Dos crimes contra a organização do trabalho (Artigos 197 a 207 do Código Penal Brasileiro) O Supremo Tribunal Federal e demais Tribunais distinguem entre: a) crimes que ofendem o sistema de órgãos e instituições destinados a preservar coletivamente o trabalho; b) crimes que apenas violam os direitos de determinados trabalhadores, configurando interesses individualizados. Apenas os primeiros são da competência da Justiça Federal, enquanto os outros competem à Justiça Estadual.(STF-RT 646/327 e STJ-RT 675/420, 702/412). Atentado contra a liberdade de trabalho: Art. 197. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça: I a exercer ou não exercer arte, ofício, profissão ou indústria, ou a trabalhar ou não trabalhar durante certo período ou em determinados dias: Pena detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, e multa, além da pena correspondente à violência; II a abrir ou fechar o seu estabelecimento de trabalho, ou a participar de parede ou paralisação de atividade econômica: Pena detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa, além da pena Transação e suspensão condicional do processo: Cabem nos incisos I e II, conforme artigos 76 e 89 da Lei 9099/95. Abrange quatro hipóteses sempre com violência ou grave ameaça: a) obrigar a exercer ou não exercer de modo permanente um trabalho; b) a exercer ou não exercer um trabalho durante certo período ou em determinados dias; c) a abrir ou fechar estabelecimento de trabalho; e) a participar de parede, ou seja, de greve, ou, de paralisação de atividade econômica, que vem a ser: locaute (lock-out). Objeto jurídico é a organização do trabalho e o exercício da atividade econômica. Admite-se a tentativa nas quatro hipóteses. Crime comum quanto ao agente, doloso, material, de conduta múltipla e resultado variado. Ação penal pública incondicionada. Prevalecem mesmo com a vigência da atual Lei de Greve Lei 7.783/89 que não transcreve figuras penais. 1
Atentado contra a liberdade de contrato de trabalho e boicotagem violenta: Art. 198. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a celebrar contrato de trabalho, ou a não fornecer a outrem ou não adquirir de outrem matéria-prima ou produto industrial ou agrícola: Pena detenção, de 1 mês a 1 ano, e multa, além da pena correspondente à violência. O termo Boicote do Capitão inglês Charles C. Boycott, gerente de propriedades na Irlanda, que, por volta de 1880, ao fazer exigências excessivas aos empregados, causou revolta generalizada. Ninguém aceitava mais trabalhar para ele, vender ou comprar os seus produtos. Foi obrigado a transferir-se para outra cidade. Maximillianus Cláudio Américo Führer et alt. 2004. Cabem a transação e suspensão condicional do processo. Objeto jurídico a liberdade do trabalho tanto do empregado como do empregador. Duas condutas incriminadas: a) obrigar o empregado a trabalhar para alguém; b) boicotar a atividade econômica do empregador. Boicotar com o sentido de isolar ou arruinar uma atividade, fazendo com que lhe sejam cortados os meios, suprimentos, créditos, clientes ou relações. Crime comum quanto ao sujeito, doloso, material, de conduta múltipla e resultado variado. Consuma-se com a celebração do contrato de trabalho forçado na primeira figura ou com o não fornecimento ou não aquisição de matéria prima na segunda figura. Ação penal pública incondicionada. Atentado contra a liberdade de associação. Art. 199. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a participar ou deixar de participar de determinado sindicato ou associação profissional: Pena detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, e multa, além da pena Cabem: transação e suspensão condicional do processo. Este dispositivo alcança o agente que, mediante violência ou grave ameaça, impede o exercício dos direitos assegurados pela Constituição e pelos artigos 511 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho-CLT, referentes à participação, ou não, em determinado sindicato ou associação profissional, de empregados, empregadores, autônomos ou liberais. 2
Sujeito ativo comum. Sujeito passivo é a pessoa constrangida, bem como a vítima da ameaça ou da violência. Consuma-se com o ato ou abstenção da vítima. Admite-se a tentativa. Delito comum quanto ao agente, doloso, material, de conduta e resultado. Ver também o crime de abuso de autoridade previsto na Lei 4.898/65, art. 3º, alínea f. Ação penal publica incondicionada. Paralisação do trabalho, seguida de violência ou perturbação da ordem: Art. 200. Participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho, praticando violência contra pessoa ou contra coisa: Pena detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, e multa, além da pena Parágrafo único. Para que se considere coletivo o abandono de trabalho, é indispensável o concurso de, pelo menos, três empregados. O termo suspensão refere-se aos patrões: locaut (lock-out). Abandono refere-se aos empregados (greve). Note que terceira pessoa pode também ser sujeito ativo do delito, como por exemplo o sindicalista. Pratica este delito quem participa da suspensão ou do abandono e, na ocasião, vem a cometer violência contra pessoa ou coisa. O locaute (lock-out) deve ter a participação de mais de um patrão. E a greve, pelo menos de três empregados, conforme o artigo 200, parágrafo único. Sujeito passivo é o que sofre a violência ou o prejuízo. Crime doloso. Consuma-se com a violência contra pessoa ou coisa. Admite-se tentativa. Crime comum quanto ao sujeito, doloso, material. Ação penal: pública incondicionada. O simples porte de armas brancas pelos piquetes grevistas não configura a violência prevista no art. 200 do CP (TACrSP, antigo, RT 363/206). A injustificada falta de prova pericial da violência contra coisa, praticada pelos grevistas, torna insubsistente a condenação destes pelo delito do art. 200 do CP (TACrSP, RJDTACr 24/300). Paralisação de trabalho de interesse coletivo: Art. 201. Participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho, provocando a interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo: Pena detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. 3
É um desdobramento do tipo penal anteriormente analisado. A paralisação condenada, aqui, é a que provoca intencionalmente a interrupção efetiva de obra pública ou serviço de interesse coletivo. Este artigo deve ser cotejado com o exame da Constituição Federal (art. 9º, 1º) e da Lei de Greve n 7.783/89. Pois, sendo a greve um direito, quando justa, o dispositivo atualmente só deve alcançar os casos de efetivo abuso ou descaso a obra ou ao serviço de interesse coletivo. O sujeito ativo pode ser empregado ou empregador. O sujeito passivo é a coletividade. Consuma-se com a efetiva paralisação. Admite-se tentativa. Ação penal: pública incondicionada. Invasão de estabelecimento industrial, comercial ou agrícola. Sabotagem. Art. 202. Invadir ou ocupar estabelecimento industrial, comercial ou agrícola, com o intuito de impedir ou embaraçar o curso normal do trabalho, ou com o mesmo fim danificar o estabelecimento ou as coisas nele existentes ou delas dispor: Pena reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Cabe a suspensão condicional do processo nas duas figuras. Incrimina a invasão de estabelecimentos e a sabotagem. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, inclusive terceiro que não seja empregado. O sujeito passivo é o proprietário do estabelecimento invadido, ocupado ou sabotado, bem como a coletividade. Crime doloso com elemento subjetivo do tipo concernente em impedir ou embaraçar o curso normal do trabalho. É necessário que a violência contra a coisa adquira certa conotação de generalidade, ainda que uma só coisa seja atingida. É crime doloso, formal e consuma-se já com a invasão ou com o dano contra o estabelecimento ou coisas nele existentes, ou a disposição das mesmas mediante venda, doação, apropriação ou outros atos semelhantes, independentemente de alcançar ou não o resultado visado que deve ser impedir ou embaraçar o trabalho. Admite tentativa. Se as condutas são praticadas sem o especial fim de agir (impedir ou embaraçar o trabalho) podese configurar a violação de domicílio (art.150) ou o esbulho possessório (art. 161 1º, II CP. São três modalidades de sabotagem previstas alternativamente: a) danificar estabelecimento; b) danificar as coisas existentes no estabelecimento; c) dispor, ou seja, usar, guardar, alienar onerosa ou gratuitamente das coisas existentes no estabelecimento. Não atua com dolo quem, com fins preservacionistas posta-se em frente a casa que está para ser demolida, perturbando as obras de demolição. (TJSP RJTJSP 89/442). Sem o motivo 4
determinante de embaraçar ou impedir o normal curso do trabalho, não incide o art. 202 do CP, em qualquer de suas modalidades (TRF, HC 4.894, DJU 19.3.81, p. 1979). A troca de fechadura da porta de acesso de estabelecimento comercial alheio, impedindo o curso normal do trabalho, configura, em tese, o delito previsto no art. 202 do CP (STJ, RT 757/508). Frustração de direito assegurado por lei trabalhista. Art.203. Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho: Pena detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa, além da pena 1º. Na mesma pena incorre quem: I obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabelecimento, para impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de dívida; II impede alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza, mediante coação ou por meio da retenção de seus documentos pessoais ou contratuais. 2º. A pena é aumentada de 1 (um) sexto a 1 (um) terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental. Transação: Cabe no caput e no 1º, tratando-se de crime de competência da Justiça Federal, tendo em vista que a Lei nº 10.259/01 ampliou o conceito de infração de menor potencial ofensivo para os crimes com pena máxima não superior a dois anos, já pacificamente estendido para a competência estadual. Suspensão condicional do processo: Cabe no caput e no º 1º. A Lei nº 9.777, de 29.12.98, aumentou a pena do caput e acrescentou os 1º e 2º. É norma penal em branco, que encontra complementação na Legislação Trabalhista. Sujeito Ativo: qualquer pessoa, mesmo que não seja empregado ou empregador. Sujeito passivo: O trabalhador até mesmo sem o vínculo formal. Punem-se: a conduta frustrar, ou seja, iludir, lograr, ludibriar, privar e outras ações similares através de fraude, que pode ser executada mediante ardil, engodo, ou qualquer forma de artifício que leva o enganado à aparência falsa da realidade ou mediante violência física, neste dispositivo ficou excluída a ameaça, todos estes atos visando impedir a fruição de direito assegurado pela CLT e demais leis trabalhistas complementares. A fraude tanto pode ser empregada pelo patrão contra o operário e vice-versa, quanto por ambos, conluiados, para iludir o 5
texto legal, devendo notar-se que o titular do direito assegurado por lei trabalhista não pode renunciá-lo quando correspondente a um dever imperativamente determinado pela mesma lei que é de ordem pública Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, 1959, v. VIII, p. 49). Consumase com o impedimento do exercício do direito trabalhista. Admite-se tentativa. A falta de registro na CTPS configura infringência a este artigo do C. Penal. Frustração de lei sobre a nacionalização do trabalho: Art. 204. Frustrar, mediante fraude ou violência, obrigação legal relativa à nacionalização do trabalho: Pena detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, e multa, além da pena Cabem: Transação e Suspensão condicional do processo. (L.9099/95) Outra disposição penal em branco a ser complementada através de normas administrativas ou trabalhistas (artigos 352 a 371 da CLT- nacionalização do trabalho e proporção de empregados brasileiros). A frustração pode ser por fraude ou violência física excluída a ameaça. O sujeito ativo é qualquer um e o paciente é o Estado. Consuma-se com o descumprimento da obrigação trabalhista. Admite-se tentativa. Delito comum quanto ao sujeito, doloso, material Ação penal: pública incondicionada. Exercício de atividade com infração de decisão administrativa: Art. 205. Exercer atividade de que está impedido por decisão administrativa: Pena detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, ou multa. Cabem: a transação e a suspensão condicional do processo. O artigo em foco incrimina o desempenho habitual de trabalho ou profissão infringindo decisão administrativa do Ministério do Trabalho ou outro órgão da Administração Pública. O objeto jurídico é a organização do trabalho e as decisões administrativas concernentes. O sujeito é o que exerce atividade para a qual está impedido e o sujeito passivo é o Estado. Delito próprio quanto ao sujeito, doloso e de conduta habitual. Admite-se a tentativa. Tratando-se de decisão judicial artigo 330 ou 359-CP; função pública: art. 324-CP; medicina e dentária Art. 282-CP; geral: Art. 47-LCP. 6
Ação penal: pública incondicionada. Exige habitualidade. Não existe distinção entre empregado e trabalhador autônomo. O advogado que, após sofrer suspensão disciplinar pela OAB, pratica o exercício da profissão, não comete o crime previsto no art. 205-CP e sim a contravenção penal do artigo 47 do DL 3.688/41; a expressão decisão administrativa contida no art. 205 somente pode ser entendida como emanada de órgão da administração pública. A conduta de médico que, após ter cancelada a sua inscrição pelo Conselho Federal de Medicina, continua a exercer a profissão, incide no artigo 205 do CP, e não no art. 282 (exercício ilegal da medicina) (STF, RE 86.986, DJU 18.11.77. Aliciamento para fins de emigração. Art. 206. Recrutar trabalhadores, mediante fraude, com o fim de levá-los para território estrangeiro: Pena detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (Nova redação dada pela Lei nº 8.683, de 15.7.93). Cabe suspensão condicional do processo, conforme art. 89, da Lei 9.099/95. Aliciamento de trabalhadores de um local para outro dentro do território nacional: Art. 207. Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional: Pena detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. 1º. Incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou cobrança de qualquer quantia do trabalhador, ou, ainda, não assegurar condições do seu retorno ao local de origem. 2º. A pena é aumentada de 1 (um) sexto a 1 (um) terço se a vítima é menor de 18 anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental. A Lei 9.777, de 29.12.98, aumentou a pena do caput e acrescentou os 1º e 2º. Cabe suspensão condicional do processo no caput e 1º. O artigo 206 trata de reunir trabalhadores, mediante fraude, para levá-los para o exterior. Já o artigo 207 a ação é semelhante (aliciar, angariar, atrair), mas, independe de fraude, e tem o fim de levá-los a outro ponto do próprio país, desde que distante da moradia dos mesmos. Pune-se também o recrutamento mediante cobrança de qualquer quantia 7
pecuniária do trabalhador, ou, sem a segurança do retorno dos aliciados ao respectivo local de origem. (Art.207, 1º). Objeto jurídico: O interesse na permanência dos trabalhadores no país. Sujeito ativo: qualquer pessoa. Sujeito passivo: O Estado e secundariamente, os trabalhadores fraudulentamente recrutados. Para Damásio e Delmanto os trabalhadores devem ser pelo menos dois. Para Magalhães Noronha são necessários pelo menos três trabalhadores para a configuração desses delitos. Comuns quanto ao sujeito, doloso e formal. Se há promoção ou facilitação de saída de mulher que vá exercer a prostituição no estrangeiro, art. 231-CP, agravado pela violência, grave ameaça ou fraude ( 2º). Se o fim é outro, pode restar tipificado o art. 171 do nosso Diploma Penal. O 1º do artigo 207 equipara à conduta do caput a do agente que: a) recruta trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou cobrança de qualquer quantia daqueles; b) não assegura o seu retorno ao local de origem. O 2º do artigo 207 trás causa especial de aumento da pena: a) sendo a vítima menor de 18 anos; b) idosa; c) gestante; d) indígena; ou, e) portadora de deficiência física ou mental, aumenta-se a pena de um sexto a um terço. A figura delituosa do art. 206, ex vi da Lei 8.683/93, exige para sua configuração a elementar da fraude no recrutamento; o crime de plágio redução à condição análoga à de escravo não absorve o do art. 206 do CP (TRF da 1ª R., JSTJ e TRF 79/425). Não se configura o delito do artigo 207, quando não se consegue demonstrar a ofensa à Organização do Trabalho ou o prejuízo para a região onde se processa o aliciamento (TRF, Ap. 5.402,DJU 4.8.82). 8