente ônus para os países da Região, é certo ( amarrados por políticas de reajuste e de contenção de gastos públicos), inclusive no tocante ao desafio da construção de uma efetiva, concreta e substantiva cooperação regional amazônica em torno de propostas viáveis de desenvolvimento local, o que fortaleceria uma posição regional comum e concertada em torno da Amazônia, como também aceleraria ações e otimizaria recursos de toda ordem.. Mas há, também, um ônus a ser assumido pelo sistema internacional, em termos da disponibilidade de recursos financeiros necessários para a implementação de justiça social, prudência ecológica e viabilidade econômica na Amazônia, recursos esses de que os países amazônicos não dispõem, seguramente. Inclusive recursos financeiros que permitissem manter a floresta em pé, quando se pensa na importância da Região para o clima global. Então, sim, estaria a Amazônia, de fato, inserida nas preocupações globais. Referências HAUCHLER, Ingomar. Globale Trendes 1996. Fakten Analysen Prognosen. Frankfurt am Main. 1995