Linguagem e estrutura em Canticum, de Leo Brouwer

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Transcrição:

Linguagem e estrutura em Canticum, de Leo Brouwer Cleyton Vieira Fernandes UFC/USP/UNESP cleytonfernandes@hotmail.com Resumo: Este trabalho propõe-se à uma breve análise da peça para violão Canticum, de Leo Brouwer. Além da discussão sobre os aspectos composicionais, discutiremos elementos relacionados ao tempo e suas matizes de determinação ao longo da obra. Conceitualmente, o escopo teórico do qual nos valemos ancora-se nos estudos da linguagem propostos por Saussure e Hjelmslev, pais da moderna linguística estrutural, que serve de base à Semiótica de linha francesa. Nos aspectos relativos à análise musical, tomamos como referência, principalmente, as obras de Kostka e Straus. Foi possível observar, ainda como resultado parcial, o jogo de oposições internas do discurso musical e a inserção do tempo musical como elemento significante entre os parâmetros que regem a construção do sentido na obra. Palavras-Chave: Análise musical. Leo Brouwer. Violão. Semiótica greimasiana. Abstract: This paper proposes to make a brief analysis of the guitar piece Canticum by Leo Brouwer. This work, composed in 1968, is comprised in the so-called second phase of the composer and demonstrates his contact with the vanguard during his stay at the Juilliard School in New York. It is a work in which several post-tonal procedures are adopted, exploiting a rich set of textures and other techniques peculiar to the guitaristic language of twentieth century. Besides the discussion of such compositional aspects, we examine items related to time and its hues of determination throughout the work. In conceptual terms, the theoretical scope used here is founded on studies of language proposed by Saussure and Hjelmslev, fathers of modern Structural Linguistics which provides a basis for the Semiotics of French line. Regarding aspects of musical analysis, we take as main reference the works of Kostka and Straus. It is also possible to observe, yet as a partial result, the set of internal oppositions in musical discourse and inclusion of musical time as a significant element among the parameters that govern the construction of meaning in the work. Key-words: Musical analysis. Leo Brouwer. Classical Guitar. Semiotics. 1. Introdução: A obra de Brouwer, iniciada em 1954, ano das primeiras peças para violão, é dividida pela crítica especializada em três grandes momentos. Numa primeira fase, pré revolução cubana (1959), é chamada de Nacionalista, com intensa recorrência de temas populares da música de seu país. A segunda fase é conhecida como Vanguarda: após um período de estudos de composição na Julliard School of Music, com bolsa oferecida pelo Estado Revolucionário Cubano, o compositor adota as práticas composicionais das correntes pós-modernas européias. Ainda nessa fase, mostra-se politicamente engajado mas, curiosamente, desenvolve uma estética que distancia-se das grandes massas em virtude da adoção de procedimentos não tonais. Finalmente, a partir dos anos de 1980, retorna para o que ele mesmo denominou Nova Simplicidade. Nesse momento, sua obra passa a transitar livremente entre o popular e o erudito, o nacionalismo e a vanguarda.

O Canticum, composto em 1968, é pertencente à segunda fase do compositor e evidencia seu contato com a vanguarda durante seu período de permanência na Julliard School, em Nova Iorque. Trata-se de uma obra onde diversos procedimentos pós-tonais são adotados (Hernandez, 2000, p.113), explorando um rico jogo de texturas, o que é próprio da linguagem violonística do séc. XX. Além das relações harmônicas e intervalares presentes na peça, procuraremos destacar aspectos texturais e idiomáticos, muitas vezes derivados da organologia do instrumento para o qual a peça se apresenta. Ao propor procedimentos técnicos como o rasgueo e a tambora, Brouwer discute a linguagem musical violonística não apenas sob a perspectiva de um sistema de alturas, mas também timbrístico. 2. As Estruturas das Linguagens Brouwer leva em conta o equilíbrio interno de suas peças e, tal equilíbrio, emerge do jogo de forças contrastantes e opositivas presentes nas linguagens naturais. Ao observarmos como se organiza tal estrutura oposicional, podemos compreender as bases da construção do sentido na imanência de um dado discurso. Não será necessário recorrer a fatores extra-musicais como o contexto histórico ou referências a outras linguagens para que a estrutura discursiva se evidencie. No âmbito interno do discurso musical, portanto, uma teia de relações constitui um sistema em que as partes e elementos interrelacionam-se entre si e com o todo. Caberá ao trabalho analítico compreender os paradigmas constituintes de cada componente e organizálos estruturalmente. Sobre esse aspecto, Schaeffer bem ilustra, em seu Tratado dos Objetos Musicais: Os objetos foram feitos para servir ao paradoxo fundamental de sua utilização: isto é, desde que eles são agrupados em estruturas, eles se deixam esquecer como objetos para integrarem, cada um deles, nada mais do que o valor de um conjunto. É ingênuo o pensamento, expresso na linguagem corriqueira, de que os objetos, na nossa experiência habitual, apresentam-se como dados. Na realidade, nós não percebemos os objetos, mas sim, as estruturas que os incorporam. (SCHAEFFER, 1993:40) Justamente, compreender um paradigma nos permite perceber a estrutura que incorpora um dado objeto. Ao apresentar uma determinada peça musical, somente a observação dos aspectos, por exemplo, timbrísticos, nos permitirá dizer se é este um elemento importante na constituição da obra. A partir disso, é preciso observar quais as possibilidades associativas desse elemento e como ele se articula internamente no discurso.

Ainda sobre esse aspecto analítico, observemos a citação do linguista dinamarquês Louis Hjelmslev: Será reconhecido, portanto, sem dificuldades, que no fundo o essencial não é dividir um objeto em partes, mas sim adaptar a análise de modo que ela seja conforme às dependências mútuas que existem entre as partes, permitindo-nos prestar contas dessas dependências de modo satisfatório. (HJELMSLEV, 1975:28) Será nosso desafio, portanto, observar como tais dependências se articulam dentro da obra de Brouwer. Em nossa opinião, as ferramentas analíticas estudadas durante o curso auxiliarão na compreensão dos parâmetros harmônico-intervalares e motívicos, do timbre, das texturas, entre outros aspectos que serão aqui comentados. Porém, a compreensão mais ampla da obra dependerá de uma compreensão efetiva da estrutura da obra. 3. Oposições Materiais e Conceituais É possível notar que, por trás do jogo composicional de Brouwer, há também uma polêmica conceitual e, para isso, não é necessário recorrer aos seus depoimentos ou textos: tais marcas estão em sua música. Podemos observar que Tempo e Espaço estão incessantemente polemizados no discurso. Para além disso, a densidade também aparece de forma bastante curiosa em determinados trechos. Observe-se que ainda não estamos falando de tempo, espaço e densidade musicais e, como ainda tratamos da acepção geral desses termos, podemos observar os seguintes pares oposicionais semânticos apresentados na tabela 1: Tempo Espaço Densidade mensurado vs. livre aberto vs. fechado concentrada vs. rarefeita Tab. 1 - Oposições Conceituais As infinitas possibilidades de combinação entre tais elementos não são objeto do nosso trabalho. Sequer uma discussão sobre as relações entre tempo e espaço, assunto de boa parte dos filósofos e pesquisadores em toda história do pensamento, poderá ser empreendida tendo-se em vista a complexidade do tema. Apenas, retiraremos alguns trechos da obra e observaremos como o compositor articula os materiais musicais para que eles encontrem

sentido no âmbito da percepção humana, que se dá, prioritariamente, nas relações de tempo, espaço e densidade. 4. Análise Já no primeiro contato com a partitura de Canticum, observamos uma questão em relação ao tempo musical. A partitura não apresenta fórmula ou barras de compasso, sugerindo ao intérprete que obra não possui pulso pré-definido (Fig. 1): Fig. 1 - Brouwer, Canticum, sistema 1. Além disso, uma forma de determinação temporal pouco habitual no contexto violonístico é utilizada: a duração do movimento de rasgueo é dada em segundos, ou seja, um tempo cronológico invade o tempo musical e as figuras passam a ter um valor de duração altamente definido e estrito. O mesmo pode ser dito em relação às pausas, que devem durar quatro, três e quatro segundos, respectivamente. Por outro lado, o ritmo dos movimentos de rasgueo fica praticamente por conta do intérprete, inserindo um elemento arbitrário dentro dos demais elementos determinados. Aqui, inicia-se um jogo dialético temporal que irá estender-se pelo curso do primeiro movimento da obra. Para além desse aspecto, o primeiro trecho da obra destaca-se por ser texturalmente diferente de todo o restante da peça. O acorde apresentado e repetido três vezes insere-se como um movimento onde a massa sonora passa a ter maior importância que os intervalos harmônicos presentes. Porém, as notas escolhidas para a composição dessa massa não são aleatórias. Curiosamente, tal acorde possui todos os intervalos possíveis dentro da oitava: 2ª m de (fá#-sol), (sol-láb) e (dó-réb); 2M de (mi-fá#), (fa#-sol#); 3m de (mi-sol); 3M de (mi-sol#), (láb-dó), (dó-mi); 4J de (sol-dó), (láb-réb), (réb-solb) e 4+ de (fá#-dó), (sol-réb), (dó-fá#), (réb-sol) e suas respectivas inversões. Aplicando relações de conjuntos no acorde encontramos: [0,1,5], [0,1,2], [0,4,5], [0,1,4], [0,3,5] e [0,1,2], o que resulta nos conjuntos 3-1, 3-3, 3-4 e 3-7, segundo a tabela de Allen Forte.

É com esse material de conjuntos que o compositor irá trabalhar no decorrer da peça no aspecto das classes de alturas. Poderíamos, então, dizer que o acorde de abertura determina a coleção de conjuntos que serão utilizados como material de base na peça. Poderemos discutir tal opção harmônica e cotejá-la com os demais parâmetros no decorrer da análise. No segundo trecho da obra (Fig. 2) já observamos a utilização de um conjunto que será recorrente, partindo de um movimento cromático impulsionador, de (01) para (012) [0 1] [0 1 2] Fig. 2 Brouwer, Canticum, sistema 2a. Nesse trecho, podemos observar, ainda, uma espacialização concentrada, textura homofônica e tempo livre. As dinâmicas, por outro lado, chamam a atenção por um desejo de máximo controle das intensidades, atribuindo-se a um pequeno trecho de três grupos de notas, quatro solicitações dinâmicas contrastantes. A partir desse primeiro material cromático apresentado, o compositor irá desenvolver uma teia de relações em diversas formas de texturas possíveis. Exemplo disso é o trecho que se segue (Fig. 3), onde a presença do conjunto 3-1 (0,1,2) reforça o sentido cromático da peça, mas alterna a possibilidade textural desse conjunto. Fig. 3 Brouwer, Canticum, sistema 2b. Aqui, as notas Lá, Sib e Si surgem em graus disjuntos, pois estão intercalados por uma oitava. Há a manutenção de uma informação de alturas, mas não ocorre a manutenção dos elementos intervalares estritos. Essa dialética entre manutenção, memória, repetição, alternância, oposição e dependências, estrutura o discurso em todos os seus parâmetros. Ainda, no referido trecho, observamos tal aspecto em relação, novamente, ao tempo. Brouwer insere mais um aspecto pouco habitual da notação violonística da época. O acelerando na forma gráfica de hastes que se abrem gradualmente de uma colcheia à fusa. Esse procedimento repete-se em outros trechos da peça, demonstrando mais uma forma de indeterminação de tempo. Essa forma de grafia está, em nosso modo de ver, no âmbito da

relativa determinação: nem tão estrita quanto o acelerando escrito e nem tão livre quanto o acelerando notado verbalmente na partitura. A fermata do trecho é, também, marca de indeterminação. O trecho seguinte (Fig. 4) começa a delinear a forma como o compositor trabalhará o material de alturas de que dispõe, ou seja, os conjuntos citados anteriormente. Podemos ver as seguintes disposições de conjuntos: Fig. 4 Brouwer, Canticum, sistema 3. Neste pequeno trecho é possível encontrar o conjunto 3-1 (012) em Láb, Lá, Sib e em Ré#, Mi, Fá. Ainda, 3-4 (015) em Ré#, Mi, Láb e Dó, Dó# e Fá. O mesmo 3-4 aparece sob a forma [0, 4, 5] em Ré, Fá#, Sol, em intersecção com 3-1 nas notas Fá#, Sol e Láb. Podemos ver que, por trás de uma aparente escolha aleatória, existe um material sonoro dado por intervalos, observáveis através dos conjuntos, que organiza as escolhas de graus conjuntos ou disjuntos, de acordo com o sentido desejado. Ainda, a relação entre Fá# e Láb (02), abrirá espaço para um conjunto (024) que virá mais adiante. O período seguinte (Fig. 5) é marcado por pares de notas e, além dos intervalos cromáticos, o que fica mais evidente é o aspecto temporal determinado por um acelerando e um ritardando escrito. Fig. 5 Brouwer, Canticum, sistema 4. Trata-se, também, de um dos trechos onde fica mais evidente a escrita violonística, pois tal arpejo é pensado de forma a atender os pares de cordas 6/5, 4/3 e 2/1. O uso das cordas soltas, aqui, assume papel fundamental na ressonância do instrumento. A reexposição do material (Fig. 6) de início da obra insere, pela primeira vez numa articulação literal, o efeito da memória sobre os materiais expostos:

Fig. 6 Brouwer, Canticum, sistema 5. Porém, os usos timbrísticos novamente entram em cena por meio do efeito de tambora e com a indicação con los dedos sobre a tapa. Em um trecho posterior da peça (Fig. 7) vemos a última inserção de novo material de alturas e, curiosamente, de uma forma bastante divergente dos materiais anteriores (Fig.9). Brouwer vale-se de um conjunto (0246), ou seja, um seguimento de tons inteiros, para finalizar um grande período de apresentação de materiais. Fig. 7 Brouwer, Canticum, sistemas 8 e 9. Aqui podemos cogitar duas hipóteses: ou intervalo de segunda maior, já explorado anteriormente, pode ser visto como base para tal escolha, ou podemos supor um procedimento de expansão do conjunto (012) às vezes estendido para (0123), e aqui duplicado em suas alturas e convertido em (0246). O último trecho deste movimento (Fig. 10) funciona como um desenvolvimento do material até então apresentado. Nele, o compositor explora os Conjuntos com graus vizinhos e disjuntos, notas repetidas, acelerandos, ritardantos e outros elementos que haviam sido apresentados anteriormente.

Fig. 10 Brouwer, Canticum, sistema 9 ao fim. Não há, nesse trecho final, apresentação de novos materiais mas, aparentemente, há um embate entre os intervalos de 0-1 e 0-3, 0-4 e 0-5, criando uma oposição entre movimento cromático e arpejos de tríades ou acordes. Tal embate suspende-se quando há a inserção de notas únicas que dão certo tipo de polaridade ao discurso. Dessa forma, pudemos observar que os contrastes e equilíbrios estruturais da obra não se limitam ao aspecto das alturas. Os jogos semânticos entre tempo, espaço e densidade, anteriormente comentados, podem ser assim apresentados (Tab. 2). Oposição Semântica Expressão Musical Tempo Determinado vs. indeterminado Duração medida em segundos vs. acelerando e diminuendo escrito por hastes, fermatas e tempo livre Oposição Semântica Expressão Musical Aberto vs. Fechado Espaço Conjuntos com intervalos de categorias disjuntas vs. conjuntas Textura ampla em arpejos ou massa sonora vs. solo ou nota singularizada Oposição Semântica Expressão Musical Concentrada vs. Rarefeita Densidade Blocos de intervalos conjuntos vs. disjuntos Acumulo de notas em curto espaço vs. rarefação no aparecimento das notas.

Tab. 2: Relações semânticas e expressão musical Finalmente, cabe salientar que tais aspectos necessitariam de maior aprofundamento para uma compreensão mais precisa dessa obra. Contudo, acreditamos que este primeiro passo, aqui empreendido, ensejará discussões e críticas que enriquecerão a discussão sobre a obra desse importante compositor latino-americano. Referências Bibliográficas: HERNÁNDEZ, Isabelle. Leo Brouwer. Havana: Editora Musical de Cuba, 2000. HJELMSLEV, Louis. Prolegômenos à uma Teoria da Linguagem. São Paulo: Perspectiva, 1975. KOSTKA, Stefan M.. Materials and techniques of twentieth-century music. 3 ed. Upper Saddle River: Prentice-Hall, 2006. SAUSSURE, Ferdinand. Curso de Linguística Geral, São Paulo: Cultrix, 1997. STRAUS, Joseph. Introduction to post tonal theory. 3 ed. Upper Saddle River: Prentice-Hall, 2005. SCHAEFFER, Pierre. Tratado dos Objetos Musicais, Brasília: EdUnB, 1993.