As Torres Gêmeas (World Trade Center).Direção/realização Oliver Stone.Los Angeles: Paramount Pictures, 2006. As Torres Gêmeas: os heróis pós-modernos e a compaixão dos americanos por si mesmos 1 Juliano Constante da Silva 2 julianoconstante@yahoo.com.br A obra cinematográfica que proponho analisar é a intitulada no Brasil de As Torres Gêmeas (2006), originalmente World Trade Center, dirigida por Oliver Stone, diretor/realizador que recebeu de alguns críticos de cinema o rótulo de cineasta político, teórico da conspiração e de manipulador de espectadores. Nascido em Nova York em 15 de setembro de 1946,Stone foi um combatente no Vietnã, chegando a ganhar uma Estrela de Bronze de Honra ao Mérito. Entre seus filmes de grande sucesso estão: Platoon, Nascido em 4 de Julho, Alexandre, o Grande e o filme tema dessa breve análise, As Torres Gêmeas. O filme em análise, que saúda a coragem e a imagem do herói americano, custou a Paramount 65 milhões de dólares e foi aos cinemas como uma grande incógnita: será que o público americano estaria preparado para assisti-lo ou iria preferir absterse daquele tema tão delicado? Contudo, a espetacularização do drama, da tragédia, enfim, da vida na sociedade contemporânea, fez do filme um grande sucesso de público e renda. Apesar dos altos índices de bilheteria, o filme não recebeu nenhum Oscar. Em relação ao contexto político, o filme foi produzido no período do segundo mandato do presidente George W. Bush, quando este já sofria duras críticas em relação à Guerra do Iraque e a sua postura quanto aos atingidos pelo furacão Katrina. 1 BAUDRILLARD, Jean. Power Inferno. Porto Alegre: Sulina, 2007, p.32. 2 Graduado em História pela Faculdade Cenecista de Osório. 199
O elenco conta com o astro de cinema Nicolas Cage, famoso por seus filmes de ação, mas por dar também um toque dramático na característica de seus personagens. Podemos destacar inicialmente aquilo que Peter Burke (2004) chama de iconotextos, como por exemplo, as mensagens publicitárias de divulgação do filme, em frases como: Cada geração tem um momento marcante Este foi o nosso ; Uma história verdadeira de sobrevivência e coragem ; O mundo viu o Mal naquele dia. Dois homens viram algo mais. Essas frases têm a intenção de atrair, de seduzir o espectador e já diz um pouco sobre o tema ao qual trata o filme. Quanto às frases relacionadas no parágrafo anterior, destaco a seguinte: O mundo viu o Mal naquele dia. Dois homens viram algo mais. A razão por ter dado ênfase a essa frase, decorre do fato de que ela nos dá uma ideia de oposição, de antagonismos, ou seja, se o mundo viu o Mal por meio dos ataques terroristas, o Bem só pode ser aquele que foi atacado. Nesse sentido, a mensagem promove, ou ao menos tem a intenção de promover, a ideia de que todo o mal é causado pelos monstros terroristas árabe-islâmicos, e que a compaixão dos americanos por si mesmos é o Bem, e esse deve ser emulado e disseminado por todo o mundo, no intuito de eliminar o Mal. Outra frase que tem grande impacto sobre os espectadores é a que diz, no começo do filme, que a obra é uma produção baseada em relatos de sobreviventes, o que dá uma maior credibilidade à produção, ou seja, têm maior chance de ser assimilada como sendo a realidade. O filme é realizado a partir dos relatos dos policiais John McLoughlin e Will Jimeno. O filme inicia mostrando a vida em família do policial John McLoughlin, sargento da Polícia Portuária de Nova York, o que faz com que o espectador perceba que, aquele policial é antes, um pai de família. Os meios para chegar até o trabalho e os cenários que compõem o trajeto, também demonstram o estilo de vida americano e o gosto desses heróis. O metrô, a Estátua da Liberdade, a música estilo cowntry que se escuta no carro do policial Will Jimeno, são fatores importantes no sentido de criar uma identificação entre o público, personagens e o jeito americano de ser. Em relação ao contingente da Polícia Portuária de Nova York, são destacados no filme, os sobrenomes de diferentes origens, nacionalidades, como Jimeno, Pezullo, 200
Rodrigues, Strauss, Stolzman, Colovitto. Esse fator faz com que o mundo se identifique com aqueles policiais, ou seja, não apenas os Estados Unidos foram atacados, mas todos os povos. A condição cosmopolita de Nova York é profundamente explorada no sentido de demonstrar o sofrimento do mundo diante da maldade promovida pelo terrorismo internacional. A mídia está sempre à frente da polícia, dos bombeiros, e isso fica claro em várias passagens do filme, especialmente quando os policiais recebem informações de familiares que estão acompanhando o que ocorre no World Trade Center pelo rádio ou TV. Fazendo um parêntese, os serviços de informação e contra-informação são hoje essenciais tanto a empresários quantos aos governos, que muitas vezes compram estes serviços de empresas privadas, como da CNN, citada no filme. Quando os policiais saem para o patrulhamento de rotina na manhã de terça-feira 11 de setembro de 2001, as instruções dadas pelo sargento McLoughlin, encarregado daquele grupamento, é seguida de protejam uns aos outros, o que transmite uma ideia de união que perpassa todo o filme, especialmente nos momentos mais tensos, onde os policiais pedem uns aos outros no caso de morrerem que, diga à minha esposa e filhos que euos amo. Como o foco do filme não é o feito terrorista, mas exaltar a coragem dos heróis pós-modernos (policiais, bombeiros, soldados) e a compaixão dos americanos por si mesmos, o ataque, a colisão dos aviões, são literalmente uma sombra no filme. A não ser nas repetidas vezes em que mostram nas tvs dos personagens as pessoas se jogando do alto dos prédios em chamas, papéis voando e a posterior queda das Torres, seguida de uma grande cortina de fumaça, o atentado em si, fica em segundo plano. A frase do personagem Mariner Dave Karnes a respeito da fumaça é impactante, Deus fez uma cortina de fumaça para nos proteger do que ainda não podemos ver. Nesse sentido, podemos dizer que o Ocidente não estava preparado para ver aquilo. Eis o caráter aterrorizante do atentado. Após o desabamento das Torres, os policiais McLoughlin e Jimeno ficam presos nos escombros e o tempo todo são solidários um ao outro. Falam da família, de suas vidas, até o momento de serem resgatados. Num dos momentos mais críticos, o personagem Jimeno vê um personagem que o Ocidente racional havia matado: 201
Jesus Cristo. Os dois policiais foram os sobreviventes, número dezoito e dezenove, dos vinte resgatados com vida dos escombros. É importante destacar a imagem do pronunciamento do presidente George W. Bush nos noticiários de TV, que promete o combate ao terrorismo em escala global. O que torna o drama mais profundo é a agonia das famílias que aguardam por notícias, relembrando aqueles que estavam nos prédios no momento do atentado. Mulheres grávidas, famílias numerosas, mães culpando-se pela morte ou por não ter feito mais pelo filho, filhos revoltados, enfim, a imagem de uma nação que está praticamente arrasada, mas que encontra forças na ajuda mútua e no sentimento de vingança. O sentimento de compaixão, de obstinação por salvar os seus e de vingança, assim como a confiança no poder das Forças Armadas norte-americanas, fica claro nas frases do Mariner Dave Karnes: Não vamos embora, somos a Marinha, você é a nossa missão ; Vão precisar de mais homens de bem para se vingar disso.outra questão relevante é o encontro de desconhecidos que se abraçam, confortam-se, o que mostra a dor em comum. Essa dor em comum não é apenas a dor daqueles que diretamente estão envolvidos com o incidente, mas a dor de todo o mundo ocidental/ocidentalizado. O filme encerra com um churrasco em comemoração ao resgate de McLoughlin e Jimeno, que após se recuperarem se aposentam e vão morar, respectivamente, em Nova York e Nova Jersey. Retomando a mensagem publicitária de divulgação do filme que diz que, O Mundo viu o Mal naquele dia. Dois homens viram algo mais, esse algo mais é o que narra o personagem sargento McLouhlin ao final do filme, dizendo o que foi para ele os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001: Onze de setembro nos mostrou o que o ser humano é capaz de fazer: a maldade, sim é claro, mas também trouxe uma bondade que esquecemos que poderia existir. As pessoas cuidando uma das outras, por nenhum outro motivo senão fazer o que tinha de ser feito. É importante que falemos deste lado bom, que lembremos, porque eu vi muita bondade naquele dia. (Filme As Torres Gêmeas, originalmente World Trade Center, 2006). Após essa breve análise podemos dizer que de uma forma geral, o filme As Torres Gêmeas de Oliver Stone, é um drama que tem como foco aquilo que Baudrillard define como a compaixão dos americanos por si mesmos, e uma apologia aos 202
heróis pós-modernos (bombeiros, policiais, soldados). Outro fator relevante, que deve ser retomado, é a demonstração, repetidas vezes, de que não foi exclusivamente um ataque à Manhattan, à Nova York ou aos Estados Unidos, mas foi um ataque contra a humanidade. A imagem da megalópole cosmopolita é explorada a todo o tempo, as diferentes etnias são apresentadas e, nas notas ao final do filme, é destacado o número de mortos e as diferentes nacionalidades. REFERÊNCIAS BAUDRILLARD, Jean. Power Inferno. Porto Alegre: Sulina, 2007. BURKE, Peter. Testemunha ocular. São Paulo: EDUSC, 2004. COELHO, Teixeira. O que é indústria cultural? São Paulo: Brasiliense, 1986. FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. PENAFRIAMauela. Análise filmes- conceitos e metodologias. VI Congresso SOPCOM, abril/2009. Disponível em www.bocc.ubi.pt PINTO, Luciana. O historiador e sua relação com o cinema. In: Revista Eletrônica o Olho da História, 2004. Disponível em www.olhodahistória.ufba.br, 2004. Sites Visitados cinema.uol.com.br/ultnot/.../ult26u22120.jhtm http://www.adorocinema.com/filmes/torres-gemeas/ www.olhodahistória.ufba.br 203