DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO O REGIME INTERNACIONAL DOS ESPAÇOS. Sumários Desenvolvidos



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Transcrição:

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO O REGIME INTERNACIONAL DOS ESPAÇOS Sumários Desenvolvidos Patrícia Jerónimo 2009, Patrícia Jerónimo Nenhuma parte deste trabalho pode ser copiada, reproduzida ou transmitida sem prévia autorização do autor

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1. Considerações introdutórias 1.1. A relevância do tema A utilização dos espaços internacionais (ou seja, os espaços subtraídos à soberania estadual) e sua articulação com os espaços integrados no território dos Estados, é uma matéria de grande interesse para a comunidade internacional globalmente considerada, como demonstra a crescente regulamentação internacional que tem vindo a verificar-se em domínios como os transportes (incluindo a navegação marítima, aérea e espacial) e comunicações (hertziana, cabo, satélite), a exploração dos recursos biológicos e minerais, como a pesca, a prospecção do petróleo e gás natural, a investigação científica, a protecção do ambiente e a utilização da energia. Esta intensa regulamentação decorre, sobretudo, da necessidade de resolver conflitos de interesses, de grande complexidade, nomeadamente entre a protecção do ambiente e a actividade piscatória, entre esta e a navegação internacional, entre utilizações civis e utilizações militares dos espaços e entre a exploração da plataforma continental e colocação de condutas e cabos submarinos. Expressão do cuidado posto pela comunidade internacional na gestão dos espaços internacionais é a recente tendência para confiar a entidades reguladoras internacionais independentes a função de fazer aplicar as normas internacionais relevantes, contrariando as pressões dos Estados e dos grupos de interesses internacionais (aviação civil, petrolíferas, armadores). Isto porque, sendo estes espaços do domínio público internacional, a sua preservação pode ser usufruída de forma indivisível por todos, sem qualquer exclusão, o que cria nos Estados fortes incentivos para minimizarem a respectiva contribuição para esse objectivo e maximizarem a contribuição dos outros. O enquadramento fundamental que serve de base à conceptualização da gestão dos espaços internacionais tem sido dado, desde a década de 80 do século XX, pela noção organizadora de desenvolvimento sustentado. A partir dela a doutrina procurou desenvolver alguns modelos teóricos, sem lograr um consenso. Entre os modelos avançados avulta o que assenta na ideia de património comum da humanidade e, em conformidade, subordina a utilização dos espaços a obrigações de interesse geral, tendo em conta preocupações de coexistência pacífica e de justiça distributiva, defendendo uma gestão internacional dos espaços e proibindo a sua apropriação unilateral. Este modelo recebeu acolhimento em textos internacionais (nomeadamente na 3

Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982) mas, segundo Jónatas Machado, ainda é cedo para se considerar que se trata de uma noção de jus cogens 1. As regras aplicáveis aos espaços internacionais são, na realidade, extremamente diversificadas e dependem largamente das relações de força internacionais, das prioridades defendidas pelas grandes potências, mas também das concepções jurídicas dominantes em cada época quanto aos interesses públicos (protecção do ambiente, necessidade de pesquisa científica, exploração optimizada dos recursos naturais, segurança das comunicações). Por outro lado, não existe uma separação clara e estanque entre os espaços insusceptíveis de apropriação nacional e os dependentes da soberania do Estado entre uns e outros existem espaços de estatuto misto, sobre os quais um Estado exerce competências alargadas, mas que não são exclusivas ou totais 2. 1.2. Espaços dentro da jurisdição nacional o território estadual O território é um dos elementos constitutivos do Estado. A doutrina caracteriza-o como o marco físico em que opera o ordenamento jurídico de um Estado. Neste sentido, o território é um pressuposto material do exercício válido, efectivo e exclusivo da soberania, funcionando como condição da independência política relativamente a outros Estados e da autonomia e da independência económica. O respeito da soberania territorial dos Estados é uma das bases essenciais das relações internacionais, como sublinhou o Tribunal Internacional de Justiça num acórdão de 1949 3. A delimitação precisa das fronteiras (ou seja, dos limites exteriores do território) dos Estados constitui matéria do máximo interesse para o Direito Internacional. A fronteira é um limite de carácter internacional, pelo que não podem considerar-se fronteiras as linhas que separam as colectividades territoriais de um Estado (mesmo quando se trate dos limites dos Estados membros de um Estado federal). A coexistência de vários Estados obriga a precisar o seu campo de aplicação territorial. A demarcação das fronteiras assume geralmente carácter convencional, sendo confiada a tarefa a comissões de limitação e demarcação. Do ponto de vista da soberania territorial, importa sublinhar o princípio da soberania nacional sobre os recursos naturais, do qual resultam algumas refracções extra-territoriais. Sustentado 1 Cf. Jónatas E. M. MACHADO Direito Internacional. Do Paradigma Clássico ao Pós-11 de Setembro, 3.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2006, pp. 515-516. 2 Cf. Nguyen Quoc DINH, et al. Direito Internacional Público, 2.ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 1159. 3 Cf. Nguyen Quoc DINH, et al. Direito Internacional Público, 2.ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 475. 4

desde os anos 50 do século XX pelos países em vias de desenvolvimento e afirmado pela Assembleia Geral da ONU, o princípio da soberania nacional sobre os recursos naturais assume um lugar central na chamada nova ordem económica internacional, especialmente preocupada com a situação económica e social dos países em vias de desenvolvimento, e encontra consagração expressa na Carta dos Direitos e Deveres Económicos dos Estados, aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 1974. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar consagra o princípio, mas subordina-o ao dever de proteger e preservar o meio marinho 4. A Constituição da República Democrática de Timor-Leste (CRDTL) enuncia o princípio da soberania nacional sobre os recursos naturais entre os princípios norteadores do Estado timorense nas suas relações internacionais (artigo 8.º, n.º 1) 5 e, em conformidade, estatui no seu artigo 139.º, n.º 1, que os recursos do solo, do subsolo, das águas territoriais, da plataforma continental e da zona económica exclusiva, que são vitais para a economia, são propriedade do Estado e devem ser utilizados de uma forma justa e igualitária, de acordo com o interesse nacional. O artigo 158.º, n.º 3, esclarece que Timor-Leste não reconhece quaisquer actos ou contratos relativos àqueles recursos naturais que tenham sido celebrados ou praticados antes da entrada em vigor da CRDTL, sem que sejam confirmados pelos órgãos competentes, uma salvaguarda que se compreende em vista, nomeadamente, do Tratado do Timor Gap, celebrado entre a Austrália e a Indonésia em 11 de Dezembro de 1989 6. Os elementos constitutivos do território são a superfície terrestre lato sensu, o mar territorial e o espaço aéreo. Nos termos do artigo 4.º, n.º 1 da CRDTL, o território da República Democrática de Timor-Leste compreende a superfície terrestre, a zona marítima e o espaço aéreo delimitados pelas fronteiras nacionais, que historicamente integram a parte oriental da ilha de Timor, o enclave de Oe-Cusse Ambeno, a ilha de Ataúro e o ilhéu de Jaco. O território nacional e os direitos de soberania sobre ele exercidos são inalienáveis (artigo 4.º, n.º 3) 7. A Constituição remete para a lei ordinária a fixação e definição da extensão e do limite das águas territoriais, da zona económica exclusiva e os direitos de Timor-Leste na zona contígua e plataforma 4 Os Estados têm o direito de soberania para aproveitar os seus recursos naturais de acordo com a sua política em matéria de meio ambiente e de conformidade com o seu dever de proteger e preservar o meio marinho (artigo 193.º da Convenção). 5 A República Democrática de Timor-Leste rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do direito dos povos à autodeterminação e independência, da soberania permanente dos povos sobre as suas riquezas e recursos naturais, da protecção dos direitos humanos, do respeito mútuo pela soberania, integridade territorial e igualdade entre Estados e da não ingerência nos assuntos internos dos Estados. 6 Idêntica ressalva, agora por referência directa ao Tratado Timor Gap, é feita no instrumento de troca de notas entre Timor-Leste e a Austrália que acompanha o Tratado do Mar de Timor. Pode ler-se no seu ponto 8.º: Ao concordar em continuar com as disposições de 19 de Maio de 2002, até à entrada em vigor do Tratado, o Governo da República Democrática de Timor-Leste não reconhece por este meio a validade do Tratado entre a Austrália e a República da Indonésia na Zona de Cooperação numa Área entre a Província Indonésia de Timor-Leste e o Norte da Austrália (o Tratado Timor Gap ) ou a validade da integração de Timor-Leste na Indonésia. 7 O Estado não aliena qualquer parte do território timorense ou dos direitos de soberania que sobre ele exerce, sem prejuízo da rectificação de fronteiras. 5

continental (artigo 4.º, n.º 2) 8, o que foi feito pela Lei n.º 7/2002, de 20 de Setembro. Interessa notar que este diploma veio definir em termos mais amplos (e abertos) o território de Timor- Leste, acrescentando à definição constitucional outras ilhas e formações naturais que constituam dependências susceptíveis de apropriação (artigo 1.º, alínea d) da Lei n.º 7/2002). Numa aparente confusão conceptual entre território e espaço terrestre, o artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2002, afirma ainda que a soberania de Timor-Leste abrange, para além do seu território e águas interiores, o mar territorial e o espaço aéreo sobre o mar territorial, bem como o leito e o subsolo deste. 1.3. Espaços fora da jurisdição nacional Espaços fora da jurisdição nacional são o alto mar e os fundos marinhos, o espaço aéreo internacional, o espaço extra-atmosférico e a Antártida. 2. O espaço terrestre 2.1. Elementos Na superfície terrestre em sentido amplo estão incluídos o solo, o subsolo e as águas interiores (ou seja, as baías, os lagos, os rios e todas as águas que ficam aquém da linha de base do mar territorial 9 ). O princípio geral admitido para as águas interiores é o da soberania nacional exclusiva, mas frequentemente temperada pela concessão de direitos de acesso ou de exploração a Estados terceiros, pela via convencional ou consuetudinária. Não se garante, todavia, contrariamente ao que se verifica para o mar territorial, um direito de passagem inofensiva a estrangeiros 10. Os navios privados (ou navios de Estado utilizados para fins comerciais) e os navios de guerra estrangeiros só podem aceder às águas interiores de um Estado se este o autorizar, salvo, por razões humanitárias, se os navios se encontrarem acidentados ou em perigo. Uma vez admitidos 8 Os limites das águas territoriais e da zona económica exclusiva e os direitos de Timor-Leste à zona contígua e plataforma continental, bem como, em geral, as fronteiras da República Democrática de Timor-Leste, são matéria da competência exclusiva do Parlamento Nacional, de acordo com o artigo 95.º, n.º 2, alíneas a) e b) da CRDTL. 9 A Lei n.º 7/2002, de 20 de Setembro, estabelece que o limite exterior das águas interiores do território de Timor-Leste é a linha de base a partir da qual se mede a largura do mar territorial de Timor-Leste (artigo 4.º). 10 Cf. Jónatas E. M. MACHADO Direito Internacional. Do Paradigma Clássico ao Pós-11 de Setembro, 3.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2006. 6

às águas interiores, os navios privados estrangeiros encontram-se inteiramente submetidos à soberania do Estado ribeirinho, cuja jurisdição prima sobre a do Estado do pavilhão, ao passo que os navios de guerra permanecem submetidos à jurisdição do Estado do pavilhão durante a sua estadia 11. Questão diferente é a posta pelos canais 12 e rios 13 internacionais, que fazem parte integrante do território do Estado ou dos Estados que atravessam, mas que devem servir a navegação internacional. Dois princípios fundamentais entram aqui em concorrência: o da soberania territorial do Estado ribeirinho e o da liberdade das comunicações proveniente das necessidades do comércio internacional. A conciliação consegue-se, não sem dificuldades, um pouco como no mar territorial, pelo reconhecimento de um direito de livre passagem admitido, pelo menos em tempo de paz, em favor de navios (mas não das aeronaves) hasteando o pavilhão de qualquer outro Estado. Os Estados ribeirinhos não admitem facilmente estas limitações às suas competências, pelo que, em cada caso particular, o regime jurídico dos canais e dos rios é definido com precisão por um ou vários instrumentos convencionais 14. 2.2. Processos de fixação de fronteira. Contestação e prova do traçado fronteiriço. Regime das zonas fronteiriças. A operação completa de determinação da linha fronteiriça compõe-se de várias fases. A primeira é a fase da delimitação, operação jurídica e política que fixa a extensão espacial do ou dos poderes estatais. A segunda é a demarcação, operação técnica de execução que transfere para o terreno os termos de uma delimitação estabelecida. A terceira e última fase consiste na implantação das extremas, operação que materializa a fronteira no terreno por referências acordadas (marcos, estacas, etc.). O traçado da fronteira pode ser estabelecido no seguimento de uma negociação, de uma regulamentação unilateral ou colectiva de um concerto de potências, em virtude de uma regra consuetudinária ou de uma decisão jurisdicional ou arbitral. Estabelecer uma fronteira é um compromisso para o futuro, pelo que os Estados, preocupados 11 Cf. Nguyen Quoc DINH, et al. Direito Internacional Público, 2.ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, pp. 1178-1179. 12 Os canais internacionais são vias de comunicação marítima e internacional que ligam mares livres, com a particularidade de serem vias artificiais escavadas sobre o território de um Estado. Cf. Nguyen Quoc DINH, et al. Direito Internacional Público, 2.ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 1245. 13 Os rios são internacionais quando, no seu curso, tocam os territórios de mais do que um Estado. Podem distinguir-se os rios fronteira, ou contíguos, e os rios sucessivos. Cf. Nguyen Quoc DINH, et al. Direito Internacional Público, 2.ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 1255. Timor-Leste tem em comum com a Indonésia vários rios (ou bacias hidrográficas), razão pela qual a Comissão Fronteiriça Conjunta (ver infra) activou, em Maio de 2009, um sub-comité técnico sobre gestão de água e rios comuns, incumbido de preparar o terreno para a celebração, a breve prazo, de um ou mais acordos bilaterais sobre esta matéria. 14 Cf. Nguyen Quoc DINH, et al. Direito Internacional Público, 2.ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 1245. 7

com a estabilidade jurídica do traçado definido, tomam múltiplas precauções ao longo das sucessivas etapas da operação e frequentemente optam por firmar o compromisso mútuo sob a forma de um tratado 15. O Direito Internacional não impõe qualquer técnica particular para o estabelecimento da fronteira. Os Estados, fazendo prevalecer as considerações de oportunidade mais diversas, podem livremente decidir considerar pertinentes dados naturais e delimitações anteriores, como podem fazer tábua rasa do passado ou apoiar-se em pontos ou linhas inteiramente artificiais. A escolha entre fronteiras naturais e fronteiras artificiais é ditada pelo conhecimento mais ou menos exacto que os negociadores têm da zona atravessada pela fronteira e pela existência de pontos de referência naturais. Na maior parte dos casos, os Estados preferirão utilizar indícios geográficos ou geológicos, que oferecem maior segurança jurídica do que linhas artificiais e facilitam a operação de demarcação. Se as referências são constituídas por um maciço montanhoso, dever-se-á escolher entre a linha de crista e a linha se separação das águas a primeira assegura uma certa igualdade dos Estados limítrofes em termos de segurança militar; a segunda responde muitas vezes melhor às necessidades concretas da população local e evita a multiplicação de fricções entre colectividades vizinhas mas dependentes de Estados diferentes. A demarcação é sempre delicada, em particular para a linha hidrográfica, e impõe-se a assistência de peritos. Se se tratar de um rio ou de uma ribeira, a linha de fronteira situar-se-á ora numa das margens (o que é uma solução não igualitária, visto que um dos Estados dispõe inteiramente da via de água), ora no meio do rio (sistema da linha mediana). Esta última tem sido a solução dominante, sobretudo nos casos de vias de água navegáveis 16. Para a delimitação das fronteiras dos Estados saídos da descolonização, a regra geral tem sido a que decorre do princípio uti possidetis juris, segundo o qual o direito dos povos coloniais à autodeterminação deve exercer-se no quadro dos limites administrativos fixados pela potência administrante ou das fronteiras coloniais. Este princípio não fixa, no entanto, para sempre as fronteiras dos novos Estados, que permanecem livres de as modificar mediante acordos. Por outro lado, a invocação do princípio revela-se inútil sempre que a delimitação fronteiriça seja estabelecida pela via convencional e não obsta à incerteza sobre o traçado das fronteiras, fonte 15 Cf. Nguyen Quoc DINH, et al. Direito Internacional Público, 2.ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, pp. 477-478. 16 Cf. Nguyen Quoc DINH, et al. Direito Internacional Público, 2.ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 479. 8

de um contencioso internacional importante, na medida em que as delimitações coloniais nem sempre tiveram uma grande precisão 17. Por aplicação do princípio uti possidetis juris, Timor-Leste herdou as fronteiras terrestres definidas pela Administração colonial portuguesa, designadamente as fixadas por dois acordos firmados entre Portugal e os Países Baixos: o Tratado de demarcação e troca de algumas possessões portuguesas e neerlandesas no arquipélago de Solor e Timor, assinado em Lisboa em 20 de Abril de 1859, e a Convenção para a demarcação das possessões portuguesas e neerlandesas na ilha de Timor, assinada na Haia em 1 de Outubro de 1904 18. Em Julho de 2000, a Administração Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste (UNTAET) celebrou com a Indonésia um acordo internacional sobre a constituição de uma Comissão Fronteiriça Conjunta. Timor-Leste e da Indonésia levaram a cabo uma pesquisa conjunta do traçado fronteiriço que conduziu à demarcação de 96% da extensão total da fronteira terrestre. O estabelecimento da fronteira internacional entre a Indonésia e Timor-Leste resultou de um mandato conjunto dos dois Governos, baseado na Convenção de 1904 e na decisão arbitral de 1914 (relativa a Oecusse-Ambeno), que foi executado através de actividades de reconhecimento do terreno (incluindo o levantamento das características geomorfológicas e a condução de inquéritos às populações), da construção de uma base de dados de referência comum (CBDRF) e da condução de pesquisas de delimitação e demarcação. Importava, nomeadamente, estudar as características dos rios (configuração morfológica das margens, localização de ilhas fluviais e de pontos salientes para aplicação da mediana) e a utilização socio-económica dos rios pelas populações locais 19. No dia 8 de Abril de 2005 foi assinado, pelos ministros dos negócios estrangeiros de ambos os países um Acordo Provisório sobre a delimitação da fronteira terrestre, prevendo a continuação das operações de delimitação da fronteira no tocante aos segmentos de fronteira ainda controversos (cerca de 4% da totalidade do traçado fronteiriço) e a celebração de um acordo autónomo em matéria de gestão dos rios comuns (o que se compreende, atenta a circunstância de 75% da fronteira terrestre ser marcada por rios). 17 Cf. Nguyen Quoc DINH, et al. Direito Internacional Público, 2.ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, pp. 479-481. 18 Cf. Miguel Galvão TELES Timor Leste, Separata do II Suplemento do Dicionário Jurídico da Administração Pública, pp. 572-574. 19 Cf. Sobar SUTISNA e Sri HANDOYO Delineation and Demarcation of the Land Borders in Timor: Indonesian Perspective, in www.bakosurtanal.go.id/upl_document/paper%20ibru%20bangkok.pdf. 9

Em processos de contestação do traçado fronteiriço, quando não existe um diploma convencional ou legislativo, ou quando este dá apenas indicações gerais e ambíguas sobre o dito traçado, a jurisprudência internacional tem feito prova de grande empirismo. Os juízes e os árbitros determinam o traçado das fronteiras contestadas combinando e pesando as provas cartográficas com os elementos de prova que lhe são submetidos pelos Estados em litígio sobre o respectivo exercício de uma autoridade efectiva nas parcelas litigiosas, inspirando-se, sendo caso disso, em juízos de equidade 20. Se, em virtude da delimitação, o território dos Estados termina obrigatoriamente na linha de fronteira, já não sucede o mesmo com a vida económica no espaço contíguo denominado zona fronteiriça. Mesmo que existam obstáculos naturais, as regiões limítrofes de um lado e de outro de uma fronteira formam frequentemente uma única unidade sociológica, étnica e económica, unidade que não pode ser artificialmente negada pelos recortes territoriais. Em qualquer hipótese, são inevitáveis contactos entre os habitantes das fronteiras. Apesar de a noção de fronteira-zona não se tenha imposto em Direito positivo, a contiguidade dos 20 Cf. Nguyen Quoc DINH, et al. Direito Internacional Público, 2.ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 482. 10

territórios estatais impõe o respeito por alguns princípios de boa vizinhança, favorecendo processos de cooperação mais densos do que os habituais nas relações interestatais. A cooperação voluntária é um fenómeno frequente que ocorre através de decisões unilaterais paralelas, através da conclusão de tratados ou de acordos entre as colectividades locais respectivas. Tradicionalmente, estas medidas de cooperação organizam a colaboração dos serviços públicos fronteiriços (polícia, luta contra incêndios, serviços hospitalares, comunicações rodoviárias e ferroviárias) e facilitam as deslocações dos trabalhadores fronteiriços (abrandamento dos regimes aduaneiros e de polícia dos estrangeiros). Mais recentemente, a protecção do ambiente foi considerada como de interesse comum, em particular para a prevenção da poluição dos rios e lagos fronteiriços 21. Um exemplo da cooperação entre a Indonésia e Timor-Leste em prol das zonas fronteiriças deuse em 2006 quando o Governo indonésio teve de proceder à reparação de um reservatório de água construído em 1991, ao tempo da ocupação indonésia de Timor-Leste, e parcialmente situado em território timorense. Atenta a circunstância de o reservatório servir as populações de ambos os lados da fronteira, o Governo timorense autorizou a entrada dos técnicos indonésios e os trabalhos de reparação do reservatório 22. Outro exemplo é o Acordo sobre passagem fronteiriça tradicional e mercados regulados, firmado em Outubro de 2007, que impõe a administração por Timor-Leste e pela Indonésia de um sistema aduaneiro, nos termos do qual os nacionais dos dois países, com domicilio nas respectivas áreas de fronteira, poderão entrar e viajar livremente dento da área de fronteira do outro país, para fins tradicionais ou costumeiros. 3. O espaço marítimo Conjugando as definições de geógrafos e de juristas, poderemos dizer que mar é o conjunto dos espaços de água salgada que estão em comunicação livre e natural sobre toda a extensão do globo. Apesar da salinidade das suas águas, o Mar Morto e o Mar Cáspio não podem ser juridicamente considerados como fazendo parte do mar, porque essas massas de água se encontram fechadas. O Mar Cáspio, que banha diversos Estados, pode ser objecto de relações regidas pelo Direito Internacional, mas porque não tem comunicação com o resto dos oceanos, não é uma dependência do mar face às regras gerais do Direito do Mar. O Direito do Mar, por 21 Cf. Nguyen Quoc DINH, et al. Direito Internacional Público, 2.ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 484. 22 Cf. Sobar SUTISNA e Sri HANDOYO Delineation and Demarcation of the Land Borders in Timor: Indonesian Perspective, in www.bakosurtanal.go.id/upl_document/paper%20ibru%20bangkok.pdf. 11

outro lado, respeita não apenas à água, mas também ao solo e subsolo marítimos e, para alguns aspectos, o espaço aéreo sobrejacente 23. O essencial da disciplina do Direito do Mar encontra-se hoje contida na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, realizada em Montego Bay a 10 de Dezembro de 1982 (entrada em vigor em 16 de Novembro de 1994), um instrumento que não foi ainda subscrito por Timor- Leste, apesar da recomendação nesse sentido feita pelo artigo 12.º da Lei n.º 7/2002, de 20 de Setembro 24. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar não deixa, no entanto, de inspirar muitas das soluções adoptadas pela lei timorense e de ser tomada como referência em acordos internacionais subscritos pelo Estado timorense nesta matéria, nomeadamente no Tratado do Mar de Timor firmado com a Austrália em Maio de 2002 25, que assume expressamente o propósito de cumprir as obrigações decorrentes da Convenção de Montego Bay no que toca à exigência de que os Estados com costas opostas ou adjacentes envidem todos os esforços para aderirem a disposições provisórias de natureza prática até chegarem a um acordo sobre a delimitação final da plataforma continental entre eles, em harmonia com o Direito Internacional 26. A regulação da utilização do mar internacional encontra-se dependente da Organização Marítima Internacional, uma agência das Nações Unidas criada em 1948, cujas funções consistem em prestar apoio técnico e cooperar no desenvolvimento de standards de navegação e segurança, de protecção da vida humana no mar e de combate à poluição marinha; cabendo-lhe, ainda, a supervisão e coordenação da navegação e do comércio marítimos e da implementação da MARPOL 27. Timor-Leste ratificou, em 2004, a Convenção da Organização Marítima Internacional 28, tornando-se membro da Organização. 23 Cf. Nguyen Quoc DINH, et al. Direito Internacional Público, 2.ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 1163. 24 Os órgãos de soberania competentes promoverão, em prazo razoável, através dos mecanismos constitucionais e legais apropriados, a aprovação, adesão e ratificação dos tratados, convenções, acordos e protocolos existentes em matéria de Direito do Mar, sobretudo a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar celebrada, a 10 de Dezembro de 1982, em Montego Bay (México) e o Acordo relativo à Aplicação da Parte XI da mesma Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 10 de Dezembro de 1982. 25 Ratificado pela Resolução do Parlamento Nacional n.º 2/2003, de 1 de Abril. 26 Artigo 2.º, alínea a) do Tratado do Mar de Timor: Este Tratado confere executoriedade ao direito internacional relativamente à Convenção das Nações Unidas sobre Direito Marítimo, realizada em Montego Bay a 10 de Dezembro de 1982, o qual, ao abrigo do artigo 83.º, requer que Estados com costas opostas ou adjacentes envidem todos os esforços para aderirem a disposições provisórias de natureza prática até chegarem a um acordo sobre a delimitação final da plataforma continental entre eles, em harmonia com o direito internacional. Este Tratado tem a intenção de cumprir tal obrigação. 27 Cf. Jónatas E. M. MACHADO Direito Internacional. Do Paradigma Clássico ao Pós-11 de Setembro, 3.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2006. 28 Resolução do Parlamento Nacional n.º 10/2004, de 9 de Dezembro. 12

3.1. O mar territorial A delimitação do mar territorial é feita unilateralmente pelos Estados 29, mas o Direito Internacional regula a respectiva validade em face de outros Estados, pelo que, na prática, os Estados devem sujeitar-se nesta matéria ao Direito Internacional. O regime instituído pela Convenção de Montego Bay assenta na premissa de que se trata aqui de uma parte integrante do domínio territorial do Estado, sobre o qual este é soberano 30, ainda que deva exercer essa soberania em conformidade com a Convenção e as demais normas de Direito Internacional (artigo 2.º da Convenção). No respectivo mar territorial, o Estado costeiro exerce competências exclusivas do ponto de vista económico (pesca, exploração de recursos minerais) e em matéria de polícia (navegação, alfândega, saúde pública, protecção do ambiente, segurança) 31. Um limite importante à soberania estadual sobre o mar territorial resulta do dever internacional de garantia, sem quaisquer restrições ou encargos, do direito de passagem inofensiva 32 pelo mar territorial aos navios de qualquer Estado, costeiro ou sem litoral (artigo 17.º da Convenção). Os navios estrangeiros que exerçam o direito de passagem inofensiva pelo mar territorial deverão, no entanto, observar todas as leis e regulamentos adoptados pelo Estado costeiro em matéria de segurança da navegação e regulamentação do tráfego marítimo, protecção das instalações e dos sistemas de auxílio à navegação, protecção de cabos e ductos, conservação dos recursos vivos 29 Veja-se o artigo 4.º, n.º 2 da CRDTL e a Lei n.º 7/2002, de 20 de Setembro, que fixa as fronteiras marítimas do território da República Democrática de Timor-Leste. 30 A soberania do Estado costeiro estende-se além do seu território e das suas águas interiores e, no caso de Estado arquipélago, das suas águas arquipelágicas, a uma zona de mar adjacente designada pelo nome de mar territorial (artigo 2.º, n.º 1 da Convenção). Esta soberania estende-se ao espaço aéreo sobrejacente ao mar territorial, bem como ao leito e ao subsolo deste mar (artigo 2.º, n.º 2 da Convenção). Corolário desta soberania é, nomeadamente, o direito exclusivo do Estado costeiro de regulamentar, autorizar e realizar investigação científica marinha no seu mar territorial. A investigação científica marinha no seu mar territorial só deve ser realizada com o consentimento expresso do Estado costeiro e nas condições por ele estabelecidas (artigo 245.º da Convenção). 31 Cf. Nguyen Quoc DINH, et al. Direito Internacional Público, 2.ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 1183. 32 A passagem significa a navegação pelo mar territorial com o fim de atravessar esse mar sem penetrar nas águas interiores nem fazer escala num ancoradouro ou instalação portuária situada fora das águas interiores, bem como de se dirigir para as águas interiores ou delas sair ou fazer escala num desses ancoradouros ou instalações portuárias (artigo 18.º, n.º 1, da Convenção). A mesma deverá ser contínua e rápida, embora compreenda o parar e o fundear, na medida em que os mesmos constituam incidentes comuns de navegação ou sejam impostos por motivos de força maior, por dificuldade grave ou pela intenção de prestar auxílio a pessoas, navios ou aeronaves em perigo ou em dificuldade grave (artigo 18.º, n.º 2, da Convenção). A passagem é inofensiva desde que não seja prejudicial à paz, à boa ordem ou à segurança do Estado costeiro, o que, de acordo com a Convenção de Montego Bay, não se verifica quando: o navio leve a cabo qualquer ameaça ou uso da força contra a soberania, a integridade territorial ou a independência política do Estado costeiro ou qualquer outra acção em violação dos princípios de Direito Internacional enunciados na Carta das Nações Unidas, exercício ou manobra com armas de qualquer tipo, acto destinado a obter informações em prejuízo da defesa ou da segurança do Estado costeiro, acto de propaganda destinado a atentar contra a defesa ou a segurança do Estado costeiro, o lançamento, pouso ou recebimento a bordo de qualquer aeronave ou dispositivo militar, o embarque ou desembarque de qualquer produto, moeda ou pessoa com violação das leis e regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou sanitários do Estado costeiro, um acto intencional e grave de poluição, actividade de pesca, a realização de actividades de investigação ou de levantamentos hidrográficos, um acto destinado a perturbar quaisquer sistemas de comunicação ou quaisquer outros serviços ou instalações do Estado costeiro, outra actividade que não esteja directamente relacionada com a passagem (artigo 19.º da Convenção). 13

do mar, etc. (artigo 21.º da Convenção). Para além disso, o Estado costeiro pode, quando for necessário à segurança da navegação, exigir que os navios estrangeiros que exerçam o direito de passagem inofensiva pelo seu mar territorial utilizem as rotas marítimas e os sistemas de separação de tráfego que esse Estado tenha designado ou prescrito para a regulação da passagem de navios (artigo 22.º, n.º 1, da Convenção). O Estado costeiro pode tomar, no seu mar territorial, as medidas necessárias para impedir toda a passagem que não seja inofensiva (artigo 25.º, n.º 1, da Convenção) 33, podendo mesmo suspender temporariamente, em determinadas áreas do seu mar territorial, o exercício do direito de passagem inofensiva dos navios estrangeiros, se esta medida for indispensável para proteger a sua segurança (artigo 25.º, n.º 3, da Convenção). O Estado costeiro não pode, porém, exercer a sua jurisdição penal a bordo de navio estrangeiro que passe pelo mar territorial para deter pessoa ou realizar investigação relativa a infracção criminal cometida a bordo (artigo 27.º, n.º 1, da Convenção) 34. E também não deve parar nem desviar da sua rota um navio estrangeiro que passe pelo mar territorial a fim de exercer a sua jurisdição civil em relação a uma pessoa que se encontre a bordo (artigo 28.º, n.º 1, da Convenção). Os Estados têm o direito de fixar a largura do seu mar territorial até um limite que não ultrapasse 12 milhas marítimas 35, medidas a partir de linhas de base determinadas em conformidade com a Convenção de Montego Bay (artigo 3.º da Convenção). A linha de base normal para medir a largura do mar territorial é a linha da baixa-mar ao longo da costa, tal como indicada nas cartas marítimas de grande escala, reconhecidas oficialmente pelo Estado costeiro (artigo 5.º da Convenção). Para resolver os problemas colocados pela instabilidade da linha costeira, a Convenção de Montego Bay estabelece regras especiais de delimitação do mar territorial, podendo recorrer-se a linhas de base rectas, nos casos em que a linha costeira seja perturbada pela existência de ilhas, atóis, cadeias de recifes, recortes profundos e reentrâncias, franjas de ilhas, deltas, acidentes naturais e outras causas de instabilidade (artigo 7.º da Convenção). Se um rio desagua directamente no mar, a linha de base é uma recta traçada através 33 O Estado costeiro pode exercer poderes de coacção sobre o navio mercante estrangeiro a fim de o obrigar a respeitar as suas leis e regulamentos, bem como as regras de Direito Internacional, podendo mesmo, se necessário, perseguir o navio até ao alto mar (hot pursuit). O Estado costeiro encontra-se muito mais desprotegido face às infracções cometidas por um navio de Estado utilizado para fins não comerciais, que beneficia das imunidades do Estado estrangeiro e que ele não pode vistoriar nem desviar. Cf. Nguyen Quoc DINH, et al. Direito Internacional Público, 2.ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, pp. 1185-1186. Ainda assim, se um navio de guerra não cumprir as leis e regulamentos do Estado costeiro e não acatar o pedido que lhe for feito para o seu cumprimento, o Estado costeiro pode exigir-lhe que saia imediatamente do mar territorial (artigo 30.º da Convenção). 34 Salvo se a infracção penal tiver consequências para o Estado costeiro; se a infracção criminal for de tal natureza que possa perturbar a paz do país ou a ordem no mar territorial; se a assistência das autoridades locais tiver sido solicitada pelo capitão do navio ou pelo representante diplomático ou funcionário consular do Estado de bandeira; ou se estas medidas forem necessárias para a repressão do tráfico ilícito de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas. O Estado costeiro pode, além do mais, tomar as medidas autorizadas pelo seu direito interno a fim de proceder a apresamento e investigações a bordo de navio estrangeiro que passe pelo seu mar territorial procedente de águas interiores (artigo 27.º, n.º 2, da Convenção). 35 Uma milha marítima é igual a 1852 metros. 14

da foz do rio entre os pontos limites da linha de baixa-mar das suas margens (artigo 9.º da Convenção). Para efeitos de delimitação do mar territorial, as instalações portuárias permanentes mais ao largo da costa que façam parte integrante do sistema portuário são consideradas como fazendo parte da costa (artigo 11.º da Convenção). Os ancoradouros utilizados habitualmente para carga, descarga e fundeio e navios, os quais estariam normalmente situados, inteira ou parcialmente, fora do traçado geral do limite exterior do mar territorial, são considerados como fazendo parte do mar territorial (artigo 12.º da Convenção). Quando as costas de dois Estados são adjacentes ou se encontram situadas frente a frente, nenhum desses Estados tem o direito, salvo acordo de ambos em contrário, de estender o seu mar territorial além da linha mediana cujos pontos são equidistantes dos pontos mais próximos das linhas de base, a partir das quais se mede a largura do mar territorial de cada um desses Estados (artigo 15.º da Convenção) 36. A definição do espaço marítimo de Timor-Leste impõe-se praticamente em todas as direcções, pela presença contígua do território indonésio de Timor Ocidental, assim como pela presença, face a face e a distância relevante, de ilhas indonésias, a norte (designadamente, Alor, Lirori, Wetar e Kisar) e a leste (em particular, Leti), e da Austrália, a sul 37. O diploma que fixa as fronteiras marítimas de Timor-Leste a Lei n.º 7/2002, de 20 de Setembro acompanha, em boa medida, as normas contidas na Convenção de Montego Bay. Nos termos do artigo 5.º, o limite exterior do mar territorial de Timor-Leste é definido por uma linha em que cada um dos pontos se situa a uma distância de doze milhas náuticas do ponto mais próximo da linha de base. A linha de base normal para medir para medir a largura do mar territorial de Timor-Leste é a linha da baixa-mar 38 ao longo da costa do território de Timor-Leste (artigo 2.º, n.º 1). Se um rio desaguar directamente no mar, a linha de base é uma recta traçada através da foz do rio entre os pontos limites da linha de baixa-mar das suas margens (artigo 3.º, n.º 1). Se a sinuosidade da costa formar uma baía, a linha de base será um segmento de recta traçado entre os pontos naturais da entrada da baía na linha de baixa-mar (artigo 3.º, n.º 2), excepto se se tratar de uma baía histórica 39, caso em que o Ministro competente, que declare uma baía como baía histórica, definirá os limites exteriores da baía em causa (artigo 3.º, n.º 3). As instalações 36 Quando, por motivo da existência de títulos históricos ou de outras circunstâncias especiais, for necessário delimitar o mar territorial dos dois Estados de forma diferente, esta regra não se aplica. 37 Cf. Miguel Galvão TELES Timor Leste, Separata do II Suplemento do Dicionário Jurídico da Administração Pública, p. 574. 38 Linha de baixa-mar significa a linha de baixa-mar das costas do território de Timor-Leste, tal como é revelada nas cartas oficiais de maior escala reconhecidas oficialmente pelo Governo de Timor-Leste (artigo 1.º, alínea g)). 39 Baías históricas são as tradicionalmente consideradas como dependentes da plena soberania do Estado costeiro e submetidas por esse facto ao regime jurídico das águas interiores. Cf. Nguyen Quoc DINH, et al. Direito Internacional Público, 2.ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 1189. 15

portuárias permanentes mais ao largo da costa, que façam parte integrante do sistema portuário, são consideradas como fazendo parte da costa (artigo 2.º, n.º 2) 3.2. A zona contígua, a plataforma continental e a zona económica exclusiva Embora situadas fora do marco territorial a que se estende o exercício da soberania estadual, a zona contígua, a plataforma continental e a zona económica exclusiva traduzem-se num alargamento limitado da jurisdição estadual. Em causa está o objectivo de satisfazer as diferentes pretensões dos Estados, em matéria de segurança e preservação e exploração dos recursos, sem comprometer o princípio da liberdade de navegação em alto mar 40. A zona contígua corresponde à extensão de mar adjacente ao mar territorial até a um máximo de 24 milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial (artigo 33.º, n.º 2, da Convenção). Diferentemente do que sucede relativamente ao mar territorial, a zona contígua deve ser expressamente reclamada 41. No interior da zona contígua o Estado costeiro pode tomar as medidas de fiscalização necessárias a evitar as infracções às leis e regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou sanitários no seu território ou no seu mar territorial, bem como a reprimir as infracções às leis e regulamentos no seu território ou no seu mar territorial (artigo 33.º, n.º 1, da Convenção). Seguindo, uma vez mais, a norma internacional, a Lei n.º 7/2002, de 20 de Setembro, estabelece que o limite exterior da zona contígua de Timor-Leste é definido por uma linha em que cada um dos pontos se situa a uma distância de vinte e quatro milhas náuticas do ponto mais próximo da linha de base (artigo 6.º); adiantando que, na sua zona contígua, o Estado de Timor-Leste exerce a fiscalização necessária para evitar as infracções às leis e regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou sanitários no seu território ou no seu mar territorial, bem como para reprimir as infracções às leis e regulamentos no seu território ou no seu mar territorial (artigo 10.º, n.º 2). A plataforma continental de um Estado costeiro compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão do prolongamento natural do seu território terrestre, até ao bordo exterior da margem continental 42 ou até a uma 40 Cf. Jónatas E. M. MACHADO Direito Internacional. Do Paradigma Clássico ao Pós-11 de Setembro, 3.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2006. 41 Cf. Jónatas E. M. MACHADO Direito Internacional. Do Paradigma Clássico ao Pós-11 de Setembro, 3.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2006. 42 A margem continental compreende o prolongamento submerso da massa terrestre do Estado costeiro e é constituída pelo leito e subsolo da plataforma continental, pelo talude e pela elevação continentais. Não compreende 16

distância de 200 milhas marítimas das linhas de base a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância (artigo 76.º, n.º 1, da Convenção) 43. Apesar da complexidade do regime da plataforma continental, a doutrina considera serem regras consuetudinárias geralmente aceites o direito a uma plataforma de 200 milhas, qualquer que seja a morfologia do leito do mar e do seu subsolo, e a possibilidade da sua extensão para além das 200 milhas 44. Relevante para as considerações a tecer infra sobre a plataforma continental de Timor-Leste afigura-se, entretanto, a regra do artigo 83.º da Convenção, segundo a qual a delimitação da plataforma continental entre Estados com costas adjacentes ou situadas frente a frente deve ser feita por acordo a fim de se chegar a uma solução equitativa. Em princípio, cada Estado delimita unilateralmente a sua plataforma continental, sob a única reserva da intervenção da Comissão de Limites e da obrigação de dar à sua decisão a publicidade requerida; mas isto é impossível no que respeita aos Estados cujas costas são adjacentes ou fazem face. Segundo o Tribunal Internacional de Justiça, nenhuma delimitação marítima entre Estados cujas costas são adjacentes ou fazem face pode ser efectuada unilateralmente por um destes Estados, devendo a delimitação ser procurada e realizada por meio de um acordo concretizado após uma negociação conduzida de boa fé e com a intenção real de obter um resultado positivo; onde um tal acordo não seja realizável, a delimitação deve ser efectuada recorrendo a uma terceira instância dotada da competência necessária para o fazer. O princípio da delimitação pela via do acordo não resolve a questão das regras de fundo aplicáveis à delimitação. O artigo 6.º da Convenção de Genebra sobre a Plataforma Continental, de 1958, prevê que, na falta de acordo, convém salvo circunstâncias excepcionais aplicar a regra da linha mediana no caso de uma plataforma adjacente a dois ou vários Estados cujas costas fazem face e a da equidistância dos pontos mais próximos das linhas de base no caso de uma plataforma adjacente aos territórios de dois Estados limítrofes. Contudo, sustenta Nguyen Quoc Dinh, esta regra não tinha um carácter consuetudinário no momento da sua adopção e não o adquiriu desde então, pelo que a regra da nem os grandes fundos oceânicos, com as suas cristas oceânicas, nem o seu subsolo (artigo 76.º, n.º 3, da Convenção). Pode ir até a um máximo de 350 milhas náuticas (artigo 76.º, números 5 e 6, da Convenção). 43 Nos casos em que a margem continental se estender para além das 200 milhas, o respectivo bordo exterior deve ser estabelecido pelo Estado costeiro (artigo 76.º, n.º 4, da Convenção). As informações sobre os limites da plataforma continental, além das 200 milhas, devem ser submetidas pelo Estado costeiro à Comissão de Limites da Plataforma Continental, cujo funcionamento é regulado no Anexo II da Convenção (artigo 76.º, n.º 8, da Convenção). O Estado costeiro deve ainda depositar junto do Secretário-Geral das Nações Unidas mapas e informações pertinentes que descrevam permanentemente os limites exteriores da sua plataforma continental (artigo 76.º, n.º 9, da Convenção). 44 Cf. Nguyen Quoc DINH, et al. Direito Internacional Público, 2.ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 1211. O limite das 200 milhas é significativo, desde logo, para o dever que impende sobre os Estados costeiros de, junto da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, efectuarem anualmente pagamentos ou contribuições em espécie relativos ao aproveitamento dos recursos não vivos situados para além desse limite, os quais deverão ser distribuídos pelos Estados equitativamente, tendo em atenção os interesses e as necessidades dos Estados em vias de desenvolvimento (artigo 82.º da Convenção). Cf. Jónatas E. M. MACHADO Direito Internacional. Do Paradigma Clássico ao Pós-11 de Setembro, 3.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2006. 17

equidistância não é aplicável aos Estados que não sejam partes da Convenção. A Convenção de Montego Bay não faz qualquer referência à equidistância, centrando-se unicamente no carácter equitativo do acordo alcançado. Daqui resulta que não existem na matéria regras gerais aplicáveis. Cada caso é único e deve ser regulado em função de circunstâncias próprias, o que confere ao juiz ou ao árbitro uma larga margem de apreciação, inevitavelmente subjectiva. Quando muito podemos encontrar certos factores a tomar em consideração, como a configuração geral das costas, a estrutura física e geológica da plataforma, a unidade da jazida e os recursos naturais das zonas da plataforma continental em causa. Estes factores devem ser apreciados e combinados em função de vários métodos e princípios que não são, em si mesmos, obrigatórios e cuja conformidade com o Direito depende unicamente do carácter equitativo da solução que permitem alcançar. Neste contexto insistem juízes e árbitros a equidistância é um método como os outros; não é obrigatória nem prioritária, mesmo que lhe deva ser reconhecida uma certa qualidade intrínseca devido ao seu carácter científico e à facilidade relativa com que pode ser aplicada. Ainda assim, a equidistância é frequentemente tomada como ponto de partida da decisão, sendo o resultado da sua aplicação corrigido num segundo momento por aplicação de outros critérios equitativos em concreto pertinentes 45. Mais do que pelo seu relevo geográfico, geológico ou geofísico, a plataforma continental interessa ao Direito Internacional pelo seu valor económico de aproveitamento de recursos naturais, como o petróleo e o gás natural 46. Os direitos do Estado costeiro sobre a plataforma continental abrangem a exploração e extracção de recursos naturais minerais ou organismos vivos sedentários e a autorização de perfurações independentemente do fim, constituindo direitos soberanos, exclusivos e inerentes ope legis ao Estado costeiro. Nos termos do artigo 77.º da Convenção, o Estado costeiro exerce direitos de soberania sobre a plataforma continental para efeitos de exploração e aproveitamento dos seus recursos naturais, direitos que são exclusivos (no sentido de que, se o Estado costeiro não explora a plataforma continental ou não aproveita os recursos naturais da mesma, ninguém pode empreender estas actividades sem o expresso consentimento desse Estado) e independentes da ocupação, real ou fictícia, da plataforma continental ou de qualquer declaração expressa. Diferentemente do que se passa com a zona contígua e a zona económica exclusiva, a plataforma continental não necessita de ser expressamente reclamada. O Estado costeiro tem o direito exclusivo de autorizar e regulamentar as perfurações na plataforma continental, quaisquer que sejam os fins (artigo 81.º da Convenção), bem como de construir, sobre a sua plataforma continental, ilhas artificiais, instalações e outras obras, e de estabelecer em torno delas zonas de segurança de um raio de 500 45 Cf. Nguyen Quoc DINH, et al. Direito Internacional Público, 2.ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, pp. 1211-1215. 46 Cf. Jónatas E. M. MACHADO Direito Internacional. Do Paradigma Clássico ao Pós-11 de Setembro, 3.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2006. 18

metros no máximo (artigos 60.º e 80.º da Convenção). Para além disso, a investigação científica marinha na plataforma continental deve ser realizada com o consentimento do Estado costeiro (artigo 246.º da Convenção). Os direitos do Estado costeiro sobre a plataforma continental não afectam o estatuto jurídicointernacional das águas sobrejacentes ou do espaço aéreo acima dessas águas, do mesmo modo que não põem em causa as liberdades de navegação e sobrevoo dos demais Estados (artigo 78.º da Convenção). Para além disso, todos os Estados têm o direito de colocar cabos e ductos submarinos na plataforma continental, não podendo o Estado costeiro impedir a colocação ou a manutenção desses cabos e ductos (artigo 79.º, números 1 e 2, da Convenção) 47. O regime internacional da plataforma continental interessa sobremaneira a Timor-Leste, pela riqueza dos seus recursos petrolíferos e pelas controvérsias geradas a seu respeito, nomeadamente as que opõem Timor-Leste e a Austrália, países separados por uma extensão de mar inferior a 400 milhas náuticas. Num breve apontamento histórico, refira-se a interpretação que do conceito foi dada pelos Governos da Austrália e da Indonésia no quadro do infame Tratado do Timor Gap, um acordo manifestamente favorável à Austrália, que pôde explorar a meias uma extensa área a norte da linha mediana (ao tempo o preço, para a Indonésia, do reconhecimento de jure, pela Austrália, da anexação de Timor-Leste). Como explica Miguel Galvão Teles, o que há de particular, a sul de Timor-Leste é a presença, próximo das costas, de uma profunda depressão, que se estende desde a zona fronteira à ilha Roti, a oeste de Timor, até à zona fronteira à ilha de Babar, a leste. Ao passo que, do lado australiano, o leito do mar apresenta, durante uma larga extensão, profundidades que não ultrapassam os 200 metros, do lado de Timor desce abruptamente, ultrapassando a isóbata dos 200 metros ainda bem dentro das 12 milhas correspondentes à extensão máxima do mar territorial. No artigo 1.º da Convenção de Genebra sobre a Plataforma Continental, de 1958, esta era definida como o leito do mar e o subsolo das regiões submarinas adjacentes às costas mas situadas fora do mar territorial até uma profundidade de 200 metros ou, para além deste limite, até ao ponto onde a profundidade das águas superjacentes permita a exploração dos recursos naturais das ditas regiões. Nesse quadro, e enquanto a evolução tecnológica não permitisse a exploração a grandes profundidades, provavelmente Timor-Leste pura e simplesmente não disporia de plataforma continental a sul. Em 1969, o Tribunal Internacional de Justiça introduziu, no que toca à caracterização da plataforma continental, a ideia de prolongamento natural do território terrestre, o que foi aproveitado pela Austrália para sustentar que haveria, no mar de Timor, duas plataformas continentais, separadas pela depressão de Timor. A depressão de Timor situa-se no 47 O traçado da linha para a colocação de tais ductos na plataforma continental fica, no entanto, sujeito ao consentimento do Estado costeiro (artigo 79.º, n.º 3, da Convenção). 19

interior das 200 milhas contadas a partir de Timor-Leste e, na maior parte, para além das 200 milhas contadas a partir da Austrália. Com o novo regime introduzido pela Convenção de Montego Bay, a tese australiana das duas plataformas continentais perdeu inteiramente sentido e a depressão não pode tão pouco valer como critério de delimitação 48. Em 2000, por troca de notas entre a UNTAET e o Governo australiano, o Tratado do Timor Gap foi mantido em vigor a título provisório. Timor-Leste independente celebrou com a Austrália, em 20 de Maio de 2002, o Tratado do Mar de Timor, que pretende ser o acordo para delimitação da plataforma continental entre Estados com costas opostas ou adjacentes a que se refere o artigo 83.º da Convenção de Montego Bay. O carácter equitativo da solução obtida é, todavia, muito contestado, desde logo, por não ter sido adoptada como regra de delimitação das plataformas continentais dos dois Estados a regra da mediana 49. Muito criticado tem sido, ainda, o facto de o Tratado do Mar de Timor ter vindo continuar algumas das situações geradas ao abrigo do Tratado do Timor Gap, nomeadamente através da atribuição à Austrália da esmagadora maioria dos rendimentos provenientes do depósito Greater Sunrise 50 e da manutenção dos contratos celebrados pela empresa ConocoPhilips com a Autoridade Conjunta Austrália/Indonésia 51. O Tratado estará em vigor até que seja feita uma delimitação permanente do fundo marinho entre a Austrália e Timor-Leste ou por um período de 30 anos, podendo ser renovado mediante acordo entre os dois países (artigo 22.º do Tratado). O Tratado estabelece uma Área Conjunta de Desenvolvimento Petrolífero (ACDP), sob controlo e administração conjunta de Timor-Leste e da Austrália. Ambos os países, conjuntamente, facilitam a exploração e o desenvolvimento e tiram partido dos recursos petrolíferos da ACDP para benefício dos respectivos povos (artigo 3.º, alíneas a) e b) do Tratado). A Austrália e Timor-Leste têm direito a todo o petróleo produzido na ACDP, sendo que, deste, 90% pertence a Timor-Leste e 10% pertence à Austrália (artigo 4.º, alínea a), do 48 Cf. Miguel Galvão TELES Timor Leste, Separata do II Suplemento do Dicionário Jurídico da Administração Pública, pp. 575-581. 49 Cf. Dionísio Babo SOARES Timor-Leste Maritime Boundary Case, in East Timor Law Journal, n.º 1, 2005, www.eastimorlawjournal.org. 50 O Anexo E ao Tratado do Mar de Timor esclarece que a Austrália e Timor-Leste concordam com a unificação dos depósitos do Sunrise e Troubadour (conhecidos colectivamente por Greater Sunrise ) baseado no facto de 20.1% do Greater Sunrise se encontrar situado dentro da ACDP. A produção do Greater Sunrise será distribuída na proporção de 20.1% atribuído à ACP e 79.9% atribuído à Austrália. A fórmula da divisão da produção pode ser alterada por acordo entre a Austrália e Timor-Leste. No caso de uma delimitação permanente do fundo marinho, a Austrália e Timor-Leste reconsiderarão os termos do acordo de unificação. 51 Sobre a acção intentada, junto dos tribunais americanos, em Março de 2004, pelas empresas Oceanic Exploration e PetroTimor contra a empresa ConocoPhillips e a Autoridade Nomeada do Mar de Timor (entre outros), veja-se o sítio web The Timor-Leste for Development Monitoring and Analysis (La o Hamutuk), http://www.laohamutuk.org/. 20